19. Se tomarmos a palavra milagre em sua acepção etimológica,
no sentido de coisa admirável, teremos milagres
incessantemente sob as vistas. Aspiramo-los no ar e calcamo-los aos pés, porque tudo então é milagre em a natureza.
Querem dar ao povo, aos ignorantes, aos pobres de espírito
uma ideia do poder de Deus? Mostrem-no na sabedoria
infinita que preside a tudo, no admirável organismo de
tudo o que vive, na frutificação das plantas, na apropriação
de todas as partes de cada ser às suas necessidades, de
acordo com o meio onde ele é posto a viver. Mostrem-lhes a
ação de Deus na vergôntea de um arbusto, na flor que desabrocha,
no Sol que tudo vivifica. Mostrem-lhes a sua bondade
na solicitude que dispensa a todas as criaturas, por
mais ínfimas que sejam, a sua previdência, na razão de ser
de todas as coisas, entre as quais nenhuma inútil se conta,
no bem que sempre decorre de um mal aparente e temporário.
Façam-lhes compreender, principalmente, que o mal
real é obra do homem e não de Deus; não procurem espavori-los
com o quadro das penas eternas, em que acabam
não mais crendo e que os levam a duvidar da bondade de
Deus; antes, deem-lhes coragem, mediante a certeza de poderem
um dia redimir-se e reparar o mal que hajam praticado.
Apontem-lhes as descobertas da ciência como revelações das leis divinas e não como obras de Satanás.
Ensinem-lhes, finalmente, a ler no livro da natureza, constantemente
aberto diante deles; nesse livro inesgotável, em
cada uma de cujas páginas se acham inscritas a sabedoria
e a bondade do Criador. Eles, então, compreenderão que
um Ser tão grande, que com tudo se ocupa, que por tudo
vela, que tudo prevê, forçosamente dispõe do poder supremo. Vê-lo-á o lavrador, ao sulcar o seu campo; e o desditoso,
nas suas aflições, o bendirá dizendo: Se sou infeliz, é
por culpa minha. Então, os homens serão verdadeiramente
religiosos, racionalmente religiosos, sobretudo, muito mais
do que acreditando em pedras que suam sangue, ou em
estátuas que piscam os olhos e derramam lágrimas.