Curas.
— Perda de sangue.
10. Então, uma mulher, que havia doze anos sofria de uma hemorragia;
— que sofrera muito nas mãos dos médicos e que, tendo
gasto todos os seus haveres, nenhum alívio conseguira — como
ouvisse falar de Jesus, veio com a multidão atrás dele e lhe tocou
as vestes, porquanto, dizia: Se eu conseguir ao menos lhe tocar
nas vestes, ficarei curada. — No mesmo instante o fluxo sanguíneo lhe cessou e ela sentiu em seu corpo que estava curada
daquela enfermidade.
Logo, Jesus, conhecendo em si mesmo a virtude que dele
saíra, se voltou no meio da multidão e disse: Quem me tocou as
vestes? — Seus discípulos lhe disseram: Vês que a multidão te
aperta de todos os lados e perguntas quem te tocou? — Ele
olhava em torno de si à procura daquela que o tocara.
A mulher, que sabia o que se passara em si, tomada de medo
e pavor, veio lançar-se-lhe aos pés e lhe declarou toda a verdade.
— Disse-lhe Jesus: Minha filha, tua fé te salvou; vai em paz e fica
curada da tua enfermidade. (S. Marcos, 5:25–34.)
11. Estas palavras: conhecendo em si mesmo a virtude que
dele saíra, são significativas. Exprimem o movimento fluídico
que se operara de Jesus para a doente; ambos experimentaram
a ação que acabara de produzir-se. É de notar-se
que o efeito não foi provocado por nenhum ato da vontade
de Jesus; não houve magnetização, nem imposição das mãos.
Bastou a irradiação fluídica normal para realizar a cura.
Mas, por que essa irradiação se dirigiu para aquela
mulher e não para outras pessoas, uma vez que Jesus não
pensava nela e tinha a cercá-lo a multidão?
É bem simples a razão. Considerado como matéria terapêutica,
o fluido tem que atingir a matéria orgânica, a
fim de repará-la; pode então ser dirigido sobre o mal pela
vontade do curador, ou atraído pelo desejo ardente, pela
confiança, numa palavra: pela fé do doente. Com relação à
corrente fluídica, o primeiro age como uma bomba calcante
e o segundo como uma bomba aspirante. Algumas vezes, é
necessária a simultaneidade das duas ações; doutras, basta
uma só. O segundo caso foi o que ocorreu na circunstância
de que tratamos.
Razão, pois, tinha Jesus para dizer: Tua fé te salvou.
Compreende-se que a fé a que ele se referia não é uma
virtude mística, qual a entendem muitas pessoas, mas uma
verdadeira força atrativa, de sorte que aquele que não a
possui opõe à corrente fluídica uma força repulsiva, ou,
pelo menos, uma força de inércia, que paralisa a ação. Assim
sendo, também, se compreende que, apresentando-se
ao curador dois doentes da mesma enfermidade, possa um ser curado e outro não. É este um dos mais importantes
princípios da mediunidade curadora e que explica certas
anomalias aparentes, apontando-lhes uma causa muito
natural. (Cap. XIV, n.
os 31, 32 e 33.)
— Cego de Betsaida.
12. Tendo chegado a Betsaida, trouxeram-lhe um cego e lhe pediam
que o tocasse. Tomando o cego pela mão, ele o levou para
fora do burgo, passou-lhe saliva nos olhos e, havendo-lhe imposto
as mãos, lhe perguntou se via alguma coisa. — O homem,
olhando, disse: Vejo a andar homens que me parecem árvores. —
Jesus lhe colocou de novo as mãos sobre os olhos e ele começou a
ver melhor. Afinal, ficou tão perfeitamente curado, que via distintamente
todas as coisas. — Ele o mandou para casa, dizendo-lhe:
Vai para tua casa; se entrares no burgo, a ninguém digas o que se
deu contigo. (S. Marcos, 8:22–26.)
13. Aqui, é evidente o efeito magnético; a cura não foi instantânea,
porém gradual e consequente a uma ação prolongada
e reiterada, se bem que mais rápida do que na
magnetização ordinária. A primeira sensação que o homem
teve foi exatamente a que experimentam os cegos ao recobrarem
a vista. Por um efeito de óptica, os objetos lhes
parecem de tamanho exagerado.
— Paralítico.
14. Tendo subido para uma barca, Jesus atravessou o lago e veio
à sua cidade (Cafarnaum). — Como lhe apresentassem um paralítico deitado em seu leito, Jesus, notando-lhe a fé, disse
ao paralítico: Meu filho, tem confiança; perdoados te são os teus
pecados.
Logo alguns escribas disseram entre si: Este homem blasfema.
— Jesus, tendo percebido o que eles pensavam, perguntou-lhes: Por que alimentais maus pensamentos em vossos corações? — Pois, que é mais fácil dizer: — Teus pecados te são
perdoados, ou dizer: Levanta-te e anda?
Ora, para que saibais que o Filho do homem tem na Terra o
poder de remitir os pecados: Levanta-te, disse então ao paralítico,
toma o teu leito e vai para tua casa.
O paralítico se levantou imediatamente e foi para sua casa.
Vendo aquele milagre, o povo se encheu de temor e rendeu graças
a Deus, por haver concedido tal poder aos homens. (S. Mateus,
9:1–8.)
15. Que significariam aquelas palavras: “Teus pecados te
são remitidos” e em que podiam elas influir para a cura? O
Espiritismo lhes dá a explicação, como a uma infinidade de
outras palavras incompreendidas até hoje. Por meio da pluralidade
das existências, ele ensina que os males e aflições
da vida são muitas vezes expiações do passado, bem como
que sofremos na vida presente as consequências das faltas
que cometemos em existência anterior e, assim, até que
tenhamos pago a dívida de nossas imperfeições, pois que
as existências são solidárias umas com as outras.
Se, portanto, a enfermidade daquele homem era uma
expiação do mal que ele praticara, o dizer-lhe Jesus: “Teus
pecados te são remitidos” equivalia a dizer-lhe: “Pagaste a tua dívida; a fé que agora possuis elidiu a causa da tua
enfermidade; conseguintemente, mereces ficar livre dela.”
Daí o haver dito aos escribas: “Tão fácil é dizer: Teus pecados
te são perdoados, como: Levanta-te e anda.” Cessada a
causa, o efeito tem que cessar. É precisamente o caso do
encarcerado a quem se declara: “Teu crime está expiado e
perdoado”, o que equivaleria a se lhe dizer: “Podes sair da
prisão.”
— Os dez leprosos.
16. Um dia, indo ele para Jerusalém, passava pelos confins da
Samaria e da Galileia — e, estando prestes a entrar numa aldeia,
dez leprosos vieram ao seu encontro e, conservando-se afastados,
clamaram em altas vozes: Jesus, Senhor nosso, tem piedade
de nós. — Dando com eles, disse-lhes Jesus: Ide mostrar-vos aos
sacerdotes. Quando iam a caminho, ficaram curados. — Um deles, vendo-se curado, voltou sobre seus passos, glorificando
a Deus em altas vozes; — e foi lançar-se aos pés de
Jesus, com o rosto em terra, a lhe render graças. Esse
era samaritano. — Disse então Jesus: Não foram curados todos dez? Onde estão
os outros nove? — Nenhum deles houve que voltasse e glorificasse
a Deus, a não ser este estrangeiro? — E disse a esse:
Levanta-te; vai; tua fé te salvou. (S. Lucas, 17:11–19.)
17. Os samaritanos eram cismáticos, mais ou menos como
os protestantes com relação aos católicos, e os judeus os
tinham em desprezo, como heréticos. Curando indistintamente
os judeus e os samaritanos, dava Jesus, ao mesmo
tempo, uma lição e um exemplo de tolerância; e fazendo ressaltar que só o samaritano voltara a glorificar a Deus,
mostrava que havia nele maior soma de verdadeira fé e de
reconhecimento, do que nos que se diziam ortodoxos. Acrescentando:
“Tua fé te salvou”, fez ver que Deus considera o
que há no âmago do coração e não a forma exterior da
adoração. Entretanto, também os outros tinham sido curados.
Fora mister que tal se verificasse, para que ele pudesse
dar a lição que tinha em vista e tornar-lhes evidente a
ingratidão. Quem sabe, porém, o que daí lhes haja resultado;
quem sabe se eles terão se beneficiado da graça que lhes
foi concedida? Dizendo ao samaritano: “Tua fé te salvou”, dá
Jesus a entender que o mesmo não aconteceu aos outros.
— Mão seca.
18. Doutra vez entrou Jesus no templo e aí encontrou um homem
que tinha seca uma das mãos. — E eles o observavam para
ver se ele o curaria em dia de sábado, para terem um motivo de o
acusar. — Então, disse ele ao homem que tinha a mão seca: Levanta-te
e coloca-te ali no meio. — Depois, disse-lhes: É permitido
em dia de sábado fazer o bem ou mal, salvar a vida ou tirá-la?
Eles permaneceram em silêncio. — Ele, porém, encarando-os com
indignação, tanto o afligia a dureza de seus corações, disse ao
homem: Estende a tua mão. Ele a estendeu e ela se tornou sã. — Logo os fariseus saíram e se reuniram contra ele em
conciliábulo com os herodianos, sobre o meio de o perderem. —
Mas, Jesus se retirou com seus discípulos para o mar, acompanhando-o
grande multidão de povo da Galileia e da Judéia — de
Jerusalém, da Idumeia e de além Jordão; e os das cercanias de
Tiro e de Sídon, tendo ouvido falar das coisas que ele fazia,
vieram em grande número ao seu encontro. (S. Marcos, 3:1–8.)
— A mulher curvada.
19. Todos os dias de sábado Jesus ensinava numa sinagoga. —
Um dia, viu ali uma mulher possuída de um Espírito que a punha
doente, havia dezoito anos; era tão curvada, que não podia olhar
para cima. — Vendo-a, Jesus a chamou e lhe disse: Mulher, estás
livre da tua enfermidade. — Impôs-lhe ao mesmo tempo as mãos
e ela, endireitando-se, rendeu graças a Deus. — Mas, o chefe da sinagoga, indignado por haver Jesus feito
uma cura em dia de sábado, disse ao povo: Há seis dias destinados
ao trabalho; vinde nesses dias para serdes curados e não nos
dias de sábado. — O Senhor, tomando a palavra, disse-lhe: Hipócrita, qual de
vós não solta da carga o seu boi ou seu jumento em dia de sábado
e não o leva a beber? — Por que então não se deveria libertar, em
dia de sábado, dos laços que a prendiam, esta filha de Abraão,
que Satanás conservara atada durante dezoito anos? — A estas palavras, todos os seus adversários ficaram confusos
e todo o povo encantado de vê-lo praticar tantas ações gloriosas.
(S. Lucas, 13:10–17.)
20. Este fato prova que naquela época a maior parte das
enfermidades era atribuída ao demônio e que todos confundiam,
como ainda hoje, os possessos com os doentes,
mas em sentido inverso, isto é, hoje, os que não acreditam
nos maus Espíritos confundem as obsessões com as
moléstias patológicas.
— O paralítico da piscina.
21. Depois disso, tendo chegado a festa dos judeus, Jesus foi a
Jerusalém. — Ora, havia em Jerusalém a piscina das ovelhas, que se chama em hebreu Betesda, a qual tinha cinco galerias —
onde, em grande número, se achavam deitados doentes, cegos,
coxos e os que tinham ressecados os membros, todos à espera de
que as águas fossem agitadas — Porque, o anjo do Senhor, em
certa época, descia àquela piscina e lhe movimentava a água e
aquele que fosse o primeiro a entrar nela, depois de ter sido movimentada
a água, ficava curado, qualquer que fosse a sua doença. — Ora, estava lá um homem que se achava doente havia trinta
e oito anos. — Jesus, tendo-o visto deitado e sabendo-o doente
desde longo tempo, perguntou-lhe: Queres ficar curado? — O
doente respondeu: Senhor, não tenho ninguém que me lance na
piscina depois que a água for movimentada; e, durante o tempo
que levo para chegar lá, outro desce antes de mim. — Disse-lhe
Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e vai-te. — No mesmo instante
o homem se achou curado e, tomando de seu leito, pôs-se a
andar. Ora, aquele dia era um sábado. — Disseram então os judeus ao que fora curado: Não te é permitido
levares o teu leito. — Respondeu o homem: Aquele que me
curou disse: Toma o teu leito e anda. — Perguntaram-lhe eles
então: Quem foi esse que te disse: Toma o teu leito e anda?
— Mas, nem mesmo o que fora curado sabia quem o curara,
porquanto Jesus se retirara do meio da multidão que lá estava. — Depois, encontrando aquele homem no templo, Jesus lhe
disse: Vês que foste curado; não tornes de futuro a pecar, para
que te não aconteça coisa pior. — O homem foi ter com os judeus e lhes disse que fora Jesus
quem o curara. — Era por isso que os judeus perseguiam a Jesus,
porque ele fazia essas coisas em dia de sábado. — Então,
Jesus lhes disse: Meu Pai não cessa de obrar até ao presente e eu
também obro incessantemente. (S. João, 5:1–17.)
22. “Piscina” (da palavra latina piscis, peixe), entre os romanos,
eram chamados os reservatórios ou viveiros onde
se criavam peixes. Mais tarde, o termo se tornou extensivo
aos tanques destinados a banhos em comum.
A piscina de Betesda, em Jerusalém, era uma cisterna,
próxima ao Templo, alimentada por uma fonte natural,
cuja água parece ter tido propriedades curativas. Era, sem
dúvida, uma fonte intermitente que, em certas épocas, jorrava
com força, agitando a água. Segundo a crença vulgar,
esse era o momento mais propício às curas. Talvez que, na
realidade, ao brotar da fonte a água, mais ativas fossem as
suas propriedades, ou que a agitação que o jorro produzia
na água fizesse vir à tona a vasa salutar para algumas moléstias.
Tais efeitos são muito naturais e perfeitamente conhecidos
hoje; mas, então, as ciências estavam pouco adiantadas e
à maioria dos fenômenos incompreendidos se atribuíam uma
causa sobrenatural. Os judeus, pois, tinham a agitação da
água como devida à presença de um anjo e tanto mais
fundadas lhes pareciam essas crenças, quanto viam que,
naquelas ocasiões, mais curativa se mostrava a água.
Depois de haver curado aquele paralítico, disse-lhe
Jesus: “Para o futuro não tornes a pecar, a fim de que não
te aconteça coisa pior.” Por essas palavras, deu-lhe a entender
que a sua doença era uma punição e que, se ele não
se melhorasse, poderia vir a ser de novo punido e com mais
rigor, doutrina essa inteiramente conforme à do Espiritismo.
23. Jesus como que fazia questão de operar suas curas em
dia de sábado, para ter ensejo de protestar contra o rigorismo
dos fariseus no tocante à guarda desse dia. Queria mostrar-lhes que a verdadeira piedade não consiste na observância
das práticas exteriores e das formalidades; que a
piedade está nos sentimentos do coração. Justificava-se,
declarando: “Meu Pai não cessa de obrar até ao presente e
eu também obro incessantemente.” Quer dizer: Deus não
interrompe suas obras, nem sua ação sobre as coisas da
natureza, em dia de sábado. Ele não deixa de fazer que se
produza tudo quanto é necessário à vossa alimentação e à
vossa saúde; eu lhe sigo o exemplo.
— Cego de nascença.
24. Ao passar, viu Jesus um homem que era cego desde que
nascera; — e seus discípulos lhe fizeram esta pergunta: Mestre,
foi pecado desse homem, ou dos que o puseram no mundo, que
deu causa a que ele nascesse cego? — Jesus lhes respondeu: Não
é por pecado dele, nem dos que o puseram no mundo; mas, para
que nele se patenteiem as obras do poder de Deus. É preciso que
eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; vem
depois a noite, na qual ninguém pode fazer obras. — Enquanto
estou no mundo, sou a luz do mundo. — Tendo dito isso, cuspiu no chão e, havendo feito lama com a
sua saliva, ungiu com essa lama os olhos do cego — e lhe disse:
Vai lavar-te na piscina de Siloé, que significa Enviado. Ele foi,
lavou-se e voltou vendo claro. — Seus vizinhos e os que o viam antes a pedir esmolas diziam:
Não é este o que estava assentado e pedia esmola? Uns respondiam:
É ele; outros diziam: Não, é um que se parece com ele. O homem,
porém, lhes dizia: Sou eu mesmo. — Perguntaram-lhe então: Como
se te abriram os olhos? — Ele respondeu: Aquele homem que se
chama Jesus fez um pouco de lama e passou nos meus olhos, dizendo: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e vejo. —
Disseram-lhe: Onde está ele? Respondeu o homem: Não sei. — Levaram então aos fariseus o homem que estivera cego. —
Ora, fora num dia de sábado que Jesus fizera aquela lama e lhe
abrira os olhos. — Também os fariseus o interrogaram para saber como recobrara
a vista. Ele lhes disse: Ele me pôs lama nos olhos, eu me
lavei e vejo. — Ao que alguns fariseus retrucaram: Esse homem
não é enviado de Deus, pois que não guarda o sábado. Outros,
porém, diziam: Como poderia um homem mau fazer prodígios tais?
Havia, a propósito, dissensão entre eles. — Disseram de novo ao que fora cego: E tu, que dizes desse
homem que te abriu os olhos? Ele respondeu: Digo que é um
profeta. — Mas, os judeus não acreditaram que aquele homem
houvesse estado cego e que houvesse recobrado a vista, enquanto
não fizeram vir o pai e a mãe dele — e os interrogaram assim:
É este o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele
agora vê? — O pai e a mãe responderam: Sabemos que esse é
nosso filho e que nasceu cego; — não sabemos, porém, como agora
vê e tampouco sabemos quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o;
ele já tem idade, que responda por si mesmo. — Seu pai e sua mãe falavam desse modo, porque temiam os
judeus, visto que estes já haviam resolvido em comum que quem
quer que reconhecesse a Jesus como sendo o Cristo seria expulso
da sinagoga. — Foi o que obrigou o pai e a mãe do rapaz a responderem:
Ele já tem idade; interrogai-o. — Chamaram pela segunda vez o homem que estivera cego e lhe
disseram: Glorifica a Deus; sabemos que esse homem é um pecador.
Ele lhes respondeu: Se é um pecador, não sei, tudo o que sei é que estava cego e agora vejo. — Tornaram a perguntar-lhe: Que te
fez ele e como te abriu os olhos? — Respondeu o homem: Já vo-lo
disse e bem o ouvistes; por que quereis ouvi-lo segunda vez? Será
que queirais tornar-vos seus discípulos? — Ao que eles o carregaram
de injúrias e lhe disseram: Sê tu seu discípulo; quanto a
nós, somos discípulos de Moisés. — Sabemos que Deus falou a
Moisés, ao passo que este não sabemos donde saiu. — O homem lhes respondeu: É de espantar que não saibais
donde ele é e que ele me tenha aberto os olhos. — Ora, sabemos
que Deus não exalça os pecadores; mas, àquele que o honre e
faça a sua vontade, a esse Deus exalça. — Desde que o mundo
existe, jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a
um cego de nascença. — Se esse homem não fosse um enviado de
Deus, nada poderia fazer de tudo o que tem feito. — Disseram-lhe os fariseus: Tu és todo pecado, desde o ventre
de tua mãe, e queres ensinar-nos a nós? E o expulsaram.
(S. João, 9:1–34.)
25. Esta narrativa, tão simples e singela, traz em si evidente
o cunho da veracidade. Nada aí há de fantasista, nem de
maravilhoso. É uma cena da vida real apanhada em flagrante.
A linguagem do cego é exatamente a desses homens
simples, nos quais o bom-senso supre a falta de saber
e que retrucam com bonomia aos argumentos de seus
adversários, expendendo razões a que não faltam justeza,
nem oportunidade. O tom dos fariseus, por outro lado, é o
dos orgulhosos que nada admitem acima de suas inteligências
e que se enchem de indignação à só ideia de que um
homem do povo lhes possa fazer observações. Afora a cor
local dos nomes, dir-se-ia ser do nosso tempo o fato.
Ser expulso da sinagoga equivalia a ser posto fora da
Igreja. Era uma espécie de excomunhão. Os espíritas, cuja
doutrina é a do Cristo de acordo com o progresso das luzes
atuais, são tratados como os judeus que reconheciam em
Jesus o Messias. Excomungando-os, a Igreja os põe fora de
seu seio, como fizeram os escribas e os fariseus com os
seguidores do Cristo. Assim, aí está um homem que é expulso
porque não pode admitir seja um possesso do demônio aquele que o curara e porque rende graças a Deus pela
sua cura!
Não é o que fazem com os espíritas? Obter dos Espíritos
salutares conselhos, a reconciliação com Deus e com o
bem, curas, tudo isso é obra do diabo e sobre os que isso
conseguem lança-se anátema. Não se têm visto padres declararem,
do alto do púlpito, que é melhor uma pessoa conservar-se
incrédula do que recobrar a fé por meio do Espiritismo?
Não há os que dizem a doentes que estes não deviam
ter procurado curar-se com os espíritas que possuem esse
dom, porque esse dom é satânico? Não há os que pregam
que os necessitados não devem aceitar o pão que os espíritas
distribuem, por ser do diabo esse pão? Que outra coisa
diziam ou faziam os padres judeus e os fariseus? Aliás,
fomos avisados de que tudo hoje tem que se passar como
ao tempo do Cristo.
A pergunta dos discípulos — Foi algum pecado deste
homem que deu causa a que ele nascesse cego?
— revela que
eles tinham a intuição de uma existência anterior, pois, do
contrário, ela careceria de sentido, visto que um pecado somente pode ser causa de uma enfermidade de nascença,
se cometido antes do nascimento, portanto, numa existência
anterior. Se Jesus considerasse falsa semelhante ideia,
ter-lhes-ia dito: “Como houvera este homem podido pecar
antes de ter nascido?” Em vez disso, porém, diz que aquele
homem estava cego, não por ter pecado, mas para que nele
se patenteasse o poder de Deus, isto é, para que servisse de
instrumento a uma manifestação do poder de Deus. Se não
era uma expiação do passado, era uma provação apropriada
ao progresso daquele Espírito, porquanto Deus, que é
justo, não lhe imporia um sofrimento sem utilidade.
Quanto ao meio empregado para a sua cura, evidentemente
aquela espécie de lama feita de saliva e terra nenhuma
virtude podia encerrar, a não ser pela ação do fluido
curativo de que fora impregnada. É assim que as mais insignificantes
substâncias, como a água, por exemplo, podem
adquirir qualidades poderosas e efetivas, sob a ação
do fluido espiritual ou magnético, ao qual elas servem de
veículo, ou, se quiserem, de reservatório.
— Numerosas curas operadas por Jesus.
26. Jesus ia por toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando
o Evangelho do reino e curando todos os langores e todas
as enfermidades no meio do povo. — Tendo-se a sua reputação
espalhado por toda a Síria; traziam-lhe os que estavam doentes e
afligidos por dores e males diversos, os possessos, os lunáticos,
os paralíticos e ele a todos curava. — Acompanhava-o grande
multidão de povo da Galileia, de Decápolis, de Jerusalém, da
Judeia e de além Jordão. (S. Mateus, 4:23–25.)
27. De todos os fatos que dão testemunho do poder de Jesus,
os mais numerosos são, não há contestar, as curas.
Queria ele provar dessa forma que o verdadeiro poder é o
daquele que faz o bem; que o seu objetivo era ser útil e não
satisfazer à curiosidade dos indiferentes, por meio de
coisas extraordinárias.
Aliviando os sofrimentos, prendia a si as criaturas pelo
coração e fazia prosélitos mais numerosos e sinceros, do
que se apenas os maravilhasse com espetáculos para os
olhos. Daquele modo, fazia-se amado, ao passo que se se
limitasse a produzir surpreendentes fatos materiais, conforme
os fariseus reclamavam, a maioria das pessoas não
teria visto nele senão um feiticeiro, ou um mágico hábil,
que os desocupados iriam apreciar para se distraírem.
Assim, quando João Batista manda, por seus discípulos,
perguntar-lhe se ele era o Cristo, a sua resposta não
foi: “Eu o sou”, como qualquer impostor houvera podido
dizer. Tampouco lhes fala de prodígios, nem de coisas maravilhosas;
responde-lhes simplesmente: “Ide dizer a João:
os cegos veem, os doentes são curados, os surdos ouvem, o
Evangelho é anunciado aos pobres.” O mesmo era que dizer:
“Reconhecei-me pelas minhas obras; julgai da árvore
pelo fruto”, porquanto era esse o verdadeiro caráter da sua
missão divina.
28. O Espiritismo, igualmente, pelo bem que faz é que prova
a sua missão providencial. Ele cura os males físicos,
mas cura, sobretudo, as doenças morais e são esses os
maiores prodígios que lhe atestam a procedência. Seus mais
sinceros adeptos não são os que se sentem tocados pela observação de fenômenos extraordinários, mas os que dele
recebem a consolação para suas almas; os a quem liberta
das torturas da dúvida; aqueles a quem levantou o ânimo
na aflição, que hauriram forças na certeza, que lhes trouxe,
acerca do futuro, no conhecimento do seu ser espiritual
e de seus destinos. Esses os de fé inabalável, porque
sentem e compreendem.
Os que no Espiritismo unicamente procuram efeitos
materiais, não lhe podem compreender a força moral. Daí
vem que os incrédulos, que apenas o conhecem através de
fenômenos cuja causa primária não admitem, consideram
os espíritas meros prestidigitadores e charlatães. Não será,
pois, por meio de prodígios que o Espiritismo triunfará da
incredulidade será pela multiplicação dos seus benefícios
morais, porquanto, se é certo que os incrédulos não admitem
os prodígios, não menos certo é que conhecem, como
toda gente, o sofrimento e as aflições e ninguém recusa
alívio e consolação.