CAPÍTULO XVIII
SÃO CHEGADOS OS TEMPOS
Sinais dos tempos. — A geração nova.
Sinais dos tempos.
1. São chegados os tempos, dizem-nos de todas as partes,
marcados por Deus, em que grandes acontecimentos se vão
dar para regeneração da humanidade. Em que sentido se
devem entender essas palavras proféticas? Para os incrédulos, nenhuma importância têm; aos seus olhos, nada mais
exprimem que uma crença pueril, sem fundamento. Para a
maioria dos crentes, elas apresentam qualquer coisa de místico
e de sobrenatural, parecendo-lhes prenunciadoras da
subversão das leis da natureza. São igualmente errôneas
ambas essas interpretações; a primeira, porque envolve uma
negação da Providência; a segunda, porque tais palavras
não anunciam a perturbação das leis da natureza, mas o
cumprimento dessas leis.
2. Tudo na criação é harmonia; tudo revela uma previdência
que não se desmente, nem nas menores, nem nas maiores
coisas. Temos, pois, que afastar, desde logo, toda idéia
de capricho, por inconciliável com a sabedoria divina. Em
segundo lugar, se a nossa época está designada para a
realização de certas coisas, é que estas têm uma razão de
ser na marcha do conjunto.
Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o
que existe, esta submetido à lei do progresso. Ele progride,
fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem
e, moralmente, pela depuração dos Espíritos encarnados
e desencarnados que o povoam. Ambos esses progressos
se realizam paralelamente, porquanto o melhoramento
da habitação guarda relação com o do habitante. Fisicamente,
o globo terráqueo há experimentado transformações que a
ciência tem comprovado e que o tornaram sucessivamente
habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados. Moralmente,
a humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência,
do senso moral e do abrandamento dos costumes.
Ao mesmo tempo que o melhoramento do globo se opera
sob a ação das forças materiais, os homens para isso
concorrem pelos esforços de sua inteligência. Saneiam as
regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações
e mais produtiva a terra.
De duas maneiras se executa esse duplo progresso: uma,
lenta, gradual e insensível; a outra, caracterizada por mudanças
bruscas, a cada uma das quais corresponde um
movimento ascensional mais rápido, que assinala, mediante
impressões bem acentuadas, os períodos progressivos da
humanidade. Esses movimentos, subordinados, quanto às particularidades, ao livre-arbítrio dos homens, são, de certo
modo, fatais em seu conjunto, porque estão sujeitos a
leis, como os que se verificam na germinação, no crescimento
e na maturidade das plantas. Por isso é que o movimento
progressivo se efetua, às vezes, de modo parcial, isto
é, limitado a uma raça ou a uma nação, doutras vezes, de
modo geral.
O progresso da humanidade se cumpre, pois, em virtude
de uma lei. Ora, como todas as leis da natureza são
obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo o
que é efeito dessas leis resulta da vontade de Deus, não de
uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade
imutável. Quando, por conseguinte, a humanidade está madura
para subir um degrau, pode dizer-se que são chegados
os tempos marcados por Deus, como se pode dizer também
que, em tal estação, eles chegam para a maturação
dos frutos e sua colheita.
3. Do fato de ser inevitável, porque é da natureza o movimento
progressivo da humanidade, não se segue que Deus
lhe seja indiferente e que, depois de ter estabelecido leis, se
haja recolhido à inação, deixando que as coisas caminhem
por si sós. Sem dúvida, suas leis são eternas e imutáveis,
mas porque a sua própria vontade é eterna e constante e
porque o seu pensamento anima sem interrupção todas as
coisas; esse pensamento, que em tudo penetra, é a força
inteligente e permanente que mantém a harmonia em tudo.
Cessasse ele um só instante de atuar e o universo seria
como um relógio sem pêndulo regulador. Deus, pois, vela
incessantemente pela execução de suas leis e os Espíritos
que povoam o espaço são seus ministros, encarregados de atender aos pormenores, dentro de atribuições que correspondem
ao grau de adiantamento que tenham alcançado.
4. O universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável,
acionado por um número incontável de inteligências,
e um imenso governo em o qual cada ser inteligente
tem a sua parte de ação sob as vistas do soberano Senhor,
cuja vontade única mantém por toda parte a unidade. Sob
o império dessa vasta potência reguladora, tudo se move,
tudo funciona em perfeita ordem. Onde nos parece haver
perturbações, o que há são movimentos parciais e isolados,
que se nos afiguram irregulares apenas porque circunscrita
é a nossa visão. Se lhes pudéssemos abarcar o conjunto,
veríamos que tais irregularidades são apenas aparentes e
que se harmonizam com o todo.
5. A humanidade tem realizado, até ao presente, incontestáveis
progressos. Os homens, com a sua inteligência, chegaram
a resultados que jamais haviam alcançado, sob o
ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material.
Resta-lhes ainda um imenso progresso a realizar: o de
fazerem que entre si reinem a caridade, a fraternidade, a
solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral. Não
poderiam consegui-lo nem com as suas crenças, nem com
as suas instituições antiquadas, restos de outra idade, boas
para certa época, suficientes para um estado transitório,
mas que, havendo dado tudo o que comportavam, seriam
hoje um entrave. Já não é somente de desenvolver a inteligência
o de que os homens necessitam, mas de elevar o
sentimento e, para isso, faz-se preciso destruir tudo o que
superexcite neles o egoísmo e o orgulho.
Tal o período em que doravante vão entrar e que marcará
uma das fases principais da vida da humanidade. Essa
fase, que neste momento se elabora, é o complemento indispensável
do estado precedente, como a idade viril o é da
juventude. Ela podia, pois, ser prevista e predita de antemão
e é por isso que se diz que são chegados os tempos
determinados por Deus.
6. Nestes tempos, porém, não se trata de uma mudança
parcial, de uma renovação limitada a certa região, ou a um
povo, a uma raça. Trata-se de um movimento universal, a
operar-se no sentido do progresso moral. Uma nova ordem
de coisas tende a estabelecer-se, e os homens, que mais
opostos lhe são, para ela trabalham a seu mau grado. A geração
futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e
formada de elementos mais depurados, se achará possuída
de ideias e de sentimentos muito diversos dos da geração
presente, que se vai a passo de gigante. O velho mundo
estará morto e apenas viverá na História, como o estão hoje
os tempos da Idade Média, com seus costumes bárbaros e
suas crenças supersticiosas.
Aliás, todos sabem quanto ainda deixa a desejar a atual
ordem de coisas. Depois de se haver, de certo modo, considerado
todo o bem-estar material, produto da inteligência,
logra-se compreender que o complemento desse bem-estar
somente pode achar-se no desenvolvimento moral. Quanto
mais se avança, tanto mais se sente o que falta, sem que,
entretanto, se possa ainda definir claramente o que seja: é
isso efeito do trabalho íntimo que se opera em prol da regeneração.
Surgem desejos, aspirações, que são como que o
pressentimento de um estado melhor.
7. Mas, uma mudança tão radical como a que se está elaborando
não pode realizar-se sem comoções. Há, inevitavelmente,
luta de ideias. Desse conflito forçosamente se
originarão passageiras perturbações, até que o terreno
se ache aplanado e restabelecido o equilíbrio. É, pois, da
luta das idéias que surgirão os graves acontecimentos
preditos e não de cataclismos ou catástrofes puramente materiais.
Os cataclismos gerais foram consequência do estado
de formação da Terra. Hoje, não são mais as entranhas
do planeta que se agitam: são as da humanidade.
8. Se a Terra já não tem que temer os cataclismos gerais,
nem por isso deixa de estar sujeita a periódicas revoluções,
cujas causas, do ponto de vista científico, se encontram
explicadas nas instruções seguintes, promanantes de dois
Espíritos eminentes:*
“Cada corpo celeste, além das leis simples que presidem
à divisão dos dias e das noites, das estações, etc., experimenta
revoluções que demandam milhares de séculos
para sua realização completa, porém que, como as revoluções mais breves, passam por todos os períodos, desde o de
nascimento até o de um máximo de efeito, após o qual há
decrescimento, até o limite extremo, para recomeçar em
seguida o percurso das mesmas fases.
“O homem apenas apreende as fases de duração relativamente
curta e cuja periodicidade ele pode comprovar. Algumas, no entanto, há que abrangem longas gerações de
seres e, até, sucessões de raças, revoluções essas cujos efeitos,
conseguintemente, se lhe apresentam com caráter de
novidade e de espontaneidade, ao passo que, se seu olhar
pudesse projetar-se para trás alguns milhares de séculos,
veria, entre aqueles mesmos efeitos e suas causas, uma
correlação de que nem sequer suspeita. Esses períodos que,
pela sua extensão relativa, confundem a imaginação dos
humanos, não são, contudo, mais do que instantes na
duração eterna.
“Num mesmo sistema planetário, todos os corpos que
o constituem reagem uns sobre os outros; todas as influências
físicas são nele solidárias e nem um só há, dos efeitos
que designais pelo nome de grandes perturbações, que não
seja consequência da componente das influências de todo
o sistema.
“Vou mais longe: digo que os sistemas planetários reagem
uns sobre os outros, na razão da proximidade ou do
afastamento resultantes do movimento de translação deles,
através das miríades de sistemas que compõem a nossa
nebulosa. Ainda vou mais longe: digo que a nossa nebulosa,
que é um como arquipélago na imensidade, tendo
também seu movimento de translação através das miríades
de nebulosas, sofre a influência das de que ela se aproxima.
“De sorte que as nebulosas reagem sobre as nebulosas,
os sistemas reagem sobre os sistemas, como os planetas
reagem sobre os planetas, como os elementos de cada
planeta reagem uns sobre os outros e assim sucessivamente
até ao átomo. Daí, em cada mundo, revoluções locais ou gerais, que sê não parecem perturbações porque a brevidade
da vida não permite se lhes percebam mais do que os
efeitos parciais.
“A matéria orgânica não poderia escapar a essas influências;
as perturbações que ela sofre podem, pois, alterar
o estado físico dos seres vivos e determinar algumas
dessas enfermidades que atacam de modo geral as plantas,
os animais e os homens, enfermidades que, como todos os
flagelos, são, para a inteligência humana, um estimulante
que a impele, por força da necessidade, a procurar meios
de os combater e a descobrir leis da natureza.
“Mas a matéria orgânica, a seu turno, reage sobre o
Espírito. Este, pelo seu contacto e sua ligação íntima com
os elementos materiais, também sofre influências que lhe
modificam as disposições, sem, no entanto, privá-lo do
livre-arbítrio, que lhe sobreexcitam ou atenuam a atividade
e que, pois, contribuem para o seu desenvolvimento. A efervescência
que por vezes se manifesta em toda uma população, entre os homens de uma mesma raça, não é coisa fortuita,
nem resultado de um capricho; tem sua causa nas
leis da natureza. Essa efervescência, inconsciente a princípio, não passando de vago desejo, de aspiração indefinida
por alguma coisa melhor, de certa necessidade de mudança, traduz-se por uma surda agitação, depois por atos que
levam às revoluções sociais, que, acreditai-o, também têm
sua periodicidade, como as revoluções físicas, pois que tudo
se encadeia. Se não tivésseis a visão espiritual limitada pelo
véu da matéria, veríeis as correntes fluídicas que, como
milhares de fios condutores, ligam as coisas do mundo
espiritual às do mundo material.
“Quando se vos diz que a humanidade chegou a um
período de transformação e que a Terra tem que se elevar
na hierarquia dos mundos, nada de místico vejais nessas
palavras; vede, ao contrário, a execução da uma das grandes
leis fatais do universo, contra as quais se quebra toda
a má vontade humana.”
Arago.
* Extrato de duas comunicações dadas na Sociedade de Paris e
publicadas na Revue Spirite de outubro de 1868, pág. 313. São
corolários das de Galileu, reproduzidas no capítulo VI, e complementares
do capítulo IX, sobre as revoluções do globo.
9. Sim, decerto, a humanidade se transforma, como já se
transformou noutras épocas, e cada transformação se assinala
por uma crise que é, para o gênero humano, o que
são, para os indivíduos, as crises de crescimento. Aquelas
se tornam, muitas vezes, penosas, dolorosas, e arrebatam
consigo as gerações e as instituições, mas, são sempre
seguidas de uma fase de progresso material e moral.
A humanidade terrestre, tendo chegado a um desses
períodos de crescimento, está em cheio, há quase um
século, no trabalho da sua transformação, pelo que a vemos
agitar-se de todos os lados, presa de uma espécie de
febre e como que impelida por invisível força. Assim continuará,
até que se haja outra vez estabilizado em novas bases.
Quem a observar, então, achá-la-á muito mudada em
seus costumes, em seu caráter, nas suas leis, em suas crenças, numa palavra: em todo o seu estado social.
“Uma coisa que vos parecerá estranhável, mas que por
isso não deixa de ser rigorosa verdade, é que o mundo dos
Espíritos, mundo que vos rodeia, experimenta o
contrachoque de todas as comoções que abalam o mundo
dos encarnados. Digo mesmo que aquele toma parte ativa
nessas comoções. Nada tem isto de surpreendente, para
quem sabe que os Espíritos fazem corpo com a humanidade; que eles saem dela e a ela têm de voltar, sendo, pois,
natural se interessem pelos movimentos que se operam entre
os homens. Ficai, portanto, certos de que, quando uma revolução
social se produz na Terra, abala igualmente o mundo
invisível, onde todas as paixões, boas e más, se exacerbam,
como entre vós. Indizível efervescência entra a reinar na
coletividade dos Espíritos que ainda pertencem ao vosso
mundo e que aguardam o momento de a ele volver.
“À agitação dos encarnados e desencarnados se juntam
às vezes, e frequentemente mesmo, já que tudo se conjuga
em a natureza, as perturbações dos elementos físicos.
Dá-se então, durante algum tempo, verdadeira confusão
geral, mas que passa como furacão, após o qual o céu volta
a estar sereno, e a humanidade, reconstituída sobre novas
bases, imbuída de novas ideias, começa a percorrer nova
etapa de progresso.
“É no período que ora se inicia que o Espiritismo florescerá
e dará frutos. Trabalhais, portanto, mais para o
futuro, do que para o presente. Era, porém, necessário que
esses trabalhos se preparassem antecipadamente, porque
eles traçam as sendas da regeneração, pela unificação e
racionalidade das crenças. Ditosos os que deles aproveitam
desde já. Tantas penas se pouparão esses, quantos
forem os proveitos que deles aufiram.”
Doutor Barry.
10. Do que precede resulta que, em consequência do movimento
de translação que executam no espaço, os corpos
celestes exercem, uns sobre os outros, maior ou menor influência,
conforme a proximidade em que se achem entre si e as suas respectivas posições; que essa influência pode
acarretar uma perturbação momentânea aos seus elementos
constitutivos e modificar as condições de vitalidade dos
seus habitantes; que a regularidade dos movimentos determina
a volta periódica das mesmas causas e dos mesmos
efeitos; que, se demasiado curta é a duração de certos
períodos para que os homens os apreciem, outros veem
passar gerações e raças que deles não se apercebem e às
quais se afigura normal o estado de coisas que observam.
Ao contrário, as gerações contemporâneas da transição lhe
sofrem o contrachoque e tudo lhes parece fora das leis ordinárias.
Essas gerações veem uma causa sobrenatural,
maravilhosa, miraculosa no que, em realidade, mais não é
do que a execução das leis da natureza.
Se, pelo encadeamento e a solidariedade das causas e
dos efeitos, os períodos de renovação moral da humanidade
coincidem, como tudo leva a crer, com as revoluções
físicas do globo, podem os referidos períodos ser acompanhados
ou precedidos de fenômenos naturais, insólitos para
os que com eles não se acham familiarizados, de meteoros
que parecem estranhos, de recrudescência e intensificação
desusadas dos flagelos destruidores, que não são nem causa,
nem presságios sobrenaturais, mas uma consequência
do movimento geral que se opera no mundo físico e no
mundo moral.
Anunciando a época de renovação que se havia de abrir
para a humanidade e determinar o fim do velho mundo, a
Jesus, pois, foi lícito dizer que ela se assinalaria por fenômenos extraordinários, tremores de terra, flagelos diversos,
sinais no céu, que mais não são do que meteoros, sem ab-rogação das leis naturais. O vulgo, porém, ignorante,
viu nessas palavras a predição de fatos miraculosos.*
* A terrível epidemia que, de 1866 a 1868, dizimou a população da
Ilha Maurícia, teve a precedê-la tão extraordinária e tão abundante
chuva de estrelas cadentes, em novembro de 1866, que aterrorizou
os habitantes daquela ilha. A partir desse momento, a doença, que
reinava desde alguns meses de forma muito benigna, se transformou
em verdadeiro flagelo devastador. Aquele fora bem um sinal
no céu e talvez nesse sentido é que se deva entender a frase —
estrelas caindo do céu, de que fala o Evangelho, como sendo um
dos sinais dos tempos. (Pormenores sobre a epidemia da ilha
Maurícia:
Revue spirite, n.º de julho de 1867, pág. 208, e novembro de
1868, pág. 321.)
11. A previsão dos movimentos progressivos da humanidade
nada apresenta de surpreendente, quando feita por
seres desmaterializados, que veem o fim a que tendem todas
as coisas, tendo alguns deles conhecimento direto do
pensamento de Deus. Pelos movimentos parciais, esses seres
veem em que época poderá operar-se um movimento
geral, do mesmo modo que o homem pode calcular de antemão
o tempo que uma árvore levará para dar frutos, do
mesmo modo que os astrônomos calculam a época de um
fenômeno astronômico, pelo tempo que um astro gasta para
efetuar a sua revolução.
12. A humanidade é um ser coletivo em quem se operam
as mesmas revoluções morais por que passa todo ser individual,
com a diferença de que umas se realizam de ano em
ano e as outras de século em século. Acompanhe-se a humanidade
em suas evoluções através dos tempos e ver-se-á
a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a
cada época uma fisionomia especial.
13. De duas maneiras se opera, como já o dissemos, a marcha
progressiva da humanidade: uma, gradual, lenta, imperceptível,
se se considerarem as épocas consecutivas, a
traduzir-se por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis,
nos usos, melhoras que só com a continuação se podem
perceber, como as mudanças que as correntes d’água ocasionam
na superfície do globo; a outra, por movimentos
relativamente bruscos, semelhantes aos de uma torrente
que, rompendo os diques que a continham, transpõe nalguns
anos o espaço que levaria séculos a percorrer. É, então,
um cataclismo moral que traga em breves instantes as
instituições do passado e ao qual sobrevém uma nova ordem
de coisas que pouco a pouco se estabiliza, à medida
que se restabelece a calma, e que acaba por se tornar
definitiva.
Àquele que viva bastante para abranger com a vista as
duas vertentes da nova fase, parecerá que um mundo novo
surgiu das ruínas do antigo. O caráter, os costumes, os
usos, tudo está mudado. É que, com efeito, surgiram
homens novos, ou, melhor, regenerados. As ideias, que a
geração que se extinguiu levou consigo, cederam lugar
a ideias novas que desabrocham com a geração que se
ergue.
14. Tornada adulta, a humanidade tem novas necessidades,
aspirações mais vastas e mais elevadas; compreende o
vazio com que foi embalada, a insuficiência de suas instituições
para lhe dar felicidade; já não encontra, no estado
das coisas, as satisfações legítimas a que se sente com
direito. Despoja-se, em consequência, das faixas infantis e
se lança, impelida por irresistível força, para as margens desconhecidas, em busca de novos horizontes menos
limitados.
É a um desses períodos de transformação, ou, se o
preferirem, de crescimento moral, que ora chega a humanidade.
Da adolescência chega ao estado viril. O passado já
não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas
necessidades; ela já não pode ser conduzida pelos mesmos
métodos; não mais se deixa levar por ilusões, nem
fantasmagorias; sua razão amadurecida reclama alimentos
mais substanciosos. É demasiado efêmero o presente; ela
sente que mais amplo é o seu destino e que a vida corpórea
é excessivamente restrita para encerrá-lo inteiramente. Por
isso, mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de
descobrir num ou noutro o mistério da sua existência e
de adquirir uma consoladora certeza.
E é no momento em que ela se encontra muito apertada
na esfera material, em que transbordante se encontra
de vida intelectual, em que o sentimento da espiritualidade
lhe desabrocha no seio, que homens que se dizem filósofos
pretendem encher o vazio com as doutrinas do nadismo e
do materialismo! Singular aberração! Esses mesmos homens,
que intentam impelir para a frente a humanidade,
se esforçam por circunscrevê-la no acanhado círculo da matéria,
donde ela anseia por escapar-se. Velam-lhe o aspecto
da vida infinita e lhe dizem, apontando para o túmulo: Nec
plus ultra!
15. Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e
suas consequências e não o circunscreva à produção de
alguns fenômenos terá compreendido que ele abre à humanidade
uma estrada nova e lhe desvenda os horizontes o infinito. Iniciando-a nos mistérios do mundo invisível,
mostra-lhe o seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente
ativo, tanto no estado espiritual, como no estado
corporal. O homem já não caminha às cegas: sabe donde
vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe
revela em sua realidade, despojado dos prejuízos da ignorância
e da superstição. Já na se trata de uma vaga esperança,
mas de uma verdade palpável, tão certa como a sucessão
do dia e da noite. Ele sabe que o seu ser não se acha
limitado a alguns instantes de uma existência transitória;
que a vida espiritual não se interrompe por efeito da morte;
que já viveu e tornará a viver e que nada se perde do que
haja ganho em perfeição; em suas existências anteriores
depara com a razão do que é hoje e reconhece que: do que
ele é hoje, qual se fez a si mesmo, poderá deduzir o que virá
a ser um dia.
16. Com a ideia de que a atividade e a cooperação individuais
na obra geral da civilização se limitam à vida presente,
que, antes, a criatura nada foi e nada será depois, em
que interessa ao homem o progresso ulterior da humanidade?
Que lhe importa que no futuro os povos sejam mais
bem governados, mais ditosos, mais esclarecidos, melhores
uns para com os outros? Não fica perdido para ele todo
o progresso, pois que deste nenhum proveito tirará? De que
lhe serve trabalhar para os que hão de vir depois, se nunca
lhe será dado conhecê-los, se os seus pósteros serão criaturas
novas, que pouco depois voltarão por sua vez ao nada?
Sob o domínio da negação do futuro individual, tudo forçosamente
se amesquinha às insignificantes proporções do
momento e da personalidade.
Entretanto, que amplitude, ao contrário, dá ao pensamento
do homem a certeza da perpetuidade do seu ser espiritual!
Que de mais racional, de mais grandioso, de mais
digno do Criador do que a lei segundo a qual a vida espiritual
e a vida corpórea são apenas dois modos de existência,
que se alternam para a realização do progresso! Que de
mais justo há e de mais consolador do que a ideia de estarem
os mesmos seres a progredir incessantemente, primeiro,
através das gerações de um mesmo mundo, de mundo
em mundo depois, até à perfeição, sem solução de continuidade!
Todas as ações têm, então, uma finalidade, porquanto,
trabalhando para todos, cada um trabalha para si e reciprocamente,
de sorte que nunca se podem considerar
infecundos nem o progresso individual, nem o progresso
coletivo. De ambos esses progressos aproveitarão as gerações e as individualidades porvindouras, que outras não
virão a ser senão as gerações e as individualidades
passadas, em mais alto grau de adiantamento.
17. A fraternidade será a pedra angular da nova ordem
social; mas, não há fraternidade real, sólida, efetiva, senão
assente em base inabalável e essa base é a fé, não a fé em
tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos
e os povos e que mutuamente se apedrejam, porquanto,
anatematizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo,
mas a fé nos princípios fundamentais que toda a
gente pode aceitar e aceitará: Deus, a alma, o futuro, o progresso
individual indefinito, a perpetuidade das relações entre
os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos
de que Deus é o mesmo para todos; de que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada de injusto pode querer;
que não dele, porém dos homens vem o mal, todos se considerarão
filhos do mesmo Pai e se estenderão as mãos uns
aos outros.
Essa a fé que o Espiritismo faculta e que doravante
será o eixo em torno do qual girará o gênero humano,
quaisquer que sejam os cultos e as crenças particulares.
18. O progresso intelectual realizado até ao presente, nas
mais largas proporções, constitui um grande passo e marca
uma primeira fase no avanço geral da humanidade; impotente,
porém, ele é para regenerá-la. Enquanto o orgulho
e o egoísmo o dominarem, o homem se servirá da sua
inteligência e dos seus conhecimentos para satisfazer às
suas paixões e aos seus interesses pessoais, razão por que
os aplica em aperfeiçoar os meios de prejudicar os seus
semelhantes e de os destruir.
19. Somente o progresso moral pode assegurar aos homens
a felicidade na Terra, refreando as paixões más; somente
esse progresso pode fazer que entre os homens reinem a
concórdia, a paz, a fraternidade.
Será ele que deitará por terra as barreiras que separam
os povos, que fará caiam os preconceitos de casta e
se calem os antagonismos de seitas, ensinando os homens
a se considerarem irmãos que têm por dever auxiliarem-se
mutuamente e não destinados a viver à custa
uns dos outros.
Será ainda o progresso moral que, secundado então
pelo da inteligência, confundirá os homens numa mesma crença fundada nas verdades eternas, não sujeitas a
controvérsias e, em consequência, aceitáveis por todos.
A unidade de crença será o laço mais forte, o fundamento
mais sólido da fraternidade universal, obstada, desde
todos os tempos pelos antagonismos religiosos que dividem
os povos e as famílias, que fazem sejam uns, os
dissidentes, vistos, pelos outros, como inimigos a serem
evitados, combatidos, exterminados, em vez de irmãos a
serem amados.
20. Semelhante estado de coisas pressupõe uma mudança
radical no sentimento das massas, um progresso geral que
não se podia realizar senão fora do círculo das ideias acanhadas
e corriqueiras que fomentam o egoísmo. Em diversas
épocas, homens de escol procuraram impelir a humanidade
por esse caminho; mas, ainda muito jovem, ela se
conservou surda e os ensinamentos que eles ministraram
foram como a boa semente caída no pedregulho.
Hoje, a humanidade está madura para lançar o olhar
a alturas que nunca tentou divisar, a fim de nutrir-se de
ideias mais amplas e compreender o que antes não
compreendia.
A geração que desaparece levará consigo seus erros e
prejuízos; a geração que surge, retemperada em fonte mais
pura, imbuída de ideias mais sãs, imprimirá ao mundo
ascensional movimento, no sentido do progresso moral que
assinalará a nova fase da evolução humana.
21. Essa fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas
de reformas úteis e que começam a encontrar eco. Assim é que vemos fundar-se uma imensidade de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o influxo
e por iniciativa de homens evidentemente predestinados
à obra da regeneração; que as leis penais se vão apresentando
dia a dia impregnadas de sentimentos mais humanos.
Enfraquecem-se os preconceitos de raça, os povos entram
a considerar-se membros de uma grande família; pela
uniformidade e facilidade dos meios de realizarem suas transações,
eles suprimem as barreiras que os separavam e de
todos os pontos do mundo reúnem-se em comícios universais,
para as justas pacíficas da inteligência.
Falta, porém, a essas reformas uma base que permita
se desenvolvam, completem e consolidem; falta uma predisposição
moral mais generalizada, para fazer que elas frutifiquem
e que as massas as acolham. Ainda aí há um sinal
característico da época, porque há o prelúdio do que se
efetuará em mais larga escala, à proporção que o terreno
se for tornando mais favorável.
22. Outro sinal não menos característico do período em
que entramos encontra-se na reação que se opera no sentido
das ideias espiritualistas; na repulsão instintiva que se
manifesta contra as ideias materialistas. O espírito de incredulidade,
que se apoderara das massas, ignorantes ou
esclarecidas, e as levava a rejeitar com a forma a substância
mesma de toda crença, parece ter sido um sono, a cujo
despertar se sente a necessidade de respirar um ar mais
vivificante. Involuntariamente, lá onde o vácuo se fizera,
procura-se alguma coisa, um ponto de apoio.
23. Se supusermos possuída desses sentimentos a maioria
dos homens, poderemos facilmente imaginar as modificações que daí decorrerão para as relações sociais; todos terão
por divisa: caridade, fraternidade, benevolência para
com todos, tolerância para todas as crenças. É a meta
para que tende evidentemente a humanidade; esse o objeto
de suas aspirações, de seus desejos, sem que, entretanto,
ela perceba claramente por que meio as há de realizar. Ensaia,
tateia, mas é detida por muitas resistências ativas, ou
pela força de inércia dos preconceitos, das crenças
estacionárias e refratárias ao progresso. Faz-se-lhe mister
vencer tais resistências e essa será a obra da nova geração.
Quem acompanhar o curso atual das coisas reconhecerá
que tudo parece predestinado a lhe abrir caminho. Ela terá
por si a dupla força do número e das ideias e, de acréscimo,
a experiência do passado.
24. A nova geração marchará, pois, para a realização de
todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de
adiantamento a que houver chegado. Avançando para o
mesmo alvo e realizando seus objetivos, o Espiritismo se
encontrará com ela no mesmo terreno. Aos homens de progresso
se deparará nas ideias espíritas poderosa alavanca
e o Espiritismo achará, nos novos homens, espíritos
inteiramente dispostos a acolhê-lo. Dado esse estado de
coisas, que poderão fazer os que entendam de opor-se-lhe?
25. O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza
da humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade.
Pelo seu poder moralizador, por suas tendências de progresso,
pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto, do que
qualquer outra doutrina, a secundar o movimento de regeneração;
por isso, é ele contemporâneo desse movimento.
Surgiu na hora em que podia ser de utilidade, visto que
também para ele os tempos são chegados. Se viera mais
cedo, teria esbarrado em obstáculos insuperáveis; houvera
inevitavelmente sucumbido, porque, satisfeitos com o que
tinham, os homens ainda não sentiriam falta do que ele
lhes traz. Hoje, nascido com as ideias que fermentam, encontra
preparado o terreno para recebê-lo. Os espíritos cansados
da dúvida e da incerteza, horrorizados com o abismo
que se lhes abre à frente, o acolhem como âncora de salvação e consolação suprema.
26. Grande, por certo, é ainda o número dos retardatários;
mas, que podem eles contra a onda que se alteia, senão
atirar-lhe algumas pedras? Essa onda é a geração que surge,
ao passo que eles se somem com a geração que vai desaparecendo
todos os dias a passos largos. Até lá, porém,
eles defenderão palmo a palmo o terreno. Haverá, portanto,
uma luta inevitável, mas luta desigual, porque é a do passado
decrépito, a cair em frangalhos, contra o futuro juvenil.
Será a luta da estagnação contra o progresso, da criatura
contra a vontade do Criador, uma vez que chegados
são os tempos por ele determinados.
A geração nova.
27. Para que na Terra sejam felizes os homens, preciso é
que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados,
que somente ao bem se dediquem. Havendo chegado o tempo, grande emigração se verifica dos que a
habitam: a dos que praticam o mal pelo mal, ainda não
tocados pelo sentimento do bem, os quais, já não sendo dignos
do planeta transformado, serão excluídos, porque, senão,
lhe ocasionariam de novo perturbação e confusão e
constituiriam obstáculo ao progresso. Irão expiar o endurecimento
de seus corações, uns em mundos inferiores,
outros em raças terrestres ainda atrasadas, equivalentes a
mundos daquela ordem, aos quais levarão os conhecimentos
que hajam adquirido, tendo por missão fazê-las avançar. Substituí-los-ão Espíritos melhores, que farão reinem
em seu seio a justiça, a paz e a fraternidade.
A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se
por meio de um cataclismo que aniquile de súbito
uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova
lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança
alguma na ordem natural das coisas.
Tudo, pois, se processará exteriormente, como sói acontecer,
com a única, mas capital diferença de que uma parte
dos Espíritos que encarnavam na Terra aí não mais tornarão
a encarnar. Em cada criança que nascer, em vez de um
Espírito atrasado e inclinado ao mal, que antes nela encarnaria,
virá um Espírito mais adiantado e propenso ao bem.
Muito menos, pois, se trata de uma nova geração
corpórea, do que de uma nova geração de Espíritos. Sem
dúvida, neste sentido é que Jesus entendia as coisas, quando
declarava: “Digo-vos, em verdade, que esta geração não
passará sem que estes fatos tenham ocorrido.” Assim, decepcionados
ficarão os que contem ver a transformação
operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos.
28. A época atual é de transição; confundem-se os elementos
das duas gerações. Colocados no ponto intermédio, assistimos
à partida de uma e à chegada da outra, já se assinalando
cada uma, no mundo, pelos caracteres que lhes
são peculiares.
Têm ideias e pontos de vista opostos as duas gerações
que se sucedem. Pela natureza das disposições morais, porém,
sobretudo das disposições intuitivas e inatas, torna-se
fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.
Cabendo-lhe fundar a era do progresso moral, a nova
geração se distingue por inteligência e razão geralmente
precoces, juntas ao sentimento inato do bem e a crenças
espiritualistas, o que constitui sinal indubitável de certo
grau de adiantamento anterior. Não se comporá exclusivamente
de Espíritos eminentemente superiores, mas dos que,
já tendo progredido, se acham predispostos a assimilar todas
as ideias progressivas e aptos a secundar o movimento
de regeneração.
O que, ao contrário, distingue os Espíritos atrasados
é, em primeiro lugar, a revolta contra Deus, pelo se negarem
a reconhecer qualquer poder superior aos poderes humanos;
a propensão instintiva para as paixões degradantes,
para os sentimentos antifraternos de egoísmo, de
orgulho, de inveja, de ciúme; enfim, o apego a tudo o que é
material: a sensualidade, a cupidez, a avareza.
Desses vícios é que a Terra tem de ser expurgada pelo
afastamento dos que se obstinam em não emendar-se; porque
são incompatíveis com o reinado da fraternidade e
porque o contacto com eles constituirá sempre um sofrimento
para os homens de bem. Quando a Terra se achar livre deles, os homens caminharão sem óbices para o futuro
melhor que lhes está reservado, mesmo neste mundo,
por prêmio de seus esforços e de sua perseverança, enquanto
esperem que uma depuração mais completa lhes abra o
acesso aos mundos superiores.
29. Não se deve entender que por meio dessa emigração de
Espíritos sejam expulsos da Terra e relegados para mundos
inferiores todos os Espíritos retardatários. Muitos, ao contrário,
aí voltarão, porquanto muitos há que o são porque cederam
ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo.
Nesses, a casca é pior do que o cerne. Uma vez subtraídos
à influência da matéria e dos prejuízos do mundo corporal,
eles, em sua maioria, verão as coisas de maneira inteiramente
diversa daquela por que as viam quando em vida,
conforme os múltiplos casos que conhecemos. Para isso,
têm a auxiliá-los Espíritos benévolos que por eles se interessam
e se dão pressa em esclarecê-los e em lhes mostrar
quão falso era o caminho que seguiam. Nós mesmos, pelas
nossas preces e exortações, podemos concorrer para
que eles se melhorem, visto que entre mortos e vivos há
perpétua solidariedade.
É muito simples o modo por que se opera a transformação,
sendo, como se vê, todo ele de ordem moral, sem se
afastar em nada das leis da natureza.
30. Sejam os que componham a nova geração Espíritos
melhores, ou Espíritos antigos que se melhoraram, o resultado
é o mesmo. Desde que trazem disposições melhores,
há sempre uma renovação. Assim, segundo suas disposições naturais, os Espíritos encarnados formam duas categorias: de um lado, os retardatários, que partem; de outro,
os progressivos, que chegam. O estado dos costumes
e da sociedade estará, portanto, no seio de um povo, de
uma raça, ou do mundo inteiro, em relação com aquela das
duas categorias que preponderar.
31. Uma comparação vulgar ainda melhor dará a compreender
o que se passa nessa circunstância. Figuremos um regimento
composto na sua maioria de homens turbulentos
e indisciplinados, os quais ocasionarão nele constantes
desordens que a lei penal terá por vezes dificuldades em
reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque mais
numerosos do que os outros. Eles se amparam, animam e
estimulam pelo exemplo. Os poucos bons nenhuma influência
exercem; seus conselhos são desprezados; sofrem com
a companhia dos outros, que os achincalham e maltratam.
Não é essa uma imagem da sociedade atual?
Suponhamos que esses homens são retirados um a
um, dez a dez, cem a cem, do regimento e substituídos
gradativamente por iguais números de bons soldados, mesmo
por alguns dos que, já tendo sido expulsos, se corrigiram.
Ao cabo de algum tempo, existirá o mesmo regimento,
mas transformado. A boa ordem terá sucedido à desordem.
32. As grandes partidas coletivas, entretanto, não têm por
único fim ativar as saídas; têm igualmente o de transformar
mais rapidamente o espírito da massa, livrando-a
das más influências e o de dar maior ascendente às
ideias novas.
Por estarem muitos, apesar de suas imperfeições, maduros
para a transformação, é que muitos partem, a fim de
apenas se retemperarem em fonte mais pura. Enquanto se
conservassem no mesmo meio e sob as mesmas influências,
persistiriam nas suas opiniões e nas suas maneiras
de apreciar as coisas. Uma estada no mundo dos Espíritos
bastará para lhes descerrar os olhos, por isso que aí veem o
que não podiam ver na Terra. O incrédulo, o fanático,
o absolutista, poderão, conseguintemente, voltar com ideias
inatas de fé, tolerância e liberdade. Ao regressarem, acharão
mudadas as coisas e experimentarão a influência do
novo meio em que houverem nascido. Longe de se oporem
às novas ideias, constituir-se-ão seus auxiliares.
33. A regeneração da humanidade, portanto, não exige absolutamente
a renovação integral dos Espíritos: basta uma
modificação em suas disposições morais. Essa modificação
se opera em todos quantos lhe estão predispostos, desde
que sejam subtraídos à influência perniciosa do mundo.
Assim, nem sempre os que voltam são outros Espíritos; são
com frequência os mesmos Espíritos, mas pensando e
sentindo de outra maneira.
Quando insulado e individual, esse melhoramento passa
despercebido e nenhuma influência ostensiva alcança
sobre o mundo. Muito outro é o efeito, quando a melhora
se produz simultaneamente sobre grandes massas, porque,
então, conforme as proporções que assuma, numa geração, pode modificar profundamente as ideias de um povo
ou de uma raça.
É o que quase sempre se nota depois dos grandes choques
que dizimam as populações. Os flagelos destruidores apenas destroem corpos, não atingem o Espírito; ativam o
movimento de vaivém entre o mundo corporal e o mundo
espiritual e, por conseguinte, o movimento progressivo dos
Espíritos encarnados e desencarnados. É de notar-se que
em todas as épocas da História, às grandes crises sociais se
seguiu uma era de progresso.
34. Opera-se presentemente um desses movimentos gerais,
destinados a realizar uma remodelação da humanidade. A
multiplicidade das causas de destruição constitui sinal característico
dos tempos, visto que elas apressarão a eclosão
dos novos germens. São as folhas que caem no outono e às
quais sucedem outras folhas cheias de vida, porquanto a
humanidade tem suas estações, como os indivíduos têm
suas várias idades. As folhas mortas da humanidade caem
batidas pelas rajadas e pelos golpes de vento, porém, para
renascerem mais vivazes sob o mesmo sopro de vida, que
não se extingue, mas se purifica.
35. Para o materialista, os flagelos destruidores são calamidades
carentes de compensação, sem resultados
aproveitáveis, pois que, na opinião deles, os aludidos flagelos
aniquilam os seres para sempre. Para aquele, porém, que
sabe que a morte unicamente destrói o envoltório, tais
flagelos não acarretam as mesmas consequências e não lhe
causam o mínimo pavor; ele lhes compreende o objetivo e
não ignora que os homens não perdem mais por morrerem
juntos, do que por morrerem isolados, dado que, duma
forma ou doutra, a isso hão de todos sempre chegar.
Os incrédulos rirão destas coisas e as qualificarão de
quiméricas; mas, digam o que disserem, não fugirão à lei
comum; cairão a seu turno, como os outros, e, então, que
lhes acontecerá? Eles dizem: Nada! Viverão, no entanto, a
despeito de si próprios e se verão, um dia, forçados a abrir
os olhos.