Ressurreições.
— A filha de Jairo.
37. Tendo Jesus passado novamente, de barca, para a outra
margem, logo que desembarcou, grande multidão se lhe apinhou
ao derredor. Então, um chefe de sinagoga, chamado Jairo veio ao
seu encontro e, ao aproximar-se dele, se lhe lançou aos pés, — a
suplicar com grande instância, dizendo: Tenho uma filha que está
no momento extremo; vem impor-lhe as mãos para a curar e lhe
salvar a vida. — Jesus foi com ele, acompanhado de grande multidão, que o
comprimia. — Quando Jairo ainda falava, vieram pessoas que lhe eram
subordinadas e lhe disseram: Tua filha está morta; por que hás
de dar ao Mestre o incômodo de ir mais longe? — Jesus, porém,
ouvindo isso, disse ao chefe da sinagoga: Não te aflijas, crê apenas.
— E a ninguém permitiu que o acompanhasse, senão a Pedro,
Tiago e João, irmão de Tiago. — Chegando à casa do chefe da sinagoga, viu ele uma aglomeração
confusa de pessoas que choravam e soltavam grandes gritos.
— Entrando, disse-lhes ele: Por que fazeis tanto alarido e por
que chorais? Esta menina não está morta, está apenas adormecida.
— Zombavam dele. Tendo feito que toda a gente saísse, chamou
o pai e mãe da menina e os que tinham vindo em sua companhia
e entrou no lugar onde a menina se achava deitada. —
Tomou-lhe a mão e disse: Talitha cumi, isto é: Minha filha, levanta-te,
eu to ordeno. — No mesmo instante a menina se levantou e
se pôs a andar, pois contava doze anos, e ficaram todos maravilhados
e espantados. (S. Marcos, 5:21–43.)
— O filho da viúva de Naim.
38. No dia seguinte, dirigiu-se Jesus para uma cidade chamada
Naim; acompanhavam-no seus discípulos e grande multidão de
povo. — Quando estava perto da porta da cidade, aconteceu que
levavam a sepultar um morto, que era filho único de sua mãe e
essa mulher era viúva; estava com ela grande número de pessoas
da cidade. — Tendo-a visto, o Senhor se tomou de compaixão
para com ela e lhe disse: Não chores. — Depois, aproximando-se,
tocou o esquife e os que o conduziam pararam. Então, disse ele:
Mancebo, levanta-te, eu o ordeno. — Imediatamente, o moço se
sentou e começou a falar. E Jesus o restituiu à sua mãe. — Todos os que estavam presentes ficaram tomados de espanto
e glorificavam a Deus, dizendo: Um grande profeta surgiu entre nós
e Deus visitou o seu povo. — O rumor desse milagre que ele fizera se
espalhou por toda a Judeia e por todas as regiões circunvizinhas.
(S. Lucas, 7:11–17.)
39. Contrário seria às leis da natureza e, portanto, milagroso,
o fato de voltar à vida corpórea um indivíduo que se
achasse realmente morto. Ora, não há mister se recorra a
essa ordem de fatos, para ter-se a explicação das ressurreições que Jesus operou.
Se, mesmo na atualidade, as aparências enganam por
vezes os profissionais, quão mais frequentes não haviam
de ser os acidentes daquela natureza, num país onde nenhuma
precaução se tomava contra eles e onde o sepultamento
era imediato*. É, pois, de todo ponto provável que, nos dois casos acima, apenas síncope ou letargia houvesse.
O próprio Jesus declara positivamente, com relação à
filha de Jairo: Esta menina, disse ele, não está morta, está
apenas adormecida.
Dado o poder fluídico que ele possuía, nada de espantoso
há em que esse fluido vivificante, acionado por uma
vontade forte, haja reanimado os sentidos em torpor; que
haja mesmo feito voltar ao corpo o Espírito, prestes a
abandoná-lo, uma vez que o laço perispirítico ainda se não
rompera definitivamente. Para os homens daquela época,
que consideravam morto o indivíduo desde que deixara de
respirar, havia ressurreição em casos tais; mas, o que na
realidade havia era cura e não ressurreição, na acepção
legítima do termo.
* Uma prova desse costume se nos depara nos Atos dos Apóstolos,
5:5 e seguintes.
“Ananias, tendo ouvido aquelas palavras, caiu e rendeu o Espírito
e todos os que ouviram falar disso foram presas de grande temor.
— Logo, alguns rapazes lhe vieram buscar o corpo e, tendo-o
levado, o enterraram. — Passadas umas três horas, sua mulher
(Safira), que nada sabia do que se dera, entrou. — E Pedro lhe
disse. . . etc. — No mesmo instante, ela lhe caiu aos pés e rendeu o
Espírito. Aqueles rapazes, voltando, a encontraram morta e, levando-a,
enterraram-na junto do marido.”
40. A ressurreição de Lázaro, digam o que disserem, de
nenhum modo infirma este princípio. Ele estava, dizem,
havia quatro dias no sepulcro; sabe-se, porém, que há letargias
que duram oito dias e até mais. Acrescentam que já
cheirava mal, o que é sinal de decomposição. Esta alegação
também nada prova, dado que em certos indivíduos há decomposição
parcial do corpo, mesmo antes da morte, havendo em tal caso cheiro de podridão. A morte só se verifica
quando são atacados os órgãos essenciais à vida.
E quem podia saber que Lázaro já cheirava mal? Foi
sua irmã Maria quem o disse. Mas, como o sabia ela? Por
haver já quatro dias que Lázaro fora enterrado, ela o supunha;
nenhuma certeza, entretanto, podia ter. (Cap. XIV, n.º 29.)*
* O fato seguinte prova que a decomposição precede algumas vezes a
morte. No Convento do Bom Pastor, fundado em Toulon, pelo padre
Marin, capelão dos cárceres, e destinado às decaídas que se
arrependem, encontrava-se uma rapariga que suportara os mais
terríveis sofrimentos com a calma e a impassibilidade de uma vítima
expiatória. Em meio de suas dores parecia sorrir para uma visão
celestial. Como Santa Teresa, pedia lhe fosse dado sofrer mais,
embora suas carnes já se achassem em frangalhos, com a gangrena
a lhe devastar todos os membros. Por sábia previdência, os
médicos tinham recomendado que fizessem a inumação do corpo,
logo após o trespasse. Coisa singular! Mal a doente exalou o último
suspiro, cessou todo o trabalho de decomposição; desapareceram
as exalações cadaverosas, de sorte que durante 36 horas pôde o
corpo ficar exposto às preces e à veneração da comunidade.