2. A pequena extensão das viagens, que naquela época raramente iam além dos limites da tribo ou do vale, não permitia se comprovasse a esfericidade da Terra. Como, ao
demais, haviam de supor que a Terra fosse uma bola? Os
seres, em tal caso, somente no ponto mais elevado poderiam manter-se e, supondo-a habitada em toda a superfície, como viveriam eles no hemisfério oposto, com a cabeça
para baixo e os pés para cima? Ainda menos possível houvera parecido isso com o movimento de rotação. Quando,
mesmo aos nossos dias, em que se conhece a lei de
gravitação, se veem pessoas relativamente esclarecidas não
perceberem esse fenômeno, como nos surpreendermos de
que homens das primeiras idades não o tenham sequer suspeitado? Para eles, pois, a Terra era uma superfície plana e circular, qual uma mó de moinho, estendendo-se a perder de
vista na direção horizontal. Daí a expressão ainda em uso:
Ir ao fim do mundo. Desconheciam-lhe os limites, a espessura, o interior, a face inferior, o que lhe ficava por baixo.*
* “A mitologia hindu ensinava que, ao entardecer, o astro do dia se despojava de sua luz e atravessava o céu durante a noite com uma face obscura. A mitologia grega figurava puxado por quatro cavalos o carro de Apolo. Anaximandro, de Mileto, sustentava, ao que refere Plutarco, que o sol era um carro cheio de fogo muito vivo, que se escapava por uma abertura circular. Epicuro, segundo uns, teria emitido a opinião de que o Sol se acendia pela manhã e se apagava à noite nas águas do oceano; segundo outros, ele considerava esse astro uma pedra-pomes aquecida até à incandescência. Anaxágoras o tomava por um ferro esbraseado, do tamanho do Peloponeso. Coisa singular! os antigos eram tão invencivelmente induzidos a considerar real a grandeza aparente desse astro, que perseguiram o filósofo temerário por haver atribuído aquele volume ao facho do dia, fazendo-se necessária toda a autoridade de Péricles para salvá-lo de uma condenação à morte e para que essa pena fosse comutada na de exílio.” (Flammarion, Estudos e leituras sobre a astronomia, pág. 6.)
Diante de tais ideias, emitidas no quinto século antes do Cristo, ao tempo da maior prosperidade da Grécia, não devem causar espanto aquelas que os homens das primeiras idades faziam sobre o sistema do mundo.