CAPÍTULO VII
ESBOÇO GEOLÓGICO
DA TERRA
Períodos geológicos. — Estado primitivo do globo. — Período primário. — Período de transição. — Período secundário. — Período terciário. — Período diluviano. — Período pós-diluviano ou atual. — Nascimento do homem.
Períodos geológicos.
1. A Terra conserva em si os traços evidentes da sua formação. Acompanham-se-lhe
as fases com precisão matemática, nos diferentes terrenos que lhe constituem o
arcabouço. O conjunto desses estudos forma a ciência chamada geologia, ciência
nascida deste século [XIX] e que projetou luz sobre a tão controvertida questão da
origem do globo terreno e da dos seres vivos que o habitam. Neste ponto, não há
simples hipótese; há o resultado rigoroso da observação dos fatos e, diante dos fatos,
nenhuma dúvida se justifica. A história da formação da Terra está escrita nas
camadas geológicas, de maneira bem mais certa do que nos livros preconcebidos,
porque é a própria natureza que fala, que se põe a nu, e não a imaginação dos
homens a criar sistemas. Desde que se notem traços de fogo, pode dizer-se com
certeza que houve fogo ali; onde se vejam os da água, pode dizer-se que a água ali
esteve; desde que se observem os de animais, pode dizer-se que viveram aí animais.
A geologia é, pois, uma ciência toda de observação; só tira deduções do
que vê; sobre os pontos duvidosos, nada afirma; não emite opiniões discutíveis, por
esperar de observações mais completas a solução procurada. Sem as descobertas da
geologia, como sem as da astronomia, a gênese do mundo ainda estaria nas trevas
da lenda. Graças a elas, o homem conhece hoje a história da sua habitação, tendo desmoronado, para não mais tornar a erguer-se, a estrutura de fábulas que lhe rodeavam o berço.
2. Em todos os terrenos onde existam valas, escavações naturais ou praticadas pelo
homem, nota-se o a que se chama estratificações, isto é, camadas superpostas. Os
que apresentam essa disposição se designam pelo nome de terrenos estratificados.
Essas camadas, de espessura que varia desde alguns centímetros até 100 metros e
mais, se distinguem entre si pela cor e pela natureza das substâncias de que se
compõem. Os trabalhos de arte, a perfuração de poços, a exploração de pedreiras e,
sobretudo, de minas, facultaram observá-las até grande profundidade.
3. São em geral homogêneas as camadas, isto é, cada uma constituída da mesma
substância, ou de substâncias diversas, mas que existiram juntas e formaram um
todo compacto. A linha de separação que as isola umas das outras é sempre
nitidamente sulcada, como nas fiadas de uma construção. Em nenhuma parte se
apresentam misturadas e sumidas umas nas outras, nos pontos de seus respectivos
limites, como se dá, por exemplo, com as cores do prisma e do arco-íris.
Por esses caracteres, reconhece-se que elas se formaram sucessivamente,
depositando-se uma sobre outra, em condições e por causas diferentes. As mais
profundas são, naturalmente, as que se formaram em primeiro lugar, tendo-se
formado posteriormente as mais superficiais. A última de todas, a que se acha na
superfície, é a camada da terra vegetal, que deve suas propriedades aos detritos de
matérias orgânicas provenientes das plantas e dos animais.
4. As camadas inferiores, colocadas abaixo da camada vegetal, receberam em
geologia o nome de rochas, palavra que, nessa acepção, nem sempre implica a ideia
de uma substância pedrosa, significando antes um leito ou banco feito de uma
substância mineral qualquer. Umas são formadas de areia, de argila ou de terra
argilosa, de marna, de seixos rolados; outras o são de pedras propriamente ditas,
mais ou menos duras, tais como os grés, os mármores, a cré, os calcáreos ou pedras
calcáreas, as pedras molares, ou carvões de pedra, os asfaltos, etc. Diz-se que uma
rocha é mais ou menos possante, conforme é mais ou menos considerável a sua
espessura.
Mediante o exame da natureza dessas rochas ou camadas, reconhece-se, por
sinais certos, que umas provêm de matérias fundidas e, às vezes, vitrificadas sob a
ação do fogo; outras, de substâncias terrosas depostas pelas águas; algumas de tais
substâncias se conservaram desagregadas, como as areias; outras, a princípio em
estado pastoso, sob a ação de certos agentes químicos ou por outras causas,
endureceram e adquiriram, com o tempo, a consistência da pedra. Os bancos de
pedras superpostas denunciam depósitos sucessivos. O fogo e a água participaram,
pois, da formação dos materiais que compõem o arcabouço sólido do globo
terráqueo.
5. A posição normal das camadas terrosas ou pedregosas, provenientes de depósitos
aquosos, é a horizontal. Ao vermos essas planícies imensas, que por vezes se
estendem a perder de vista, de perfeita horizontalidade, lisas como se as tivessem nivelado com um rolo compressor, ou esses vales profundos, tão planos como a
superfície de um lago, podemos estar certos de que, em época mais ou menos
afastada, tais lugares estiveram por longo tempo cobertos de águas tranquilas que, ao
se retirarem, deixaram em seco as terras que elas depositaram enquanto ali
permaneceram. Retiradas as águas, essas terras se cobriram de vegetação. Se, em
vez de terras gordas, limosas, argilosas, ou marnosas, próprias a assimilar os
princípios nutritivos, as águas apenas depositaram areias silicosas, sem agregação,
temos as planícies arenosas que constituem as charnecas e os desertos, dos quais nos
podem dar pequena ideia os depósitos que ficam das inundações parciais e os que
formam as aluviões na embocadura dos rios.
6. Conquanto a horizontal seja a posição mais generalizada e a que normalmente
assumem as formações aquosas, não é raro verem-se, nos países montanhosos e em
extensões bem grandes, rochas duras, cuja natureza indica que foram formadas em
posição inclinada e, até por vezes, vertical. Ora, como, segundo as leis de equilíbrio
dos líquidos e da gravidade, os depósitos aquosos somente em planos horizontais
podem formar-se, pois os que se formam sobre planos inclinados são arrastados
pelas correntes e pelo próprio peso para as baixadas, evidente se torna que tais
depósitos foram levantados por uma força qualquer, depois de se terem solidificado
ou transformado em pedras.
Destas considerações se pode concluir, com certeza, que todas as camadas
pedrosas que, provindo de depósitos aquosos, se encontram em posição
perfeitamente horizontal, foram formadas, durante séculos, por águas tranquilas e
que, todas as vezes que se achem em posição inclinada, o solo foi convulsionado e
deslocado posteriormente, por subversões gerais ou parciais, mais ou menos
consideráveis.
7. Um fato característico e da mais alta importância, pelo testemunho irrecusável
que oferece, consiste no existirem, em quantidades enormes, despojos fósseis de
animais e vegetais, dentro das diferentes camadas. Como esses despojos se
encontram até nas mais duras pedras, há de concluir-se que a existência de tais seres
é anterior à formação das aludidas pedras. Ora, se levarmos em conta o prodigioso
número de séculos que foram necessários para que se lhes produzisse o
endurecimento e para que elas alcançassem o estado em que se acham desde tempos
imemoriais, chega-se forçosamente à conclusão de que o aparecimento de seres
orgânicos na Terra se perde na noite das idades e é muito anterior, por conseguinte, à
data que lhes assina a gênese.*
*Fóssil, do latim fossilia, fossilis, derivado de fossa, e de fodere, cavar, escavar a terra, é uma palavra
que em geologia se emprega designando corpos ou despojos de corpos orgânicos de seres que viveram
anteriormente às épocas históricas. Por extensão, diz-se igualmente das substâncias minerais que revelam
traços da presença de seres organizados, quais as marcas deixadas por vegetais ou animais.
O termo petrificado se emprega relativamente aos corpos que se transformaram em pedra,
pela infiltração de matérias silicosas ou calcáreas nos tecidos orgânicos. Todas as petrificações
necessariamente são fósseis, mas nem todos os fósseis são petrificações.
Nos objetos que se revestem de uma camada pedregosa quando mergulhados em certas águas
carregadas de substâncias calcáreas, como as do regato de Saint Allyre, perto de Clermont, no Auvergne
(França), não são petrificações propriamente ditas, porém simples incrustações.
Os monumentos, inscrições e objetos produzidos por fabricação humana, esses pertencem à arqueologia.
8. Entre os despojos de vegetais e animais, alguns há que se mostram penetrados em
todos os pontos de sua substância, sem que isso lhes alterasse a forma, de matérias
silicosas ou calcáreas que os transformaram em pedras, algumas das quais
apresentam a dureza do mármore. São as petrificações propriamente ditas. Outros
foram apenas envolvidos pela matéria no estado de flacidez; são encontrados
intactos e, alguns, inteiros, nas mais duras pedras. Outros, finalmente, apenas
deixaram marcas, mas de uma nitidez e uma delicadeza perfeitas. No interior de
certas pedras, encontraram-se até marcas de passos e, pela forma do pé, dos dedos e
das unhas, chegou-se a reconhecer a espécie animal a que pertenceram.
9. Os fósseis de animais absolutamente não contêm, e isso é fácil de conceber-se,
senão as partes sólidas e resistentes, isto é, as ossaturas, as escamas e os cornos; são,
não raro, esqueletos completos; as mais das vezes, no entanto, são apenas partes
destacadas, mas cuja procedência facilmente se reconhece. Examinando-se uma
queixada, um dente, logo se vê se pertence a um animal herbívoro, ou carnívoro.
Como todas as partes do animal guardam necessária correlação, a forma da cabeça,
de uma omoplata, de um osso da perna, de um pé, basta para determinar o porte, a
forma geral, o gênero de vida do animal* . Os animais terrestres têm uma
organização que não permite sejam confundidos com os animais aquáticos.
São extremamente numerosos os peixes e os moluscos testáceos fósseis; só
estes últimos formam, às vezes, bancos inteiros de grande espessura. Pela natureza
deles, verifica-se sem dificuldade se são animais marinhos ou de água doce.
* No ponto a que Jorge Cuvier levou a ciência paleontológica, um só osso basta frequentemente para
determinar o gênero, a espécie, a forma de um animal, seus hábitos, e para o reconstruir todo inteiro.
10. Os seixos rolados, que em certos lugares formam rochas formidáveis, constituem
inequívoco indício da origem deles. São arredondados como os calhaus de beira
mar, sinal certo do atrito que sofreram, por efeito das águas. As regiões onde eles se
encontram enterrados, em massas consideráveis, foram incontestavelmente ocupadas
pelo oceano, ou, durante longo tempo, por outras águas movediças, ou
violentamente agitadas.
11. Além disso, os terrenos das diversas formações se caracterizam pela natureza
mesma dos fósseis que encerram. As mais antigas contêm espécies animais ou
vegetais que desapareceram inteiramente da superfície do planeta. Também
desapareceram algumas espécies mais recentes; conservaram-se, porém, outras
análogas, que apenas diferem daquelas pelo porte e por alguns matizes de forma.
Outras, finalmente, cujos últimos representantes ainda vemos, tendem
evidentemente a desaparecer em futuro mais ou menos próximo, tais como os
elefantes, os rinocerontes, os hipopótamos, etc. Assim à medida que as camadas
terrestres se aproximam da nossa época, as espécies animais e vegetais também se
aproximam das que hoje existem.
As perturbações, os cataclismos que se produziram na Terra, desde a sua
origem, lhe mudaram as condições de aptidão para entretenimento da vida e fizeram
desaparecessem gerações inteiras de seres vivos.
12. Interrogando-se a natureza das camadas geológicas, vem-se a saber, de modo
mais positivo, se, na época de sua formação, a região onde elas se apresentam era
ocupada pelo mar, pelos lagos, ou por florestas e planícies povoadas de animais
terrestres. Conseguintemente, se, numa mesma região, se encontra uma série de
camadas superpostas, contendo alternativamente fósseis marinhos, terrestres e de
água doce, muitas vezes repetidas, constitui esse fato prova irrecusável de que essa
região foi muitas vezes invadida pelo mar, coberta de lagos e posta a seco.
E quantos séculos de séculos, certamente, quantos milhares de séculos,
talvez, não foram precisos para que cada período se completasse! Que força
poderosa não foi necessária para deslocar e recolocar o oceano, levantar montanhas!
Por quantas revoluções físicas, comoções violentas não teve a Terra de passar, antes
de ser qual a vemos desde os tempos históricos! E querer-se que tudo isso fosse obra
executada em menos tempo do que o que leva uma planta para germinar!
13. O estudo das camadas geológicas atesta, como já se disse, formações sucessivas,
que mudaram o aspecto do globo e lhe dividem a história em muitas épocas, que
constituem os chamados períodos geológicos, cujo conhecimento é essencial para a
determinação da gênese. São em número de seis os principais, designados pelos
nomes de períodos primário, de transição, secundário, terciário, diluviano, pós
diluviano ou atual. Os terrenos formados durante cada período também se chamam:
terrenos primitivos, de transição, secundários, etc. Diz-se, pois, que tal ou tal
camada ou rocha, tal ou tal fóssil se encontram nos terrenos de tal ou tal período.
14. Cumpre se note que o número desses períodos não é absoluto, pois depende dos
sistemas de classificação. Nos seis principais, mencionados acima, só se
compreendem os que estão assinalados por uma mudança notável e geral no estado
do planeta; mas, a observação prova que muitas formações sucessivas se operaram,
enquanto durou cada um deles. Por isso é que são divididos em seis períodos
caracterizados pela natureza dos terrenos e que elevam a vinte e seis o número das
formações gerais bem assinaladas, sem contar os que provém de modificações
devidas a causas puramente locais.
Estado primitivo do globo.
15. O achatamento dos polos e outros fatos concludentes são indícios certos de que o
estado da Terra, na sua origem, deve ter sido o de fluidez ou de flacidez, estado esse
oriundo de se achar a matéria ou liquefeita pela ação do fogo, ou diluída pela da
água.
Costuma-se dizer, proverbialmente: não há fumaça sem fogo.
Rigorosamente verdadeira, esta sentença constitui uma aplicação do princípio: não
há efeito sem causa. Pela mesma razão, pode-se dizer: não há fogo sem um foco.
Ora, pelos fatos que se passam sob as nossas vistas, não é apenas fumaça o que se
produz na Terra, mas fogo bastante real, que há de ter um foco. Vindo esse fogo do
interior do planeta e não do alto, o foco lhe há de estar no interior e, como o fogo é
permanente, o foco também o há de ser.
O calor, cujo aumento é progressivo à medida que se penetra no interior da
Terra e que, a certa profundidade, chega a uma temperatura altíssima; as fontes
térmicas, tanto mais quentes, quanto mais profunda lhes está a nascente; os fogos e
as massas de matéria fundida esbraseada que os vulcões vomitam, como por vastos
respiradouros, ou pelas fendas que alguns tremores de terra abrem, não deixam
dúvida sobre a existência de um fogo interior.
16. A experiência demonstra que a temperatura se eleva de um grau a cada 30
metros de profundidade, donde se segue que, a uma profundidade de 300 metros, o
aumento é de 10 graus; a 3.000 metros, de 100 graus, temperatura da água a ferver; a
30.000 metros, ou seja, 7 ou 8 léguas, de 1.000 graus; a 25 léguas, de mais de 3.300
graus, temperatura a que nenhuma matéria conhecida resiste à fusão. Daí ao centro,
ainda há um espaço de mais de 1.400 léguas, ou 2.800 léguas em diâmetro, espaço
que seria ocupado por matérias fundidas.
Conquanto não haja aí mais do que uma conjetura, julgando da causa pelo
efeito, tem ela todos os caracteres da probabilidade e leva à conclusão de que a Terra
ainda é uma massa incandescente recoberta de uma crosta sólida da espessura de 25
léguas no máximo, o que é apenas a 120.
a parte do seu diâmetro. Proporcionalmente,
seria muito menos do que a espessura da mais delgada casca de laranja.
Aliás, é muito variável a espessura da crosta terrestre, porquanto há zonas,
sobretudo nos terrenos vulcânicos, onde o calor e a flexibilidade do solo indicam
que ela é pouco considerável. A elevada temperatura das águas termais constitui
igualmente indício de proximidade do foco central.
17. Assim sendo, evidente se torna que o primitivo estado de fluidez ou de flacidez
da Terra há de ter tido como causa a ação do calor e não a da água. Em sua origem,
pois, a Terra era uma massa incandescente. Em virtude da irradiação do calórico,
deu-se o que se dá com toda matéria em fusão: ela esfriou pouco a pouco,
principiando o resfriamento, como era natural, pela superfície, que então endureceu,
ao passo que o interior se conservou fluido. Pode-se assim comparar a Terra a um
bloco de carvão ao sair ígneo da fornalha e cuja superfície se apaga e resfria, ao
contacto do ar, mantendo-se-lhe o interior em estado de ignição, conforme se
verificará, quebrando-o.
18. Na época em que o globo terrestre era uma massa incandescente, não continha
nenhum átomo a mais, nem a menos do que hoje; apenas, sob a influência da alta
temperatura, a maior parte das substâncias que a compõem e que vemos sob a forma
de líquidos ou de sólidos, de terras, de pedras, de metais e de cristais se achavam em
estado muito diferente. Sofreram unicamente uma transformação. Em consequência
do resfriamento, os elementos formaram novas combinações. O ar, enormemente
dilatado, decerto se estendia a uma distância imensa; toda a água, forçosamente
transformada em vapor, se encontrava misturada com o ar; todas as matérias
suscetíveis de se volatilizarem, tais como os metais, o enxofre, o carbono, se
achavam em estado de gás. O da atmosfera nada tinha, portanto, de comparável ao
que é hoje; a densidade de todos esses vapores lhe dava uma opacidade que nenhum
raio de sol podia atravessar. Se nessa época um ser vivo pudesse existir na
superfície do planeta, apenas seria iluminado pelos revérberos sinistros da fornalha
que lhe estava sob os pés e da atmosfera esbraseada; ele nem sequer suspeitaria da
existência do Sol.
Período primário.
19. O primeiro efeito do resfriamento foi a solidificação da superfície exterior da
massa em fusão e a formação aí de uma crosta resistente que, delgada a princípio,
gradativamente se espessou. Essa crosta constitui a pedra chamada granito, de
extrema dureza, assim denominada pelo seu aspecto granuloso. Nela se distinguem
três substâncias principais: o feldspato, o quartzo ou cristal de rocha e a mica. Esta
última tem brilho metálico, embora não seja um metal.
A camada granítica foi, pois, a primeira que se formou no globo, é a que o
envolve por completo, constituindo de certo modo o seu arcabouço ósseo. É o
produto direto da consolidação da matéria fundida. Sobre ela e nas cavidades que
apresentava a sua superfície torturada foi que se depositaram sucessivamente as
camadas dos outros terrenos, posteriormente formados. O que a distingue destes
últimos é a ausência de toda e qualquer estratificação; quer dizer: ela forma uma
massa compacta e uniforme em toda a sua espessura, que não é disposta em
camadas. A efervescência da matéria incandescente havia de produzir nela
numerosas e profundas fendas, pelas quais essa mesma matéria extravasava.
20. O efeito seguinte do resfriamento foi a liquefação de algumas matérias contidas
no ar em estado de vapor, as quais se precipitaram na superfície do solo. Houve
então chuvas e lagos de enxofre e de betume, verdadeiros regatos de ferro, cobre,
chumbo e outros metais fundidos. Infiltrando-se pelas fissuras, essas matérias
constituíram os veios e filões metálicos.
Sob o influxo desses diversos agentes, a superfície granítica experimentou
alternativas decomposições. Produziram se misturas, que formaram os terrenos
primitivos propriamente ditos, distintos da rocha granítica, mas em massas confusas
e sem estratificação regular.
Vieram, a seguir, as águas que, caindo sobre um solo ardente, se
vaporizavam de novo, recaíam em chuvas torrenciais e assim sucessivamente, até
que a temperatura lhes facultou permanecerem no solo em estado líquido.
É a formação dos terrenos graníticos que dá começo à série dos períodos
geológicos, aos quais conviria se acrescentasse o do estado primitivo, de
incandescência do globo.
21. Tal o aspecto do primeiro período, verdadeiro caos de todos os elementos
confundidos, à procura de estabilização, período em que nenhum ser vivo podia
existir. Por isso mesmo, um de seus caracteres distintivos, em geologia, é a ausência
de qualquer vestígio de vida vegetal ou animal.
Impossível se torna assinar duração determinada a esse período, do mesmo
modo que aos que se lhe seguiram. Mas, dado o tempo que se faz mister para que
uma bala de determinado volume, aquecida até ao branco, se resfrie na superfície, ao
ponto de permitir que uma gota d’água possa sobre ela permanecer em estado
líquido, calculou-se que, se essa bala tivesse o tamanho da Terra, necessários seriam
mais de um milhão de anos.
Período de transição.
22. No começo do período de transição, ainda pequena era a espessura da sólida
crosta granítica, que, portanto, resistência muito fraca oferecia à efervescência das
matérias enfogadas que ela cobria e comprimia. Produziam-se, pois, intumescências,
despedaçamentos numerosos, por onde se escapava a lava interior. O solo
apresentava desigualdades pouco consideráveis.
As águas, pouco profundas, cobriam quase toda a superfície do globo, com
exceção das partes soerguidas, que, formando terrenos baixos, eram frequentemente
alagados.
O ar gradativamente se purgara das matérias mais pesadas,
temporariamente em estado gasoso, as quais, condensando-se por efeito do
resfriamento, se haviam precipitado na superfície do solo, sendo depois arrastadas e
dissolvidas pelas águas.
Quando se fala de resfriamento naquela época, deve-se entender essa
palavra em sentido relativo, isto é, em relação ao estado primitivo, porquanto a
temperatura ainda havia de ser ardente.
Os espessos vapores aquosos que se elevavam de todos os lados da imensa
superfície líquida, recaíam em chuvas copiosas e quentes, que obscureciam o ar.
Entretanto, os raios do Sol começavam a aparecer, através dessa atmosfera brumosa.
Uma das últimas substâncias de que o ar teve de expurgar se, por ser
gasoso o seu estado natural, foi o ácido carbônico, então um dos seus componentes.
23. Por essa época, entraram a formar-se as camadas de terrenos de sedimento,
depositadas pelas águas carregadas de limo e de matérias diversas, apropriadas à
vida orgânica.
Surgem aí os primeiros seres vivos do reino vegetal e do reino animal.
Deles se encontram vestígios, a princípio em número reduzido, porém, depois, cada
vez mais frequentes, à medida que se vai passando às camadas mais elevadas dessa
formação. É digno de nota que por toda parte a vida se manifesta, logo que lhe são
propícias as condições, nascendo cada espécie desde que se realizam as condições
próprias à sua existência.
24. Os primeiros seres orgânicos que apareceram na Terra foram os vegetais de
organização menos complicada, designados em botânica sob os nomes de
criptógamos, acotiledôneos, monocotiledôneos, isto é, liquens, cogumelos, musgos,
fetos e plantas herbáceas. Absolutamente, ainda se não veem árvores de tronco
lenhoso, mas, apenas, as do gênero palmeira, cuja haste esponjosa é análoga à das
ervas.
Os animais desse período, que apareceram em seguida aos primeiros
vegetais, eram exclusivamente marinhos: primeiramente, polipeiros, raiados,
zoófitos, animais cuja organização simples e, por assim dizer, rudimentar, se
aproxima, no máximo grau, da dos vegetais. Mais tarde, aparecem crustáceos e
peixes de espécies que já não existem.
25. Sob o império do calor e da umidade e em virtude do excesso de ácido carbônico
espalhado no ar, gás impróprio à respiração dos animais terrestres, mas necessário às
plantas, os terrenos expostos se cobriram rapidamente de uma vegetação pujante, ao
mesmo tempo que as plantas aquáticas se multiplicavam no seio dos pântanos.
Plantas que, nos dias atuais, são simples ervas de alguns centímetros, atingiam altura
e grossura prodigiosas. Assim é que havia florestas de fetos arborescentes de 8 a 10
metros de altura e de proporcional grossura. Licopódios (marroio, gênero de musgo),
do mesmo porte; cavalinhos*, de 4 a 5 metros, e cuja altura não passa hoje de um
metro, e uma infinidade de espécies que não mais existem. Pelos fins do período,
começam a aparecer algumas árvores do gênero conífero ou pinheiros.
* Planta dos pauis, vulgarmente chamada cavalinho ou cauda de cavalo.
26. Em consequência do deslocamento das águas, os terrenos que produziam essas
massas de vegetais foram submergidos, cobertos de novos sedimentos terrosos,
enquanto os que se achavam emersos se adornavam, a seu turno, de vegetação
semelhante. Houve assim muitas gerações de vegetais alternativamente aniquiladas e
renovadas. O mesmo não se deu com os animais que, sendo todos aquáticos, não
estavam sujeitos a essas alternativas.
Acumulados durante longa série de séculos, esses destroços formaram
camadas de grande espessura. Sob a ação do calor, da umidade, da pressão exercida,
pelos posteriores depósitos terrosos e, sem dúvida, de diversos agentes químicos,
dos gases, dos ácidos e dos sais produzidos pela combinação dos elementos
primitivos, aquelas matérias vegetais sofreram uma fermentação que as converteu
em hulha ou carvão de pedra. As minas de hulha são, pois, produto direto da
decomposição dos acervos de vegetais acumulados durante o período de transição. É
por isso que são encontrados em quase todas as regiões*.
* A turfa se formou da mesma maneira, pela decomposição dos amontoados de vegetais, em terrenos pantanosos; mas, com a diferença de que, sendo de formação muito mais recente e sem dúvida noutras
condições, ela não teve tempo de se carbonizar.
27. Os restos fósseis da pujante vegetação dessa época, achando-se hoje sob os gelos
das terras polares, tanto quanto na zona tórrida, segue-se que, uma vez que a
vegetação era uniforme, também a temperatura o havia de ser. Os polos, portanto,
não se achavam cobertos de gelo, como agora. É que, então, a Terra tirava de si
mesma o calor, do fogo central que aquecia de igual modo toda a camada sólida,
ainda pouco espessa. Esse calor era superior de muito ao que podia provir dos raios
solares, enfraquecidos, ao demais, pela densidade da atmosfera. Só mais tarde,
quando a ação do calor central se tornou muito fraca ou nula sobre a superfície
exterior do globo, a do Sol passou a preponderar e as regiões polares, que apenas
recebiam raios oblíquos, portadores de pequena quantidade de calor, se cobriram de
gelo. Compreende-se que na época de que falamos e ainda muito tempo depois, o
gelo era desconhecido na Terra. Deve ter sido muito longo esse período, a julgar pelo número e pela
espessura das camadas de hulha.*
* Na baía de Fundy (Nova Escócia), o sr. Lyell encontrou, numa camada de hulha de espessura de 400
metros, 68 níveis diferentes, apresentando traços evidentes de muitos solos de florestas, de cujas árvores
os troncos ainda estavam guarnecidos de suas raízes. (L. Figuier.)
Não dando mais de mil anos para a formação de cada um desses níveis, já teríamos 68.000
anos só para essa camada de hulha.
Período secundário.
28. Com o período de transição desaparecem a vegetação colossal e os animais que
caracterizavam a época, ou porque as condições atmosféricas já não fossem as
mesmas, ou porque uma série de cataclismos haja aniquilado tudo o que tinha vida
na Terra. É provável que as duas causas tenham contribuído para essa mudança, por
isso que, de um lado, o estudo dos terrenos que assinalam o fim desse período
comprova a ocorrência de grandes subversões oriundas de levantamentos e erupções
que derramaram sobre o solo grandes quantidades de lavas, e, de outro lado, porque
grandes mudanças se operaram nos três reinos.
29. O período secundário se caracteriza, sob o aspecto mineral, por numerosas e
fortes camadas que atestam uma formação lenta no seio das águas e marcam
diferentes épocas bem caracterizadas.
A vegetação é menos rápida e menos colossal que no período precedente,
sem dúvida em virtude da diminuição do calor e da umidade e de modificações
sobrevindas aos elementos constitutivos da atmosfera. Às plantas herbáceas e
polpudas, juntam-se as de caule lenhoso e as primeiras árvores propriamente ditas.
30. Ainda são aquáticos os animais, ou, quando nada, anfíbios, a vida vegetal
progride pouco na terra seca. Desenvolve-se no seio dos mares uma prodigiosa
quantidade de animais de conchas, devido à formação das matérias calcáreas.
Nascem novos peixes, de organização mais aperfeiçoada do que no período anterior.
Aparecem os primeiros cetáceos. Os mais característicos animais dessa época são os
reptis monstruosos, entre os quais se notam:
O ictiossauro, espécie de peixe lagarto que chegava a ter 10 metros de
comprido e cujas mandíbulas, prodigiosamente alongadas, eram armadas de 180
dentes. Sua forma geral lembra um pouco a do crocodilo, mas sem couraça
escamosa. Seus olhos tinham o volume da cabeça de um homem; possuía barbatanas como a baleia e, como esta, expelia água por aberturas próprias para isso.
O
plesiossauro, outro reptil marinho, tão grande quanto o ictiossauro, e cujo pescoço,
excessivamente longo, se dobrava, como o do cisne, e lhe dava a aparência de
enorme serpente ligada a um corpo de tartaruga. Tinha a cabeça do lagarto e os
dentes do crocodilo. Sua pele devia ser lisa, qual a do precedente, porquanto não se
lhe descobriu nenhum vestígio de escamas ou de concha.*
O teleossauro, que mais se aproxima dos crocodilos atuais, parecendo estes
um seu diminutivo. Como os últimos, tinha uma couraça escamosa e vivia, ao
mesmo tempo, na água e em terra. Seu talhe era de cerca de 10 metros, dos quais 3
ou 4 só para a cabeça. A boca tinha de abertura 2 metros.
O megalossauro, grande lagarto, espécie de crocodilo, de 14 a 15 metros de
comprimento. Essencialmente carnívoro, nutria-se de reptis, de pequenos crocodilos
e de tartarugas. Sua formidável mandíbula era armada de dentes em forma de lâmina
de podadeira, de gume duplo, recurvados para trás, de tal jeito que, uma vez
enterrados na presa, impossível se tornaria a esta desprender-se.
O iguanodonte, o maior dos lagartos que já apareceram na Terra. Tinha de
20 a 25 metros da cabeça à extremidade da cauda e sobre o focinho um chifre ósseo,
semelhante ao do iguano da atualidade, do qual parece que não diferia senão pelo
tamanho. O último tem apenas 1 metro de comprido. A forma dos dentes prova que
ele era herbívoro e a dos pés que era animal terrestre.
O pterodáctilo, animal estranho, do tamanho de um cisne, participando,
simultaneamente, do reptil pelo corpo, do pássaro pela cabeça e do morcego pela
membrana carnuda que lhe religava os dedos prodigiosamente longos. Essa
membrana lhe servia de paraquedas quando se precipitava sobre a presa do alto de
uma árvore ou de um rochedo. Não possuía bico córneo, como os pássaros, mas os
ossos das mandíbulas, do comprimento da metade do corpo e guarnecidos de dentes,
terminavam em ponta como um bico.
*
O primeiro fóssil deste animal foi descoberto na Inglaterra, em 1823. Depois, encontraram-se outros
na França e na Alemanha.
31. Durante esse período, que há de ter sido muito longo, como o atestam o número
e a pujança das camadas geológicas, a vida animal tomou enorme desenvolvimento
no seio das águas, tal qual se dera com a vegetação no período que findara. Mais
depurado e mais favorável à respiração, o ar começou a permitir que alguns animais
vivessem em terra. O mar se deslocou muitas vezes, mas sem abalos violentos. Com
esse período, desaparecem, por sua vez, aquelas raças de gigantescos animais
aquáticos, substituídos mais tarde por espécies análogas, de formas menos
desproporcionadas e de menor porte.
32. O orgulho levou o homem a dizer que todos os animais foram criados por sua
causa e para satisfação de suas necessidades. Mas, qual o número dos que lhe
servem diretamente, dos que lhe foi possível submeter, comparado ao número
incalculável daqueles com os quais nunca teve ele, nem nunca terá, quaisquer
relações? Como se pode sustentar semelhante tese, em face das inumeráveis espécies
que exclusivamente povoaram a Terra por milhares e milhares de séculos, antes que
ele aí surgisse, e que afinal desapareceram? Poder-se-á afirmar que elas foram
criadas em seu proveito? Entretanto, tinham todas a sua razão de ser, a sua utilidade.
Deus, decerto, não as criou por simples capricho da sua vontade, para dar a si
mesmo, em seguida, o prazer de as aniquilar, pois que todas tinham vida, instintos,
sensação de dor e de bem-estar. Com que fim ele o fez? Com um fim que há de ter
sido soberanamente sábio, embora ainda o não compreendamos. Certamente, um dia
será dado ao homem conhecê-lo, para confusão do seu orgulho; mas, enquanto isso
não se verifica, como se lhe ampliam as ideias ante os novos horizontes em que lhe é
permitido, agora, mergulhar a vista, em presença do imponente espetáculo dessa
criação, tão majestosa no seu lento caminhar, tão admirável na sua previdência, tão
pontual, tão precisa e tão invariável nos seus resultados!
Período terciário.
33. Com o período terciário nova ordem de coisas começa para a Terra. O estado da
sua superfície muda completamente de aspecto; modificam-se profundamente as
condições de vitalidade e se aproximam do estado atual. Os primeiros tempos desse
período se assinalam por uma interrupção da produção vegetal e animal; tudo revela
traços de uma destruição quase geral dos seres vivos, depois do que aparecem
sucessivamente novas espécies, cuja organização, mais perfeita, se adapta à natureza
do meio onde são chamados a viver.
34. Durante os períodos anteriores, a crosta sólida do globo, em virtude da sua
pequena espessura, apresentava, como já se disse, bem fraca resistência à ação do
fogo interior. Facilmente despedaçado, esse envoltório permitia que as matérias em
fusão se derramassem livremente pela superfície do solo. Outro tanto já não se deu
quando este ganhou certa espessura. Então, comprimidas de todos os lados, as
matérias esbraseadas, como a água em ebulição num vaso fechado, acabaram por
produzir uma espécie de explosão. Violentamente quebrada num sem número de
pontos, a massa granítica ficou crivada de fendas, como um vaso rachado. Ao longo
dessas fendas, a crosta sólida, levantada e deprimida, formou os picos, as cadeias de
montanhas e suas ramificações. Certas partes do envoltório não chegaram a ser
despedaçadas, foram apenas soerguidas, enquanto que, noutros pontos,
decalcamentos e escavações se produziram.
A superfície do solo tornou-se então muito desigual; as águas que, até
aquele momento, a cobriam de maneira quase uniforme na maior parte da sua
extensão, foram impelidas para os lugares mais baixos, deixando em seco vastos
continentes, ou cumes isolados de montanhas, formando ilhas.
Tal o grande fenômeno que se operou no período terciário e que
transformou o aspecto do globo. Ele não se produziu instantânea, nem
simultaneamente em todos os pontos, mas sucessivamente e em épocas mais ou
menos distanciadas.
35. Uma das primeiras consequências desses levantamentos foi, como já ficou dito,
a inclinação das camadas de sedimento, primitivamente horizontais e assim
conservadas onde quer que o solo não houvesse sofrido subversões. Foi, portanto, nos flancos e
nas proximidades das montanhas que essas inclinações mais se pronunciaram.
36. Nas regiões onde as camadas de sedimento conservaram a horizontalidade, para
se chegar às de formação primária, tem-se que atravessar todas as outras, até
considerável profundidade, ao cabo da qual se encontra inevitavelmente a rocha
granítica. Quando, porém, se ergueram em montanhas, aquelas camadas foram
levadas acima do seu nível normal, indo às vezes até a grande altura, de tal sorte
que, feito um corte vertical no flanco da montanha, elas se mostram em toda a sua
espessura e superpostas como as fiadas de uma construção.
É assim que a grandes elevações se encontram enormes bancos de conchas,
primitivamente formados no fundo dos mares. Está hoje perfeitamente comprovado
que em nenhuma época o mar há podido alcançar semelhantes alturas, visto que para
tanto não bastariam todas as águas existentes na Terra, ainda mesmo que fossem em
quantidade cem vezes maior.
Ter-se-ia, pois, de supor que a quantidade de água diminuiu e, então,
caberia perguntar o que fora feito da porção que desapareceu. Os levantamentos,
fato hoje incontestável, explicam de maneira lógica e rigorosa os depósitos marinhos
que se encontram em certas montanhas.*
*
Camadas de calcáreo conchífero foram encontradas nos Andes, América, a 5.000 metros acima do
nível do oceano.
37. Nos lugares onde o levantamento da rocha primitiva produziu completa
rasgadura do solo, quer pela rapidez do fenômeno, quer pela forma, altura e volume
da massa levantada, o granito foi posto a nu, qual um dente que irrompeu da
gengiva. Levantadas, quebradas e arrumadas, as camadas que o revestiam ficaram a
descoberto. É assim que terrenos pertencentes às mais antigas formações e que, na
posição primitiva, se achavam a grande profundidade, compõem hoje o solo de
certas regiões.
38. Deslocada por efeito dos soerguimentos, a massa granítica deixou nalguns sítios
fendas por onde se escapa o fogo interior e se escoam as matérias em fusão; os
vulcões, que são como que chaminés da imensa fornalha, ou, melhor, válvulas de
segurança que, dando saída ao excesso das matérias ígneas, preservam o globo de
comoções muito mais terríveis. Daí o poder dizer-se que os vulcões em atividade são
uma segurança para o conjunto da superfície do solo.
Da intensidade desse fogo é possível fazer-se ideia, ponderando-se que no
seio mesmo dos mares se abrem vulcões e que a massa de água que os recobre e neles
penetra não consegue extingui-los.
39. Os levantamentos operados na massa sólida necessariamente deslocaram as
águas, sendo estas impelidas para as partes côncavas, que ao mesmo tempo se haviam tornado mais profundas pela elevação dos terrenos emergidos e pela
depressão de outros. Mas, esses terrenos tornados baixos, levantados por sua vez ora
num ponto, ora noutro, expulsaram as águas, que refluíram para outros lugares e
assim por diante, até que houvessem podido tomar um leito mais estável.
Os sucessivos deslocamentos dessa massa líquida forçosamente
trabalharam e torturaram a superfície do solo. As águas, escoando-se, arrastaram
consigo uma parte dos terrenos de formações anteriores, postos a descoberto pelos
levantamentos, desnudaram algumas montanhas que eles cobriam e lhes deixaram à
mostra a base granítica ou calcárea. Profundos vales foram cavados, enquanto outros
eram aterrados.
Há, pois, montanhas diretamente formadas pelo fogo central:
principalmente as graníticas; outras, devidas à ação das águas que, arrastando as
terras móveis e as matérias solúveis, cavaram vales em torno de uma base resistente,
calcárea, ou de outra natureza.
As matérias carreadas pelas correntes d’água formaram as camadas do
período terciário, que facilmente se distinguem das dos precedentes, menos pela
composição, que é quase a mesma, do que pela disposição.
As camadas dos períodos primário, de transição e secundário, formadas
sobre uma superfície pouco acidentada, são mais ou menos uniformes na Terra toda;
as do período terciário, formadas, ao invés, sobre base muito desigual e pela ação
carreadora das águas, apresentam caráter mais local. Por toda parte, fazendo-se
escavações de certa profundidade, encontram-se todas as camadas anteriores, na
ordem em que se formaram, ao passo que não se encontra por toda parte o terreno
terciário, nem todas as suas camadas.
40. Durante os reviramentos do solo, ocorridos no princípio deste período, a vida
orgânica, como é fácil de conceber-se, teve que ficar estacionária por algum tempo,
o que se reconhece examinando terrenos baldos de fósseis. Desde, porém, que
sobreveio um estado mais calmo, reapareceram os vegetais e os animais. Estando
mudadas as condições de vitalidade, mais depurada a atmosfera, formaram-se novas
espécies, com organização mais perfeita. As plantas, sob o ponto de vista da
estrutura, diferem pouco das de hoje.
41. No correr dos dois períodos precedentes, eram pouco extensos os terrenos que as
águas não cobriam; eram, ainda assim, pantanosos e com frequência ficavam
submersos. Essa a razão por que só havia animais aquáticos ou anfíbios. O período
terciário, em o qual vários continentes se formaram, caracterizou-se pelo
aparecimento dos animais terrestres.
Assim como o período de transição assistiu ao nascimento de uma
vegetação colossal, o período secundário ao de reptis monstruosos, também o
terciário presenciou o de gigantescos mamíferos, quais o elefante, o rinoceronte, o
hipopótamo, o paleotério, o megatério, o dinotério, o mastodonte, o mamute, etc.
Estes dois últimos, variedades do elefante, tinham de 5 a 6 metros de altura e suas
defesas chegavam a 4 metros de comprimento. Também assistiu, esse período, ao
nascimento dos pássaros, bem como à maioria das espécies animais que ainda hoje
existem. Algumas, das dessa época, sobreviveram aos cataclismos posteriores;
outras, qualificadas genericamente de animais antediluvianos, desapareceram
completamente, ou foram substituídas por espécies análogas, de formas menos
pesadas e menos maciças, cujos primeiros tipos foram como que esboços. Tais o
“felis speloea”, animal carnívoro do tamanho de um touro, com os caracteres
anatômicos do tigre e do leão; o “cervus megaceron”, variedade do cervo, cujos
chifres, compridos de 3 metros, eram espaçados de 3 a 4 nas extremidades.
Período diluviano.
42. Este período teve a assinalá-lo um dos maiores cataclismos que revolveram o
globo, cuja superfície ele mudou mais uma vez de aspecto, destruindo uma
imensidade de espécies vivas, das quais apenas restam despojos. Por toda a parte
deixou traços que atestam a sua generalidade. As águas, violentamente arremessadas
fora dos respectivos leitos, invadiram os continentes, arrastando consigo as terras e
os rochedos, desnudando as montanhas, desarraigando as florestas seculares. Os
novos depósitos que elas formaram são designados, em geologia, pelo nome de
terrenos diluvianos.
43. Um dos vestígios mais significativos desse grande desastre são os penedos
chamados blocos erráticos. Dá-se essa denominação a rochedos de granito que se
encontram isolados nas planícies, repousando sobre terrenos terciários e no meio de
terrenos diluvianos, algumas vezes a muitas centenas de léguas das montanhas
donde foram arrancados. É claro que só a violência das correntes há podido
transportá-los a tão grandes distâncias.*
*Um desses blocos, evidentemente provindo, pela sua composição, das montanhas da Noruega, serve de
pedestal à estátua de Pedro, o Grande, em S. Petersburgo.
44. Outro fato não menos característico e cuja causa se não descobriu ainda é que só
nos terrenos diluvianos se encontram os primeiros aerólitos. Pois que somente nessa
época eles começaram a cair, segue-se que anteriormente não existia a causa que os
produz.
45. Foi também por essa época que os polos começaram a cobrir-se de gelo e que se
formaram as geleiras das montanhas, o que indica notável mudança na temperatura
da Terra, mudança que deve ter sido súbita, porquanto, se se houvesse operado
gradualmente, os animais, como os elefantes, que hoje só vivem nos climas quentes
e que são encontrados em tão grande número no estado fóssil nas terras polares,
teriam tido de retirar-se pouco a pouco para as regiões mais temperadas. Tudo
denota, ao contrário, que eles provavelmente foram colhidos de surpresa por um
grande frio e sitiados pelos gelos.*
*
Em 1771, o naturalista russo Pallas encontrou nos gelos do Norte o corpo inteiro de um mamute
revestido da pele e conservando parte das suas carnes. Em 1799, descobriu-se outro, igualmente
encerrado num enorme bloco de gelo, na embocadura do Lena, na Sibéria, e que foi descrito pelo
naturalista Adams. Os iacutos das circunvizinhanças lhe despedaçaram as carnes para alimentar seus cães.
A pele se achava coberta de pêlos negros e o pescoço guarnecia o espessa crina. A cabeça sem as
defesas, que mediam mais de 4 metros, pesava mais de 200 quilos. Seu esqueleto está no museu de S.
Petersburgo. Nas ilhas e nas bordas do mar glacial encontra se tão grande quantidade de defesas, que
elas fazem objeto de considerável comércio, sob o nome de marfim fóssil ou da Sibéria.
46. Esse foi, pois, o verdadeiro dilúvio universal. Dividem se as opiniões
relativamente às causas que devam tê-lo produzido. Quaisquer, porém, que elas
sejam, o que é certo é que o fato se deu.
A suposição mais generalizada é a de que uma brusca mudança sofreu a
posição do eixo e dos pólos da Terra; daí uma projeção geral das águas sobre a
superfície. Se a mudança se houvesse processado lentamente, a retirada das águas
teria sido gradual, sem abalos, no passo que tudo indica uma comoção violenta e
inopinada. Ignorando qual a verdadeira causa, temos que ficar no campo das
hipóteses.
O deslocamento repentino das águas também pode ter ocasionado o
levantamento de certas partes da crosta sólida e a formação de novas montanhas
dentro dos mares, conforme se verificou em começo do período terciário. Mas, além
de que, então, o cataclismo não teria sido geral, isso não explicaria a mudança
subitânea da temperatura dos polos.
47. Na tormenta determinada pelo deslocamento das águas, pereceram muitos
animais; outros, a fim de escaparem à inundação, se retiraram para os lugares altos,
para as cavernas e fendas, onde sucumbiram em massa, ou de fome, ou
entredevorando-se, ou, ainda, talvez, pela irrupção das águas nos sítios onde se
tinham refugiado e donde não puderam fugir. Assim se explica a grande quantidade
de ossadas de animais diversos, carnívoros e outros, que são encontrados de mistura
em certas cavernas, que por essa razão foram chamadas brechas ou cavernas
ossosas. São encontradas as mais das vezes sob as estalagmites. Nalgumas, as
ossadas parecem ter sido arrastadas para ali pela correnteza das águas.*
*
Conhece-se grande número de cavernas semelhantes, algumas de enorme extensão. Várias existem, no
México, de muitas léguas. A de Aldesberg, em Carniola (Áustria), tem nada menos de três léguas. Uma
das mais notáveis é a de Gailenreuth, no Würtemberg. Há muitas delas na França, na Inglaterra, na
Alemanha, na Itália (Sicília) e outros países da Europa.
Período pós-diluviano ou atual. Nascimento do homem.
48. Uma vez restabelecido o equilíbrio na superfície do planeta, prontamente a vida
vegetal e animal retomou o seu curso. Consolidado, o solo assumiu uma colocação
mais estável; o ar, purificado, se tornara apropriado a órgãos mais delicados. O Sol,
brilhando em todo o seu esplendor através de uma atmosfera límpida, difundia, com
a luz, um calor menos sufocante e mais vivificador do que o da fornalha interna. A
Terra se povoava de animais menos ferozes e mais sociáveis; mais suculentos, os
vegetais proporcionavam alimentação menos grosseira; tudo, enfim, se achava
preparado no planeta para o novo hóspede que o viria habitar. Apareceu então o
homem, último ser da criação, aquele cuja inteligência concorreria, dali em diante,
para o progresso geral, progredindo ele próprio.
49. O homem só terá existido na Terra depois do período diluviano, ou terá surgido
antes dessa época? Questão é esta muito controvertida hoje, mas cuja solução, seja
qual for, nada mudará no conjunto dos fatos verificados, nem fará que o
aparecimento da espécie humana não seja anterior, de muitos milhares de anos, à
data que lhe assina a Gênese bíblica.
O que fez se supusesse que o advento dos homens ocorreu posteriormente
ao dilúvio foi o fato de se não ter achado vestígio autêntico da sua existência no
período anterior. As ossadas descobertas em diversos lugares e que geraram a crença
na existência de uma raça de gigantes antediluvianos foram reconhecidas como de
elefantes.
O que está fora de dúvida é que não existia o homem, nem no período
primário, nem no de transição, nem no secundário, não só porque nenhum traço dele
se descobriu, como também porque não havia para ele condições de vitalidade. Se o
seu aparecimento se deu no terciário, só pode ter sido no fim do período e bem
pouco então se há de ele ter multiplicado.
Ao demais, por haver sido curto, o período antediluviano não determinou
mudanças notáveis nas condições atmosféricas, tanto que eram os mesmos os
animais, antes e depois dele; não é, pois, impossível que o aparecimento do homem
tenha precedido esse grande cataclismo; está hoje comprovada a existência do
macaco naquela época e recentes descobertas parecem confirmar a do homem.*
Como quer que seja, tenha o homem aparecido ou não antes do grande
dilúvio universal, o que é certo é que o seu papel humanitário somente no período
pósdiluviano começou a esboçar-se. Pode-se, portanto, considerar caracterizado
pela sua presença esse período.
*
Veja-se: "O homem antediluviano", por Boucher de Perthes. — "Os instrumentos de pedra", idem. — "Discurso sobre as revoluções do globo", por Jorge Cuvier, anotado pelo Dr. Hoefer.