Possessos.
29. Vieram em seguida a Cafarnaum e Jesus, entrando primeiramente,
em dia de sábado, na sinagoga, os instruía. — Admiravam-se
da sua doutrina, porque ele os instruía como tendo autoridade
e não como os escribas. — Ora, achava-se na sinagoga um homem possesso de um
Espírito impuro, que exclamou: — Que há entre ti e nós, Jesus de
Nazaré? Vieste para nos perder? Sei quem és: és o santo de Deus.
— Jesus, porém, falando-lhe ameaçadoramente, disse: Cala-te e
sai desse homem. — Então, o Espírito impuro, agitando o homem
em violentas convulsões, saiu dele. — Ficaram todos tão surpreendidos que uns aos outros perguntavam:
Que é isto? Que nova doutrina é esta? Ele dá ordem
com império, até aos Espíritos impuros, e estes lhe obedecem.
(S. Marcos, 1:21–27.)
30. Tendo eles saído, apresentaram-lhe um homem mudo, possesso
do demônio. — Expulso o demônio o mudo falou e o povo,
tomado de admiração, dizia: Jamais se viu coisa semelhante em
Israel. — Mas os fariseus, ao contrário, diziam: É pelo príncipe dos
demônios que ele expele os demônios. (S. Mateus, 9:32–34.)
31. Quando ele foi vindo ao lugar onde estavam os outros discípulos, viu em torno destes uma grande multidão de pessoas e
muitos escribas que com eles disputavam. — Logo que deu com
Jesus, todo o povo se tomou de espanto e temor e correram todos
a saudá-lo. — Perguntou ele então: Sobre que disputáveis em assembleia?
— Um homem, do meio do povo, tomando a palavra, disse: Mestre,
trouxe-te meu filho, que está possesso de um Espírito mudo;
— em todo lugar onde dele se apossa, atira-o por terra e o menino
espuma, rilha os dentes e se torna todo seco. Pedi a teus discípulos
que o expulsassem, mas eles não puderam. — Disse-lhes Jesus: Oh! gente incrédula, até quando estarei
convosco? Até quando vos suportarei? Trazei-mo. — Trouxeram-lho
e ainda não havia ele posto os olhos em Jesus, e o Espírito entrou
a agitá-lo violentamente; ele caiu no chão e se pôs a rolar
espumando. — Jesus perguntou ao pai do menino: Desde quando isto lhe
sucede? — Desde pequenino, diz o pai. — E o Espírito o tem lançado, muitas vezes, ora à água, ora ao fogo, para fazê-lo perecer; se
alguma coisa puderes, tem compaixão de nós e socorre-nos. — Respondeu-lhe Jesus: Se puderes crer, tudo é possível àquele
que crê. — Logo exclamou o pai do menino, banhado em lágrimas:
Senhor, creio, ajuda-me na minha incredulidade. — Jesus, vendo que o povo acorria em multidão, falou em tom
de ameaça ao Espírito impuro, dizendo-lhe: Espírito surdo e mudo
sai desse menino e não entres mais nele. — Então, o Espírito,
soltando grande grito e agitando o menino em violentas convulsões,
saiu, ficando como morto o menino, de sorte que muitos
diziam que ele morrera. — Mas Jesus, tomando-lhe as mãos e
amparando-o, fê-lo levantar-se. — Quando Jesus voltou para casa, seus discípulos lhe perguntaram,
em particular: Por que não pudemos nós expulsar esse demônio?
— Ele respondeu: Os demônios desta espécie não podem
ser expulsos senão pela prece e pelo jejum. (S. Marcos, 9:13–28.)
32. Apresentaram-lhe então um possesso cego e mudo e ele o
curou, de modo que o possesso começou a falar e a ver: — Todo o
povo ficou presa de admiração e dizia: Não é esse o filho de David? — Mas os fariseus, isso ouvindo, diziam: Este homem expulsa
os demônios com o auxílio de Belzebu, príncipe dos demônios. — Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos, disse-lhes: Todo
reino que se dividir contra si mesmo será arruinado e toda cidade
ou casa que se divide contra si mesma não pode subsistir. — Se
Satanás expulsa a Satanás, ele está dividido contra si mesmo,
como, pois, o seu reino poderá subsistir? — E, se é por Belzebu
que eu expulso os demônios, por quem os expulsarão vossos filhos?
Por isso, eles próprios serão os vossos juízes. — Se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é que o reino de Deus
veio até vós. (S. Mateus, 12:22–28.)
33. Com as curas, as libertações de possessos figuram entre
os mais numerosos atos de Jesus. Alguns há, entre os
fatos dessa natureza, como os acima narrados, no n.º 30,
em que a possessão não é evidente. Provavelmente, naquela
época, como ainda hoje acontece, atribuía-se à influência
dos demônios todas as enfermidades cuja causa se não
conhecia, principalmente a mudez, a epilepsia e a catalepsia.
Outros há, todavia, em que nada tem de duvidosa a ação
dos maus Espíritos, casos esses que guardam com os de
que somos testemunhas tão frisante analogia, que neles se
reconhecem todos os sintomas de tal gênero de afecção. A
prova da participação de uma inteligência oculta, em tal
caso, ressalta de um fato material: são as múltiplas curas
radicais obtidas, nalguns centros espíritas, pela só evocação e doutrinação dos Espíritos obsessores, sem magnetização,
nem medicamentos e, muitas vezes, na ausência do
paciente e a grande distância deste. A imensa superioridade
do Cristo lhe dava tal autoridade sobre os Espíritos
imperfeitos, chamados então demônios, que lhe bastava
ordenar se retirassem para que não pudessem resistir a
essa injunção. (Cap. XIV, n.º 46.)
34. O fato de serem alguns maus Espíritos mandados meter-se
em corpos de porcos é o que pode haver de menos
provável. Aliás, seria difícil explicar a existência de tão numeroso
rebanho de porcos num país onde esse animal era
tido em horror e nenhuma utilidade oferecia para a alimentação.
Um Espírito, porque mau, não deixa de ser um Espírito humano, embora tão imperfeito que continue a fazer
mal, depois de desencarnar, como o fazia antes, e é contra
todas as leis da natureza que lhe seja possível fazer morada
no corpo de um animal. No fato, pois, a que nos referimos,
temos que reconhecer a existência de uma dessas
ampliações tão comuns nos tempos de ignorância e de superstição;
ou, então, será uma alegoria destinada a caracterizar
os pendores imundos de certos Espíritos.
35. Parece que, ao tempo de Jesus, eram em grande número,
na Judeia, os obsidiados e os possessos, donde a oportunidade
que ele teve de curar a muitos. Sem dúvida, os
Espíritos maus haviam invadido aquele país e causado uma
epidemia de possessões. (Cap. XlV, n.º 49.)
Sem apresentarem caráter epidêmico, as obsessões
individuais são muitíssimo frequentes e se apresentam sob
os mais variados aspectos que, entretanto, por um conhecimento
amplo do Espiritismo, facilmente se descobrem.
Podem, não raro, trazer consequências danosas à saúde,
seja agravando afecções orgânicas já existentes, seja
ocasionando-as. Um dia, virão a ser, incontestavelmente,
arroladas entre as causas patológicas que requerem, pela
sua natureza especial, especiais meios de tratamento.
Revelando a causa do mal, o Espiritismo rasga nova senda
à arte de curar e fornece à ciência meio de alcançar êxito
onde até hoje quase sempre vê malogrados seus esforços,
pela razão de não atender à primordial causa do mal.
(
O Livro dos Médiuns, 2.ª Parte, cap. XXIII.)
36. Os fariseus diziam que por influência dos demônios é
que Jesus expulsava os demônios; segundo eles, o bem que Jesus fazia era obra de Satanás; não refletiam que, se Satanás
expulsasse a si mesmo, praticaria rematada insensatez.
É de notar-se que os fariseus daquele tempo já pretendessem
que toda faculdade transcendente e, por esse motivo,
reputada sobrenatural, era obra do demônio, pois que, na
opinião deles, era do demônio que Jesus recebia o poder de
que dispunha. É esse mais um ponto de semelhança daquela
com a época atual e tal doutrina é ainda a que a
Igreja procura fazer que prevaleça hoje, contra as manifestações
espíritas.*
* Nem todos os teólogos, porém, adotam opiniões tão absolutas sobre
a doutrina demoníaca. Aqui está uma cujo valor o clero não pode
contestar, emitida por um eclesiástico, Monsenhor Freyssinous, bispo
de Hermópolis, na seguinte passagem das suas Conferências
sobre a religião, tomo 2.º, p. 341 (Paris, 1825):
“Se Jesus operasse seus milagres pelo poder do demônio, este
houvera trabalhado pela destruição do seu império e teria empregado
contra si próprio o seu poder. Certamente, um demônio que
procurasse destruir o reinado do vício para implantar o da virtude,
seria um demônio muito singular. Eis por que Jesus, para
repelir a absurda acusação dos judeus, lhes dizia: “Se opero prodígios em nome do demônio, o demônio está dividido consigo mesmo,
trabalha, conseguintemente, por se destruir a si próprio!” resposta
que não admite réplica.
É precisamente o argumento que os espíritas opõem aos que
atribuem ao demônio os bons conselhos que os Espíritos lhes dão.
O demônio agiria então como um ladrão profissional que restituísse
tudo o que houvesse roubado e exortasse os outros ladrões a se
tornarem pessoas honestas.