CAPÍTULO IX
REVOLUÇÕES DO GLOBO
Revoluções gerais e parciais. — Idade das montanhas. — Dilúvio bíblico. — Revoluções periódicas. — Catalismos futuros. — Aumento ou diminuição do volume da Terra.
Revoluções gerais ou parciais.
1. Os períodos geológicos marcam as fases do aspecto geral do globo, em consequência das suas transformações. Mas, com exceção do período diluviano, que
se caracterizou por uma subversão repentina, todos os demais transcorreram
lentamente, sem transições bruscas. Durante todo o tempo que os elementos
constitutivos do globo levaram para tomar suas posições definitivas, as mutações
houveram de ser gerais. Uma vez consolidada a base, só se devem ter produzido
modificações parciais, na superfície.
2. Além das revoluções gerais, a Terra experimentou grande número de perturbações
locais, que mudaram o aspecto de certas regiões. Como no tocante às outras duas
causas contribuíram para essas perturbações: o fogo e a água. O fogo atuou produzindo: ou erupções vulcânicas que sepultaram, sob
espessas camadas de cinzas e lavas, os terrenos circunjacentes, fazendo desaparecer
cidades com seus habitantes; ou terremotos; ou levantamentos da crosta sólida, que
impeliam as águas para as regiões mais baixas; ou o afundamento, em maior ou
menor extensão, dessa mesma crosta, nalguns lugares, para onde as águas se
precipitaram, deixando em seco outros lugares. Foi assim que surgiram ilhas no
meio do oceano, enquanto que outras desapareceram; que porções de continentes se
separaram e formaram ilhas; que braços de mar, secados, ligaram ilhas e continentes. Quanto à água, essa atuou, produzindo: ou a irrupção ou a retirada do mar
nalgumas costas; ou desmoronamentos que, interceptando as correntes líquidas,
formaram lagos; ou transbordamentos e inundações; ou, enfim, aterros nas
embocaduras dos rios. Esses aterros, rechaçando o mar, criaram novos territórios. Tal a origem do delta do Nilo, ou Baixo Egito; do delta do Ródano, ou Camarga.
Idade das montanhas.
3. Examinando-se os terrenos dilacerados pelo erguimento das montanhas e das
camadas que lhes formam os contrafortes, possível se torna determinar-lhes a idade
geológica. Por idade geológica das montanhas, não se deve entender o número de
anos que elas contam de existência, mas o período em que se formaram e, portanto, a relativa ancianidade que apresentam. Fora errôneo acreditar-se que semelhante
ancianidade corresponde à elevação que lhes é própria, ou à natureza
exclusivamente granítica que revelem, uma vez que a massa de granito, ao dar-se o
seu levantamento, pode ter perfurado e separado as camadas superpostas.
Comprovou-se assim, por meio da observação, que as montanhas dos
Vosges, da Bretanha e da Côte-d’Or, na França, que não são muito elevadas, pertencem às mais antigas formações. Datam do período de transição, senão
anteriores aos depósitos de hulha. O Jura se formou no meado do período
secundário; é contemporâneo dos reptis gigantes. Os Pirineus se formaram mais
tarde, no começo do período terciário. O Monte Branco e o grupo dos Alpes
ocidentais são posteriores aos Pirineus e datam da metade do período terciário. Os
Alpes orientais, que compreendem as montanhas do Tirol, são ainda mais recentes, porquanto só se formaram pelos fins desse mesmo período. Algumas montanhas da
Ásia são mesmo posteriores ao período diluviano, ou lhe são contemporâneas.
Esses levantamentos hão de ter ocasionado grandes perturbações locais e
inundações mais ou menos consideráveis, pelo deslocamento das águas, pela
interrupção e mudança do curso dos rios.*
* O século passado registrou notável exemplo de um fenômeno desse gênero. A seis dias de marcha da
cidade de México, existia, em 1750, uma região fértil e bem cultivada, onde davam em abundância arroz, milho e bananas. No mês de junho, pavorosos tremores de terra abalaram o solo, renovando-se
continuamente durante dois meses inteiros. Na noite de 28 para 29 de setembro, violenta convulsão se produziu; um território de muitas léguas de extensão entrou a erguer-se pouco a pouco e acabou por alcançar a altitude de 500 pés, numa superfície de 10 léguas quadradas. O terreno ondulava, como as vagas do mar ao sopro da tempestade, milhares de montículos se elevavam e afundavam alternativamente; afinal, abriu-se um abismo de perto de 3 léguas, donde eram lançados à prodigiosa altura fumo, fogo, pedras esbraseadas e cinzas. Seis montanhas surgiram desse abismo hiante, entre as quais o vulcão a que
foi dado o nome de Jorullo, que agora se eleva a 550 metros acima da antiga planície. No momento em
que principiaram os abalos do solo, os dois rios Cuitimba e San Pedro, refluindo, inundaram toda a planície hoje ocupada pelo Jorullo; no terreno, porém, que sem cessar se elevava, outro sorvedouro se
abriu e os absorveu. Os dois reapareceram mais tarde, a oeste, num ponto muito afastado de seus antigos
leitos. (Luiz Figuier, A Terra antes do dilúvio, pág. 370.)
Dilúvio bíblico.
4. O dilúvio bíblico, também conhecido pela denominação de “grande dilúvio
asiático”, é fato cuja realidade não se pode contestar. Deve tê-lo ocasionado o
levantamento de uma parte das montanhas daquela região, como o do México. Corrobora esta opinião a existência de um mar interior, que ia outrora do mar Negro
ao oceano Boreal, comprovada pelas observações geológicas. O mar de Azov, o mar
Cáspio, cujas águas são salgadas, embora nenhuma comunicação tenham com
nenhum outro mar; o lago Aral e os inúmeros lagos espalhados pelas imensas
planícies da Tartália e as estepes da Rússia parecem restos daquele antigo mar. Por
ocasião do levantamento das montanhas do Cáucaso, posterior ao dilúvio universal, parte daquelas águas foi recalcada para o norte, na direção do oceano Boreal; outra
parte, para o sul, em direção ao oceano Índico. Estas inundaram e devastaram
precisamente a Mesopotâmia e toda a região em que habitaram os antepassados do
povo hebreu. Embora esse dilúvio se tenha estendido por uma superfície muito
grande, é atualmente ponto averiguado que ele foi apenas local; que não pode ter
sido causado pela chuva, pois, por muito copiosa que esta fosse e ainda que se
prolongasse por quarenta dias, o cálculo prova que a quantidade d’água caída das
nuvens não podia bastar para cobrir toda a terra, até acima das mais altas
montanhas.
Para os homens de então, que não conheciam mais do que uma extensão
muito limitada da superfície do globo e que nenhuma ideia tinham da sua
configuração, desde que a inundação invadiu os países conhecidos, invadida fora, para eles, a Terra inteira. Se a essa crença aditarmos a forma imaginosa e hiperbólica
da descrição, forma peculiar ao estilo oriental, já não nos surpreenderá o exagero da
narração bíblica.
5. O dilúvio asiático foi evidentemente posterior ao aparecimento do homem na
Terra, visto que a lembrança dele se conservou pela tradição em todos os povos
daquela parte do mundo, os quais o consagraram em suas teogonias*.
É igualmente posterior ao grande dilúvio universal que assinalou o início do
atual período geológico. Quando se fala de homens e de animais antediluvianos, a
referência é àquele primeiro cataclismo.
* A lenda indiana sobre o dilúvio refere, segundo o livro dos Vedas, que Brama, transformado em peixe,
se dirigiu ao piedoso monarca Vaivaswata e lhe disse: “Chegou o momento da dissolução do universo; em breve estará destruído tudo o que existe na Terra. Tens que construir um navio em que embarcarás, depois de teres embarcado sementes de todos os vegetais. Esperar-me-ás nesse navio e eu virei ter contigo, trazendo à cabeça um chifre pelo qual me reconhecerás.” O santo obedeceu; construiu um navio, embarcou nele e o atou por um cabo muito forte ao chifre do peixe. O navio foi rebocado durante muitos anos com extrema rapidez, por entre as trevas de uma tremenda tempestade, abordando, afinal, ao cume do monte Himawat (Himalaia). Brama ordenou em seguida a Vaivaswata que criasse todos os seres e com
eles povoasse a Terra. É flagrante a analogia desta lenda com a narrativa bíblica de Noé. Da Índia ela passara ao Egito, como uma multidão de outras crenças. Ora, sendo o livro dos Vedas anteriores ao de Moisés, a narração que naquele se encontra, do dilúvio, não pode ser uma cópia da deste último. O que é provável é
que Moisés, que aprendera as doutrinas dos sacerdotes egípcios, haja tomado a estes a sua descrição.
Revoluções periódicas.
6. Além do seu movimento ânuo em torno do Sol, origem das estações, do seu
movimento de rotação sobre si mesma em 24 horas, origem do dia e da noite, tem a
Terra um terceiro movimento que se completa em cerca de 25.000 anos, ou, mais
exatamente, em 25.868 anos, e que produz o fenômeno denominado, em astronomia, precessão dos equinócios (cap. V, n.
o 11). Este movimento, que não se pode explicar
em poucas palavras, sem o auxílio de figuras e sem uma demonstração geométrica, consiste numa espécie de oscilação circular, que se há comparado à de um pião a
morrer, e por virtude da qual o eixo da Terra, mudando de inclinação, descreve um
duplo cone cujo vértice está no centro do planeta, abrangendo as bases desses cones
a superfície circunscrita pelos círculos polares, isto é, uma amplitude de 23 e 1/2
graus de raio.
7. O equinócio é o instante em que o Sol, passando de um hemisfério a outro, se
encontra perpendicular ao equador, o que acontece duas vezes por ano, a 21 de
março, quando o Sol passa para o hemisfério boreal, e a 22 de setembro, quando
volta ao hemisfério austral.
Mas, em consequência da gradual mudança na obliquidade do eixo, o que
acarreta outra mudança na obliquidade do equador sobre a eclíptica, o momento do
equinócio avança cada ano de alguns minutos (25 minutos e 7 segundos). A esse
avanço é que se deu o nome de precessão dos equinócios (do latim
proecedere, caminhar para diante, composto de proe, adiante, e cedere, ir-se).
Com o tempo, esses poucos minutos fazem horas, dias, meses e anos,
resultando daí que o equinócio da primavera, que agora se verifica no mês de março, em dado tempo se verificará em fevereiro, depois em janeiro, depois em dezembro. Então o mês de dezembro terá a temperatura de março e março a de junho e assim
por diante, até que, voltando ao mês de março, as coisas se encontrarão de novo no
estado atual, o que se dará ao cabo de 25.868 anos, para recomeçar indefinidamente
a mesma revolução.*
* A precessão dos equinócios ocasiona outra mudança: a que se opera na posição dos signos do zodíaco. Girando a Terra ao derredor do Sol em um ano, à medida que ela avança, o Sol, cada mês, se encontra
diante de uma constelação. Estas são em número de doze, a saber: o Carneiro, o Touro, os Gêmeos, o Câncer, o Leão, a Virgem, a Balança, o Escorpião, o Sagitário, o Capricórnio, o Aquário, os Peixes. São chamadas constelações zodiacais, ou signos do zodíaco, e formam um círculo no plano do equador
terrestre. Conforme o mês do nascimento de um indivíduo dizia-se que ele nascera sob tal ou tal signo;
daí os prognósticos da astrologia. Mas, em virtude da precessão dos equinócios, acontece que os meses já não correspondem às mesmas constelações. Um que nasça no mês de julho já não está no signo do Leão, porém no do Câncer. Cai assim a ideia supersticiosa da influência dos signos. (Cap. V, nº 12.)
8. Desse movimento cônico do eixo, resulta que os polos da Terra não olham
constantemente os mesmos pontos do céu; que a Estrela Polar não será sempre
estrela polar; que os pólos gradualmente se inclinam mais ou menos para o Sol e
recebem dele raios mais ou menos diretos, donde se segue que a Islândia e a
Lapônia, por exemplo, localizadas sob o círculo polar, poderão, em dado tempo,
receber raios solares como se estivessem na latitude da Espanha e da Itália e que, na
posição do extremo oposto, a Espanha e a Itália poderão ter a temperatura da
Islândia e da Lapônia, e assim por diante, a cada renovação do período de 25.000
anos.*
* O deslocamento gradual das linhas isotérmicas, fenômeno que a ciência reconhece de modo tão
positivo como o do deslocamento do mar, é um fato material que apoia esta teoria.
9. Ainda não puderam ser determinadas com precisão as consequências deste
movimento, porque somente se há podido observar uma pequena parte da sua
revolução. A respeito, pois, não há mais do que presunções, algumas das quais com
caráter de probabilidade.
Essas consequências são:
1.ª. O aquecimento e o resfriamento alternativos dos polos e, por
conseguinte, a fusão dos gelos polares durante a metade do período de 25.000 anos e
a nova formação deles durante a outra metade desse período. Resultaria daí não
estarem os polos condenados a uma perpétua esterilidade, cabendo-lhes gozar a seu
turno dos benefícios da fertilidade.
2.ª. O deslocamento gradativo do mar, fazendo-o invadir pouco a pouco
umas terras e pôr a descoberto outras, para de novo as abandonar, voltando ao seu
leito anterior. Esse movimento periódico, indefinidamente renovado, constituiria
uma verdadeira maré universal de 25.000 anos.
A lentidão com que se opera esse movimento do mar torna-o quase
imperceptível para cada geração. Faz-se, porém, sensível ao cabo de alguns séculos. Nenhum cataclismo súbito pode ele causar, porque os homens se retiram, de geração
em geração, à proporção que o mar avança, e avançam pelas terras donde o mar se
retira. É a essa causa, mais que provável, que alguns sábios atribuem o afastamento
do mar de certas costas e a invasão de outras por ele.
10. O deslocamento demorado, gradual e periódico do mar é fato que a experiência
comprova e numerosos exemplos confirmam, em todos os pontos do globo. Tem por
efeito o entretenimento das forças produtivas da Terra. A longa imersão é para os
terrenos um tempo de repouso, durante o qual eles recuperam os princípios vitais
esgotados por uma não menos longa produção. Os imensos depósitos de matérias
orgânicas, formados pela permanência das águas durante séculos e séculos, são
adubações naturais, periodicamente renovadas, e as gerações se sucedem sem se
aperceberem de tais mudanças.*
* Entre os fatos mais recentes que provam o deslocamento do mar, podem citar-se estes:
No golfo da Gasconha, entre o velho Soulac e a Torre de Cordouan, quando o mar está calmo, percebe-se no fundo da água trechos de muralha: são os restos da antiga e grande cidade de Noviomagus,
invadida pelas ondas em 580. O rochedo de Cordouan, que se achava então ligado à margem, está agora a 12 quilômetros.
No mar da Mancha, sobre a costa do Havre, as águas dia a dia ganham terreno e minam as penedias de Sainte Adresse, que pouco a pouco desmoronam. A dois quilômetros da costa entre Sainte Adresse e o cabo de Hève, existe um banco que outrora se achava à vista e ligado à terra firme. Antigos documentos atestam que nesse lugar, por sobre o qual hoje se navega, existia a aldeia de Saint Denis chef de Caux. Tendo o mar invadido, no décimo quarto século, o terreno, a igreja foi tragada em 1378. Dizem que, com bom tempo, se lhe vêem os restos no fundo do mar.
Em quase toda a extensão do litoral da Holanda, o mar só é contido a poder de diques, que de
tempos a tempos se rompem. O antigo lago de Flevo, que se reuniu ao mar em 1225, forma hoje o golfo
de Zuyder zée. Essa irrupção do oceano tragou muitas povoações. Segundo isto, o território de Paris e da França toda seria de novo ocupado pelo mar, como já o
foi muitas vezes, conforme o demonstram as observações geológicas. Então, as partes montanhosas
formarão ilhas, como o são agora Jersey, Guernesey e a Inglaterra, outrora contíguas ao continente. Navegar-se-á por sobre regiões que atualmente se percorrem de caminho de ferro; os navios aportarão a Montmartre, ao monte Valeriano, aos outeiros de Saint Cloud e de Meudon; os bosques e
florestas, agora lugares de passeio, ficarão sepultados nas águas, cobertos de limo e povoados de peixes, que substituirão as aves. O dilúvio bíblico não pode ter tido essa causa, pois que foi repentina a invasão das águas e de
curta duração a permanência delas, ao passo que, de outro modo, essa permanência houvera sido de muitos milhares de anos e ainda duraria, sem que os homens dessem por isso.
Cataclismos futuros.
11. As grandes comoções telúricas se têm produzido nas épocas em que a crosta
sólida da Terra, pela sua fraca espessura, quase nenhuma resistência oferecia à
efervescência das matérias em ignição no seu interior. Tais comoções foram
diminuindo, à proporção que aquela crosta se consolidava. Numerosos vulcões já se
acham extintos, outros os terrenos de formação posterior soterraram.
Ainda, certamente, poderão produzir-se perturbações locais, por efeito de
erupções vulcânicas, da eclosão de alguns vulcões novos, de inundações repentinas
de algumas regiões; poderão do mar surgir ilhas e outras ser por ele tragadas; mas, passou o tempo dos cataclismos gerais, como os que assinalaram os grandes
períodos geológicos. A Terra adquiriu uma estabilidade que, sem ser absolutamente
invariável, coloca doravante o gênero humano ao abrigo de perturbações gerais, a
menos que intervenham causas desconhecidas, a ela estranhas e que de modo
nenhum se possam prever.
12. Quanto aos cometas, estamos hoje perfeitamente tranquilizados com relação à
influência que exercem, mais salutar do que nociva, por parecerem eles destinados a
reabastecer os mundos, se assim nos podemos exprimir, trazendo-lhes os princípios
vitais que eles armazenam em sua corrida pelo espaço e com o se aproximarem dos
sóis. Assim, pois, seriam antes fontes de prosperidades, do que mensageiros de
desgraças.
A natureza fluídica, já bem comprovada (cap. VI, n.o 28 e seguintes), que
lhes é própria afasta todo receio de choques violentos, porquanto, se um deles
encontrasse a Terra, esta o atravessaria, como se passasse através de um nevoeiro.
Ainda menos de temer é a cauda que arrastam, visto que essa mais não é do
que a reflexão da luz solar na imensa atmosfera que os envolve, tanto assim que se
mostra constantemente dirigida para o lado oposto ao Sol, mudando de direção
conformemente à posição deste astro. Essa matéria gasosa também poderia, em
virtude da rapidez com que eles caminham, constituir uma espécie de cabeleira, semelhante à esteira deixada por um navio em marcha, ou à fumaça de uma
locomotiva. Aliás, muitos cometas já se têm aproximado da Terra, sem lhe causarem
qualquer dano. Em virtude das suas respectivas densidades, a Terra exerceria sobre o
cometa uma atração maior do que a dele sobre ela. Somente uns restos de velhos
preconceitos podem fazer que a presença de um cometa inspire terror.*
* O cometa de 1861 atravessou a órbita da Terra num ponto do qual esta se achava a uma distância de
apenas 20 horas. A Terra esteve, portanto, mergulhada na atmosfera dele, sem que daí resultasse nenhum
acidente.
13. Deve-se igualmente lançar ao rol das hipóteses quiméricas a possibilidade do
encontro da Terra com outro planeta. A regularidade e a invariabilidade das leis que
presidem aos movimentos dos corpos celestes tornam carente de toda probabilidade
semelhante encontro.
A Terra, no entanto, terá um fim. Como? Isso ainda permanece no domínio
das conjeturas; mas, visto estar ela ainda longe da perfeição que pode alcançar e da
vetustez que lhe indicaria o declínio, seus habitantes atuais podem estar certos de
que tal não se dará ao tempo deles. (Cap. VI, n.os 48 e seguintes.)
14. Fisicamente, a Terra teve as convulsões da sua infância; entrou agora num
período de relativa estabilidade: na do progresso pacífico, que se efetua pelo regular
retorno dos mesmos fenômenos físicos e pelo concurso inteligente do homem. Está, porém, ainda, em pleno trabalho de gestação do progresso moral. Aí residirá a
causa das suas maiores comoções. Até que a humanidade se haja avantajado
suficientemente em perfeição, pela inteligência e pela observância das leis divinas, as maiores perturbações ainda serão causadas pelos homens, mais do que pela
natureza, isto é, serão antes morais e sociais do que físicas.
Aumento ou diminuição do volume da Terra.
15. O volume da Terra aumenta, diminui, ou permanece estacionário?
Alguns, para sustentar que o volume da Terra aumenta, se fundam em que
as plantas dão ao solo mais do que dele tiram, o que, se num sentido é exato, noutro
não o é. As plantas se nutrem tanto, e até mais, das substâncias gasosas que haurem
na atmosfera, quanto das que sugam pelas raízes. Ora, a atmosfera faz parte
integrante do globo; os gases que a constituem provêm da decomposição dos corpos
sólidos e estes, recompondo-se, retomam o que lhe haviam dado. É uma troca, ou,
antes, uma perpétua transformação, de tal sorte que, operando-se o crescimento
deles com o auxílio dos elementos constitutivos do globo, os despojos dos vegetais e
dos animais, por muito consideráveis que sejam, não lhe aumentam de um átomo a
massa. Se, por essa causa, a parte sólida do globo aumentasse de modo permanente,
isso se daria à custa da atmosfera, que diminuiria de outro tanto e acabaria por se
tornar imprópria à vida, se não recuperasse, pela decomposição dos corpos sólidos, o
que perde pela composição deles.
Na origem da Terra, as primeiras camadas geológicas se formaram das
matérias sólidas momentaneamente volatilizadas, por efeito da alta temperatura, e
que, condensadas mais tarde pelo resfriamento, se precipitaram. Incontestavelmente, elas elevaram um pouco a superfície do solo, mas sem acrescentarem coisa alguma à
massa total, pois que ali apenas havia um deslocamento de matéria. Quando, expurgada dos elementos que continha em suspensão, a atmosfera se encontrou no
estado normal, as coisas tomaram o curso regular em que depois seguiram. Hoje, a
menor modificação na constituição da atmosfera acarretaria, forçosamente, a
destruição dos atuais habitantes da Terra; mas, também é provável que novas raças
se formassem noutras condições.
Considerada desse ponto de vista, a massa do globo, isto é, a soma das
moléculas que compõem o conjunto de suas partes sólidas, líquidas e gasosas, é
incontestavelmente a mesma, desde a sua origem. Se o globo experimentasse uma
dilatação ou uma condensação, seu volume aumentaria ou diminuiria, sem que a
massa sofresse qualquer alteração. Portanto, se a Terra aumentasse de massa, o fato
seria efeito de uma causa estranha, pois que ela não poderia tirar de si mesma os
elementos necessários ao seu aumento.
Há uma opinião segundo a qual o globo aumentaria de massa e de volume
pelo afluxo da matéria cósmica interplanetária. Esta ideia nada tem de irracional, mas é por demais hipotética para ser admitida em princípio. Não passa de um
sistema combatido por sistemas contrários, sobre os quais a ciência ainda nada
estabeleceu. Eis aqui, a tal respeito, a opinião do eminente Espírito que ditou os
sábios estudos uranográficos insertos acima, no capítulo VI:
“Os mundos se esgotam pelo envelhecimento e tendem a dissolver-se para
servir de elementos de formação a outros universos. Restituem pouco a pouco ao
fluido cósmico universal do espaço o que dele tiraram para formar-se. Além disso,
todos os corpos se gastam pelo atrito; o movimento rápido e incessante do globo
através do fluido cósmico dá em resultado diminuir-se-lhe constantemente a massa, se bem que de quantidade inapreciável em determinado tempo.*
“A existência dos mundos pode, a meu ver, dividir-se em três períodos. — Primeiro período: condensação da matéria, período esse em que o volume do globo
diminui consideravelmente, conservando-se a mesma a massa. É o período da
infância. — Segundo período: contração, solidificação da crosta; eclosão dos
germens, desenvolvimento da vida até à aparição do tipo mais aperfeiçoado. Nesse
momento, o globo está em toda a sua plenitude, é a época da virilidade; ele perde, mas muito pouco, os seus elementos constitutivos. À medida que seus habitantes
progridem espiritualmente, passa ele ao período de decrescimento material; sofre
perdas, não só em consequência do atrito, mas também pela desagregação das
moléculas, como uma pedra dura que, corroída pelo tempo, acaba reduzida a poeira. Em seu duplo movimento de rotação e translação, ele entrega ao espaço parcelas
fluidificadas da sua substância, até ao momento em que se completa a sua
dissolução.
“Mas, então, como o poder de atração está na razão direta da massa, não
digo do volume, diminuída a massa do globo, modificam-se as suas condições de
equilíbrio no espaço. Dominado por planetas mais poderosos, aos quais ele não pode
fazer contrapeso, resultam daí desvios nos seus movimentos e, portanto, também
profundas mudanças nas condições da vida em sua superfície. Assim, nascimento,
vida e morte; ou infância, virilidade, decrepitude são as três fases por que passa toda
aglomeração de matéria orgânica ou inorgânica. Indestrutível, só o Espírito, que não
é matéria.” (Galileu, Sociedade de Paris, 1868.)
* No seu movimento de translação em torno do Sol, a velocidade da Terra é de 400 léguas por minuto. Sendo de 9.000 léguas a sua circunferência, em seu movimento de rotação ao redor do seu eixo, cada ponto do equador percorre 9.000 léguas em 24 horas, ou 6,3 léguas por minuto.