2. Enunciou Jesus dessa forma uma verdade que se tornou
provérbio, que é de todos os tempos e à qual se poderia
dar maior amplitude, dizendo que ninguém é profeta em
vida.
Na linguagem usual, essa máxima se aplica ao crédito
de que alguém goza entre os seus e entre aqueles em cujo
seio vive, à confiança que lhes inspira pela superioridade
do saber e da inteligência. Se ela sofre exceções, são raras
estas e, em nenhum caso, absolutas. O princípio de tal verdade
reside numa consequência natural da fraqueza
humana e pode explicar-se deste modo:
O hábito de se verem desde a infância, em todas as
circunstâncias ordinárias da vida, estabelece entre os homens
uma espécie de igualdade material que, muitas vezes,
faz que a maioria deles se negue a reconhecer superioridade
moral num de quem foram companheiros ou
comensais, que saiu do mesmo meio que eles e cujas primeiras
fraquezas todos testemunharam. Sofre-lhes o orgulho
com o terem de reconhecer o ascendente do outro. Quem
quer que se eleve acima do nível comum está sempre em
luta com o ciúme e a inveja. Os que se sentem incapazes de
chegar à altura em que aquele se encontra esforçam-se para
rebaixá-lo, por meio da difamação, da maledicência e da
calúnia; tanto mais forte gritam, quanto menores se acham,
crendo que se engrandecem e o eclipsam pelo arruído que promovem. Tal foi e será a história da humanidade,
enquanto os homens não houverem compreendido a sua
natureza espiritual e alargado seu horizonte moral. Por aí
se vê que semelhante preconceito é próprio dos espíritos
acanhados e vulgares, que tomam suas personalidades
por ponto de aferição de tudo.
Doutro lado, toda gente, em geral, faz dos homens apenas
conhecidos pelo espírito um ideal que cresce à medida
que os tempos e os lugares se vão distanciando. Eles são
como que despojados de todo cunho de humanidade; parece
que não devem ter falado, nem sentido como os demais;
que a linguagem de que usaram e seus pensamentos hão
de ter ressoado constantemente no diapasão da sublimidade,
sem se lembrarem, os que tal imaginam, que o espírito
não poderia permanecer constantemente em estado de tensão
e de perpétua superexcitação. No contacto da vida privada,
vê-se por demais que o homem material em nada se
distingue do vulgo. O homem corpóreo, que os sentidos humanos
percebem, quase que apaga o homem espiritual, do
qual somente o espírito se percebe. De longe, apenas se
vêem os relâmpagos do gênio; de perto, vêem-se as paradas
do espírito.
Depois da morte, nenhuma comparação mais sendo
possível, unicamente o homem espiritual subsiste e tanto
maior parece, quanto mais longínqua se torna a lembrança
do homem corporal. É por isso que aqueles cuja passagem
pela Terra se assinalou por obras de real valor são mais
apreciados depois de mortos do que quando vivos. São julgados
com mais imparcialidade, porque, já tendo desaparecido
os invejosos e os ciosos, cessaram os antagonismos pessoais. A posteridade é juiz desinteressado no apreciar a
obra do espírito; aceita-a sem entusiasmo cego, se é boa, e
a rejeita sem rancor, se é má, abstraindo da individualidade
que a produziu.
Tanto menos podia Jesus escapar às conseqüências
deste princípio, inerente à natureza humana, quanto pouco
esclarecido era o meio em que ele vivia, meio esse constituído
de criaturas votadas inteiramente à vida material.
Nele, seus compatriotas apenas viam o filho do carpinteiro,
o irmão de homens tão ignorantes quanto ele e, assim sendo,
não percebiam o que lhe dava superioridade e o investia
do direito de os censurar. Verificando então que a sua palavra
tinha menos autoridade sobre os seus, que o desprezavam,
do que sobre os estranhos, preferiu ir pregar para os
que o escutavam e aos quais inspirava simpatia.
Pode-se fazer ideia dos sentimentos que para com ele
nutriam os que lhe eram aparentados, pelo fato de que seus
próprios irmãos, acompanhados de sua mãe, foram a uma
reunião onde ele se encontrava, para dele se apoderarem,
dizendo que perdera o juízo. (S. Marcos, 3:20–21 e 31–35.
—
O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIV.)
Assim, de um lado, os sacerdotes e os fariseus o
acusavam de obrar pelo demônio; de outro, era tachado de
louco pelos seus parentes mais próximos. Não é o que se dá
em nossos dias com relação aos espíritas? E deverão estes
queixar-se de que os seus concidadãos não os tratem melhor
do que os de Jesus o tratavam? O que há de estranhável é que, no século dezenove e no seio de nações civilizadas,
se dê o que, há dois mil anos, nada tinha de espantoso,
por parte de um povo ignorante.