47. Este milagre, referido unicamente no Evangelho de S. João, é apresentado como o primeiro que Jesus operou e, nessas condições, devera ter sido um dos mais notados. Entretanto, bem fraca impressão parece haver produzido, pois que nenhum outro evangelista dele trata. Fato não extraordinário era para deixar espantados, no mais alto grau, os convivas e, sobretudo, o dono da casa, os quais, todavia, parece que não o perceberam.
Considerado em si mesmo, pouca importância tem o fato, em comparação com os que, verdadeiramente, atestam as qualidades espirituais de Jesus. Admitido que as coisas hajam ocorrido, conforme foram narradas, é de notar-se seja esse, de tal gênero, o único fenômeno que se tenha produzido. Jesus era de natureza extremamente elevada, para se ater a efeitos puramente materiais, próprios apenas a aguçar a curiosidade da multidão que, então, o teria nivelado a um mágico. Ele sabia que as coisas úteis lhe conquistariam mais simpatias e lhe granjeariam mais adeptos, do que as que facilmente passariam por fruto de grande habilidade e destreza (n.º 27).
Se bem que, a rigor, o fato se possa explicar, até certo ponto, por uma ação fluídica que houvesse, como o magnetismo oferece muitos exemplos, mudado as propriedades da água, dando-lhe o sabor do vinho, pouco provável é se tenha verificado semelhante hipótese, dado que, em tal caso, a água, tendo do vinho unicamente o sabor, houvera conservado a sua coloração, o que não deixaria de ser notado. Mais racional é se reconheça aí uma daquelas parábolas tão frequentes nos ensinos de Jesus, como a do filho pródigo, a do festim de bodas, do mau rico, da figueira que secou e tantas outras que, todavia, se apresentam com caráter de fatos ocorridos. Provavelmente, durante o repasto, terá ele aludido ao vinho e à água, tirando de ambos um ensinamento. Justificam esta opinião as palavras que a respeito lhe dirige o mordomo: “Toda gente serve em primeiro lugar o vinho bom e, depois que todos o têm bebido muito, serve o menos fino; tu, porém, guardas até agora o bom vinho.”
Entre duas hipóteses, deve-se preferir a mais racional e os espíritas não são tão crédulos que por toda parte vejam manifestações, nem tão absolutos em suas opiniões, que pretendam explicar tudo por meio dos fluidos.