Geração espontânea
20.
É natural se pergunte por que não mais se formam seres vivos nas mesmas
condições em que se formaram os primeiros que surgiram na Terra.
Sobre
esse ponto, não pode deixar de lançar luz a questão da geração
espontânea, que tanto preocupa a Ciência, embora ainda esteja
diversamente resolvida. O problema é este: Formam-se, nos tempos atuais,
seres orgânicos pela simples reunião dos elementos que os constituem,
sem germens, previamente produzidos pelo modo ordinário de geração, ou,
por outra, sem pais nem mães?
Os partidários da geração
espontânea respondem afirmativamente, apoiando-se em observações
diretas, que parecem concludentes. Pensam outros que todos os seres
vivos se reproduzem uns pelos outros, firmados sobre o fato, que a
experiência comprova, de que os germens de certas espécies vegetais e
animais, mesmo dispersos, conservam latente vitalidade, durante longo
tempo, até que as circunstâncias lhes favoreçam a eclosão. Esta maneira
de entender deixa sempre em aberto a questão da formação dos primeiros
tipos de cada espécie.
21.
Sem discutir os dois sistemas, convém acentuar que o princípio da
geração espontânea evidentemente só se pode aplicar aos seres das ordens
mais ínfimas do reino vegetal e do reino animal, àqueles em os quais a
vida começa a despontar e cujo organismo, extremamente simples, é, de
certo modo, rudimentar. Foram esses, com efeito, os primeiros que
apareceram na Terra e cuja formação houve de ser espontânea.
Assistiríamos assim a uma criação permanente, análoga à que se produziu
nas primeiras idades do mundo.
22.
Mas, então, por que não se formam da mesma maneira os seres de complexa
organização? Que esses seres não existiram sempre, é fato positivo;
logo, tiveram um começo. Se o musgo, o líquen, o zoófito, o infusório,
os vermes intestinais e outros podem produzir-se espontaneamente, por
que não se dá o mesmo com as árvores, os peixes, os cães, os cavalos?
Param aí, por enquanto, as investigações; desaparece o fio condutor e,
até que ele seja encontrado, fica aberto o campo às hipóteses. Fora,
pois, imprudente e prematuro apresentar meros sistemas como verdades
absolutas.
23.
Se a geração espontânea é fato demonstrado, por muito limitado que
seja, não deixa de constituir um fato capital, um marco de natureza a
indicar o caminho para novas observações. Sabe-se que os seres orgânicos
complexos não se produzem dessa maneira; mas, quem sabe como eles
começaram? Quem conhece o segredo de todas as transformações? Vendo o
carvalho sair da glande, quem pode afirmar que não exista um laço
misterioso entre o pólipo e o elefante? (Nº 25.)
No estado atual
dos nossos conhecimentos, não podemos estabelecer a teoria da geração
espontânea permanente, senão como hipótese, mas como hipótese provável e
que um dia, talvez, tome lugar entre as verdades científicas
incontestes. •
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* Revue Spirite, julho de 1868, pág. 201: “Desenvolvimento da teoria da geração espontânea”.