Segundo advento do Cristo.
43. Disse então Jesus a seus discípulos: Se algum quiser vir nas
minhas pegadas, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me;
— porquanto, aquele que quiser salvar a vida a perderá e aquele
que perder a vida por amor de mim a encontrará de novo. — De que serviria a um homem ganhar o mundo inteiro e perder
a alma? Ou por que preço poderá o homem comprar sua alma,
depois de a ter perdido? — Porque, o Filho do homem há de vir na
glória de seu Pai, com seus anjos, e então dará a cada um
segundo as suas obras. — Digo-vos, em verdade, que alguns daqueles que aqui se
encontram não sofrerão a morte, sem que tenham visto vir o
Filho do homem no seu reino. (S. Mateus, 16:24–28.)
44. Então, levantando-se do meio da assembleia, o sumo-sacerdote
interrogou a Jesus desta forma: Nada respondes ao que estes
depõem contra ti? — Mas Jesus se conservava em silêncio e
não respondeu. Interrogou-o de novo o sumo-sacerdote: És o Cristo,
o Filho de Deus para sempre Bendito? — Jesus lhe respondeu:
Eu o sou e vereis um dia o Filho do homem assentado à
direita da majestade de Deus e vindo sobre as nuvens do céu. — Logo o sumo-sacerdote, rasgando as vestes, lhe diz: Que
necessidade temos de mais testemunhos? (S. Marcos, 16:60 a 63.)
45. Jesus anuncia o seu segundo advento, mas não diz que
voltará à Terra com um corpo carnal, nem que personificará
o Consolador. Apresenta-se como tendo de vir em Espírito, na glória de seu Pai, a julgar o mérito e o demérito e
dar a cada um segundo as suas obras, quando os tempos
forem chegados.
Estas palavras: “Alguns há dos que aqui estão que não
sofrerão a morte sem terem visto vir o Filho do homem no
seu reinado” parecem encerrar uma contradição, pois é incontestável
que ele não veio em vida de nenhum daqueles
que estavam presentes. Jesus, entretanto, não podia enganar-se
numa previsão daquela natureza e, sobretudo, com
relação a uma coisa contemporânea e que lhe dizia pessoalmente
respeito. Há, primeiro, que indagar se suas palavras
foram sempre reproduzidas fielmente. É de duvidar-se,
desde que se considere que ele nada escreveu; que elas só
foram registradas depois de sua morte; que o mesmo discurso
cada evangelista o exarou em termos diferentes, o
que constitui prova evidente de que as expressões de que
eles se serviram não são textualmente as de que se serviu
Jesus. Além disso, é provável que o sentido tenha sofrido
alterações ao passar pelas traduções sucessivas.
Por outro lado, é indubitável que, se Jesus houvesse
dito tudo o que pudera dizer, ele se teria expressado sobre
todas as coisas de modo claro e preciso, sem dar lugar a
qualquer equívoco, conforme o fez com relação aos princípios de moral, ao passo que foi obrigado a velar o seu pensamento
acerca dos assuntos que não julgou conveniente
aprofundar. Persuadidos de que a geração de que faziam
parte testemunharia o que ele anunciava, os discípulos foram
levados a interpretar o pensamento de Jesus de acordo
com aquela idéia. Assim é que redigiram do ponto de
vista do presente o que o Mestre dissera, fazendo-o de maneira
mais absoluta do que ele próprio o teria feito. Seja como
for, o fato é que as coisas não se passaram como eles o
supuseram.
46. A grande e importante lei da reencarnação foi um dos
pontos capitais que Jesus não pôde desenvolver, porque os
homens do seu tempo não se achavam suficientemente preparados
para idéias dessa ordem e para as suas consequências.
Contudo, assentou o princípio da referida lei, como
o fez relativamente a tudo mais. Estudada e posta em evidência
nos dias atuais pelo Espiritismo, a lei da reencarnação constitui a chave para o entendimento de muitas passagens
do Evangelho que, sem ela, parecem verdadeiros
contra-sensos.
É por meio dessa lei que se encontra a explicação racional
das palavras acima, admitidas que sejam como textuais.
Uma vez que elas não podem ser aplicadas às pessoas
dos apóstolos, é evidente que se referem ao futuro
reinado do Cristo, isto é, ao tempo em que a sua doutrina,
mais bem compreendida, for lei universal. Dizendo que alguns
dos ali presentes na ocasião veriam o seu advento, ele
forçosamente se referia aos que estarão vivos de novo nessa
época. Os judeus, porém, imaginavam que lhes seria
dado ver tudo o que Jesus anunciava e tomavam ao pé da
letra suas frases alegóricas.
Aliás, algumas de suas predições se realizaram no devido
tempo, tais como a ruína de Jerusalém, as desgraças
que se lhe seguiram e a dispersão dos judeus. Sua visão,
porém, se projetava muito mais longe, de sorte que,
quando falava do presente, sempre aludia ao futuro.