CAPÍTULO XXIII
DA OBSESSÃO
Da obsessão. — Obsessão simples. — Fascinação. — Subjugação. — Causas da obsessão. — Meios de a combater.
Da obsessão.
237. Entre os escolhos que apresenta a prática do Espiritismo, cumpre se coloque na primeira linha a obsessão,
isto é, o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas
pessoas. Nunca é praticada senão pelos Espíritos inferiores, que
procuram dominar. Os bons Espíritos nenhum constrangimento infligem.
Aconselham, combatem a influência dos maus e, se não os ouvem,
retiram-se. Os maus, ao contrário, se agarram àqueles de quem podem
fazer suas presas. Se chegam a dominar algum, identificam-se com o
Espírito deste e o conduzem como se fora verdadeira criança.
A
obsessão apresenta caracteres diversos, que é preciso distinguir e que
resultam do grau do constrangimento e da natureza dos efeitos que
produz. A palavra
obsessão é, de certo modo, um termo genérico, pelo qual se designa esta espécie de fenômeno, cujas principais variedades são: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação.
Obsessão simples.
238.
Dá-se a obsessão simples, quando um Espírito malfazejo se impõe a um
médium, se imiscui, a seu mau grado, nas comunicações que ele recebe, o
impede de se comunicar com outros Espíritos e se apresenta em lugar dos
que são evocados.
Ninguém está obsidiado pelo simples fato de ser
enganado por um Espírito mentiroso. O melhor médium se acha exposto a
isso, sobretudo, no começo, quando ainda lhe falta a experiência
necessária, do mesmo modo que, entre nós homens, os mais honestos podem
ser enganados por velhacos. Pode-se, pois, ser enganado, sem estar
obsidiado. A obsessão consiste na tenacidade de um Espírito, do qual não
consegue desembaraçar-se a pessoa sobre quem ele atua.
Na
obsessão simples, o médium sabe muito bem que se acha presa de um
Espírito mentiroso e este não se disfarça; de nenhuma forma dissimula
suas más intenções e o seu propósito de contrariar. O médium reconhece
sem dificuldade a felonia e, como se mantém em guarda, raramente é
enganado. Este gênero de obsessão é, portanto, apenas desagradável e não
tem outro inconveniente, além do de opor obstáculo às comunicações que
se desejara receber de Espíritos sérios, ou dos afeiçoados.
Podem incluir-se nesta categoria os casos de obsessão física, isto
é, a que consiste nas manifestações ruidosas e obstinadas de alguns
Espíritos, que fazem se ouçam, espontaneamente, pancadas ou outros
ruídos. Pelo que concerne a este fenômeno, consulte-se o capítulo
Das manifestações físicas espontâneas. (N.º 82.)
Fascinação.
239.
A fascinação tem consequências muito mais graves. É uma ilusão
produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e
que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às
comunicações. O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o
Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver
o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse
absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até
ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula. Fora erro
acreditar que a este gênero de obsessão só estão sujeitas as pessoas
simples, ignorantes e baldas de senso. Dela não se acham isentos nem os
homens de mais espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes sob
outros aspectos, o que prova que tal aberração é efeito de uma causa
estranha, cuja influência eles sofrem.
Já dissemos que muito
mais graves são as consequências da fascinação. Efetivamente, graças à
ilusão que dela decorre, o Espírito conduz o indivíduo de quem ele
chegou a apoderar-se, como faria com um cego, e pode levá-lo a aceitar
as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a
única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações
ridículas, comprometedoras e até perigosas.
Compreende-se
facilmente toda a diferença que existe entre a obsessão simples e a
fascinação; compreende-se também que os Espíritos que produzem esses
dois efeitos devem diferir de caráter. Na primeira, o Espírito que se
agarra à pessoa não passa de um importuno pela sua tenacidade e de quem
aquela se impacienta por desembaraçar-se. Na segunda, a coisa é muito
diversa. Para chegar a tais fins, preciso é que o Espírito seja destro,
ardiloso e profundamente hipócrita, porquanto não pode operar a mudança e
fazer-se acolhido, senão por meio da máscara que toma e de um falso
aspecto de virtude. Os grandes termos — caridade, humildade, amor de
Deus — lhe servem como que de carta de crédito; deixa passar, porém, através de tudo
isso, sinais de inferioridade, que só o
fascinado
é incapaz de perceber. Por isso mesmo, o que o fascinador mais teme são
as pessoas que veem claro. Daí o consistir a sua tática, quase sempre,
em inspirar ao seu intérprete o afastamento de quem quer que lhe possa
abrir os olhos. Por esse meio, evitando toda contradição, fica certo de
ter razão sempre.
Subjugação.
240. A subjugação é uma
constrição que paralisa a vontade daquele que a sofre e o faz agir a seu
mau grado. Numa palavra: o paciente fica sob um verdadeiro
jugo.
A subjugação pode ser moral ou corporal.
No primeiro caso, o subjugado é constrangido a tomar resoluções muitas
vezes absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão, ele
julga sensatas: é um tipo de fascinação. No segundo caso, o Espírito atua
sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários. Traduz-se,
no médium escrevente, por uma necessidade incessante de escrever, ainda
nos momentos menos oportunos. Vimos alguns que, à falta de pena ou
lápis, simulavam escrever com o dedo, onde quer que se encontrassem,
mesmo nas ruas, nas portas, nas paredes.
Vai, às vezes, mais
longe a subjugação corporal; pode levar aos mais ridículos atos.
Conhecemos um homem, que não era jovem, nem belo e que, sob o império de
uma obsessão dessa natureza, se via constrangido, por uma força
irresistível, a pôr-se de joelhos diante de uma moça a cujo respeito
nenhuma pretensão nutria e pedi-la em casamento. Outras vezes, sentia
nas costas e nos jarretes uma pressão enérgica, que o forçava, não
obstante a resistência que lhe opunha, a se ajoelhar e beijar o chão nos
lugares públicos e em presença da multidão. Esse homem passava por
louco entre as pessoas de suas relações; estamos, porém, convencidos de
que absolutamente não o era, porquanto tinha consciência plena do
ridículo do que fazia contra a sua vontade e com isso sofria
horrivelmente.
241. Dava-se outrora o nome de possessão
ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia
até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós,
sinônimo da subjugação. Por dois motivos deixamos de adotar esse termo:
primeiro, porque implica a crença de seres criados para o mal e
perpetuamente votados ao mal, enquanto que não há senão seres mais ou
menos imperfeitos, os quais todos podem melhorar-se; segundo, porque
implica igualmente a ideia do apoderamento de um corpo por um Espírito
estranho, de uma espécie de coabitação, ao passo que o que há é apenas
constrangimento. A palavra
subjugação exprime perfeitamente a ideia. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar do termo, há somente obsidiados, subjugados e fascinados.
Causas da obsessão.
242.
A obsessão, como dissemos, é um dos maiores escolhos da mediunidade e
também um dos mais frequentes. Por isso mesmo, não serão demais todos os
esforços que se empreguem para combatê-la, porquanto, além dos
inconvenientes pessoais que acarreta, é um obstáculo absoluto à bondade e
à veracidade das comunicações. A obsessão, de qualquer grau, sendo
sempre efeito de um constrangimento e este não podendo jamais ser
exercido por um bom Espírito, segue-se que toda comunicação dada por um
médium obsidiado é de origem suspeita e nenhuma confiança merece. Se
nelas alguma coisa de bom se encontrar, guarde-se isso e rejeite-se tudo
o que for simplesmente duvidoso.
243. Reconhece-se a obsessão pelas seguintes características:
1.ª — Persistência de um Espírito em se comunicar, bom ou mau grado, pela
escrita, pela audição, pela tiptologia, etc., opondo-se a que outros
Espíritos o façam;
2.ª — Ilusão que, não obstante a
inteligência do médium, o impede de reconhecer a falsidade e o ridículo
das comunicações que recebe;
3.ª — Crença na
infalibilidade e na identidade absoluta dos Espíritos que se comunicam e
que, sob nomes respeitáveis e venerados, dizem coisas falsas ou
absurdas;
4.ª — Confiança do médium nos elogios que lhe dispensam os Espíritos que por ele se comunicam;
5.ª — Disposição para se afastar das pessoas que podem emitir opiniões aproveitáveis;
6.ª — Tomar a mal a crítica das comunicações que recebe;
7.ª — Necessidade incessante e inoportuna de escrever;
8.ª — Constrangimento físico qualquer, dominando-lhe a vontade e forçando-o a agir ou falar a seu mau grado;
9.ª — Rumores e desordens persistentes ao redor do médium, sendo ele de tudo a causa, ou o objeto.
244. Diante do perigo da obsessão, ocorre perguntar se não é lastimável o ser-se médium. Não é a faculdade mediúnica que a provoca? Numa palavra, não constitui isso uma prova de inconveniência das comunicações espíritas? Fácil se nos apresenta a resposta e pedimos que a meditem cuidadosamente.
Não foram os médiuns, nem os espíritas que criaram os Espíritos; ao contrário, foram os Espíritos que fizeram haja espíritas e médiuns. Não sendo os Espíritos mais do que as almas dos homens, é claro que há Espíritos desde quando há homens; por conseguinte, desde todos os tempos eles exerceram influência salutar ou perniciosa sobre a humanidade. A faculdade mediúnica não lhes é mais que um meio de se manifestarem. Em falta dessa faculdade, fazem-no por mil outras maneiras, mais ou menos ocultas. Seria, pois, erro crer-se que só por meio das comunicações escritas ou verbais exercem os Espíritos sua influência. Esta influência é de todos os instantes e mesmo os que não se ocupam com os Espíritos, ou até não creem neles, estão expostos a sofrê-la, como os outros e mesmo mais do que os outros, porque não têm com que a contrabalancem. A mediunidade é, para o Espírito, um meio de se fazer conhecido. Se ele é mau, sempre se trai, por mais hipócrita que seja. Pode, pois, dizer-se que a mediunidade permite se veja o inimigo face a face, se assim nos podemos exprimir, e combatê-lo com suas próprias armas. Sem essa faculdade, ele age na sombra e, tendo a seu favor a invisibilidade, pode fazer e faz realmente muito mal. A quantos atos não é o homem impelido, para desgraça sua, e que teria evitado, se dispusesse de um meio de esclarecer-se! Os incrédulos não imaginam enunciar uma verdade, quando dizem de um homem que se transvia obstinadamente: “É o seu mau gênio que o impele à própria perda.” Assim, o conhecimento do Espiritismo, longe de facilitar o predomínio dos maus Espíritos, há de ter como resultado, em tempo mais ou menos próximo, e quando se achar propagado, destruir esse predomínio, dando a cada um os meios de se pôr em guarda contra as sugestões deles. Aquele então que sucumbir só de si terá que se queixar.
Regra geral: quem quer que receba más comunicações espíritas, escritas ou verbais, está sob má influência; essa influência se exerce sobre ele, quer escreva, quer não, isto é, seja ou não seja médium, creia ou não creia. A escrita faculta um meio de ser apreciada a natureza dos Espíritos que sobre ele atuam e de serem combatidos, se forem maus, o que se consegue com mais êxito quando se chega a conhecer os motivos da ação que desenvolvem. Se bastante cego é ele para o não compreender, podem outros abrir-lhe os olhos.
Em resumo: o perigo não está no Espiritismo, em si mesmo, pois que este pode, ao contrário, servir-nos de governo e preservar-nos do risco que corremos incessantemente, à revelia nossa. O perigo está na orgulhosa propensão de certos médiuns para, muito levianamente, se julgarem instrumentos exclusivos de Espíritos superiores e nessa espécie de fascinação que lhes não permite compreender as tolices de que são intérpretes. Mesmo os que não são médiuns podem deixar-se apanhar. Façamos uma comparação. Um homem tem um inimigo secreto, a quem não conhece e que contra ele espalha sub-repticiamente a calúnia e tudo o que a mais negra maldade possa inventar. O infeliz vê a sua fortuna perder-se, afastarem-se seus amigos, perturbada a sua ventura íntima. Não podendo descobrir a mão que o fere, impossibilitado se acha de defender-se e sucumbe. Mas, um belo dia, esse inimigo oculto lhe escreve e se trai, não obstante todos os ardis de que se vale. Eis descoberto o perseguidor do pobre homem, que desde então pode confundi-lo e se reabilitar. Tal o papel dos maus Espíritos, que o Espiritismo nos proporciona a possibilidade de conhecer e desmascarar.
245.
As causas da obsessão variam, de acordo com o caráter do Espírito. É,
às vezes, uma vingança que este toma de um indivíduo de quem guarda
queixas da sua vida presente ou do tempo de outra existência. Muitas
vezes, também, não há mais do que o desejo de fazer mal: o Espírito,
como sofre, entende de fazer que os outros sofram; encontra uma espécie
de gozo em os atormentar, em os vexar, e a impaciência que por isso a
vítima demonstra mais o exacerba, porque esse é o objetivo que colima,
ao passo que a paciência o leva a cansar-se. Com o irritar-se e
mostrar-se despeitado, o perseguido faz exatamente o que quer o seu
perseguidor. Esses Espíritos agem, não raro por ódio e inveja do bem;
daí o lançarem suas vistas malfazejas sobre as pessoas mais honestas. Um
deles se apegou como “tinha” a uma honrada família do nosso
conhecimento, à qual, aliás, não teve a satisfação de enganar.
Interrogado acerca do motivo por que se agarrara a pessoas distintas, em
vez de o fazer a homens maus como ele, respondeu:
estes não me causam inveja. Outros são guiados por um sentimento de covardia, que os induz a
se aproveitarem da fraqueza moral de certos indivíduos, que eles sabem
incapazes de lhes resistirem. Um destes últimos, que subjugava um rapaz
de inteligência muito apoucada, interrogado sobre os motivos dessa
escolha, respondeu:
Tenho grandíssima
necessidade de atormentar alguém; uma pessoa criteriosa me repeliria;
ligo-me a um idiota, que nenhuma força me opõe.
246.
Há Espíritos obsessores sem maldade, que alguma coisa denotam mesmo de
bom, mas dominados pelo orgulho do falso saber. Têm suas ideias, seus
sistemas sobre as ciências, a economia social, a moral, a religião, a
filosofia, e querem fazer que suas opiniões prevaleçam. Para esse
efeito, procuram médiuns bastante crédulos para os aceitar de olhos
fechados e que eles fascinam, a fim de os impedir de discernirem o
verdadeiro do falso. São os mais perigosos, porque os sofismas nada lhes
custam e podem tornar cridas as mais ridículas utopias. Como conhecem o
prestígio dos grandes nomes, não escapuliram em se adornarem com um
daqueles diante dos quais todos se inclinam, e não recuam sequer ante o
sacrilégio de se dizerem Jesus, a Virgem Maria, ou um santo venerado.
Procuram deslumbrar por meio de uma linguagem empolada, mais pretensiosa
do que profunda, eriçada de termos técnicos e recheada das retumbantes
palavras –– caridade e moral. Cuidadosamente evitarão dar um mau
conselho, porque bem sabem que seriam repelidos. Daí vem que os que são
por eles enganados os defendem, dizendo: Bem vedes que nada dizem de
mau. A moral, porém, para esses Espíritos é simples passaporte, é o que
menos os preocupa. O que querem, acima de tudo, é impor suas ideias por
mais disparatadas que sejam.
247.
Os Espíritos dados a sistemas são geralmente escrevinhadores, pelo que
buscam os médiuns que escrevem com facilidade e dos quais tratam de
fazer instrumentos dóceis e, sobretudo, entusiastas, fascinando-os. São
quase sempre verbosos, muito prolixos, procurando compensar a qualidade
pela quantidade. Comprazem-se em ditar, aos seus intérpretes, volumosos
escritos indigestos e frequentemente pouco inteligíveis, que,
felizmente, têm por antídoto a impossibilidade material de serem lidos
pelas massas. Os Espíritos verdadeiramente superiores são sóbrios de
palavras; dizem muita coisa em poucas frases. Segue-se que aquela
fecundidade prodigiosa deve sempre ser suspeita.
Nunca será demais toda a circunspecção, quando se trate de publicar
semelhantes escritos. As utopias e as excentricidades, que neles por
vezes abundam e chocam o bom senso, produzem lamentável impressão nas
pessoas ainda noviças na doutrina, dando-lhes uma ideia falsa do
Espiritismo, sem mesmo se levar em conta que são armas de que se servem
seus inimigos, para ridiculizá-lo. Entre tais publicações, algumas há
que, sem serem más e sem provirem de um obsessão, podem considerar-se
imprudentes,
intempestivas, ou desazadas.
248. Acontece
muito frequentemente que um médium só se pode comunicar com um único
Espírito, que a ele se liga e responde pelos que são chamados por seu
intermédio. Nem sempre há nisso uma obsessão, porquanto o fato pode
derivar da falta de maleabilidade do médium, de uma afinidade especial
sua com tal ou tal Espírito. Somente há obsessão propriamente dita,
quando o Espírito se impõe e afasta intencionalmente os outros, o que
jamais é obra de um Espírito
bom. Geralmente, o Espírito que se apodera do médium, tendo em vista
dominá-lo, não suporta o exame crítico das suas comunicações; quando vê
que não são aceitas, que as discutem, não se retira, mas inspira ao
médium o pensamento de se insular, chegando mesmo, não raro, a
ordenar-lho. Todo médium, que se melindra com a crítica das comunicações
que obtém, faz-se eco do Espírito que o domina, Espírito esse que não
pode ser bom, desde que lhe inspira um pensamento ilógico, qual o de se
recusar ao exame. O insulamento do médium é sempre coisa deplorável para
ele, porque fica sem uma verificação das comunicações que recebe. Não
somente deve buscar a opinião de terceiros para esclarecer-se, como
também necessário lhe é estudar todos os gêneros de comunicações, a fim
de as comparar. Restringindo-se às que lhe são transmitidas, expõe-se a
se iludir sobre o valor destas, sem considerar que não lhe é dado tudo
saber e que elas giram quase sempre dentro do mesmo círculo. (N.º 192 —
Médiuns exclusivos.)
Meios de a combater.
249.
Os meios de se combater a obsessão variam, de acordo com o caráter que
ela reveste. Não existe realmente perigo para o médium que se ache bem
convencido de que está a haver-se com um Espírito mentiroso, como sucede
na obsessão simples; esta não passa então, para ele, de fato
desagradável. Mas, precisamente porque lhe é desagradável constitui uma
razão de mais para que o Espírito se encarnice em vexá-lo. Duas coisas
essenciais se têm que fazer nesse caso: provar ao Espírito que não está
iludido por ele e que lhe é
impossível
enganar; depois, cansar-lhe a paciência, mostrando-se mais paciente que
ele. Desde que se convença de que está a perder o tempo, retirar-se-á,
como fazem os importunos a quem não se dá ouvidos.
Isto, porém,
nem sempre basta e pode levar muito tempo, porquanto Espíritos há
tenazes, para os quais meses e anos nada são. Além disso, portanto, deve
o médium dirigir um apelo fervoroso ao seu anjo bom, assim como aos
bons Espíritos que lhe são simpáticos, pedindo-lhes que o assistam.
Quanto ao Espírito obsessor, por mau que seja, deve tratá-lo com
severidade, mas com benevolência e vencê-lo pelos bons processos, orando
por ele. Se for realmente perverso, a princípio zombará desses meios;
porém, moralizado com perseverança, acabará por emendar-se. É uma
conversão a empreender, tarefa muitas vezes penosa, ingrata, mesmo
desagradável, mas cujo mérito está na dificuldade que ofereça e que, se
bem desempenhada, dá sempre a satisfação de se ter cumprido um dever de
caridade e, quase sempre, a de ter-se reconduzido ao bom caminho uma
alma perdida.
Convém igualmente se interrompa toda comunicação
escrita, desde que se reconheça que procede de um Espírito mau, que a
nenhuma razão quer atender, a fim de se lhe não dar o prazer de ser
ouvido. Em certos casos, pode até convir que o médium deixe de escrever
por algum tempo, regulando-se então pelas circunstâncias. Entretanto, se
o médium escrevente pode evitar essas confabulares, outro tanto já não
se dá com o médium audiente, que o Espírito obsessor persegue às vezes a
todo instante com as suas proposições grosseiras e obscenas e que nem
sequer dispõe do recurso de tapar os ouvidos. Aliás, cumpre se reconheça
que algumas pessoas se divertem com a linguagem trivial dessa espécie
de Espíritos, que os animam e provocam como rirem de suas tolices, em
vez de lhes imporem silêncio e de os moralizarem. Os nossos conselhos
não podem servir a esses, que desejam afogar-se.
250. Apenas aborrecimento
há, pois, e não perigo, para todo médium que não se deixe ludibriar,
porque não poderá ser enganado. Muito diverso é o que se dá com a
fascinação,
porque então não tem limites o domínio que o Espírito assume sobre o
encarnado de quem se apoderou. A única coisa a fazer-se com a vítima é
convencê-la de que está sendo ludibriada e reconduzir-lhe a obsessão ao
caso da obsessão simples. Isto, porém, nem sempre é fácil, dado que
algumas vezes não seja mesmo impossível. Pode ser tal o ascendente do
Espírito, que torne o fascinado surdo a toda sorte de raciocínio,
podendo chegar até, quando o Espírito comete alguma grossa heresia
científica, a pô-lo em dúvida sobre se não é a ciência que se acha em
erro. Como já dissemos, o fascinado, geralmente, acolhe mal os
conselhos; a crítica o aborrece, irrita e o faz tomar quizila dos que
não partilham da sua admiração. Suspeitar do Espírito que o acompanha é
quase, aos seus olhos, uma profanação e outra coisa não quer o dito
Espírito, pois tudo a que aspira é que todos se curvem diante da sua
palavra.
Um deles exercia, sobre pessoa do nosso conhecimento,
uma fascinação extraordinária. Evocamo-lo e, depois de umas tantas
fanfarrices, vendo que não lograva mistificar-nos quanto à sua
identidade, acabou por confessar que não era quem se dizia. Sendo-lhe
perguntado por que ludibriava de tal modo aquela pessoa, respondeu com
estas palavras, que pintam claramente o caráter desse gênero de
Espírito:
Eu procurava um homem que me fosse possível manejar; encontrei-o, não o largo. — Mas se lhe mostrais as coisas como são, ele vos soltará isto: — É o que veremos! Como não há cego pior do que aquele que não quer ver, reconhecida a
inutilidade de toda tentativa para abrir os olhos ao fascinado, o que se
tem de melhor a fazer é deixá-lo com as suas ilusões. Ninguém pode
curar um doente que se obstina em conservar o seu mal e nele se compraz.
251.
A subjugação corporal tira muitas vezes ao obsidiado a energia
necessária para dominar o mau Espírito. Daí o tornar-se precisa a
intervenção de um terceiro, que atue, ou pelo magnetismo, ou pelo
império da sua vontade. Em falta do concurso do obsidiado, essa terceira
pessoa deve tomar ascendente sobre o Espírito; porém, como este
ascendente só pode ser moral, só a um ser
moralmente superior
ao Espírito é dado assumi-lo e seu poder será tanto maior, quanto maior
for a sua superioridade moral, porque, então, se impõe àquele, que se
vê forçado a inclinar-se diante dele. Por isso é que Jesus tinha tão
grande poder para expulsar o a que naquela época se chamava demônio,
isto é, os maus Espíritos obsessores.
Aqui, não podemos oferecer
mais do que conselhos gerais, porquanto nenhum processo material existe,
como, sobretudo, nenhuma fórmula, nenhuma palavra sacramental, com o
poder de expelir os Espíritos obsessores. Às vezes, o que falta ao
obsidiado é força fluídica suficiente; nesse caso, a ação magnética de
um bom magnetizador lhe pode ser de grande proveito. Contudo, é sempre
conveniente procurar, por um médium de confiança, os conselhos de um
Espírito superior, ou do anjo guardião.
252. As imperfeições
morais do obsidiado constituem, frequentemente, um obstáculo à sua
libertação. Aqui vai um exemplo notável, que pode servir para instrução
de todos.
Havia umas irmãs que se encontravam, desde alguns
anos, vítimas de depredações muito desagradáveis. Suas roupas eram
incessantemente espalhadas por todos os cantos da casa e até pelos
telhados, cortadas, rasgadas e crivadas de buracos, por mais cuidado que
tivessem em guardá-las à chave. Essas senhoras, vivendo numa pequena
localidade de província, nunca tinham ouvido falar de Espiritismo. A
primeira ideia que lhes veio foi, naturalmente, a de que estavam às
voltas com brincalhões de mau gosto. Porém, a persistência e as
precauções que tomavam lhes tiraram essa ideia. Só muito tempo depois,
por algumas indicações, acharam que deviam procurar-nos, para saberem a
causa de tais depredações e lhes darem remédio, se fosse possível. Sobre
a causa não havia dúvida; o remédio era mais difícil. O Espírito que se
manifestava por semelhantes atos era evidentemente malfazejo. Evocado,
mostrou-se de grande perversidade e inacessível a qualquer sentimento
bom. A prece, no entanto, pareceu exercer sobre ele uma influência
salutar. Mas, após algum tempo de interrupção, recomeçaram as
depredações. Eis o conselho que a propósito nos deu um Espírito
superior:
“O que essas senhoras têm de melhor a fazer é rogar
aos Espíritos seus protetores que não as abandonem. Nenhum conselho
melhor lhes posso dar do que o de dizer-lhes que desçam ao fundo de suas
consciências, para se confessarem a si mesmas e verificarem se sempre
praticaram o amor do próximo e a caridade. Não falo da caridade que
consiste em dar e distribuir, mas da caridade da língua; pois,
infelizmente, elas não sabem conter as suas e não demonstram, por atos
de piedade, o desejo que têm de se livrarem daquele que as atormenta.
Gostam muito de maldizer do próximo e o Espírito que as obsidia toma sua
desforra, porquanto, em vida, foi para elas um burro de carga.
Pesquisem na memória e logo descobrirão quem ele é.
“Entretanto,
se, conseguirem melhorar-se, seus anjos guardiães se aproximarão e a
simples presença deles bastará para afastar o mau Espírito, que não se
agarrou a uma delas em particular, senão porque o seu anjo guardião teve
que se afastar, por efeito de atos repreensíveis, ou maus pensamentos. O
que precisam é fazer preces fervorosas pelos que sofrem e,
principalmente, praticar as virtudes impostas por Deus a cada um, de
acordo com a sua condição.”
Como ponderássemos que essas
palavras pareciam um tanto severas e que talvez fosse conveniente
adoçá-las, para serem transmitidas, o Espírito acrescentou:
“Devo dizer o que digo e como digo, porque as pessoas de quem se trata
têm o hábito de supor que nenhum mal fazem com a língua, quando o fazem
muitíssimo. Por isso, preciso é ferir-lhes o espírito, de maneira que
lhes sirva de advertência séria.”
Ressalta do que fica dito um
ensinamento de grande alcance: que as imperfeições morais dão azo à ação
dos Espíritos obsessores e que o mais seguro meio de a pessoa se livrar
deles é atrair os bons pela prática do bem. Sem dúvida, os bons
Espíritos têm mais poder do que os maus, e a vontade deles basta para
afastar estes últimos; eles, porém, só assistem os que os segundam pelos
esforços que fazem por melhorar-se, sem o que se afastam e deixam o
campo livre aos maus, que se tornam assim, em certos casos, instrumentos
de punição, visto que os bons permitem que ajam para esse fim.
253.
Cumpre, todavia, se não atribuam à ação direta dos Espíritos todas as
contrariedades que se possam experimentar, as quais, não raro, decorrem
da incúria, ou da imprevidência. Um agricultor nos escreveu certo dia
que, havia doze anos, toda sorte de infelicidades lhe acontecia,
relativamente ao seu gado; ora eram as vacas que morriam, ou deixavam de
dar leite, ora eram os cavalos, os carneiros, ou os porcos que
sucumbiam. Fez muitas novenas, que em nada remediaram o mal, do mesmo
modo que nada obteve com as missas que mandou celebrar, nem com os
exorcismos que mandou praticar. Persuadiu-se, então, de acordo com o
preconceito dos campos, de que lhe haviam enfeitiçado os animais.
Supondo-nos, sem dúvida, dotados de um poder esconjurador maior do que o
do cura da sua aldeia, pediu o nosso parecer. Foi a seguinte a resposta
que obtivemos:
“A mortalidade ou as enfermidades do gado desse homem provêm de que seus currais estão infestados e ele não os repara, porque custa dinheiro.”
254. Terminaremos este
capítulo inserindo as respostas que os Espíritos deram a algumas
perguntas e que vêm em apoio do que dissemos.
1.ª. Por que não podem certos médiuns desembaraçar-se de Espíritos maus que se lhes ligam e como é que os bons Espíritos que eles chamam não se mostram bastante poderosos para afastar os outros e se comunicar diretamente?
“Não é que falte poder ao Espírito bom; é, as mais das vezes, que o
médium não é bastante forte para o segundar; é que sua natureza se
presta melhor a outras relações; é que seu fluido se identifica mais com
o de um Espírito do que com o de outro. Isso o que dá tão grande
império aos que entendem de ludibriá-los.”
2.ª. Parece-nos,
entretanto, que há pessoas de muito mérito, de irrepreensível moralidade
e que, apesar de tudo, se veem impedidas de comunicar com os bons
Espíritos?
“É uma provação. E quem te diz, ao demais, que elas
não trazem o coração manchado de um pouco de mal? que o orgulho não
domina um pouco a aparência de bondade? Essas provas, com o mostrarem ao
obsidiado a sua fraqueza, devem fazê-lo inclinar-se para a humildade.
“Haverá na Terra alguém que possa dizer-se perfeito? Ora, um, que tem
todas as aparências da virtude, pode ter ainda muitos defeitos ocultos,
um velho fermento de imperfeição. Assim, por exemplo, dizeis, daquele
que nenhum mal pratica, que é leal em suas relações sociais: é um bravo e
digno homem. Mas, sabeis, porventura, se as suas boas qualidades não
são tisnadas pelo orgulho? se não há nele um fundo de egoísmo? se não é
avaro, ciumento, rancoroso, maldizente e mil outras coisas que não
percebeis, porque as vossas relações com ele não vos deram lugar a
descobri-las? O mais poderoso meio de combater a influência dos maus
Espíritos é aproximar-se o mais possível da natureza dos bons.”
3.ª. A obsessão, que impede um médium de receber as comunicações que deseje, é sempre um sinal de indignidade da sua parte?
“Eu não disse que é um sinal de indignidade, mas que um obstáculo pode
opor-se a certas comunicações; em remover o obstáculo que está nele, é o
a que deve aplicar-se; sem isso, suas preces, suas súplicas nada farão.
Não basta que um doente diga ao seu médico: dê-me saúde, quero passar
bem. O médico nada pode, se o doente não faz o que é preciso.”
4.ª. Assim, a impossibilidade de comunicar com os bons Espíritos seria uma espécie de punição?
“Em certos casos, pode ser uma verdadeira punição, como a
possibilidade de comunicar com eles é uma recompensa que deveis
esforçar-vos por merecer.” (Veja-se —
Perda e suspensão da mediunidade, n.º 220.)
5.ª. Não se pode também combater a influência dos maus Espíritos, moralizando-os?
“Sim, mas é o que não se faz e é o que não se deve descurar de fazer,
porquanto, muitas vezes, isso constitui uma tarefa que vos é dada e que
deveis desempenhar caridosa e religiosamente. Por meio de sábios
conselhos, é possível induzi-los ao arrependimento e apressar-lhes o
progresso.”
a) Como pode um homem ter, a esse respeito, mais influência do que a têm os próprios Espíritos?
“Os Espíritos perversos se aproximam antes dos homens que eles
procuram atormentar, do que dos Espíritos, dos quais se afastam o mais
possível. Nessa aproximação dos humanos, quando encontram algum que os
moralize, a princípio não o escutam e até se riem dele; depois, se
aquele os sabe prender, acabam por se deixarem tocar. Os Espíritos
elevados só em nome de Deus lhes podem falar e isto os apavora. O homem,
indubitavelmente, não dispõe de mais poder do que os Espíritos
superiores; sua linguagem se identifica melhor, porém, com a natureza
daqueles outros, e, ao verem o ascendente que o homem pode exercer sobre
os Espíritos inferiores, melhor compreendem a solidariedade que existe
entre o céu e a Terra.
“Demais, o ascendente que o homem pode
exercer sobre os Espíritos está na razão da sua superioridade moral. Ele
não domina os Espíritos superiores, nem mesmo os que, sem serem
superiores, são bons e benevolentes, mas pode dominar os que lhe são
inferiores em moralidade.” (Veja-se o n.º 279.)
6.ª. A subjugação corporal, levada a certo grau, poderá ter como consequência a loucura?
“Pode, a uma espécie de loucura cuja causa o mundo desconhece, mas
que não tem relação alguma com a loucura ordinária. Entre os que são
tidos por loucos, muitos há que apenas são subjugados; precisariam de um
tratamento moral, enquanto que com os tratamentos corporais os tornamos
verdadeiros loucos. Quando os médicos conhecerem bem o Espiritismo,
saberão fazer essa distinção e curarão mais doentes do que com as
duchas.” (N.º 221.)
7.ª. Que se deve pensar dos que, vendo um
perigo qualquer no Espiritismo, julgam que o meio de preveni-lo seria
proibir as comunicações espíritas?
“Se podem proibir a certas
pessoas que se comuniquem com os Espíritos, não podem impedir que
manifestações espontâneas sejam feitas a essas mesmas pessoas, porquanto
não podem suprimir os Espíritos, nem lhes impedir que exerçam sua
influência oculta. Esses tais se assemelham às crianças que tapam os
olhos e ficam crentes de que ninguém as vê. Fora loucura querer suprimir
uma coisa que oferece grandes vantagens, só porque imprudentes podem
abusar dela. O meio de se lhe prevenirem os inconvenientes consiste, ao
contrário, em torná-la conhecida a fundo.”