Capítulo XVII – Da formação dos médiuns
Desenvolvimento da mediunidade. — Mudança de caligrafia. — Perda e suspensão da mediunidade.
Desenvolvimento da mediunidade
200. Ocupar-nos-emos aqui,
especialmente, com os médiuns escreventes, por ser o gênero de
mediunidade mais espalhado e, além disso, porque é, ao mesmo tempo, o
mais simples, o mais cômodo, o que dá resultados mais satisfatórios e
completos. É também o que toda gente ambiciona possuir. Infelizmente,
até hoje, por nenhum diagnóstico se pode inferir, ainda que
aproximadamente, que alguém possua essa faculdade. Os sinais físicos, em
os quais algumas pessoas julgam ver indícios, nada têm de infalíveis.
Ela se manifesta nas crianças e nos velhos, em homens e mulheres,
quaisquer que sejam o temperamento, o estado de saúde, o grau de
desenvolvimento intelectual e moral. Só existe um meio de se lhe
comprovar a existência. É experimentar.
Pode obter-se a escrita,
como já vimos, com o auxílio das cestas e pranchetas, ou, diretamente,
com a mão. Sendo o mais fácil e, pode dizer-se, o único empregado hoje,
este último modo é o que recomendamos à preferência de todos. O processo
é dos mais simples: consiste unicamente em a pessoa tomar de um lápis e
de papel e colocar-se na posição de quem escreve, sem qualquer outro
preparativo. Entretanto, para que alcance bom êxito, muitas
recomendações se fazem indispensáveis.
201. Como
disposição material, recomendamos se evite tudo o que possa embaraçar o
movimento da mão. É mesmo preferível que esta não descanse no papel. A
ponta do lápis deve encostar neste o bastante para traçar alguma coisa,
mas não tanto que ofereça resistência. Todas essas precauções se tornam
inúteis, desde que se tenha chegado a escrever correntemente, porque
então nenhum obstáculo detém mais a mão. São meras preliminares para o
aprendiz.
202.
É indiferente que se use da pena ou do lápis. Alguns médiuns preferem a
pena que, todavia, só pode servir para os que estejam formados e
escrevem pausadamente. Outros, porém, escrevem com tal velocidade, que o
uso da pena seria quase impossível, ou, pelo menos, muito incômodo. O
mesmo sucede, quando a escrita e feita às arrancadas e irregularmente,
ou quando se manifestam Espíritos violentos, que batem com a ponta do
lápis e a quebram, rasgando o papel.
203.
O desejo natural de todo aspirante a médium é o de poder confabular com
os Espíritos das pessoas que lhe são caras; deve, porém, moderar a sua
impaciência, porquanto a comunicação com determinado Espírito apresenta
muitas vezes dificuldades materiais que a tornam impossível ao
principiante. Para que um Espírito possa comunicar-se, preciso é que
haja entre ele e o médium relações fluídicas, que nem sempre se
estabelecem instantaneamente. Só à medida que a faculdade se desenvolve,
é que o médium adquire pouco a pouco a aptidão necessária para pôr-se
em comunicação com o Espírito que se apresente.
Pode dar-se, pois, que aquele com quem o médium deseje comunicar-se, não esteja em condições propícias a fazê-lo, embora se ache presente, como
também pode acontecer que não tenha possibilidade, nem permissão para
acudir ao chamado que lhe é dirigido. Convém, por isso, que no começo
ninguém se obstine em chamar determinado Espírito, com exclusão de
qualquer outro, pois amiúde sucede não ser com esse que as relações
fluídicas se estabelecem mais facilmente, por maior que seja a simpatia
que lhe vote o encarnado. Antes, pois, de pensar em obter comunicações
de tal ou tal Espírito, importa que o aspirante leve a efeito o
desenvolvimento da sua faculdade, para o que deve fazer um apelo geral e
dirigir-se principalmente ao seu anjo guardião.
Não há, para
esse fim, nenhuma fórmula sacramental. Quem quer que pretenda indicar
alguma pode ser tachado, sem receio, de impostor, visto que para os
Espíritos a forma nada vale. Contudo, a evocação deve sempre ser feita
em nome de Deus. Poder-se-á fazê-la nos termos seguintes, ou outros
equivalentes:
Rogo a Deus todo-poderoso que permita venha um bom Espírito comunicar-se comigo e fazer-me escrever; peço também ao meu anjo de guarda se digne de me assistir e de afastar os maus Espíritos. Formulada
a súplica, é esperar que um Espírito se manifeste, fazendo escrever
alguma coisa. Pode acontecer venha aquele que o impetrante deseja, como
pode ocorrer também venha um Espírito desconhecido ou o anjo de guarda.
Qualquer que ele seja, em todo caso, dar-se-á conhecer, escrevendo o seu
nome. Mas, então apresenta-se a questão da
identidade,
uma das que mais experiência requerem, por isso que poucos
principiantes haverá que não estejam expostos a ser enganados. Dela
trataremos adiante, em capítulo especial.
Quando queira chamar
determinados Espíritos, é essencial que o médium comece por se dirigir
somente aos que ele sabe serem bons e simpáticos e que podem ter motivo
para acudir ao apelo, como parentes, ou amigos. Neste caso, a evocação
pode ser formulada assim:
Em nome de Deus todo-poderoso peço que tal Espírito se comunique comigo; ou então: Peço a Deus todo-poderoso permita que tal Espírito se comunique comigo; ou
qualquer outra fórmula que corresponda ao mesmo pensamento. Não é menos
necessário que as primeiras perguntas sejam concebidas de tal sorte que
as respostas possam ser dadas por um
sim ou um não, como por exemplo: Estas aí? Queres responder-me? Podes fazer-me escrever? etc. Mais
tarde essa precaução se torna inútil. No princípio, trata-se de
estabelecer assim uma relação. O essencial é que a pergunta não seja
fútil, não diga respeito a coisas de interesse particular e, sobretudo,
seja a expressão de um sentimento de benevolência e simpatia para com o
Espírito a quem é dirigida. (Veja-se adiante o capítulo especial sobre
as
Evocações.)
204.
Coisa ainda mais importante a ser observada, do que o modo da evocação,
são a calma e o recolhimento, juntas ao desejo ardente e à firme
vontade de conseguir-se o intuito. Por vontade, não entendemos aqui uma
vontade efêmera, que age com intermitências e que outras preocupações
interrompem a cada momento; mas, uma vontade séria, perseverante,
contínua,
sem impaciência, sem febricitação.
A solidão, o silêncio e o afastamento de tudo o que possa ser causa de
distração favorecem o recolhimento. Então, uma só coisa resta a fazer:
renovar todos os dias a tentativa, por dez minutos, ou um quarto de
hora, no máximo, de cada vez, durante quinze dias, um mês, dois meses e
mais, se for preciso. Conhecemos médiuns que só se formaram depois de
seis meses de exercício, ao passo que outros escrevem correntemente logo
da primeira vez.
205.
Para se evitarem tentativas inúteis, pode consultar-se, por outro
médium, um Espírito sério e adiantado. Deve, porém, notar-se que, quando
alguém inquire dos Espíritos se é médium ou não, eles quase sempre
respondem afirmativamente, o que não impede que os ensaios resultem
infrutíferos. Isso se explica naturalmente. Desde que se faça ao
Espírito uma pergunta de ordem geral, ele responde de modo geral. Ora,
como se sabe, nada é mais elástico do que a faculdade mediúnica, pois
que pode apresentar-se sob as mais variadas formas e em graus muito
diferentes. Pode, portanto, uma pessoa ser médium, sem dar por isso, e
num sentido diverso daquele que imagina. A esta pergunta vaga: Sou
médium? O Espírito pode responder — Sim. A esta outra mais precisa: Sou
médium escrevente? Pode responder — Não.
Deve também levar-se
em conta a natureza do Espírito a quem é feita a pergunta. Há os tão
levianos e ignorantes, que respondem a torto e a direito, como
verdadeiros estúrdios. Por isso aconselhamos se dirija o interrogante a
Espíritos esclarecidos, que, geralmente, respondem de boa vontade a
essas perguntas e indicam o melhor caminho a seguir-se, desde que haja
possibilidade de bom êxito.
206. Um meio que muito
frequentemente dá bom resultado consiste em empregar-se, como auxiliar
de ocasião, um bom médium escrevente, maleável, já formado. Pondo ele a
mão, ou os dedos, sobre a mão do que deseja escrever, raro é que este
último não o faça imediatamente. Compreende-se o que em tal
circunstância se passa: a mão que segura o lápis se torna, de certo
modo, um apêndice da mão do médium, como o seria uma cesta, ou uma
prancheta. Isto, porém, não impede que esse exercício seja muito útil,
quando é possível empregá-lo, visto que, repetido amiúde e regularmente,
ajuda a vencer o obstáculo material e provoca o desenvolvimento da
faculdade. Algumas vezes, basta mesmo que o médium magnetize, com essa
intenção, a mão e o braço daquele que quer escrever. Não raro até
limitando-se o magnetizador a colocar a mão no ombro daquele, temo-lo
visto escrever prontamente sob essa influência. Idêntico efeito pode
também produzir-se sem nenhum contacto, apenas por ato da vontade do
auxiliar. Concebe-se facilmente que a confiança do magnetizador no seu
poder, para produzir tal resultado, há de aí desempenhar papel
importante e que um magnetizador incrédulo fraca ação ou nenhuma,
exercerá.
O concurso de um guia experimentado é, além disso,
muito útil, às vezes, para apontar ao principiante uma porção de
precauçõezinhas que ele frequentemente despreza, em detrimento da
rapidez de seus progressos. Sobretudo o é para esclarecê-lo sobre a
natureza das primeiras questões e sobre a maneira de propô-las. Seu
papel é o de um professor, que o aprendiz dispensará logo que esteja bem
habilitado.
207. Outro meio, que também
pode contribuir fortemente para desenvolver a faculdade, consiste em
reunir-se certo número de pessoas, todas animadas do mesmo desejo e
comungando na mesma intenção. Feito isso, todas simultaneamente,
guardando absoluto silêncio e num recolhimento religioso, tentem
escrever, apelando cada um para o seu anjo de guarda, ou para qualquer
Espírito simpático. Ou, então, uma delas poderá dirigir, sem designação
especial e por todos os presentes, um apelo aos bons Espíritos em geral,
dizendo por exemplo:
Em nome de Deus
todo-poderoso, pedimos aos bons Espíritos que se dignem de comunicar-se
por intermédio das pessoas aqui presentes.
É raro que entre estas
não haja algumas que deem prontos sinais de mediunidade, ou que até
escrevam correntemente em pouco tempo.
Compreende-se o que em
tal caso ocorre. Os que se reúnem com um intento comum formam um todo
coletivo, cuja força e sensibilidade se encontram acrescidas por uma
espécie de influência magnética, que auxilia o desenvolvimento da
faculdade. Entre os Espíritos atraídos por esse concurso de vontades
estarão, provavelmente, alguns que descobrirão nos assistentes o
instrumento que lhes convenha. Se não for este, será outro e eles se
aproveitarão desse.
Este meio deve sobretudo ser empregado nos grupos espíritas a que faltam médiuns, ou que não os possuam em número suficiente.
208. Têm-se
procurado processos para a formação dos médiuns, como se têm procurado
diagnósticos; mas, até hoje nenhum conhecemos mais eficaz do que os que
indicamos. Na persuasão de ser uma resistência de ordem toda material o
obstáculo que encontra o desenvolvimento da faculdade, algumas pessoas
pretendem vencê-la por meio de uma espécie de ginástica quase
deslocadora do braço e da cabeça. Não descrevemos esse processo, que nos
vem do outro lado do Atlântico, não só porque nenhuma prova possuímos
da sua eficiência, como também pela convicção que nutrimos de que há de
oferecer perigo para os de compleição delicada, pelo abalo do sistema
nervoso. Se não existirem rudimentos da faculdade, nada poderá
produzi-los, nem mesmo a eletrização, que já foi empregada, sem êxito,
com o mesmo objetivo.
209.
No médium aprendiz, a fé não é a condição rigorosa; sem dúvida lhe
secunda os esforços, mas não é indispensável; a pureza de intenção, o
desejo e a boa vontade bastam. Têm-se visto pessoas inteiramente
incrédulas ficarem espantadas de escrever a seu mau grado, enquanto que
crentes sinceros não o conseguem, o que prova que esta faculdade se
prende a uma disposição orgânica.
210. O
primeiro indício de disposição para escrever é uma espécie de frêmito
no braço e na mão. Pouco a pouco, a mão é arrastada por uma impulsão que
ela não logra dominar. Muitas vezes, não traça senão riscos
insignificantes; depois, os caracteres se desenham cada vez mais
nitidamente e a escrita acaba por adquirir a rapidez da escrita
ordinária. Em todos os casos, deve-se entregar a mão ao seu movimento
natural e não oferecer resistência, nem propeli-la.
Alguns
médiuns escrevem desde o princípio correntemente com facilidade, às
vezes mesmo desde a primeira sessão, o que é muito raro. Outros, durante
muito tempo, traçam riscos e fazem verdadeiros exercícios caligráficos.
Dizem os Espíritos que é para lhes soltar a mão. Em se prolongando
demasiado esses exercícios, ou degenerando na grafia de sinais
ridículos, não há duvidar de que se trata de um Espírito que se diverte,
porquanto os bons Espíritos nunca fazem nada que seja inútil. Nesse
caso, cumpre redobrar de fervor no apelo à assistência destes. Se,
apesar de tudo, nenhuma alteração houver, deve o médium parar, uma vez
reconheça que nada de sério obtém. A tentativa pode ser feita todos os
dias, mas convém cesse aos primeiros sinais equívocos, a fim de não ser
dada satisfação aos Espíritos zombeteiros.
A estas observações,
acrescenta um Espírito: “Há médiuns cuja faculdade não pode produzir
senão esses sinais. Quando, ao cabo de alguns meses, nada mais obtém do
que coisas insignificantes, ora um
sim,ora um não ou letras sem conexão, é inútil continuarem, será gastar papel em pura perda. São médiuns, mas médiuns improdutivos.
Demais, as primeiras comunicações obtidas devem considerar-se meros
exercícios, tarefa que é confiada a Espíritos secundários. Não se lhes
deve dar muita importância, visto que procedem de Espíritos empregados,
por assim dizer, como mestres de escrita, para desembaraçarem o médium
principiante. Não creiais sejam alguma vez Espíritos elevados os que se
aplicam a fazer com o médium esses exercícios preparatórios; acontece,
porém, que, se o médium não colima um fim sério, esses Espíritos
continuam e acabam por se lhe ligarem. Quase todos os médiuns passaram
por este cadinho, para se desenvolverem; cabe-lhes fazer o que seja
preciso a captarem a simpatia dos Espíritos verdadeiramente superiores.”
211.
O escolho com que topa a maioria dos médiuns principiantes é o de terem
de haver-se com Espíritos inferiores e devem dar-se por felizes quando
são apenas Espíritos levianos. Toda atenção precisam pôr em que tais
Espíritos não assumam predomínio, porquanto, em acontecendo isso, nem
sempre lhes será fácil desembaraçar-se deles. É ponto este de tal modo
capital, sobretudo em começo, que, não sendo tomadas as precauções
necessárias, podem perder-se os frutos das mais belas faculdades.
A primeira condição é colocar-se o médium, com fé sincera, sob a
proteção de Deus e solicitar a assistência do seu anjo de guarda, que é
sempre bom, ao passo que os espíritos familiares, por simpatizarem com
as suas boas ou más qualidades, podem ser levianos ou mesmo maus.
A segunda condição é aplicar-se, com meticuloso cuidado, a reconhecer,
por todos os indícios que a experiência faculta, de que natureza são os
primeiros Espíritos que se comunicam e dos quais manda a prudência
sempre se desconfie. Se forem suspeitos esses indícios, dirigir
fervoroso apelo ao seu anjo de guarda e repelir, com todas as forças, o
mau Espírito, provando-lhe que não conseguirá enganar, a fim de que ele
desanime. Por isso é que indispensável se faz o estudo prévio da teoria,
para todo aquele que queira evitar os inconvenientes peculiares à
experiência. A este respeito, instruções muito desenvolvidas se
encontram nos capítulos
Da obsessão e Da identidade dos Espíritos.
Limitar-nos-emos aqui a dizer que, além da linguagem, podem considerar-se provas infalíveis da
inferioridade dos Espíritos: todos os sinais, figuras, emblemas
inúteis, ou pueris; toda escrita extravagante, irregular,
intencionalmente torturada, de exageradas dimensões, apresentando formas
ridículas e desusadas. A escrita pode ser muito má, mesmo pouco
legível, sem que isso tenha o que quer que seja de insólito, porquanto é
mais questão do médium que do Espírito. Temos visto médiuns de tal
maneira enganados, que medem a superioridade dos Espíritos pelas
dimensões das letras e que ligam grande importância às letras bem
talhadas, como se foram letras de imprensa, puerilidade evidentemente
incompatível com uma superioridade real.
212.
Se é importante não cair o médium, sem o querer, na dependência dos
maus Espíritos, ainda mais importante é que não caia por espontânea
vontade. Preciso, pois, se torna que imoderado desejo de escrever não o
leve a considerar indiferente dirigir-se ao primeiro que apareça, salvo
para mais tarde se livrar dele, caso não convenha, por isso que ninguém
pedirá impunemente, seja para o que for, a assistência de um mau
Espírito, o qual pode fazer que o imprudente lhe pague caro os serviços.
Algumas pessoas, na impaciência de verem desenvolver-se em si as
faculdades mediúnicas, desenvolvimento que consideram muito demorado, se
lembram de buscar o auxílio de um Espírito qualquer,
ainda que mau,contando
despedido logo. Muitas hão tido plenamente satisfeitos seus desejos e
escrito imediatamente. Porém, o Espírito, pouco se incomodando com o ter
sido chamado na pior das hipóteses, menos dócil se mostrou em ir-se do
que em vir. Diversas conhecemos, que foram punidas da presunção de se
julgarem bastante fortes para afastá-los quando o quisessem, por anos de
obsessões de toda espécie, pelas mais ridículas mistificações, por uma
fascinação tenaz e, até, por desgraças
materiais
e pelas mais cruéis decepções. O Espírito se mostrou, a princípio,
abertamente mau, depois hipócrita, a fim de fazer crer na sua conversão,
ou no pretendido poder do seu subjugado, para repeli-lo à vontade.
213. A escrita é algumas
vezes legível, as palavras e as letras bem destacadas; mas, com certos
médiuns, é difícil que outrem, a não ser ele, a decifre, antes de haver
adquirido o hábito de fazê-lo. É formada, frequentemente, de grandes
traços; os Espíritos não costumam economizar papel. Quando uma palavra
ou uma frase é quase de todo ilegível, pede-se ao Espírito que consinta
em recomeçar, ao que ele em geral aquiesce de boa vontade. Quando a
escrita é habitualmente ilegível, mesmo para o médium, este chega quase
sempre a obtê-la mais nítida, por meio de exercícios frequentes e
demorados,
pondo nisso uma vontade forte
rogando com fervor ao Espírito que seja mais correto. Alguns Espíritos
adotam sinais convencionais, que passam a ser de uso nas reuniões do
costume. Para assinalarem que uma pergunta lhes desagrada e que não
querem responder a ela, fazem, por exemplo, um risco longo ou coisa
equivalente.
Quando o Espírito conclui o que tinha a dizer, ou
não quer continuar a responder, a mão fica imóvel e o médium, quaisquer
que sejam seu poder e sua vontade, não obtém nem mais uma palavra. Ao
contrário, enquanto o Espírito não conclui, o lápis se move sem que seja
possível à mão detê-lo. Se o Espírito quer espontaneamente dizer alguma
coisa, a mão toma convulsivamente o lápis e se põe a escrever, sem
poder obstar a isso. O médium, aliás, sente quase sempre em si alguma
coisa que lhe indica ser momentânea a parada, ou ter o Espírito
concluído. É raro que não sinta o afastamento deste último.
Estas as explicações essenciais que temos para ministrar, no tocante ao
desenvolvimento da psicografia. A experiência revelará, na prática,
alguns pormenores de que seria inútil tratar aqui e a cujo respeito os
princípios gerais servirão de guia. Se muitos forem os que
experimentarem, haverá mais médiuns do que em geral se pensa.
214. Tudo o que acabamos de
dizer se aplica à escrita mecânica. É a que todos os médiuns procuram,
com razão, conseguir. Porém, raríssimo é o mecanismo puro; a ele se acha
frequentemente associada, mais ou menos, a intuição. Tendo consciência
do que escreve, o médium é naturalmente levado a duvidar da sua
faculdade; não sabe se o que lhe sai do lápis vem do seu próprio, ou de
outro Espírito. Não tem absolutamente que se preocupar com isso e, nada
obstante, deve prosseguir. Se se observar a si mesmo com atenção,
facilmente descobrirá no que escreve uma porção de coisas que lhe não
passavam pela mente e que até são contrárias às suas ideias, prova
evidente de que tais coisas não provêm do seu Espírito. Continue,
portanto, e, com a experiência, a dúvida se dissipará.
215. Se
ao médium não foi concedido ser exclusivamente mecânico, todas as
tentativas para chegar a esse resultado serão infrutíferas; erro seu, no
entanto, fora o julgar-se, em consequência, não aquinhoado. Se apenas é
dotado de mediunidade intuitiva, cumpre que com isso se contente e ela
não deixará de lhe prestar grandes serviços, se a souber aproveitar e
não a repelir.
Desde que, após inúteis experimentações,
efetuadas seguidamente durante algum tempo, nenhum indício de movimento
involuntário se produz, ou os que se produzem são por demais fracos para
dar resultados, não deve ele hesitar em escrever o primeiro pensamento
que lhe for sugerido, sem se preocupar com o saber se esse pensamento
promana do seu Espírito ou de uma fonte diversa: a experiência lhe
ensinará a distinguir. Aliás, é frequente acontecer que o movimento
mecânico se desenvolva ulteriormente.
Dissemos acima haver
casos em que é indiferente saber o médium se o pensamento vem de si
próprio, ou de outro Espírito. Isso ocorre quando, sendo ele puramente
intuitivo ou inspirado, executa por si mesmo um trabalho de imaginação.
Pouco importa atribua a si próprio um pensamento que lhe foi sugerido;
se lhe acodem boas ideias, agradeça ao seu bom gênio, que não deixará de
lhe sugerir outros. Tal é a inspiração dos poetas, dos filósofos e dos
sábios.
216.
Suponhamos agora que a faculdade mediúnica esteja completamente
desenvolvida; que o médium escreva com facilidade; que seja, em suma, o
que se chama um médium feito. Grande erro de sua parte fora crer-se
dispensado de qualquer instrução mais, porquanto apenas terá vencido uma
resistência material. Do ponto a que chegou é que começam as
verdadeiras dificuldades, é que ele mais do que nunca precisa dos
conselhos da prudência e da experiência, se não quiser cair nas mil
armadilhas que lhe vão ser preparadas. Se pretender muito cedo voar com
suas próprias asas, não tardará em ser vítima de Espíritos mentirosos,
que não se descuidarão de lhe explorar a presunção.
217.
Uma vez desenvolvida a faculdade, é essencial que o médium não abuse
dela. O contentamento que daí advém a alguns principiantes lhes provoca
um entusiasmo, que muito importa moderar. Devem lembrar-se de que ela
lhes foi dada para o bem e não para satisfação de vã curiosidade.
Convém, portanto, que só se utilizem dela nas ocasiões oportunas e não a
todo momento. Não lhes estando os Espíritos ao dispor a toda hora,
correm o risco de ser enganados por mistificadores. Bom é que, para
evitarem esse mal, adotem o sistema de só trabalhar em dias e horas
determinados, porque assim se entregarão ao trabalho em condições de
maior recolhimento e os Espíritos que os queiram auxiliar, estando
prevenidos, se disporão melhor a prestar esse auxílio.
218. Se,
apesar de todas as tentativas, a mediunidade não se revelar de modo
algum, deverá o aspirante renunciar a ser médium, como renuncia ao canto
quem reconhece não ter voz. Do mesmo modo que aquele que ignora uma
língua se vale de um tradutor, o recurso para o dito aspirante será
servir-se de outro médium. Mas, se não puder, à falta de médiuns,
recorrer a nenhum, nem por isso deverá considerar-se privado da
assistência dos Espíritos. Para estes, a mediunidade constitui um meio
de se exprimirem, porém, não um meio exclusivo de serem atraídos. Os que
nos consagram afeição se acham ao nosso lado, sejamos ou não médiuns.
Um pai não abandona um filho porque, surdo e cego, não o pode ouvir nem
ver; cerca-o, ao contrário, de toda a solicitude. O mesmo fazem conosco
os bons Espíritos. Se não podem transmitir-nos materialmente seus
pensamentos, auxiliam-nos por meio da inspiração.
Mudança de caligrafia.
219. Um fenômeno muito comum
nos médiuns escreventes é a mudança da caligrafia, conforme os
Espíritos que se comunicam. E o que há de mais notável é que uma certa
caligrafia se reproduz constantemente com determinado Espírito, sendo às
vezes idêntica à que este tinha em vida. Veremos mais tarde as
consequências que daí se podem tirar, com relação à identidade dos
Espíritos. A mudança da caligrafia só se dá com os médiuns mecânicos ou
semi mecânicos, porque neles é involuntário o movimento da mão e
dirigido unicamente pelo Espírito. O mesmo já não sucede com os médiuns
puramente intuitivos, visto que, neste caso, o Espírito apenas atua
sobre o pensamento, sendo a mão dirigida, como nas circunstâncias
ordinárias, pela vontade do médium. Mas, a uniformidade da caligrafia,
mesmo em se tratando de um médium mecânico, nada absolutamente prova
contra a sua faculdade, porquanto a variação da forma da escrita não é
condição absoluta, na manifestação dos Espíritos: deriva de uma aptidão
especial, de que nem sempre são dotados os médiuns, ainda os mais
mecânicos. Aos que a possuem damos a denominação de
Médiuns polígrafos.
Perda e suspensão da mediunidade.
220. A faculdade mediúnica
está sujeita a intermitências e a suspensões temporárias, quer para as
manifestações físicas, quer para a escrita. Damos a seguir as respostas
que obtivemos dos Espíritos a algumas perguntas feitas sobre este ponto:
1.ª. Podem os médiuns perder a faculdade que possuem?
“Isso frequentemente acontece, qualquer que seja o gênero da
faculdade. Mas, também, muitas vezes apenas se verifica uma interrupção
passageira, que cessa com a causa que a produziu.”
2.ª. Estará no esgotamento do fluido a causa da perda da mediunidade?
“Seja qual for a faculdade que o médium possua, ele nada pode sem o
concurso simpático dos Espíritos. Quando nada mais obtém, nem sempre é
porque lhe falta a faculdade; isso não raro se dá, porque os Espíritos
não mais querem, ou podem servir-se dele.”
3.ª. Que é o que pode causar o abandono de um médium, por parte dos Espíritos?
“O que mais influi para que assim procedam os bons Espíritos é o uso que o médium faz da sua faculdade. Podemos
abandoná-lo, quando dela se serve para coisas frívolas, ou com
propósitos ambiciosos; quando se nega a transmitir as nossas palavras,
ou os fatos por nós produzidos, aos encarnados que para ele apelam, ou
que têm necessidade de ver para se convencerem. Este dom de Deus não é
concedido ao médium para seu deleite e, ainda menos, para satisfação de
suas ambições, mas para o fim da sua melhora espiritual e para dar a
conhecer aos homens a verdade. Se o Espírito verifica que o médium já
não corresponde às suas vistas e já não aproveita das instruções nem dos
conselhos que lhe dá, afasta-se, em busca de um protegido mais digno.”
4.ª. Não pode o Espírito que se afasta ser substituído e, neste caso, não se conceberia a suspensão da faculdade?
“Espíritos
não faltam, que outra coisa não desejam senão comunicar-se e que,
portanto, estão sempre prontos a substituir os que se afastam; mas,
quando o que abandona o médium é um Espírito bom, pode suceder que o seu
afastamento seja apenas temporário, para privá-lo, durante certo tempo,
de toda comunicação, a fim de lhe provar que a sua faculdade
não depende dele médium
e que, assim, razão não há para dela se vangloriar. Essa
impossibilidade temporária também serve para dar ao médium a prova de
que ele escreve sob uma influência estranha, pois, de outro modo, não
haveria intermitências.”
“Em suma, a interrupção da faculdade
nem sempre é uma punição; demonstra às vezes a solicitude do Espírito
para com o médium, a quem consagra afeição, tendo por objetivo
proporcionar-lhe um repouso material de que o julgou necessitado, caso
em que não permite que outros Espíritos o substituam.”
5.ª. Vêem-se, no entanto, médiuns de muito mérito, moralmente falando,
que nenhuma necessidade de repouso sentem e que muito se contrariam com
essas interrupções, cujo fim lhes escapa.
“Servem para lhes pôr
a paciência à prova e para lhes experimentar a perseverança. Por isso é
que os Espíritos nenhum termo, em geral, assinam à suspensão da
faculdade mediúnica; é para verem se o médium descoroçoa. É também para
lhe dar tempo de meditar as instruções recebidas. Por essa meditação dos
nossos ensinos é que reconhecemos os espíritas verdadeiramente sérios.
Não podemos dar esse nome aos que, na realidade, não passam de amadores
de comunicações.”
6.ª. Será preciso então, que, nesse caso, o médium prossiga nas suas tentativas para escrever?
“Se o Espírito lhe aconselhar isto, deve; se lhe disser que se abstenha, não deve.”
7.ª. Haveria meio de abreviar essa prova?
“A resignação e a prece. Demais, basta que faça cada dia uma tentativa
de alguns minutos, visto que inútil lhe será perder o tempo em ensaios
infrutíferos. A tentativa só deve ter por fim verificar se já recobrou,
ou não, a faculdade.”
8.ª. A suspensão da faculdade não implica o afastamento dos Espíritos que habitualmente se comunicam?
“De modo algum. O médium se encontra então na situação de uma pessoa
que perdesse temporariamente a vista, a qual, por isso, não deixaria de
estar rodeada de seus amigos, embora impossibilitada de os ver. Pode,
portanto, o médium e até mesmo deve continuar a comunicar-se
pelo pensamento com seus Espíritos familiares e persuadir-se de que é
ouvido. Se é certo que a falta da mediunidade pode privá-lo das
comunicações ostensivas com certos Espíritos, também certo é que não o
pode privar das comunicações morais.”
9.ª. Assim, a interrupção da faculdade mediúnica nem sempre traduz uma censura da parte do Espírito?
“Não, sem dúvida, pois que pode ser uma prova de benevolência.”
10.ª. Por que sinal se pode reconhecer a censura nesta interrupção?
“Interrogue o médium a sua consciência e inquira de si mesmo qual o
uso que tem feito da sua faculdade, qual o bem que dela tem resultado
para os outros,
que proveito há tirado dos conselhos que se lhe têm dado e terá a resposta.”
11.ª. O médium que ficou impossibilitado de escrever poderá recorrer a outro médium?
“Depende da causa da interrupção, que tem por fim, amiúde, deixar-vos
algum tempo sem comunicações, depois de vos terem dado conselhos, a fim
de que vos não habitueis a nada fazer senão com o nosso concurso. Se
este for o caso, ele nada obterá recorrendo a outro médium, o que também
ocorre com o fim de vos provar que os Espíritos são livres e que não
está em vossas mãos obrigá-los a fazer o que queirais. Ainda por esta
razão é que os que não são médiuns nem sempre recebem todas as
comunicações que desejam.”
Nota.
Deve-se efetivamente observar que aquele que recorre a terceiro para
obter comunicações, não obstante a qualidade do médium, muitas vezes
nada de satisfatório consegue, ao passo que doutras vezes as respostas
são muito explícitas. Isso tanto depende da vontade do Espírito, que
ninguém coisa alguma adianta mudando de médium. Os próprios Espíritos
como que dão, a esse respeito, uns aos outros a palavra de ordem,
porquanto o que não se obtiver de um, de nenhum mais se obterá. Cumpre
então que nos abstenhamos de insistir e de impacientar-nos, se não
quisermos ser vítimas de Espíritos enganadores, que responderão, dado
procuremos à viva força uma resposta, deixando os bons que eles o façam,
para nos punirem a insistência.
12.ª. Com que fim a Providência outorgou de maneira especial, a certos indivíduos, o dom da mediunidade?
“É uma missão de que se incumbiram e cujo desempenho os faz ditosos. São os intérpretes dos Espíritos com os homens.”
13.ª. Entretanto, médiuns há que manifestam repugnância ao uso de suas faculdades.
“São médiuns imperfeitos; desconhecem o valor da graça que lhes é concedida.”
14.ª. Se é uma missão, como se explica que não constitua privilégio dos
homens de bem e que semelhante faculdade seja concedida a pessoas que
nenhuma estima merecem e que dela podem abusar?
“A faculdade
lhes é concedida, porque precisam dela para se melhorarem, para ficarem
em condições de receber bons ensinamentos. Se não aproveitam da
concessão, sofrerão as consequências. Jesus não pregava de preferência
aos pecadores, dizendo ser preciso dar àquele que não tem?”
15.ª.
As pessoas que desejam muito escrever como médiuns, e que não o
conseguem, poderão concluir daí alguma coisa contra si mesmas, no
tocante à benevolência dos Espíritos para com elas?
“Não, pois
pode dar-se que Deus lhe haja negado essa faculdade, como negado tenha o
dom da poesia, ou da música. Porém, se não forem objeto desse favor,
podem ter sido de outros.”
16.ª. Como pode um homem
aperfeiçoar-se mediante o ensino dos Espíritos, quando não tem, nem por
si mesmo, nem com o auxílio de outros médiuns, os meios de receber de
modo direto esse ensinamento?
“Não tem ele os livros, como tem o
cristão o Evangelho? Para praticar a moral de Jesus, não é preciso que o
cristão tenha ouvido as palavras ao lhe saírem da boca.”