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A razão se revolta à lembrança das torturas morais e corporais a que a
ciência tem por vezes sujeitado criaturas fracas e delicadas, para se
certificar da existência de fraude da parte delas. Tais "experimentações", amiúde feitas maldosamente, são sempre prejudiciais às organizações
sensitivas, podendo mesmo dar lugar a graves desordens na economia
orgânica. Fazer semelhantes experiências é brincar com a vida. O
observador de boa-fé não precisa lançar mão desses meios. Aquele que
está familiarizado com os fenômenos desta espécie sabe, aliás, que eles
são mais de ordem moral, do que de ordem física e que será inútil
procurar-lhes uma solução nas nossas ciências exatas.
Por isso
mesmo que tais fenômenos são mais de ordem moral, deve-se evitar com
escrupuloso cuidado tudo o que possa sobre-excitar a imaginação. Sabe-se
de que acidentes pode o medo ocasionar. Muito menos imprudências se
cometeriam, se se conhecessem todos os casos de loucura e de epilepsia cuja origem se encontra nos contos de lobisomens e papões. Que não será,
se se generalizar a persuasão de que o agente dos aludidos fenômenos é o
diabo? Os que espelham semelhantes ideias não sabem a responsabilidade que assumem: podem matar.
Ora, o perigo não existe apenas para o paciente, mas também para os que
o cercam, os quais podem ficar aterrorizados, ao pensarem que a casa
onde moram se tornou um covil de demônios. Esta crença funesta é que foi
causa de tantos atos de atrocidade nos tempos de ignorância.
Entretanto, se houvesse um pouco mais de discernimento, teria ocorrido
aos que os praticaram que não queimavam o diabo, por queimarem o corpo
que supunham possesso do diabo. Desde que do diabo é que queriam
livrar-se, ao diabo é que era preciso matassem. Esclarecendo-nos sobre a
verdadeira causa de todos esses fenômenos, a doutrina espírita lhe dá o
golpe de misericórdia.
Longe, pois, de
concorrer para que tal ideia se forme, todos devem, e este é um dever de
moralidade e de humanidade, combatê-la onde exista
. O que há a
fazer-se, quando uma faculdade dessa natureza se desenvolve
espontaneamente num indivíduo, é deixar que o fenômeno siga o seu curso
natural: a natureza é mais prudente do que os homens. Acresce que a
Providência tem seus desígnios e aos maiores destes pode servir de
instrumento a mais pequenina das criaturas. Porém, forçoso é convir, o
fenômeno assume por vezes proporções fatigantes e importunas para toda
gente*.
Eis, então, o que em todos os casos importa fazer-se. No capítulo V, Das manifestações físicas espontâneas,
já demos alguns conselhos a este respeito, dizendo ser preciso entrar
em comunicação com o Espírito, para dele saber-se o que quer. O meio
seguinte também se funda na observação.
Os seres invisíveis,
que revelam sua presença por efeitos sensíveis, são, em geral, Espíritos
de ordem inferior e que podem ser dominados pelo ascendente moral. A
aquisição deste ascendente é o que se deve procurar.
Para alcançá-lo, preciso é que o indivíduo passe do estado de médium natural ao de médium voluntário.
Produz-se, então, efeito análogo ao que se observa no sonambulismo.
Como se sabe, o sonambulismo natural cessa geralmente, quando
substituído pelo sonambulismo magnético. Não se suprime a faculdade, que
tem a alma, de emancipar-se; dá-se-lhe outra diretriz. O mesmo acontece
com a faculdade mediúnica. Para isso, em vez de pôr óbices ao fenômeno,
coisa que raramente se consegue e que nem sempre deixa de ser perigosa,
o que se tem de fazer é concitar o médium a produzi-los à sua vontade,
impondo-se ao Espírito. Por esse meio, chega o médium a sobrepujá-lo e,
de um dominador às vezes tirânico, faz um ser
submisso
e, não raro, dócil. Fato digno de nota e que a experiência confirma é
que, em tal caso, uma criança tem tanta e, por vezes, mais autoridade
que um adulto: mais uma prova a favor deste ponto capital da doutrina,
que o Espírito só é criança pelo corpo; que tem por si mesmo um
desenvolvimento necessariamente anterior à sua encarnação atual,
desenvolvimento que lhe pode dar ascendente sobre Espíritos que lhe são
inferiores.
A moralização de um
Espírito, pelos conselhos de uma terceira pessoa influente e
experiente, não estando o médium em estado de o fazer, constitui
frequentemente meio muito eficaz. Mais tarde voltaremos a tratar dele.
* Um dos fatos mais extraordinários desta natureza, pela variedade e singularidade dos fenômenos, é, sem contestação, o que ocorreu em 1852, no Palatinado (Baviera renana), em Bergzabern, perto de Wissemburg. É tanto mais notável, quanto denota, reunidos no mesmo indivíduo, quase todos os gêneros de manifestações espontâneas: estrondos de abalar a casa, derribamento dos móveis, arremesso de objetos ao longe por mãos invisíveis, visões e aparições, sonambulismo, êxtase, catalepsia, atração elétrica, gritos e sons aéreos, instrumentos tocando sem contacto, comunicações inteligentes, etc. — e, o que não é de somenos importância, a comprovação destes fatos, durante quase dois anos, por inúmeras testemunhas oculares, dignas de crédito pelo saber e pelas posições sociais que ocupavam. A narração autêntica dos aludidos fenômenos foi publicada, naquela época, em muitos jornais alemães e, especialmente, numa brochura hoje esgotada e raríssima. Na Revue spirite de 1858 se encontra a tradução completa dessa brochura, com os comentários e explicações indispensáveis. Essa, que saibamos, é a única publicação feita em francês do folheto a que nos referimos. Além do empolgante interesse que tais fenômenos despertam, eles são eminentemente instrutivos, do ponto de vista do estudo prático do Espiritismo.