Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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DITADO ESPONTÂNEO, PARTE DAS INSTRUÇÕES SOBRE A TEORIA DOS FLUIDOS

(PARIS, 11 DE NOVEMBRO DE 1863 — MÉDIUM: SRTA. A. C.)


A progressão de todas as coisas conduz necessariamente à transubstanciação, e a mediunidade espiritual é uma das forças da Natureza que lá fará chegar mais rapidamente o nosso planeta, porque ele deve, como todos os mundos, sofrer a lei da transformação e do progresso.

Não só o seu pessoal humano, mas todas as suas produções minerais, vegetais e animais, seus gases e seus fluidos imponderáveis, também devem aperfeiçoar-se e se transformar em substâncias mais depuradas. A Ciência, que já trabalhou essa questão tão interessante da formação deste mundo, reconheceu que ele não foi criado por uma palavra, como diz a Gênese, numa sublime alegoria, mas que ela sofreu, numa longa série de séculos, transformações que produziram camadas minerais de diversas naturezas. Seguindo a gradação dessas camadas, vê-se aparecerem sucessivamente e se multiplicarem as produções vegetais; mais tarde encontram-se traços dos animais, o que indica que somente nessa época os corpos organizados tinham encontrado a possibilidade de ali viver.

Estudando a progressão dos seres animados, como se fez com os minerais e os vegetais, reconhece-se que esses seres, a princípio mariscos, elevaram-se gradualmente na escala animal e que a sua progressão acompanhou a das produções e da depuração do solo.

Nota-se, ao mesmo tempo, o desaparecimento de certas espécies, desde que as condições físicas necessárias à sua vida não mais existem. Foi assim que, por exemplo, os grandes sáurios, monstros anfíbios, e os mamíferos gigantes, dos quais hoje só se encontram os fósseis, desapareceram completamente da Terra com as condições de existência que as inundações haviam criado para eles.

Sendo os dilúvios um dos meios de transformação da Terra, eles foram quase gerais, isto é, durante um certo período, eles revolveram o globo e assim determinaram produções vegetais e fluidos atmosféricos diferentes.

Assim como todos os seres orgânicos, o homem apareceu na Terra quando aí pôde encontrar as condições necessárias à sua existência.

Aí a criação natural cessa, tão somente pelas forças da Natureza. Aí começa o papel do Espírito encarnado no homem para o trabalho, porque ele deve concorrer para a obra comum. Trabalhando para si próprio, ele deve trabalhar para a melhora geral. Assim, vemo-lo, desde as primeiras raças, cultivar a terra e fazê-la produzir para suas necessidades corporais, determinando, desse modo, transformações em seu solo, em seus produtos, em seus gases e em seus fluidos.

Quanto mais se povoa a Terra, tanto mais os homens a trabalham, a cultivam, a saneiam, e tanto mais abundantes e variados são os seus produtos.

A depuração de seus fluidos pouco a pouco leva ao desaparecimento das espécies vegetais e animais venenosas e nocivas ao homem, pois não podem subsistir num ar muito depurado e muito sutil para a sua organização, e que não mais lhes fornece os elementos necessários à sua manutenção.

O estado sanitário do globo melhorou sensivelmente, desde a sua origem, mas como ainda deixa muito a desejar, é o indício de que melhorará ainda mais, pelo trabalho e pela indústria do homem. Não é sem desígnio que ele é levado a estabelecer-se nas regiões mais ingratas e insalubres. Ele já tornou habitáveis regiões infestadas por animais imundos e miasmas deletérios. Pouco a pouco, as transformações a que ele submete o solo conduzirão à depuração completa.

Pelo trabalho, o homem aprende a conhecer e dirigir as forças da Natureza. Pode-se acompanhar na História o fio das descobertas e das conquistas do espírito humano, bem como a aplicação que delas fez para as suas necessidades e sua satisfação.

Mas, seguindo essa fieira, deve-se notar, também, que o homem se desbastou, se desmaterializou, e se quisermos fazer um paralelo entre o homem de hoje e os primeiros habitantes do globo, constataremos o progresso já realizado; veremos que quanto mais o homem progride, mais é excitado a progredir, e que a progressão está na razão do progresso realizado. Hoje o progresso marcha a grande velocidade e forçosamente arrasta os retardatários.

Acabamos de falar do progresso físico, material, inteligente. Mas, vejamos o progresso moral e a influência que ele deve ter sobre o primeiro.

O progresso moral despertou ao mesmo tempo que o desenvolvimento material, mas foi mais lento, porque achando-se o homem em meio a uma criação exclusivamente material, tinha necessidade e aspirações em harmonia com o que o cercava. Avançando, sentiu o espiritual desenvolver-se e crescer em si, e, ajudado pelas influências celestes, começou a compreender a necessidade da direção inteligente do Espírito sobre a matéria. O progresso moral continuou o seu desenvolvimento e, em diferentes épocas, Espíritos adiantados vieram guiar a Humanidade e dar um maior impulso à sua marcha ascensional. Tais são Moisés, os profetas, Confúcio, os sábios da Antiguidade e o Cristo, o maior de todos, posto que o mais humilde na Terra.

O Cristo deu ao homem uma ideia maior de seu próprio valor, de sua independência e de sua personalidade espiritual. Seus sucessores, entretanto, muito inferiores a ele, não compreenderam a ideia grandiosa que brilha em todos os seus ensinamentos. Eles materializaram o que era espiritual, daí a espécie de status quo moral, no qual parou a Humanidade.

O progresso científico e intelectual continua a sua marcha, mas o progresso moral arrasta-se lentamente. Não é certo que, se desde o Cristo todos os que professaram a sua doutrina a tivessem praticado, os homens teriam evitado muitos males e hoje estariam moralmente mais adiantados?

O Espiritismo vem acelerar o progresso, desvendando à Humanidade o seu destino, e já vemos a sua força pelo número de adeptos e pela facilidade com que é compreendido. Ele vai conduzir a uma transformação moral ativa e, pela multiplicidade das comunicações mediúnicas, o coração e o Espírito de todos os encarnados serão trabalhados pelos Espíritos amigos e instrutores. Dessa instrução vai surgir um novo impulso científico, porque novas vias vão ser abertas à Ciência, que orientará suas pesquisas para as novas forças da Natureza que se revelam. As faculdades humanas que já se desenvolvem, desenvolver-se-ão ainda mais pelo trabalho mediúnico.

Inicialmente acolhido pelas almas ternas e inconsoláveis pela perda de parentes e amigos, o Espiritismo foi em seguida acolhido pelos infelizes deste mundo, cujo número é grande, e que foram encorajados e sustentados em suas provações por sua doutrina ao mesmo tempo tão suave e tão confortadora. Assim, ele propagou-se rapidamente, e muitos incrédulos admirados, que a princípio o estudaram como curiosos, se convenceram quando, por si mesmos, encontraram esperanças e consolações.

Hoje os sábios começam a abalar-se, e alguns deles, que o estudam seriamente e o admitem como força natural até agora desconhecida, a ele aplicando sua inteligência e seus conhecimentos já adquiridos, farão a Humanidade dar um imenso passo científico.

Mas os Espíritos não se limitam à instrução científica. Seu dever é duplo, e eles devem, sobretudo, cultivar a vossa moral. Ao lado dos estudos da Ciência, eles vos farão, e já fazem desde agora, trabalhar o vosso próprio eu. Os encarnados inteligentes e desejosos de progredir compreenderão que sua desmaterialização é a melhor condição para o estudo progressivo, e que sua felicidade presente e futura a isso está ligada.


OBSERVAÇÃO: É assim que o mundo, depois de haver atingido um certo grau de elevação no progresso intelectual, vai entrar no período do progresso moral, cuja rota lhe é aberta pelo Espiritismo. Esse progresso realizar-se-á pela força das coisas e conduzirá naturalmente à transformação da Humanidade, pelo alargamento do círculo das idéias no sentido espiritual, e pela prática inteligente e raciocinada das leis morais ensinadas pelo Cristo. A rapidez com que as idéias espíritas se propagam no próprio meio do materialismo que domina a nossa época, é o indício certo de uma pronta mudança na ordem das coisas. Basta para isto a extinção de uma geração, pois a que se ergue já se anuncia sob auspícios muito diversos.

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