(Pelo Rev. Pe. Blot da companhia de Jesus)
Um dos nossos correspondentes, o Dr. C..., assinala-nos este livrinho, e escreve o seguinte:
“Desde algum tempo, palavras que me abstenho de qualificar, como cristão e espírita, têm sido pronunciadas muitas vezes por homens que têm a missão de falar às criaturas sobre caridade e misericórdia. Para vos aliviar das penosas impressões que elas vos devem ter causado, como a todo verdadeiro cristão, permiti-me que vos fale de um volumezinho do Rev. Pe. Blot. Não acredito que ele seja espírita, mas encontrei em sua obra o que, no Espiritismo, leva a amar a Deus e esperar em sua misericórdia, bem como diversas passagens que muito se aproximam do que ensinam os Espíritos.”
Nele destacamos as passagens seguintes, que confirmam a opinião do nosso correspondente:
“No Século VII, o Papa São Gregório, o Grande, depois de haver contado que um religioso, ao morrer, vira os profetas aparecerem diante dele, e os designou pelos nomes, acrescentava: “Este exemplo nos faz compreender claramente como será grande o conhecimento que teremos uns dos outros na vida incorruptível do Céu, pois esse religioso, ainda numa carne corruptível, reconheceu os santos profetas que jamais tinha visto.”
“Os santos se veem uns aos outros, como o exigem a unidade do reino e a unidade da cidade onde vivem, em companhia do próprio Deus. Eles revelam espontaneamente uns aos outros os seus pensamentos e afeições, como as pessoas da mesma casa que são unidas por um sincero amor. Entre os seus concidadãos do Céu, conhecem até os que não conheceram aqui em baixo, e o conhecimento das belas ações os leva a um conhecimento mais completo dos que as realizaram. (Berti, De theologicis disciplinis).
“Perdestes um filho ou uma filha? Recebei as consolações que um Patriarca de Constantinopla dirigia a um pai desolado. Esse patriarca não pode mais ser contado entre os grandes homens, nem entre os santos: É Fócio, o autor do cisma cruel que separa o Oriente e o Ocidente, mas suas palavras apenas provam que, sobre este ponto, os gregos pensam como os latinos. Ei-las: ‘Se vossa filha vos aparecesse; se, pondo as suas mãos nas vossas e sua fronte feliz em vossa fronte ela vos falasse, não seria a descrição do Céu que ela vos faria?’ Depois ela acrescentaria: ‘Por que vos afligir, ó meu pai? Eu estou no paraíso, onde a felicidade não tem limites. Vireis um dia com minha querida mãe, e então constatareis que eu não disse demais deste lugar de delícias, pois a realidade ultrapassa as minhas palavras.’”
Os bons Espíritos podem, assim, manifestar-se, ser vistos, tocar os vivos, falarlhes, descrever sua própria situação, vir consolar e fortalecer os que eles amaram. Se podem falar e tomar a mão, por que não poderiam fazer escrever? Diz o Pe. Blot: “Sobre este ponto, os gregos pensam como os latinos.” Por que, então, hoje os latinos dizem que esse poder só é dado aos demônios para enganar os homens?
A passagem seguinte é ainda mais explícita:
“Numa de suas homilias sobre São Mateus, dizia São João Crisóstomo a cada um de seus ouvintes: ‘Desejais ver aquele que a morte levou? Levai a mesma vida que ele no caminho da virtude, e em breve fruireis essa santa visão. Mas quereis vêlo aqui mesmo? Ora! O que vo-lo impede? Isto vos é permitido e é fácil vê-lo, se fordes prudentes, porque a esperança dos bens futuros é mais clara que a própria vista.’”
O homem carnal não pode ver o que é puramente espiritual. Se, pois, pode ver os Espíritos, é que eles têm uma parte material acessível aos nossos sentidos. É o envoltório fluídico, que o Espiritismo designa sob o nome de perispírito.
Após uma citação de Dante sobre o estado dos bem-aventurados, acrescenta o Pe. Blot:
“Eis pois o princípio de solução para as objeções: No céu, que é menos um lugar do que um estado, tudo é luz, tudo é amor.”
Assim, o Céu não é um lugar circunscrito. É o estado das almas felizes. Em toda parte onde elas forem felizes, elas estarão no Céu, isto é, para elas tudo é luz, amor e inteligência. É o que dizem os Espíritos.
Fénelon, por ocasião da morte do Duque de Beauvilliers, seu amigo, escreveu à duquesa: “Não, só os sentidos e a imaginação perderam seu objetivo. Aquele que não mais podemos ver está conosco mais do que nunca. Encontramo-lo sem cessar em nosso centro comum. Ele aí nos vê e nos proporciona verdadeiro socorro. Aí conhece melhor que nós as nossas enfermidades, ele que não mais tem as suas; e pede os remédios necessários à nossa cura. Para mim, que estava privado de vê-lo há tantos anos, eu lhe falo e lhe abro o meu coração.”
Fénelon escrevia também à viúva do Duque de Chevreuse: “Unamo-nos de coração àquele a quem lamentamos. Ele não se afastou de nós ao tornar-se invisível. Ele nos vê, ele nos ama, ele é tocado por nossas necessidades. Chegado felizmente ao porto, ele ora por nós que ainda estamos expostos ao naufrágio. Diz-nos com uma voz secreta: ‘Apressai-vos para virdes ao nosso encontro.’ Os puros Espíritos veem, entendem, amam sempre os verdadeiros amigos no seu centro comum. Sua amizade é imortal como sua fonte. Os incrédulos só amam a si mesmos. Eles deveriam desesperar-se por perderem os amigos para sempre. No entanto, a amizade divina transforma a sociedade visível numa sociedade de pura fé. Ela chora, mas chorando, consola-se pela esperança de juntar-se a seus amigos no país da verdade e no seio do próprio amor.”
Para justificar o título de seu livro: Reconhecemo-nos no Céu, o Pe. Blot cita grande número de passagens de escritores sacros, de aparições e de manifestações diversas que provam a reunião, após a morte, daqueles que se amaram; as relações existentes entre os mortos e os vivos; o auxílio que se prestam mutuamente pela prece e pela inspiração. Em nenhuma parte fala da separação eterna, consequência da danação eterna, nem de diabos, nem do inferno. Ele mostra, ao contrário, as almas mais sofredoras libertadas pela força do arrependimento e da prece, e pela misericórdia de Deus.
Se o Pe. Blot lançasse anátema contra o Espiritismo, seria lançá-lo contra o seu próprio livro e contra todos os santos cujo testemunho ele invoca. Seja qual for sua opinião a esse respeito, nos dirão que se houvessem pregado sempre nesse sentido, haveria menos incrédulos.