Escrevem de Marselha:
“Um dos mais honrados negociantes de nossa cidade, cercado pela estima geral, o Sr. X..., acaba de dar um tiro de pistola no vigário de Saint-Barnabé. Segunda-feira última, o Sr. X... ficou sabendo, por uma carta anônima, que sua esposa mantinha relações íntimas com aquele padre. Deram-lhe os mais circunstanciados detalhes, que não deixavam dúvidas quanto à extensão de sua infelicidade. Ele chegou em casa e fez um inquérito junto aos empregados: arrumadeira, criados, jardineiro, cocheiro, etc., e todos confessaram o que sabiam. Essa intriga já tinha quinze meses de duração. O Sr. X... era objeto de zombaria em todo o bairro, e só ele não suspeitava. Foi após esse inquérito que atirou no padre.” (Siècle de 7 de junho de 1864).
Quem é o mais culpado neste triste caso? A mulher, o marido ou o padre? A mulher, que, iludida por piedosos sofismas, provavelmente julgava-se desculpada pela qualidade do cúmplice, e tranquilizou-se pela esperança de uma absolvição fácil? O marido, que cedendo a um movimento de indignação não pôde dominar a sua cólera? Ou o padre, que, de sangue frio, com premeditação, violou os seus votos, abusou de seu caráter, enganou a confiança para lançar a desordem, o desespero e a desunião numa família honrada? A consciência pública pronunciou o seu veredicto. Mas, fora do fato material, há considerações da mais alta gravidade.
Uma filosofia de consciência elástica poderá, talvez, achar uma desculpa no arrastamento das paixões e se limitará a censurar os votos imprudentes. Admitamos, se quiserem, não uma desculpa, mas uma circunstância atenuante aos olhos dos homens carnais, e não ficará menos um abuso de confiança e do ascendente que o culpado tirava de sua qualidade; o fascínio que ele exercia sobre sua vítima, ao abrigo de seu hábito sagrado. Aí está a falta, aí está o crime que, se não fosse punido pela justiça dos homens, sê-lo-ia certamente pela de Deus.
Ora, quinze meses eram mais do que suficientes para lhe dar tempo para reflexão e para a volta do sentimento de seus deveres. Que fazia ele no entretempo? Ensinava à juventude as verdades da religião; pregava as virtudes do Cristo, a castidade de Maria, a eternidade das penas contra os pecadores; absolvia ou retinha as faltas alheias, conforme seu próprio julgamento. E ele, o refratário aos mandamentos de Deus que condenam o que ele fazia, era o dispensador infalível da inflexível severidade ou da misericórdia de Deus! É um caso isolado? Ah! A história de todos os tempos infelizmente aí está a provar o contrário. Aqui fazemos abstração do indivíduo, para não ver senão um princípio que dá lugar à incredulidade e mina surdamente o elemento religioso. O poder absoluto do sacerdote, dizem, é independente de sua conduta pessoal. Que seja! Não discutiremos este ponto, posto pareça estranho que um homem que, por suas infâmias, merece o inferno, possa abrir ou fechar as portas do paraíso a quem lhe parecer, quando muitas vezes os excessos lhe tiram a inteira lucidez das ideias. Se o medo das penas eternas não detém na via do mal e na violação dos mandamentos de Deus aqueles que os preconizam, é que eles próprios neles não acreditam. A primeira condição para inspirar confiança seria pregar pelo exemplo.