As reuniões espíritas que surgem são tão numerosas que nos seria impossível citar todas as boas palavras ditas a respeito, testemunhando os sentimentos suscitados pela doutrina. O novo grupo que acaba de constituir-se na Ilha de Oléron é tanto mais digno de simpatia quanto o Espiritismo foi, nessas regiões, objeto de muito viva oposição. Transcrevemos uma das alocuções feitas na circunstância, para provar como os espíritas respondem aos adversários.
DISCURSO DO PRESIDENTE DA SOCIEDADE ESPÍRITA DE MARENNES
“Senhores e caros irmãos espíritas de Oléron,
“A extensão que diariamente toma o Espiritismo em nossa região é a mais evidente prova da impotência dos ataques de que ele é objeto. É como diz o Sr. Allan Kardec: ‘De duas uma: ou é um erro, ou uma verdade. Se é um erro, cairá por si mesmo, como todas as utopias, que têm existência efêmera, e morrem por falta da única base sólida que pode dar a vida; se é uma dessas grandes verdades que, por vontade de Deus, devem classificar-se na história do mundo e marcar uma era do progresso da Humanidade, nada deteria a sua marcha.
“Aqui está a experiência para mostrar em qual dessas duas categorias ele deve ser colocado. A facilidade com que é aceito pelas massas, digamos mais: a felicidade, a consolação, a coragem contra a adversidade que se adquire nesta crença, a incrível rapidez de sua propagação, não são marca de uma ideia sem valor. O mais excêntrico sistema pode fazer seita e agrupar em seu derredor alguns partidários, mas, como uma árvore sem raízes, se desfolha rapidamente e morre sem produzir rebentos. É assim com o Espiritismo? Não, vós o sabeis tão bem quanto eu. Desde seu aparecimento, ele não cessou de crescer, malgrado os ataques de que foi objeto, e hoje fincou sua bandeira em todos os pontos do globo; seus partidários se contam aos milhões, e se levarmos em consideração o caminho feito em dez anos, através dos inúmeros obstáculos semeados em sua rota, pode-se julgar o que será daqui a dez anos, tanto mais quanto mais se aplainam os obstáculos, à medida que ele avança e que aumenta o número de seus adeptos. Assim, pode-se dizer, com o Sr. Allan Kardec, que o Espiritismo é hoje um fato consumado. A árvore criou raízes. Só lhe resta desenvolver-se, e tudo concorre para lhe ser favorável, porque, malgrado as borrascas, o vento está a favor do Espiritismo. Seria preciso ser cego para não o reconhecer.
“Uma circunstância que contribuiu poderosamente para o seu desenvolvimento é que ele não é exclusivo de nenhuma religião. Sua divisa: Fora da caridade não há salvação pertence a todas; é, ao mesmo tempo, a bandeira da tolerância, da união e da fraternidade, em torno da qual todos podem ligar-se, sem renunciar à sua crença particular. Começa-se a compreender que é um penhor de segurança para a Sociedade.
“Quanto a mim, caros irmãos, vou mais longe e penso que concordareis comigo quando digo que quando todos os povos tiverem inscrito em sua bandeira: Fora da caridade não há salvação, a paz do mundo será garantida e todos os povos viverão como irmãos. Será apenas um belo sonho? Não, senhores, é a promessa feita pelo Cristo, e estamos nos dias de sua realização.
“Que somos nós, nós outros, no grande movimento que se opera? Somos obscuros obreiros, que levamos a nossa pedra ao edifício, mas quando milhões de obreiros tiverem levado milhões de pedras, o edifício estará concluído. Trabalhemos, pois, com zelo e perseverança, sem nos desencorajarmos com a pequenez do sulco que abrimos, pois inúmeros sulcos se traçam em redor de nós. “Permiti-me uma comparação material, que corresponde a este pensamento:
“No começo das estradas de ferro, cada pequena localidade queria ter o seu ramal. Cada um desses ramais pouco era em si mesmo, mas quando todos fossem interligados teríamos essa imensa rede que hoje cobre o mundo e derruba as barreiras dos povos.
“As estradas de ferro derrubaram as barreiras materiais. A palavra de ordem Fora da caridade não há salvação fará caírem as barreiras morais. Ela fará, acima de tudo, cessar o antagonismo religioso, causa de tantos ódios e de sangrentos conflitos, porque então, judeus, católicos, protestantes e muçulmanos estender-se-ão as mãos adorando, cada um à sua maneira, o único Deus de misericórdia e de paz que é o mesmo para todos.
“Como vedes, senhores e caros irmãos, o objetivo é grande. Restar-nos-ia examinar a organização de nossa pequena esfera, para transformá-la numa engrenagem útil ao conjunto. Para tanto, nossa tarefa é facilitada pelas instruções encontradas nas obras do nosso chefe venerando, e que, pode-se dizer, se tornaram as obras clássicas da doutrina. Seguindo-as pontualmente, estamos certos de não nos transviarmos numa falsa rota, porque essas instruções são o fruto da experiência. Assim, que cada um medite nessas obras cuidadosamente, e aí encontraremos tudo quanto nos é necessário. Aliás, tenho certeza que o apoio e os conselhos do mestre jamais nos faltarão.
“A nenhum de nós é permitido esquecer que se a esperança e a fé reentrarem na maioria dos corações; se muitos dentre nós fomos arrancados do materialismo e da incredulidade, devemo-lo a seu zelo e a sua coragem perseverante que nem as calúnias, nem as diatribes, nem os ataques de toda sorte abalaram. Ele foi o primeiro que soube compreender o imenso alcance do Espiritismo, e desde então tudo sacrificou para lhe espalhar os benefícios entre os seus irmãos na Terra. Digamo-lo: evidentemente ele foi escolhido para esse grande apostolado, pois é impossível desconhecer que cumpre entre nós uma missão moralizadora. Eu vos proponho, senhores, votar-lhe os agradecimentos que todos os verdadeiros e sinceros espíritas lhe devem. Ao mesmo tempo, peçamos a Deus que continue a sustentá-lo nesse empreendimento que somente ele tem condições de fazer frutificar em sua plenitude.
“Ainda algumas palavras, senhores, sobre o caráter desta reunião. A máxima que nos serve de guia é de natureza a tranquilizar aqueles a quem o nome do Espiritismo poderia afugentar. Com efeito, que se pode temer de pessoas que fazem do princípio da caridade para com todos, amigos e inimigos, a sua regra de conduta? E este princípio para nós é tão sério, que dele fazemos a condição expressa de nossa salvação. Não é o melhor penhor que possamos dar de nossas intenções pacíficas? Quem poderia ver com maus olhos, mesmo entre os que não compartilham de nossas crenças, pessoas que não pregam senão a tolerância, a união e a concórdia, e cujo único objetivo é o de reconduzir a Deus os que dele se afastam e de combater o materialismo e a incredulidade que invadem a Sociedade e a ameaçam em seus fundamentos?
“Dirijamo-nos, pois, aos que não creem, pois o campo da colheita é bastante vasto, como disse o Sr. Allan Kardec. Em virtude do princípio de caridade que nos serve de guia, guardemo-nos de perturbar qualquer consciência; acolhamos como irmãos os que vêm a nós, e não procuremos contrariar ninguém em sua fé religiosa. Não vimos erguer altar contra altar, mas levantar um onde não existe nenhum. Os que acharem bons os nossos princípios, adotá-los-ão. Os que os acharem maus, deixá-los-ão de lado, e nem por isso os consideraremos menos como irmãos. Se nos atirarem pedras, pediremos a Deus que lhes perdoe a falta de caridade e que lhes lembre o Evangelho e o exemplo de Jesus Cristo, Nosso Senhor, que orava por seus carrascos.
“Assim, pois, caros irmãos, oremos a fim de que Deus se digne estender sobre nós a sua misericórdia e nos perdoe as nossas faltas, como nós perdoarmos aos que nos querem mal. Digamos todos, do fundo do coração:
“Senhor Deus Todo-Poderoso, que ledes no íntimo das almas e vedes a pureza de nossas intenções, dignai-vos sustentar-nos em nossa obra e protegei o nosso chefe. Dai-nos a força de suportar com coragem e resignação, e como provas para a nossa Fé e nossa perseverança, as misérias que a malevolência poderia suscitar-nos. Fazei que, a exemplo dos primeiros mártires cristãos, estejamos prontos para todos os sacrifícios, para vos provar a nossa submissão à vossa santa vontade. Aliás, que são os sacrifícios dos bens deste mundo quando se tem, como devem tê-lo todos os espíritas sinceros, a certeza dos bens imperecíveis da vida futura! Fazei, Senhor, que as preocupações da vida terrena não nos desviem do caminho santo por onde nos conduzistes, e dignai-vos enviar-nos bons Espíritos para nos manterem no caminho do bem. Que a caridade, que é a vossa e a nossa lei, nos torne indulgentes para com as faltas dos nossos irmãos. Que ela abafe em nós todo sentimento de orgulho, de ódio, de inveja e de ciúme, e nos torne bons e benevolentes para com todos, a fim de que preguemos tanto pelo exemplo quanto pela palavra.”
Os delegados de diversos grupos da circunvizinhança se tinham reunido, nessa ocasião, aos seus novos irmãos em crença. Vários outros discursos foram pronunciados, todos testemunhando um perfeito entendimento do verdadeiro espírito do Espiritismo. Lamentamos que a carência de espaço não nos permita citá-los, assim como uma notável comunicação obtida na sessão e assinada por FrançoisNicolas Madeleine, que traça em termos simples e tocantes os deveres do verdadeiro espírita.
Em Lyon acaba de constituir-se um novo grupo em condições especiais que merecem ser assinaladas, como encorajamento e bom exemplo. Esse grupo tem um duplo objetivo: a instrução e a beneficência. Relativamente à instrução, ele se propõe consagrar uma parte menor que a geralmente destinada às comunicações mediúnicas, mas dedicar, em contrapartida, uma parte mais longa às instruções orais, visando desenvolver e explicar os princípios do Espiritismo. Relativamente à beneficência, a nova sociedade se propõe vir em auxílio às pessoas necessitadas, por meio de dádivas in natura de objetos usuais, tais como roupa branca, vestimenta, etc. Além do que ela puder recolher, as senhoras que dela fazem parte dão o seu contributo de trabalho pessoal na confecção de roupas, e por visitas domiciliares aos pobres doentes.
Um dos membros dessa sociedade nos escreve a respeito:
“Graças ao zelo da Sra. G..., em breve Lyon contará com mais uma reunião espírita. Alcançará ela o objetivo a que se propõe? O futuro decidirá. Se ela ainda é pouco numerosa, pelo menos conta com elementos devotados, cheios de fé e de caridade. Podemos fracassar no empreendimento, mas, aos menos, as intenções são boas. Para nós, bastará que a Sociedade de Paris, sob cuja égide nos colocamos, nos aprove e nos ajude com seus conselhos, para que perseveremos, ajudados por seu apoio moral.”
Este apoio jamais faltará a toda obra fundada no verdadeiro espírito do Espiritismo, e que tenha por objetivo a realização do bem. A Sociedade de Paris sempre se sente feliz ao ver a doutrina produzir bons frutos. Ela não declinará de toda a solidariedade senão em relação a grupos ou sociedades que, desconhecendo o princípio de caridade e de fraternidade, sem o qual não há verdadeiros espíritas, vissem as outras reuniões com maus olhos, lhes atirassem pedras ou procurassem denegri-las, sob um pretexto qualquer.
A caridade e a fraternidade se reconhecem pelas obras, e não pelas palavras. É uma medida de apreciação que não pode enganar senão aqueles que são cegos em relação a seu próprio mérito, mas não em relação a terceiros desinteressados. É a pedra de toque pela qual se reconhece a sinceridade de sentimentos. Em Espiritismo, quando se fala de caridade, sabe-se que não se fala apenas daquela que dá, mas também, e sobretudo, daquela que esquece e perdoa; que é benevolente e indulgente; que repudia todo sentimento de ciúme e rancor.
Toda reunião espírita que não se fundar sobre o princípio da verdadeira caridade, será mais prejudicial que útil à causa, porque tenderá a dividir, em vez de unir. Além do mais, ela conterá em si mesma o seu elemento destruidor.
Nossas simpatias pessoais serão sempre conquistadas por todos que provarem, por seus atos, o bom espírito que os anima, porque os bons Espíritos não podem inspirar senão o bem.
No próximo número falaremos de novas sociedades espíritas de Bruxelas, de Turim e de Esmirna, que igualmente se colocam sob o patrocínio da Sociedade de Paris.