Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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À Venda - Imitação do evangelho segundo o Espiritismo
Contendo a explicação das máximas morais do Cristo, sua concordância com o Espiritismo e sua aplicação às várias posições da vida.



Por ALLAN KARDEC

Com esta epígrafe:

“Não há fé inabalável senão a que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.”

Abstendo-nos de qualquer reflexão sobre esta obra, limitamo-nos a extrair da introdução a parte que indica o seu objetivo.

“Podem dividir-se as matérias contidas nos Evangelhos em quatro partes: Os atos comuns do vida do Cristo, os milagres, as predições, o ensino moral.[1] Se as primeiras foram objeto de controvérsias, a última ficou inatacável. Ante esse código divino, a própria incredulidade se inclina; é o terreno onde todos os cultos podem encontrar-se, a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, sejam quais forem suas crenças, pois jamais foi assunto de disputas religiosas, sempre e em toda parte levantadas por questões de dogmas. Aliás, discutindo-os, as seitas aí teriam encontrado sua própria condenação, porque em sua maioria se apegaram mais à parte mística do que à parte moral, que exige a reforma de si mesmo.

Para os homens, em particular, é uma regra de conduta que abraça todas as circunstâncias da vida, particular ou pública, o princípio de todas as relações sociais baseadas na mais rigorosa justiça; é, enfim, e acima de tudo, a rota infalível da felicidade futura, uma ponta do véu levantada sobre a vida futura. É esta parte que constitui o objeto exclusivo desta obra.

“Todos admiram a moral evangélica. Cada um proclama a sua sublimidade e a sua necessidade, mas muitos o fazem confiados no que ouviram dizer, ou na fé em algumas máximas tornadas proverbiais, mas poucos a conhecem a fundo, menos ainda a compreendem e lhe sabem deduzir as consequências. A razão disto está em grande parte na dificuldade apresentada pela leitura do Evangelho, ininteligível para o maior número. A forma alegórica, o intencional misticismo da linguagem, fazem que a maioria das pessoas o leiam por desencargo de consciência e por dever, como leem as preces sem compreendê-las, isto é, sem proveito. Os preceitos de moral, disseminados aqui e ali, confundidos na massa de outros relatos, passam despercebidos. Então é impossível apreendê-los em conjunto e deles fazer objeto de uma leitura e de uma meditação separadas.

“É verdade que fizeram tratados de moral evangélica, mas o arranjo em estilo literário moderno lhes tira a singeleza primitiva que constitui ao mesmo tempo o seu encanto e a sua autenticidade. Há, até, máximas destacadas, reduzidas à sua expressão mais simples de provérbio, que assim não passam de aforismos que perdem uma parte de seu valor e de seu interesse, pela ausência dos acessórios e das circunstâncias em que foram dados.

“Para obviar esses inconvenientes, reunimos nesta obra os versículos que podem constituir, a bem dizer, um código de moral universal, sem distinção de culto. Nas citações, conservamos tudo o que era útil ao desenvolvimento do pensamento, não eliminando senão o que era estranho ao assunto. Além disso, respeitamos escrupulosamente a tradução original de Sacy[2], bem como a divisão dos versículos. Mas, em vez de nos atermos a uma ordem cronológica impossível e sem vantagem real em tal assunto, as máximas foram agrupadas e classificadas metodicamente, segundo a sua natureza, de modo que, tanto quanto possível, umas se deduzam das outras. A referência dos números de ordem dos capítulos e dos versículos permite recorrer à classificação vulgar, se se quiser.

“Isto não passava de um trabalho material que, só, teria tido uma utilidade secundária. O essencial era o pôr ao alcance de todos, pela explicação das passagens obscuras e pelo desenvolvimento de todas as consequências visando a aplicação às diversas posições da vida. Foi o que tentamos fazer com o auxílio dos bons Espíritos que nos assistem.

“Muitos pontos da Bíblia, do Evangelho e de autores sacros em geral são ininteligíveis e até mesmo parecem irracionais apenas por falta da chave para compreender o seu verdadeiro sentido. Essa chave está inteiramente no Espiritismo, assim como já se puderam convencer os que o estudaram seriamente, e como, mais tarde, melhor será reconhecido.

“O Espiritismo se encontra por toda parte, na Antiguidade e em todos os períodos da Humanidade. Por toda parte se acham os seus traços escritos, nas crenças e nos monumentos. É por isso que, se ele abre horizontes novos para o futuro, ele lança uma luz não menos viva sobre os mistérios do passado.

“Como complemento de cada preceito, adicionamos algumas instruções escolhidas entre as que foram ditadas pelos Espíritos em diversos países e através de diversos médiuns. Se essas instruções tivessem saído de uma fonte única, elas poderiam ter sofrido uma influência pessoal ou do meio, ao passo que a diversidade de origens prova que os Espíritos dão o seu ensino em toda parte, e que ninguém, a esse respeito, é privilegiado.

“Esta obra é para uso de todos. Cada um pode aí colher os meios de conformar sua conduta à moral do Cristo. Além disto, os espíritas aí encontram as aplicações que mais especialmente lhes concernem. Graças às comunicações doravante estabelecidas de maneira permanente entre os homens e o mundo invisível, a lei evangélica ensinada em todas as nações pelos próprios Espíritos não mais será letra morta, porque cada um a compreenderá e necessariamente será solicitado a pô-la em prática, a conselho de seus guias espirituais.

As instruções dos Espíritos são verdadeiramente as vozes do céu que vêm esclarecer os homens e convidá-los à imitação do Evangelho.”



[1] Posteriormente, o Sr. Allan Kardec modificou a divisão em cinco partes, incluindo em quarto lugar os trechos que serviram à Igreja para o estabelecimento de seus dogmas. Vide a nossa tradução, edição de “O Pensamento”. N. do Tradutor.


[2] A tradução de Sacy é católica e corresponde, quanto à aceitação, à versão brasileira de Figueiredo, mas há entre elas ligeiras diferenças, que não alteram o sentido. Em nossa tradução da obra acima para “O Pensamento”, não havia razões para que traduzíssemos a tradução de Sacy. Então transpusemos a de Figueiredo. N. do T.


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