“O Espiritismo, esta estrela do Oriente, não somente vem abrir-vos as portas da Ciência. Ele faz mais que isto: é um amigo que vos aproxima uns aos outros, para vos ensinar o amor ao próximo e sobretudo a caridade, não essa esmola degradante que busca no bolso a menor moeda para lançar na mão do pobre, mas a doce mansuetude do Cristo, que conhecia o caminho onde se encontra o infortúnio oculto.
“Meus bons amigos, encontrei em meu caminho uma dessas misérias de que a história não fala, mas de que o coração se lembra quando foi testemunha das tão rudes provas. É uma pobre mulher; ela é mãe; ela tem um filho há muitos meses sem ocupação; além disso, ela sustenta uma infeliz, operária como ela. E, além disso, um velho vem diariamente encontrá-la à hora da comida, quando há o suficiente para comer. Mas no dia em que falta o necessário, as duas pobres mulheres, criaturas admiráveis por sua caridade, dão o seu repasto aos dois homens, o velho e o rapaz, pretextando que, estando com fome, comeram antes. Vi isto renovar-se muitas vezes. Vi o velho, num momento de desespero, vender a última roupa e querer, por insigne ato de loucura, dizer um último adeus à vida, antes de partir para o mundo invisível, onde Deus vos julga a todos.
“Vi a fome imprimir suas marcas nesses deserdados do bem-estar social, mas as mulheres oraram com fervor, e Deus as escutou. Ele já pôs irmãos, espíritas, sobre os seus passos, e quando a caridade chama, os corações devotados respondem. Já estão secas as lágrimas do desespero. Nada mais resta além da angustia do amanhã, o fantasma ameaçador do inverno com seu cortejo de granizo, de gelo e de neve. Eu vos estendo a mão em favor desse infortúnio. Os pobres, nossos amigos, são os enviados de Deus. Eles vêm dizer-vos: Nós sofremos; Deus o quer; é o nosso castigo e ao mesmo tempo um exemplo para a nossa melhora. Vendo-nos tão infelizes, vosso coração se enternece, vossos sentimentos se alargam, aprendeis a amar e a lamentar o infeliz. Socorrei-nos, a fim de que não murmuremos, e também para que Deus vos sorria do alto de seu belo paraíso.
“Eis o que diz o pobre em seus farrapos; eis o que repete o anjo da guarda que vos vela, e o que vos repito, simples mensageira da caridade, intermediária entre o Céu e vós.
“Sorride ao infortúnio, ó vós que sois ricamente dotados de todas as qualidades de coração. Ajudai-me em minha tarefa. Não deixeis fechar-se esse santuário de vossa alma onde mergulhou o olhar de Deus, e um dia, quando entrardes na vossa mãe-pátria, quando, com o olhar incerto e o passo inseguro, buscardes o vosso caminho através da imensidade, eu vos abrirei de par em par a porta do templo onde tudo é amor e caridade e vos direi: Entrai, meus amados. Eu vos conheço!
“CÁRITA”
A quem fariam crer seja esta a linguagem do diabo? Foi a voz do diabo que se fez ouvir ao ouvido do capitão, sob o nome de seu filho, para adverti-lo que o velho ia suicidar-se e, ao mesmo tempo, para lhe inculcar o arrependimento por ter dito palavras que poderiam magoá-lo? Segundo a doutrina que um partido busca fazer prevalecer, conforme a qual só o diabo se comunica, esse capitão deveria ter repelido como satânica a voz que lhe falava; disso teria resultado que o velho ter-seia suicidado; que o mobiliário das pobres operárias teria sido vendido e que elas talvez tivessem morrido de fome.
Entre os donativos que para elas recebemos, há um que devemos mencionar, sem nomear o autor. Ele estava acompanhado da carta seguinte:
“Senhor Allan Kardec,
“Eu soube por intermédio de um meu parente que obteve de vós o relato da bela ação verdadeiramente cristã levada a efeito por uma pobre operária de Lyon em benefício de um velho infeliz. Esse parente mostrou-me um apelo muito eloquente em favor do velho, por um Espírito que se dá o suave nome de Cárita. À sua pergunta se nele eu reconhecia a linguagem do demônio, respondi que os nossos melhores santos não falam melhor. É minha opinião. Por isso tomei a liberdade de lhe pedir uma cópia. Senhor, sou um pobre padre, mas vos envio o óbolo da viúva, em nome de Jesus Cristo, para essa brava e digna mulher. Inclusa achareis a módica soma de cinco francos, lamentando não poder dar mais. Peço o favor de não mencionar meu nome.
“Dignai-vos aceitar, etc.
“PADRE X...”