Aqui não se trata, como poderiam supor, de uma demonstração aprobativa da doutrina, mas, ao contrário, de nova forma de ataque, sob um título atraente e um pouco enganador, porque aquele que, acreditando no teor da propaganda, lá for pensando assistir a lições de Espiritismo, ficará muito desapontado.
Os sermões estão longe de ter tido o resultado esperado. Aliás, eles são direcionados exclusivamente aos fiéis. Além disto, exigem uma forma muito solene, muito exclusivamente religiosa, ao passo que a tribuna de ensino permite atitudes mais livres, mais familiares. O orador eclesiástico faz abstração de sua qualidade de sacerdote e torna-se professor. O sistema dará resultado? O futuro dirá.
O Padre Barricand, professor na Faculdade de Teologia de Lyon, começou no Petit-Collège uma série de lições públicas sobre, ou melhor, contra o magnetismo e o Espiritismo. O jornal la Vérité, em seu número de 10 de abril de 1864, analisa uma sessão consagrada ao Espiritismo e levanta várias asserções do orador. Promete manter os leitores ao corrente da continuação, ao mesmo tempo em que se encarrega de refutá-las, o que, não temos dúvida, fará maravilhosamente, a julgar por seu começo. O decoro e a moderação de que deu provas até hoje em sua polêmica nos dão a certeza de que não mudará nesta circunstância, mesmo que o seu contraditor mude.
Enquanto o Padre Barricand ficar no terreno da discussão dos princípios da doutrina, estará no seu direito. Não podemos censurá-lo por não compartilhar nossa opinião, por dizê-lo e por tentar provar que está com a razão. Gostaríamos que em geral o clero fosse tão partidário do livre exame quanto nós próprio. O que está fora do direito de discussão são os ataques pessoais, e sobretudo os personalismos malévolos, quando, pelas necessidades de sua causa, um adversário desnatura os fatos e os princípios que quer combater, bem como as palavras e os atos dos que os defendem. Semelhantes meios são uma prova de fraqueza e testemunham a pouca confiança que se tem nos argumentos tirados da própria coisa. São esses desvios da verdade que é necessário levantar na ocasião, mas ficando tudo nos limites do decoro e da urbanidade.
O Vérité assim resume uma parte da argumentação do Padre Barricand:
“Quanto aos espíritas, que são muito mais numerosos, igualmente me esforço por provar que hoje eles descem do pedestal pretensioso sobre o qual o Sr. Allan Kardec os entronizava em 1862. Com efeito, em 1861 o Sr. Kardec fez uma viagem por toda a França, viagem da qual complacentemente dava conhecimento ao público. Oh! Então, senhores, tudo corria às mil maravilhas, porquanto os adeptos dessa escola eram trinta mil em Lyon, dois ou três mil em Bordeaux, etc., etc. O Espiritismo parecia ter invadido toda a Europa! Ora, que se passa em 1863? O Sr. Allan Kardec não faz mais viagens... nem relatórios enfáticos! É que provavelmente ele constatou bom número de deserções, e para não desencorajar o que ainda pode restar de espíritas por uma situação pouco favorável, julgou prudente e correto abster-se.
Perdão, senhores, eu me engano. O Sr. A. Kardec consagra algumas páginas de sua Revista Espírita (janeiro de 1864), para dar-nos algumas informações gerais sobre a campanha de 1863. Mas aqui, não mais números ambiciosos! Ele os evita, e não sem motivos!... O Sr. Kardec contenta-se em anunciar que o Espiritismo está sempre florescente, mais florescente do que nunca! Como provas de apoio, cita a criação de dois novos órgãos da escola, o Ruche, de Bordeaux e o La Vérité de Lyon, sobretudo o Vérité que, diz ele, veio postar-se como atleta temível, por seus artigos de uma lógica tão serrada, que não dão lugar à crítica. Espero, senhores, demonstrar-vos, sexta-feira, que o La Vérité não é tão terrível quanto pretendem.
“É fácil ao Sr. Allan Kardec fazer esta afirmação: O Espiritismo está mais forte do que nunca, e citar como principal prova a criação do Ruche e do La Vérité! Senhores, tudo comédia!... Esses dois jornais não podem existir sem que se deva concluir que o Espiritismo deu um passo à frente? Se me objetardes que esses jornais têm despesas e que para pagá-las há necessidade de assinantes ou de impor sacrifícios esmagadores, ainda responderei: Comédia!... A caixa do Sr. Allan Kardec é bem fornida, ao que dizem. Não é justo e racional que ele ajude os seus discípulos?”
O redator do Vérité, Sr. Edoux, junta a essa citação a nota seguinte: “À saída do curso, tivemos ligeira conversa com o Padre Barricand que, aliás, nos recebeu de maneira muito cortês. Nosso objetivo era oferecer-lhe uma coleção do Vérité, para facilitar-lhe meios de falar dele à vontade.”
Veremos se o Sr. Barricand será mais feliz que seus confrades e se encontrará o que tantos outros buscaram inutilmente: argumentos esmagadores contra o Espiritismo. Mas, tanto trabalho para quê, se ele está morrendo? Considerando-se que o Padre Barricand acredita nisto, deixemos-lhe essa doce crença, pois ela não será nem mais nem menos. Não temos interesse nenhum em dissuadi-lo. Apenas diremos que se ele não tem motivos mais sérios do que aqueles que ele destaca, suas razões não são nada concludentes, e se todos os seus argumentos contra o Espiritismo têm a mesma força, podemos dormir tranquilos.
Pode-se ficar pasmo ao ver um homem sério tirar consequências tão levianas de uma viagem que fizemos no ano passado, e se imiscua em nossos atos particulares, presumindo o pensamento que deve ter-nos motivado a viajar ou deixar de fazê-lo. De uma suposição ele tira uma consequência absoluta, o que não é lógica rigorosa, porque, se as premissas não forem certas, a conclusão não o será. Direis que isto não é responder, mas não temos intenção de satisfazer à curiosidade de quem quer que seja. O Espiritismo é uma questão humanitária. Seu futuro está nas mãos de Deus, e não depende de tal ou qual manobra de um homem. Lamentamos que o Padre Barricand o veja de um ponto de vista tão limitado.
Quanto a saber se nossa caixa está bem ou mal suprida, parece-nos que é dar palpite quanto ao que existe no bolso de alguém que não deu o direito de examinálo, o que poderia passar por indiscrição. Transformar isto em informação pública é violação da vida privada. Supor o uso que alguém deva ter feito do que se supõe que ele possua, conforme as circunstâncias, pode ultrapassar as raias da calúnia.
Parece que o sistema do Sr. Barricand é proceder por suposições e por insinuações. Com tal sistema pode-se expor a receber desmentidos. Ora, nós lhe damos um formal a respeito de todas as alegações, suposições e deduções acima referidas. Discuti quanto quiserdes os princípios do Espiritismo, mas o que fazemos ou não fazemos, o que temos ou não temos, está fora de questão. Um curso não é uma diatribe, é uma exposição séria, completa e conscienciosa do assunto de que se trata. Se for contraditório, a lealdade quer argumentos pró ou contra, a fim de que o público julgue de seu valor recíproco. Às provas é preciso opor provas mais preponderantes. É dar uma pobre ideia da força de seus próprios argumentos procurar lançar o descrédito sobre as pessoas. Eis como compreendemos um curso, sobretudo da parte de um professor de teologia que, antes de tudo, deve procurar a verdade.
Bordeaux também tem seu curso público de Espiritismo, isto é, contra o Espiritismo, pelo Padre Delaporte, professor na faculdade de teologia daquela cidade. O Ruche o anuncia nestes termos:
“Quarta-feira última, dia 13 deste mês, assistimos ao curso público do dogma, no qual o Padre Delaporte tratava do seguinte assunto: Da hipótese de uma nova religião revelada pelos Espíritos, ou o Espiritismo. Não tendo ainda concluído o ilustre professor, seguiremos, atentos, suas lições, e delas daremos conta com a imparcialidade e a moderação de que jamais se deve separar um espírita.”
Nos seus números de 17 e 24 de abril, o Sauveur des peuples relata as duas primeiras lições e delas faz uma crítica séria e cerrada, que não deve deixar de causar alguns embaraços ao orador. Assim, eis dois professores de teologia de incontestável talento que, nos dois principais centros do Espiritismo na França, empreendem contra ele uma nova guerra, e se acham engalfinhados, nos dois pontos, com campeões que têm o que lhes responder. É que hoje se encontra aquilo que era raro há alguns anos: homens que o estudaram seriamente e não temem expor-se. Que sairá daí? Um primeiro resultado inevitável: o exame mais aprofundado da questão em todo o mundo. Os que não leram, quererão ler; os que não viram, quererão ver. Um segundo resultado será o de fazer com que ele seja levado a sério por aqueles que nele ainda não veem senão mistificação, pois que os ilustres teólogos o julgam assunto de séria discussão pública. Enfim um terceiro resultado será calar o medo do ridículo que ainda segura muita gente. Quando uma coisa é discutida publicamente por homens de valor, pró e contra, não se tem mais receio de falar dela.
Da cátedra religiosa, a discussão passará logo e seriamente para a cátedra científica e filosófica. Essa discussão pelo escol da inteligência terá por efeito esgotar os argumentos contraditórios, que não poderão resistir à evidência dos fatos.
Sem dúvida, a ideia espírita está muito atrapalhada, mas, pode-se dizer que ela ainda está na condição de opinião individual. O que hoje se passa tende a lhe dar aceitação na opinião geral e lhe assinalará, em breve, um lugar oficial entre as crenças aceitas.
Aproveitamos com satisfação o momento que se nos oferece para dirigir felicitações e encorajamento a todos os que, enfrentando o medo, tomam resolutamente em mãos a causa do Espiritismo. Somos felizes por ver seu número crescer dia a dia. Que perseverem, e verão em breve se multiplicarem os apoios ao seu redor, mas que se persuadam também que a luta não terminou e que a guerra a céu aberto não é a mais temível. O mais perigoso inimigo é o que age na sombra e frequentemente se oculta sob uma falsa máscara. Então lhes diremos: Desconfiai das aparências. Não julgueis os homens pelas palavras, mas pelos atos. Temei sobretudo as armadilhas.