Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Escrevem-nos de São Petersburgo:

“Venerável mestre, tendo lido no primeiro fascículo da Revista Espírita de 1864 o caso de um Espírito batedor do século dezesseis, lembrei-me de outro, que talvez julgueis digno de um pequeno espaço em vosso jornal. Tomo-o de uma notícia sobre a vida e o caráter do Tasso, escrita pelo Sr. Suard, secretário perpétuo da classe de língua e literatura francesas e inserto na tradução da Jerusalém Libertada, publicada em 1803.

“Após dizer que os sentimentos religiosos do Tasso, exaltados em consequência de sua disposição melancólica e das infelicidades resultantes, levaram-no a persuadir-se seriamente de que era objeto das perseguições de um Espírito que derramava tudo em sua casa; roubava-lhe o dinheiro e retirava de sua mesa, diante de seus olhos, tudo quanto lhe servia, acrescenta, com o seu historiógrafo: “Eis a maneira pela qual o próprio Tasso lhe dá conta dessa perseguição:

“O irmão R... (manda ele dizer a um de seus amigos) trouxe-me duas cartas vossas, mas uma delas desapareceu assim que a li, e creio que o duende a levou, tanto mais quanto era aquela em que dele falais. É um desses prodígios dos quais tantas vezes fui testemunha no hospital, o que não permite duvidar que sejam obra de algum mágico, e tenho muitas outras provas. Hoje mesmo retirou um pão da minha frente, e outro dia um prato de frutas.”

A seguir lamenta-se dos livros e papéis que lhe roubam e acrescenta: “Os que desapareceram enquanto eu não estava aqui, podem ter sido levados por homens que, penso, têm chaves de todas as minhas caixas, de sorte que nada mais tenho que eu possa defender dos assaltos dos inimigos ou do diabo, a não ser a minha vontade, que jamais consentirá que algo me seja ensinado por ele ou seus sectários, nem a contrair familiaridade com ele ou seus magos.”

Em outra carta diz ele: “Tudo vai de mal a pior. Esse diabo, que jamais me deixava, quer eu dormisse quer passeasse, vendo que não conseguia de mim o acordo que desejava, tomou a decisão de roubar abertamente o meu dinheiro.”

“De outras vezes, continua o autor da notícia, ele julgou que a Virgem Maria lhe aparecia, e o Padre Sevassi conta que numa doença que teve na prisão, o Tasso se recomendou com tanto fervor à Santa Virgem, que ela lhe apareceu e o curou. O Tasso consagrou esse milagre num soneto.

“Continuando, o duende transformou-se num demônio mais tratável, com quem o Tasso pretendia conversar com familiaridade, e que lhe ensinava coisas maravilhosas. Contudo, pouco satisfeito com esse estranho comércio, o Tasso lhe atribuía a origem à imprudência que cometera na juventude, de compor um diálogo onde se supunha a conversar com um Espírito. “...o que eu não teria querido fazer seriamente.” acrescenta ele, “ainda que me tivesse sido possível.”

“O Sr. Suard termina o relato dizendo: “Não se pode evitar uma triste reflexão, ao pensar que foi aos trinta anos, depois de haver escrito uma obra imortal, que o infeliz foi escolhido para dar o mais deplorável exemplo de fraqueza de espírito.”

“Vós, entretanto, senhor, graças à luz do Espiritismo, podereis fazer outro julgamento, e vereis nesses fatos, tenho certeza, mais um elo na cadeia dos fenômenos espíritas que ligam os tempos antigos à época atual.”

Sem sombra de dúvida, os fatos que hoje se passam, perfeitamente verificados e explicados, provam que o Tasso podia achar-se sob o domínio de uma dessas obsessões que diariamente testemunhamos, e que nada têm de sobrenatural.

Se ele tivesse conhecido a verdadeira causa, não se teria com ela impressionado mais do que se tem sido em nossos dias, mas naquela época a ideia do diabo, dos feiticeiros e dos mágicos estava em pleno vigor, e como, longe de combatê-la, buscavam entretê-la, ela podia reagir de modo prejudicial sobre os cérebros fracos. É, pois, mais do que provável que o Tasso não era mais louco do que o são os obsedados de nossos dias, aos quais são necessários cuidados morais e não medicamentos.

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