Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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A história registrará a lógica singular dos contraditores do Espiritismo, da qual vamos dar alguns exemplos.

Do departamento de Haute-Marne mandam-nos a ordenação do Sr. Bispo de Langres, onde se nota a seguinte passagem:

“...A fé, eis o que os homens que se dizem amigos da Humanidade, da liberdade e do progresso, mas que, na realidade, a Sociedade deve contar entre seus mais perigosos inimigos, se esforçam, por todos os meios, para arrancar do coração das populações cristãs. Porque, é preciso dizer, nossos caríssimos irmãos, e é nosso dever, a nós que somos encarregado de velar pela guarda de vossas almas, disso vos advertir, a fim de que os nossos avisos vos tornem prudentes e precavidos, que talvez jamais se tenha visto uma conspiração mais odiosa, mais vasta, mais perigosa, mais sabiamente, isto é, mais satanicamente organizada contra a fé católica do que aquela que hoje existe. Conspiração de sociedades secretas que trabalham na sombra para aniquilar o Catolicismo, se elas pudessem; conspiração do Protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte; conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração das sociedades espíritas que, pela superstição prática da evocação dos Espíritos, entregam-se e incitam os outros a entregar-se à pérfida maldade do espírito de mentira e de erro; conspiração de uma literatura ímpia ou corruptora; conspiração dos maus jornais e dos maus livros, que se propagam de modo apavorante, à sombra de uma tolerância ou de uma liberdade gabada como progresso do século, como conquista do que chamam espírito moderno, e que não é senão encorajamento para o gênio do mal, um justo motivo de dor para uma nação católica, uma cilada e um perigo muito evidente para todos os fiéis de qualquer classe, não suficientemente instruídos na religião, cujo número infelizmente é grande; conspiração, enfim, desse materialismo prático que não vê, que não busca, que não persegue senão o interesse do corpo e o bem-estar físico; que não mais se ocupa da alma e de seu destino, como se ele não existisse, e cujo exemplo pernicioso seduz e arrasta facilmente as massas. Tais são, à primeira vista, caríssimos irmãos, os perigos que hoje corre a fé... etc.”

Estamos de perfeito acordo com o senhor bispo no que toca às funestas consequências do materialismo, mas é de admirar vê-lo confundir na mesma reprovação o materialismo, que tudo nega: a alma, o futuro, Deus, a Providência, com o Espiritismo, que vem combatê-lo e dele triunfa pelas provas materiais que ele dá, da existência da alma, precisamente com o auxílio dessas mesmas evocações supostamente supersticiosas. Será talvez por que ele triunfa onde a Igreja é impotente? Partilharia o senhor bispo da opinião daquele eclesiástico que dizia do púlpito: “Prefiro saber-vos fora da Igreja do que vos ver entrar para o Espiritismo!” E deste outro que dizia: “Prefiro um ateu, que em nada crê, a um espírita que crê em Deus e em sua alma.” É uma opinião como qualquer outra, e gostos não se discutem. Seja qual for a opinião do senhor bispo sobre este ponto, ficaríamos encantados se ele se dignasse responder às duas questões seguintes: “Como é que com o auxílio dos poderosos meios de ensino que a Igreja possui para fazer brilhar a verdade aos olhos de todos, não pôde ela deter o materialismo, ao passo que o Espiritismo, nascido ontem, diariamente converte incrédulos endurecidos? ─ O meio pelo qual se atinge um objetivo é pior do que aquele com cujo auxílio não se consegue?”

O senhor bispo enumera grande número de conspirações que se erguem ameaçadoras contra a religião. Certamente ele não refletiu que, por esse quadro tão ameaçador para os fiéis, ele vai precisamente contra o seu objetivo, e pode até provocar nestes últimos reflexões prejudiciais. Escutando-o, deduz-se que em breve os conspiradores seriam mais numerosos.

Ora, o que aconteceria num Estado se toda a nação conspirasse? Se a religião se vê atacada por tão numerosas coortes, isto não deporia a favor das simpatias que ela encontra. Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, ela não pode temer nenhum argumento contrário. Dar alarme em tal caso é falta de habilidade.

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