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Como o homem é lento para se desfazer de seus preconceitos, de seus
hábitos, de suas ideias primeiras! Quarenta séculos nos separam de
Moisés, e nossa geração cristã ainda vê traços dos antigos usos bárbaros
consagrados, ou pelo menos aprovados pela religião atual! Foi preciso o
poder da opinião dos não ortodoxos, daqueles que são vistos como
hereges, para pôr fim às fogueiras, e fazer compreender a verdadeira
grandeza de Deus. Mas, no lugar das fogueiras, as perseguições materiais
e morais ainda vigoram plenamente, tão enraizada está no homem a ideia
de um Deus cruel. Alimentado por sentimentos que lhe são inculcados
desde a infância, pode o homem se espantar de que o Deus que lhe
apresentam como glorificado por atos bárbaros condene a torturas
eternas, e veja sem compaixão os sofrimentos dos condenados?
Sim, foram
filósofos, ímpios, segundo alguns, que ficaram escandalizados de ver o
nome de Deus profanado por atos indignos dele; foram eles que o
mostraram aos homens em toda a sua grandeza, despojando-o das paixões e
das fraquezas humanas que uma crença não esclarecida lhe emprestava. A
religião ganhou em dignidade o que perdeu em prestígio externo; pois
se há menos homens apegados à forma, há mais homens mais sinceramente
religiosos de coração e sentimentos.
Mas, ao lado desses, quantos há
que, detendo-se na superfície, foram conduzidos à negação de toda
providência! Por não se ter sabido pôr convenientemente as crenças
religiosas em harmonia com o progresso da razão humana, fez-se nascer em
alguns o deísmo, em outros a incredulidade absoluta, em outros o
panteísmo, ou seja, o homem fez-se ele mesmo deus, na falta de ver um
deus suficientemente perfeito.