Quadro do inferno cristão.
11. A opinião dos teólogos sobre o inferno está resumida nas citações a seguir.* Esta descrição, sendo extraída dos autores sagrados e da vida dos santos, pode tanto mais ser considerada como a expressão da fé ortodoxa na matéria, quanto ela é a cada instante reproduzida, com pequenas variantes, nos sermões da cátedra evangélica e nas instruções pastorais.
* Estas citações são tiradas da obra intitulada: O Inferno, por Auguste Callet.
12. “Os demônios são puros Espíritos, e os condenados, presentemente no
inferno, podem também ser considerados como puros Espíritos, visto que
só sua alma aí desceu, e que suas ossadas entregues ao pó se transformam
incessantemente em ervas, em plantas, em frutos, em minerais, em
líquidos, sofrendo, sem saber, as contínuas metamorfoses da matéria. Mas
os condenados, como os santos, devem ressuscitar no último dia, e
retomar, para não mais o deixar, um corpo carnal, o mesmo corpo sob o
qual foram conhecidos entre os vivos. O que os distinguirá uns dos
outros é que os eleitos ressuscitarão num corpo purificado e todo
radioso, os condenados num corpo maculado e deformado pelo pecado.
Portanto, não haverá mais no inferno somente puros Espíritos; haverá
homens como nós. O inferno é, por conseguinte, um lugar físico,
geográfico, material, visto que será povoado de criaturas terrestres,
tendo pés, mãos, boca, língua, dentes, orelhas, olhos semelhantes aos
nossos, e sangue nas veias, e nervos sensíveis à dor.
Onde está situado o
inferno? Alguns doutores colocaram-no nas entranhas mesmas da nossa
terra; outros, em não sei qual planeta; mas a questão não foi decidida
por nenhum concílio. Está-se, portanto, sobre este ponto, reduzido às
conjeturas; a única coisa que se afirma, é que o inferno, seja qual for o
lugar em que estiver situado, é um mundo composto de elementos
materiais, mas um mundo sem sol, sem lua, sem estrelas, mais triste,
mais inóspito, mais desprovido de todo germe e de toda aparência de bem
do que as partes mais inabitáveis deste mundo onde pecamos.
“Os teólogos
circunspectos não se arriscam a pintar, à maneira dos egípcios, dos
hindus e dos gregos, todos os horrores dessa morada; eles se limitam a
mostrar-nos dela, como uma amostra, o pouco que a Escritura desvela, a
lagoa de fogo e de enxofre do apocalipse, e os vermes de Isaías, esses
vermes eternamente pululando sobre as carcaças do Thophel, e os demônios
atormentando os homens que perderam, e os homens chorando e rangendo os
dentes, segundo a expressão dos Evangelistas.
“Santo Agostinho não
concorda que essas penas físicas sejam simples imagens das penas morais;
ele vê, numa verdadeira lagoa de enxofre, vermes e serpentes
verdadeiros encarniçando-se sobre todas as partes do corpo dos
condenados e juntando suas mordidas às do fogo. Ele pretende, segundo um
versículo de São Marcos, que esse fogo estranho, embora material como o
nosso, e agindo sobre corpos materiais, conservá-los-á como o sal
conserva a carne das vítimas. Mas os condenados eternos, vítimas sempre
sacrificadas e sempre vivas, sentirão a dor desse fogo que queima sem
destruir; ele penetrará sob sua pele; eles ficarão embebidos dele e
saturados em todos os membros, e na medula dos seus ossos, e na pupila
dos seus olhos, e nas fibras mais recônditas e mais sensíveis de seu
ser. A cratera de um vulcão, se pudessem nela mergulhar, seria para eles
um lugar de refrigério e de repouso.
“Assim falam, com toda a
segurança, os teólogos mais tímidos, mais discretos, mais reservados;
não negam, aliás, que haja no inferno outros suplícios corporais; dizem
somente que, para falar disso, não têm um conhecimento suficiente, tão
positivo, ao menos, do que o que lhes foi dado do horrível suplício do
fogo e do nojento suplício dos vermes. Mas há teólogos mais arrojados ou
mais esclarecidos que fazem do inferno descrições mais detalhadas, mais
variadas e mais completas; e, ainda que não se saiba em que lugar do
espaço esse inferno está situado, há santos que o viram. Não foram de
lira em punho, como Orfeu, ou de espada em punho, como Ulisses; foram lá
transportados em Espírito. Santa Teresa é desse número.
“Pareceria,
segundo o relato da santa, que há cidades no inferno; ela viu ali, pelo
menos, uma espécie de ruela longa e estreita, como há tantas nas velhas
cidades; ela entrou lá, andando com horror num terreno lamacento,
fétido, onde pululavam monstruosos répteis; mas foi detida em sua marcha
por uma muralha que barrava a ruela; nessa muralha havia um nicho onde
Teresa se enfiou, sem nem saber como isso aconteceu. Era, disse ela, o
lugar que lhe estava destinado, se abusasse, em vida, das graças que
Deus espalhava sobre sua cela de Ávila. Embora se tivesse introduzido
com maravilhosa facilidade nesse nicho de pedra, não podia, no entanto,
nem sentar-se, nem deitar-se, nem ficar de pé: nem tampouco podia sair
dali; essas horríveis muralhas, tendo-se abaixado sobre ela,
envolviam-na, apertavam-na, como se fossem animadas. Pareceu-lhe que a
asfixiavam, a estrangulavam, e, ao mesmo tempo, que a esfolavam viva e a
retalhavam. E ela sentia-se queimar, e experimentava simultaneamente
todos os gêneros de angústias. Nenhuma esperança de socorro; à sua
volta, apenas trevas, e, no entanto, através dessas trevas, ela
distinguia ainda, não sem espanto, a hedionda rua onde estava enfiada e
toda sua vizinhança imunda, espetáculo para ela tão intolerável quanto
os apertos de sua prisão.*
“Não era sem dúvida senão um cantinho do
inferno. Outros viajantes espirituais foram mais favorecidos. Viram no
inferno grandes cidades em fogo, Babilônia e Nínive, mesmo Roma, seus
palácios e templos incendiados, e todos os habitantes acorrentados, o
traficante ao seu balcão, padres reunidos com cortesãos em salas de
festins, e urrando em seus assentos dos quais não se podiam mais
arrancar, e levando aos lábios, para matar a sede, taças de onde saíam
chamas; criados de joelhos, dentro de cloacas ferventes, de braços
estendidos, e príncipes de cuja mão escorria sobre eles, em lava
devorante, ouro fundido. Outros viram no inferno planícies sem limites
que camponeses famélicos cavavam e semeavam, e como dessas planícies
fumegantes de seu suor, e dessas semeaduras estéreis, nada nascia, esses
camponeses se entre devoravam; depois disso, tão numerosos quanto
antes, tão magros, tão esfomeados, dispersavam-se em bandos até o
horizonte, indo buscar ao longe, mas em vão, terras mais aventuradas, e
logo eram substituídos, nos campos que abandonavam, por outras colônias
errantes de condenados às penas eternas. Houve outros que viram no
inferno montanhas cheias de precipícios, florestas
gementes, poços sem água, fontes alimentadas pelas lágrimas, riachos de
sangue, turbilhões de neve em desertos de gelo, barcas de desesperados
vogando sobre mares sem praias. Reviu-se aí, numa palavra, tudo o que os
pagãos ali viam, um reflexo lúgubre da terra, uma sombra desmedidamente
aumentada de suas misérias, seus sofrimentos naturais eternizados, e
até os calabouços e patíbulos, e instrumentos de tortura que nossas
próprias mãos forjaram.
“Há lá em baixo, com efeito, demônios que, para
melhor atormentar os homens em seus corpos, tomam corpos. Estes têm asas
de morcego, chifres, couraças de escamas, patas com garras, dentes
agudos; são-nos mostrados armados de gládios, de forcados, de pinças, de
tenazes ardentes, de serras, de grelhas, de foles, de clavas, e
fazendo, durante a eternidade, com carne humana, o ofício de cozinheiros
e açougueiros; aqueles, transformados em leões ou em víboras enormes,
arrastando suas presas para cavernas solitárias; alguns transformam-se
em corvos, para arrancar os olhos a certos culpados, e outros em dragões
voadores, para carregá-los nas costas e levá-los apavorados, sangrando,
gritando através dos espaços tenebrosos, e depois deixá-los cair de
novo na lagoa de enxofre. Aqui nuvens de gafanhotos, escorpiões
gigantescos, cuja visão dá arrepios, cujo odor dá náuseas, cujo mínimo
toque dá convulsões; lá, monstros policéfalos, abrindo de todos os lados
goelas vorazes, sacudindo sobre as cabeças disformes crinas de víboras,
triturando os reprovados entre as mandíbulas sangrentas, e vomitando-os
todos moídos, mas vivos, porque são imortais.
“Esses demônios de forma sensível, que lembram tão nitidamente os deuses do Amenthi e do Tártaro, e os ídolos que os fenícios, os moabitas e os outros gentios vizinhos da Judeia adoravam, esses demônios não agem ao acaso; cada um tem sua função e sua obra; o mal que fazem no inferno está em relação com o mal que inspiraram e fizeram cometer na Terra.** Os condenados são punidos em todos os seus sentidos e em todos os seus órgãos, porque ofenderam Deus por todos os seus sentidos e por todos os seus órgãos; punidos de uma maneira como gulosos, pelos demônios da gula, e de outra maneira como preguiçosos, pelos demônios da preguiça, e de outra como fornicadores, pelos demônios da fornicação, e de tantas maneiras quanto há diversas maneiras de pecar. Eles terão frio queimando, e calor gelando; estarão ávidos de repouso e ávidos de movimento; e sempre esfomeados, e sempre sedentos, e mil vezes mais cansados do que o escravo no fim do dia, mais doentes do que os moribundos, mais abatidos, mais alquebrados, mais cobertos de feridas do que os mártires, e isso não acabará.
“Nenhum demônio se
desanima, nem jamais se desanimará de sua horrenda tarefa; eles são
todos, sob esse aspecto, bem disciplinados, e fiéis a executar as ordens
de vingadores que receberam. Sem isso, o que se tornaria o inferno? Os
pacientes descansariam se os carrascos acabassem por brigar ou
cansar-se. Mas não há repouso para uns, nem brigas entre os outros; por
mais malvados que sejam, e incontáveis, os demônios se entendem de uma
ponta à outra do abismo, e nunca se viram na terra nações mais dóceis a
seus príncipes, exércitos mais obedientes a seus chefes, comunidades
monásticas mais humildemente submissas a seus superiores.***
“Não se
conhece muito, aliás, a populaça dos demônios, esses espíritos vis dos
quais são compostas as legiões de vampiros, de vampiras, de sapos,
escorpiões, corvos, hidras, salamandras e outros animais sem nome, que
constituem a fauna das regiões infernais; mas conhecem-se e nomeiam-se
vários dos príncipes que comandam essas legiões, entre outros Belfegor, o
demônio da luxúria, Abaddon ou Apolyon, o demônio do homicídio,
Belzebu, o demônio dos desejos impuros, ou o senhor das moscas, que
engendram a corrupção; e Mamon, o demônio da avareza, e Moloch, e
Belial, e Baalgad e Astaroth, e tantos outros, e acima deles seu chefe
universal, o sombrio arcanjo que tinha no céu o nome de Lúcifer, e usa
no inferno o de Satã.
“Eis, em resumo, a ideia que nos dão do
inferno, considerado do ponto de vista de sua natureza física e das
penas físicas que aí se sofrem. Consultai os escritos dos Doutores da
Igreja; interrogai nossas piedosas lendas; olhai as esculturas e os
quadros de nossas igrejas; prestai ouvidos ao que se diz em nossas
cátedras, e aprendereis muito mais.
* Reconhecemos, nessas visões, todos os caracteres dos pesadelos; é, pois, provável, ter sido um efeito desse gênero que se produziu com Santa Teresa.
**
Em verdade, singular punição essa que consiste em poder continuar, em maior escala, o mal
que fizeram em menor escala na Terra! Seria mais racional que eles próprios sofressem as
consequências desse mal, em vez de se darem ao prazer de imputá-lo aos outros.
***
Esses mesmos demônios, rebeldes a Deus para o bem, são de uma docilidade exemplar
para fazer o mal; nenhum deles recua nem abranda a marcha durante a eternidade. Que
estranha metamorfose se operou neles, que haviam sido criados puros e perfeitos como os
anjos! Não é bem singular vê-los dar exemplo de perfeita compreensão, de harmonia, de
concórdia inabalável, enquanto os homens não sabem viver em paz e se entredilaceram na
Terra? Vendo o luxo dos castigos reservados aos danados, e comparando sua situação com as
dos demônios, nos perguntamos quem deve ser mais lamentado: os carrascos ou as vítimas?
13. O autor faz após este quadro as seguintes reflexões, cujo alcance todos compreenderão:
“A
ressurreição dos corpos é um milagre; mas é preciso um segundo milagre
para dar a esses corpos mortais, já gastos uma vez pelas passageiras
provas da vida, aniquilados já uma vez, a virtude de subsistir, sem se
dissolverem, numa fornalha onde os metais se evaporariam. Que se diga
que a alma é seu próprio carrasco, que Deus não a persegue, mas que ele a
abandona no estado desventurado que ela escolheu, isso pode
compreender-se com todo o rigor, embora o abandono eterno de um ser
perdido e sofredor pareça pouco conforme à bondade do Criador; mas o que
se diz da alma e das penas espirituais, não se pode, de maneira
nenhuma, dizer dos corpos e das penas corporais; para perpetuar essas
penas corporais, não basta que Deus retire sua mão, é preciso, ao
contrário, que ele a mostre, que intervenha, que aja, sem o que o corpo
sucumbiria.
“Os teólogos supõem, portanto, que Deus opera efetivamente,
após a ressurreição, esse segundo milagre de que falamos. Ele tira
primeiro, do sepulcro que os devorara, nossos corpos de argila;
retira-os tal como aí entraram, com suas enfermidades originais e as
degradações sucessivas da idade, da doença e do vício; ele devolve-os a
nós nesse estado, decrépitos, friorentos, gotosos, cheios de
necessidades, sensíveis a uma picada de abelha, todos cobertos dos
estigmas que a vida e a morte aí imprimiram, e é esse o primeiro
milagre; depois, a esses corpos débeis, prontos a retornar ao pó do qual
saem, ele inflige uma propriedade que eles nunca tiveram, e eis o
segundo milagre; ele lhes inflige a imortalidade, esse mesmo dom que, na
sua cólera, dizei antes na sua misericórdia, ele retirara de Adão à
saída do Éden. Quando Adão era imortal, era invulnerável, e quando
cessou de ser invulnerável, tornou-se mortal; a morte seguiu de perto a
dor.
“A ressurreição não nos restabelece, portanto, nem nas condições
físicas do homem inocente, nem nas condições físicas do homem culpado; é
somente uma ressurreição de nossas misérias, mas com uma sobrecarga de
misérias novas, infinitamente mais horríveis; é, em parte, uma
verdadeira criação, e a mais maliciosa que a imaginação tenha ousado
conceber. Deus muda de ideia, e para juntar aos tormentos espirituais
tormentos carnais que possam durar para sempre, ele muda bruscamente,
por um efeito de seu poder, as leis e as propriedades por ele mesmo
atribuídas, desde o começo, aos compostos da matéria; ressuscita carnes
doentes e corrompidas, e amarrando com um nó indestrutível esses
elementos que tendem a se separar por si mesmos, ele mantém e perpetua,
contra a ordem natural, essa podridão viva; ele joga-a no fogo, não
para purificá-la, mas para conservá-la tal qual ela é, sensível,
sofredora, ardente, horrível, tal qual ele a quer, imortal.
“Faz-se de
Deus, por esse milagre, um dos carrascos do inferno, pois se os
condenados não podem imputar senão a si mesmos seus males espirituais,
podem, em contrapartida, atribuir os outros a Ele. Era demasiado pouco,
aparentemente, abandoná-los após a morte à tristeza, ao arrependimento e
a todas as angústias de uma alma que sente que perdeu o bem supremo;
Deus irá, segundo os teólogos, buscá-los nessa noite, no fundo do
abismo; ele os trará um momento à luz, não para consolá-los, mas para
revesti-los de um corpo hediondo, flamejante, imperecível, mais
contaminado do que a túnica de Dejanira, e só então ele os abandona para
sempre.
“Ele nem mesmo os abandona, visto que o inferno só subsiste,
assim como a terra e o céu, por um ato permanente da sua vontade, sempre
ativa, e tudo se desfaria se ele cessasse de sustentá-lo. Ele manterá
então incessantemente a mão sobre eles para impedir seu fogo de se
extinguir e seus corpos de se consumir, querendo que esses desgraçados
imortais contribuam, pela perenidade de seu suplício, para a edificação
dos eleitos.”
14. Dissemos, com razão, que o inferno dos cristãos exagerara o dos
pagãos. No Tártaro, com efeito, veem-se os culpados torturados pelo
remorso, sempre diante de seus crimes e de suas vítimas, oprimidos por
aqueles que haviam oprimido durante a vida; veem-se fugir da luz que os
penetra, e procurar em vão escapar aos olhares que os perseguem; o
orgulho é aí abaixado e humilhado; todos carregam os estigmas de seu
passado; todos são punidos por suas próprias faltas, a tal ponto que,
para alguns, basta abandoná-los a si mesmos, e se julga inútil
acrescentar outros castigos. Mas são sombras, ou seja, almas com seus
corpos fluídicos, imagem de sua existência terrestre; não se veem os
homens retomarem seu corpo carnal para sofrer materialmente, nem o fogo
penetrar sob sua pele e saturá-los até à medula dos ossos, nem o luxo e o
refinamento de suplícios que fazem a base do inferno moderno.
Encontram-se lá juízes inflexíveis mas justos, que proporcionam a pena à
falta, ao passo que no império de Satã, todos são confundidos nas
mesmas torturas; tudo se baseia na materialidade; mesmo a equidade é
banida.
Hoje em dia há, sem dúvida, na própria Igreja, muitos homens
sensatos que não admitem essas coisas ao pé da letra e veem nelas apenas
alegorias cujo sentido é preciso apreender; mas sua opinião é somente
individual e não constitui lei. A crença no inferno material com todas
as suas consequências, no entanto, ainda é um artigo de fé.
15. Pergunta-se como homens puderam ver essas coisas no êxtase se elas
não existem. Não é aqui o lugar de explicar a fonte das imagens
fantásticas que se produzem às vezes com as aparências da realidade.
Diremos somente que é preciso ver nisso uma prova do princípio de que o
êxtase é a menos segura de todas as revelações,* porque esse estado de
sobre excitação não é sempre efeito de um desprendimento da alma tão
completo quanto se poderia crer, e encontra-se aí com muita frequência o
reflexo das preocupações da véspera. As ideias das quais o espírito é
nutrido e das quais o cérebro, ou melhor, o envoltório perispiritual
correspondente ao cérebro, conservou a impressão, reproduzem-se
amplificadas como numa miragem, sob formas vaporosas que se cruzam e se
confundem, e compõem conjuntos bizarros. Os extáticos de todos os
cultos sempre viram coisas em relação com a fé de que estavam
penetrados; não é então surpreendente que aqueles que, como Santa
Teresa, estão fortemente imbuídos das ideias do inferno, tais como as
apresentam as descrições verbais ou escritas e os quadros, tenham visões
que não são, propriamente falando, senão a reprodução daquelas, e
produzam o efeito de um pesadelo. Um pagão cheio de fé teria visto o
Tártaro e as Fúrias, como teria visto no Olimpo Júpiter empunhando o
raio.
* Livro dos Espíritos, n.os 443 e 444.