1. Evocação. (Resposta do guia do médium.) Espera... aqui está ele.
2. Onde estais agora? – R. Não sei... Dizei-me onde estou.
3.
Estais numa assembleia de pessoas que se ocupam de estudos espíritas e
que são benevolentes convosco. – R. Dizei-me se estou vivo... Asfixio no
caixão.
Observação: Sua alma, embora separada do corpo, ainda está
completamente mergulhada no que se poderia chamar o turbilhão da matéria
corpórea; as ideias terrestres ainda são vivazes; ele não acredita que
está morto.
4. Quem vos encorajou a vir até nós? – R. Eu me senti aliviado.
5.
Que motivo vos levou a vos suicidardes? – R. Eu morri? ...Não... habito
meu corpo... Não sabeis quanto sofro!... Asfixio... Que uma mão
compassiva tente acabar comigo!
6. Por que não deixastes nenhum traço
que pudesse fazer reconhecervos? – R. Estou abandonado; fugi do
sofrimento para encontrar a tortura.
7. Tendes agora os mesmos motivos para permanecer desconhecido? – R. Sim; não coloqueis um ferro em brasa na ferida que sangra.
8. Gostaríeis de dizer vosso nome, vossa idade, vossa profissão, vosso domicílio? – R. Não... a tudo não.
9. Tínheis uma família, mulher, filhos? – R. Eu estava abandonado; nenhum ser me amava.
10.
O que havíeis feito para não ser amado por ninguém? – R. Quantos são
como eu!... Um homem pode estar abandonado no meio da sua família,
quando nenhum coração o ama.
11. No momento de realizar vosso suicídio, não sentistes nenhuma hesitação? – R. Eu tinha sede da morte... Aguardava o repouso.
12.
Como o pensamento do futuro não vos fez renunciar ao vosso projeto? –
R. Eu não acreditava mais nisso; estava sem esperança. O futuro é a
esperança.
13. Que reflexões fizestes no momento em que sentistes a
vida se extinguir em vós? – R. Eu não refleti; senti... Mas minha vida
não está extinta... minha alma está ligada ao meu corpo... Eu sinto os
vermes que me roem.
14. Que sentimento experimentastes no momento em que a morte foi completa? – R. Ela o é?
15. O momento em que a vida se extinguia em vós foi doloroso? – R. Menos doloroso do que depois. Só o corpo sofreu.
16.
(Ao Espírito de São Luís.) A que se refere o Espírito ao dizer que o
momento da morte foi menos doloroso do que depois. – R. O Espírito se
livrava de um fardo que o oprimia; sentia a volúpia da dor.
17. Esse
estado é sempre a consequência do suicídio? – R. Sim; o Espírito do
suicida fica ligado ao corpo até o fim de sua vida; a morte natural é a
libertação da vida: o suicídio quebra-a inteiramente.
18. Esse estado
é o mesmo em toda morte acidental independente da vontade, e a qual
abrevia a duração natural da vida? – R. Não... Que compreendeis por
suicídio? O Espírito não é culpado senão de suas obras. Nota: Esta
dúvida quanto à morte é muito comum nas pessoas falecidas há pouco
tempo, e, sobretudo, naquelas que, durante a vida, não elevaram sua alma
acima da matéria. É um fenômeno bizarro à primeira vista, mas que se
explica muito naturalmente. Se, a um indivíduo posto em sonambulismo
pela primeira vez, se perguntar se ele dorme, ele responde quase
sempre não, e sua resposta é lógica: é o interrogador que faz mal a
pergunta servindo-se de um termo impróprio. A ideia de sono, em nossa
língua habitual, está ligada à suspensão de todas as nossas faculdades
sensitivas; ora, o sonâmbulo que pensa, que vê, e que sente, que tem
consciência de sua liberdade moral, não acredita dormir, e com efeito,
ele não dorme, na acepção comum do termo. É por isso que responde não
até que se tenha familiarizado com essa maneira de entender a coisa.
Igualmente no homem que acaba de morrer; para ele, a morte era o
aniquilamento do ser; ora, como o sonâmbulo, ele vê, sente, fala;
portanto, do seu ponto de vista ele não morreu, e ele o afirma até que
tenha adquirido a intuição de seu novo estado. Essa ilusão é sempre mais
ou menos penosa, porque nunca é completa, e deixa o Espírito numa certa
ansiedade. No exemplo precedente, ela é um verdadeiro suplício pela
sensação dos vermes que roem o corpo, e pela sua duração que deve ser a
que teria tido a vida desse homem se ele não a tivesse abreviado. Esse
estado é frequente nos suicidas, mas nem sempre se apresenta em
condições idênticas; varia sobretudo na duração e na intensidade segundo
as circunstâncias agravantes ou atenuantes da falta. Ela é frequente
entre aqueles que viveram mais da vida material do que da vida
espiritual. Em princípio, não há falta sem punição; mas não há regra
uniforme e absoluta nos meios de punição.
(A São Luís.) Tende a bondade de
dizer-nos se podemos fazer a evocação do homem do qual acabamos de
falar? – R. Sim, ele ficará mesmo muito feliz, pois ficará um pouco
aliviado.
1. Evocação. – R. Oh! obrigado! Sofro bastante, mas... é justo; no entanto ele me perdoará.
Observação:
O Espírito escreve com grande dificuldade; os caracteres são
irregulares e mal formados; depois da palavra mas, ele para, tenta em
vão escrever, e não faz senão alguns traços indecifráveis e pontos. É
evidente que é a palavra Deus que ele não pôde escrever.
2. Preenchei a lacuna que acabais de deixar. – R. Sou indigno disso.
3.
Vós dizeis que sofreis, errastes sem dúvida ao vos suicidardes, mas
será que o motivo que vos levou a esse ato não vos valeu nenhuma
indulgência? – R. Minha punição será menos longa, mas a ação praticada
não é menos má.
4. Poderíeis descrever-nos a punição que sofreis? –
R. Sofro duplamente, em minha alma e em meu corpo; sofro neste último,
embora não o possuindo mais, como o amputado sofre no seu membro
ausente.
5. Vossa ação teve por único motivo o vosso filho, e não
fostes solicitado por nenhuma outra causa? – R. Unicamente o amor
paterno me guiou, mas me guiou mal; em atenção a esse motivo, minha pena
será abreviada.
6. Prevedes o fim de vossos sofrimentos? – R. Não
conheço o fim deles; mas tenho certeza de que esse fim existe, o que é
um alívio para mim.
7. Há pouco não conseguistes escrever o nome de
Deus; contudo, nós vimos Espíritos muito sofredores escrevê-lo; isso faz
parte da vossa punição? – R. Eu poderei com grandes esforços de
arrependimento.
8. Pois bem! fazei grandes esforços, e tentai
escrevê-lo; estamos convencidos de que se conseguirdes, isso vos
aliviará. O Espírito acabou por escrever em caracteres irregulares,
tremidos, e muito grandes: “Deus é bem bom.”
9. Nós vos agradecemos
por terdes vindo ao nosso chamado, e pediremos a Deus por vós, a fim de
chamar a sua misericórdia sobre vós. – R. Sim, por favor.
10. (A São
Luís.) Tende a bondade de nos dar vossa apreciação pessoal sobre o ato
do Espírito que acabamos de evocar. – R. Esse Espírito sofre justamente,
pois não confiou em Deus, o que é uma falta sempre punível; a punição
seria terrível e muito longa se ele não tivesse a seu favor um motivo
louvável, que era o de impedir o filho de ir para a morte; Deus, que vê o
fundo dos corações, e que é justo, não o pune a não ser segundo suas
obras.
Observações. – À primeira vista, esse suicídio parece
desculpável, porque pode ser considerado como um ato de abnegação; ele o
é, com efeito, mas não o é completamente. Assim como diz o Espírito de
São Luís, faltou a esse homem confiança em Deus. Por sua ação, impediu
talvez o destino de seu filho de se cumprir; primeiro, não é certo que
este morresse na guerra, e talvez essa carreira devesse lhe fornecer a
ocasião de fazer alguma coisa que teria sido útil para seu avanço. Sua
intenção, sem dúvida, era boa, então isso lhe é creditado; a intenção
atenua o mal e merece indulgência, mas ela não impede o que é mal de ser
mal; sem isso, graças ao pensamento, poder-se-iam desculpar todas as
más ações, e poder-se-ia mesmo matar sob pretexto de fazer um favor. Uma
mãe que mata o filho na crença de que o manda diretamente para o céu, é
menos culpada, porque o faz com uma boa intenção? Com esse sistema
justificar-se-iam todos os crimes que um fanatismo cego fez cometer nas guerras
de religião. Em princípio, o homem não tem o direito de dispor de sua
vida, porque ela lhe foi dada em vista dos deveres que ele devia
realizar na terra, é por isso que ele não deve abreviá-la
voluntariamente sob nenhum pretexto. Como ele tem seu livre-arbítrio,
ninguém o pode impedir, mas ele sofre sempre suas consequências. O
suicídio mais severamente punido é aquele que é realizado por desespero,
e com vistas a se libertar das misérias da vida; sendo essas misérias
simultaneamente provas e expiações, subtrair-se a elas é recuar diante
da tarefa que se aceitara, às vezes mesmo diante da missão que se devia
cumprir.
O suicídio não consiste somente no ato voluntário que produz
a morte instantânea; ele consiste também em tudo o que se faz com
conhecimento de causa e que pode apressar prematuramente a extinção das
forças vitais. Não se pode comparar ao suicídio a dedicação daquele que
se expõe a uma morte iminente para salvar seu semelhante; primeiro
porque não há, nesse caso, nenhuma intenção premeditada de se subtrair à
vida, e, em segundo lugar, não há perigo do qual a Providência não
possa nos tirar, se a hora de deixar a terra não chegou. A morte, se
ocorreu em tais circunstâncias, é um sacrifício meritório, pois é uma
abnegação em benefício de outrem. (Evangelho segundo o Espiritismo, cap.
V n0s 53, 65, 66, 67.)
A comunicação seguinte foi dada
espontaneamente numa reunião espírita, no Havre, em 12 de fevereiro de
1863: “Será que tereis compaixão de um pobre miserável que sofre há
muito tempo torturas tão cruéis! Oh! o vazio.... o espaço... eu estou
caindo, estou caindo, socorro!... Meu Deus, tive uma vida tão
miserável!... Eu era um pobre diabo; sofria com frequência de fome na
minha velhice; é por isso que começara a beber e que tinha vergonha e
desgosto de tudo... Quis morrer e joguei-me... Oh! meu Deus, que
momento!... Por que então desejar acabar comigo quando estava tão perto
do fim? Orai! Para que eu não veja mais sempre este vazio abaixo de
mim... Vou-me despedaçar nessas pedras!... Suplico-vos, vós que
conheceis as misérias daqueles que já não estão aqui embaixo, dirijo-me a
vós, embora não me conheçais, porque sofro tanto... Por que querer
provas? Eu sofro, não é suficiente? Se eu tivesse fome em vez deste
sofrimento mais terrível, mas invisível para vós, vós não hesitaríeis em
me dar um pedaço de pão. Peço-vos para orar por mim... Não posso ficar
mais tempo.... Perguntai a um destes bem-aventurados que estão aqui, e
sabereis quem eu era. Orai por mim.” FRANÇOIS-SIMON LOUVET.
O guia
do médium. – Esse que acaba de se dirigir a ti, meu filho, é um pobre
desgraçado que tinha uma prova de miséria na Terra, mas o desgosto tomou
conta dele; faltou-lhe a coragem, e o desafortunado, em vez de olhar
para o alto assim como deveria ter feito, entregou-se à bebedeira;
desceu aos últimos limites do desespero, e pôs fim à sua triste prova
jogando-se da torre de Francisco I, em 22 de julho de 1857. Tende
compaixão de sua pobre alma, que não é avançada, mas que tem,
entretanto, suficiente conhecimento da vida futura para sofrer e desejar
uma nova prova. Pedi a Deus para lhe conceder essa graça, e fareis uma
boa obra. Foram feitas pesquisas, e encontrou-se no Jornal do Havre de
23 de julho de 1857 o artigo seguinte, cuja conteúdo é este:
“Ontem,
às quatro horas, as pessoas que passeavam no molhe ficaram dolorosamente
impressionadas por um horrendo acidente: um homem se lançou da torre e
veio despedaçar-se nas pedras. É um velho puxador de sirga, que as
tendências à embriaguez conduziram ao suicídio. Chama-se
François-VictorSimon Louvet. Seu corpo foi transportado para casa de uma
das filhas, na rua da Corderie; tinha sessenta e sete anos.”
Observação:
Há quase seis anos que esse homem morreu, e ainda se vê caindo da torre
e indo despedaçar-se nas pedras; apavora-se com o vazio diante dele;
está temeroso com a queda... e isso há seis anos! Quanto tempo isso
durará? Ele não sabe, e essa incerteza aumenta suas angústias. Isso não
equivale ao inferno e suas chamas? Quem revelou esses castigos? Foram
inventados? Não; são exatamente aqueles que os sofrem que vêm
descrevê-los, como outros descrevem suas alegrias. Frequentemente,
fazem-no espontaneamente, sem que se pense neles, o que exclui toda
ideia de que se é joguete da própria imaginação.
Uma mãe e seu filho
No mês de março de 1865, o Sr. C...,
negociante de uma cidadezinha perto de Paris, tinha em casa o filho de
vinte e um anos, gravemente enfermo. Esse jovem, sentindo-se prestes a
expirar, chamou a mãe e ainda teve força para beijá-la. Disse-lhe esta,
derramando abundantes lágrimas: “Vai, meu filho, precede-me, não
tardarei a seguir-te.” Ao mesmo tempo ela saiu escondendo a cabeça entre
as mãos.
As pessoas presentes a essa cena pungente consideraram as
palavras da Sra. C... como uma simples explosão de dor que o tempo e a
razão deviam acalmar. No entanto, tendo o doente sucumbido,
procuraram-na pela casa toda, e encontraram-na enforcada num sótão. O
cortejo fúnebre da mãe fez-se ao mesmo tempo que o do filho.
Evocação
do filho vários dias depois do acontecimento.
– P. Tendes conhecimento
da morte de vossa mãe que se suicidou sucumbindo ao desespero que vossa
perda lhe causou?
R. Sim, e sem o desgosto que me causou a execução
de sua fatal resolução, eu seria perfeitamente feliz. Pobre e excelente
mãe! Ela não pôde suportar a prova desta separação momentânea, e tomou,
para se reunir ao filho que tanto amava, a estrada que devia afastá-la
dele, infelizmente! por muito tempo. Ela retardou assim indefinidamente
essa reunião que teria sido tão imediata se a submissão às vontades do
Senhor tivesse preenchido sua alma, e se ela se tivesse resignado,
humilde e arrependida, diante da prova que ia sofrer, e da expiação que
ia purificá-la!
Orai! Oh! Orai por ela!... e acima de tudo não a
imiteis, mães enternecidas pelo triste relato de sua morte! Não
acrediteis que ela amava mais do que outras mães esse filho que era sua
alegria e seu orgulho; não, ela não amava mais, mas faltou-lhe coragem e
resignação. Mães que me escutais, quando virdes a agonia velar os olhos
extintos de vossos filhos, lembrai-vos de que, como Cristo, eles sobem
ao cimo do calvário, de onde devem elevar-se na glória eterna. BENJAMIN C...
Evocação
da mãe. – Eu quero ver meu filho! Tendes o poder de devolvê-lo a mim?
... Cruéis!... tiraram-no de mim para levá-lo para a luz e deixaram-me
na noite!... Eu o quero, eu o quero... ele me pertence!... Então o amor
materno não é nada? ... O quê! ter gestado nove meses, alimentado com
seu leite a carne da sua carne, o sangue do seu sangue; ter guiado seus
primeiros passos; ter-lhe ensinado a balbuciar o nome sagrado de Deus e o
doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de
inteligência, de honradez, de retidão, de amor filial, e perdê-lo quando
ele realizava as esperanças que se haviam concebido para ele, quando um
brilhante futuro se abria diante dele! Não, Deus não é justo; não é o
Deus das mães; ele não compreende seu desespero e sua dor... e quando me
mato para não deixar meu filho, roubam-no novamente de mim!... Meu
filho! Meu filho! Onde estás?
O Evocador. Pobre mãe, partilhamos
vossa dor; mas usastes um triste meio para vos reunirdes ao vosso filho;
o suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveríeis ter pensado que
ele pune toda infração às suas leis. A privação de verdes vosso filho é
vossa punição. A mãe. Não; eu acreditava que Deus era melhor do que os
homens; não acreditava no seu inferno, mas na reunião eterna das
almas que se amaram como nos amávamos; enganei-me... Não é o Deus justo e
bom, visto que não compreendeu a imensidão da minha dor e do meu
amor!... Oh! quem me devolverá meu filho! Perdi-o então para sempre?
Compaixão! Compaixão, meu Deus!
O Evocador. Vamos, acalmai vosso
desespero; pensai que, se existe um meio de rever vosso filho, não é
blasfemando contra Deus, como fazeis. Em vez de o pôr a vosso favor,
atraís sobre vós uma severidade maior.
A mãe. Eles me disseram que eu
não o veria mais; entendi que foi para o paraíso que o levaram. E eu,
estou então no inferno?... o inferno das mães?... ele existe, vejo-o bem
demais.
O Evocador. Vosso filho não está perdido irremediavelmente,
acreditai em mim; voltareis a vê-lo certamente; mas é preciso merecê-lo
por vossa submissão à vontade de Deus, ao passo que por vossa revolta
podeis retardar esse momento indefinidamente. Escutai-me: Deus é
infinitamente bom, mas é infinitamente justo. Ele nunca pune sem causa, e
se vos infligiu grandes dores na terra, é que as havíeis merecido. A
morte de vosso filho era uma prova para vossa resignação; infelizmente,
sucumbistes a ela durante a vida, e eis que depois da morte sucumbis de
novo; como quereis que Deus recompense seus filhos rebeldes? Mas ele não
é inexorável; acolhe sempre o arrependimento do culpado. Se tivésseis
aceitado sem murmurar e com humildade a prova que ele vos enviava por
essa separação momentânea, e se tivésseis aguardado pacientemente que
ele tivesse a bondade de vos retirar da terra, no momento de vossa
entrada no mundo em que estais, teríeis imediatamente revisto vosso
filho que teria vindo receber-vos de braços abertos; teríeis tido a
alegria de vê-lo radiante depois desse tempo de ausência. Aquilo que
fizestes, e o que ainda fazeis neste momento, coloca entre vós e ele uma
barreira. Não acrediteis que ele esteja perdido nas profundezas do
espaço; não, ele está mais perto de vós do que credes; mas um véu
impenetrável o esconde de vossa vista. Ele vos vê, ama-vos, e geme pela
triste posição em que vos mergulhou vossa falta de confiança em Deus;
ele deseja ardentemente o momento afortunado em que lhe será permitido
mostrar-se a vós; depende unicamente de vós apressar ou retardar esse
momento. Pedi a Deus, e dizei comigo:
“Meu Deus, perdoai-me por ter
duvidado de vossa justiça e de vossa bondade; se me punistes, reconheço
que o mereci. Dignai-vos a aceitar meu arrependimento e minha submissão à
vossa santa vontade.” A mãe. Que vislumbre de esperança acabais de
fazer resplandecer na minha alma! É um relâmpago na noite que me cerca.
Obrigada, vou orar. Adeus. C...
Observação: A morte, mesmo pelo
suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de acreditar que ainda
estava vivo; ele tem perfeitamente consciência de seu estado; é que em
outros a punição consiste justamente nessa ilusão, nos laços que os
prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a terra para seguir o filho no
mundo em que ele entrara: era preciso que ela soubesse que estava nesse
mundo para ser punida não o reencontrando ali. Sua punição é
precisamente saber que não vive mais corporalmente, e o conhecimento que
tem de sua situação. É assim que cada falta é punida pelas
circunstâncias que a acompanham, e não há punições uniformes e
constantes para as faltas do mesmo gênero.
Duplo suicídio por amor e por dever
Um jornal de 13 de junho de 1862 continha o relato seguinte:
“A
senhorita Palmyre, modista, residindo na casa dos pais, era dotada de
uma aparência encantadora à qual se juntava o mais amável caráter;
assim, tinha muitos pretendentes. Entre os aspirantes à sua mão, ela
distinguira o senhor B..., que sentia por ela uma viva paixão. Embora
amando-o muito também, ela acreditou no entanto dever, por respeito
filial, aquiescer aos desejos de seus pais desposando o senhor D...,
cuja posição social lhes parecia mais vantajosa do que a de seu rival.
“Os
senhores B... e D... eram amigos íntimos. Embora não tendo juntos
nenhuma relação de interesse, não cessaram de se ver. O amor mútuo de
B... e de Palmyre, agora senhora D..., não enfraquecera, e, como eles se
esforçavam para o comprimir, ele aumentava devido à violência que lhe
faziam. Para tentar extingui-lo, B... adotou o partido de se casar.
Desposou uma jovem dotada de eminentes qualidades, e fez tudo o que
estava ao seu alcance para amá-la; mas não tardou a perceber que esse
meio heroico não tinha o poder de curá-lo; no entanto, durante quatro
anos, nem B... nem a senhora D... faltaram aos seus deveres. O que eles
tiveram de sofrer não poderia exprimir-se, pois D..., que gostava
verdadeiramente de seu amigo, chamava-o sempre para ir a sua casa, e,
quando este queria fugir, obrigava-o a ficar.
“Os dois amantes, que
se reencontraram um dia por uma circunstância fortuita que não haviam
procurado, contaram um ao outro o estado de sua alma, e concordaram que a
morte era o único remédio para os males que sentiam. Resolveram
matar-se juntos, e executar esse projeto no dia seguinte, devendo o
senhor D.... ficar ausente de seu domicílio durante grande parte do dia.
Depois de terem feito seus últimos preparativos, escreveram uma longa e
tocante carta explicando a causa do suicídio para não faltarem a seus
deveres. Ela terminava com um pedido de perdão e a súplica de serem
reunidos no mesmo túmulo. “Quando o senhor D... voltou, encontrou-os
asfixiados. Respeitou-lhes o último desejo, e quis que no cemitério não
ficassem separados.” Tendo sido este fato proposto à Sociedade de Paris
como objeto de estudo, um Espírito respondeu:
“Os dois amantes que se
suicidaram ainda não podem responder-vos; eu os vejo; estão mergulhados
na perturbação e assustados pelo sopro da eternidade. As consequências
morais de sua falta castigá-los-ão durante migrações sucessivas em que
suas almas desencontradas se buscarão sem cessar e sofrerão o duplo
suplício do pressentimento e do desejo. Cumprida a expiação, eles
ficarão reunidos para sempre no seio do eterno amor. Daqui a oito dias,
na vossa próxima sessão, podereis evocá-los; eles virão, mas não se
verão: uma noite profunda os ocultará por muito tempo um do outro.”
1.
Evocação da mulher. – Vedes vosso amante, com o qual vos suicidastes? –
R. Não vejo nada; não vejo nem mesmo os Espíritos que vagueiam comigo
na morada onde estou. Que noite! Que noite! E que véu espesso sobre meu
rosto!
2. Que sensação experimentastes quando despertastes após a
morte? – R. Estranho! Tinha frio e ardia; corria gelo nas minhas veias, e
minha testa estava em fogo! Coisa estranha, mistura inaudita! Gelo e
fogo parecendo me estreitar! Pensava que ia sucumbir uma segunda vez.
3.
Sentis uma dor física? – R. Todo o meu sofrimento está aqui, e aqui. –
Que quereis dizer por aqui e aqui? – R. Aqui, no meu cérebro; aqui, no
meu coração.
Nota: É provável que, se pudéssemos ter visto o Espírito, tê-lo-íamos visto levar a mão à testa e ao coração.
4.
Acreditais que ficareis sempre nessa situação? – R. Oh! sempre, sempre!
Ouço às vezes risos infernais, vozes pavorosas que me urram estas
palavras: “Sempre assim!”
5. Pois bem! podemos dizer-vos com toda a
segurança que não será assim para sempre; ao vos arrependerdes, obtereis
o vosso perdão. – R. O que dissestes? Não estou ouvindo.
6.
Repito-vos que vossos sofrimentos terão um fim que podereis apressar
pelo vosso arrependimento, e nós vos ajudaremos pela oração. – R. Não
ouvi senão uma palavra e sons vagos; essa palavra é graça! Quisestes
falar de graça? Vós falastes de graça: é talvez à alma que passa ao meu
lado, pobre criança que chora e que espera.
Nota: Uma senhora da
Sociedade diz que acaba de fazer a Deus uma prece por essa
desafortunada, e que foi talvez isso que a impressionou; que ela
implorara, com efeito, mentalmente para ela a graça de Deus.
7.
Dizeis que estais nas trevas; não conseguis ver? – R. É-me permitido
ouvir algumas das palavras que pronunciais, mas não vejo senão um crepe
negro sobre o qual se desenha, em certas horas, uma cabeça chorando.
8.
Se não podeis ver o vosso amante, não sentis sua presença junto a vós,
pois ele está aqui? – R. Ah! Não me faleis dele, devo esquecê-lo por
enquanto, se eu quiser que se apague a imagem do crepe que vejo ali
traçada.
9. Que imagem é essa? – R. A de um homem que sofre, e cuja
existência moral na terra eu matei por muito tempo. Observação: Lendo
este relato fica-se inicialmente disposto a conceder a este suicídio
circunstâncias atenuantes, a vê-lo mesmo como um ato heroico, visto
que foi provocado pelo sentimento do dever. Vê-se que ele foi julgado de
outra maneira, e que a pena dos culpados será longa e terrível por se
terem refugiado voluntariamente na morte a fim de fugirem da luta; a
intenção de não faltar ao dever era sem dúvida digna, e isso será levado
em conta mais tarde, mas o verdadeiro mérito teria consistido em vencer
o arrebatamento, ao passo que eles fizeram como o desertor que se
esquiva no momento do perigo.
A pena dos dois culpados consistirá,
como se vê, em se procurarem por muito tempo sem se encontrar, seja no
mundo dos Espíritos, seja em outras encarnações terrestres; ela é
momentaneamente agravada pela ideia de que seu estado presente deve
durar para sempre; fazendo esse pensamento parte do castigo, ele não
lhes permitiu ouvir as palavras de esperança que lhes foram dirigidas.
Àqueles que achassem esta pena muito terrível e muito longa, sobretudo
se ela não deve cessar senão depois de várias encarnações, diremos que
sua duração não é absoluta, e que ela dependerá da maneira como eles
suportarem suas provas futuras, para o quê se pode ajudá-los pela prece;
eles serão, como todos os Espíritos culpados, os árbitros de seu
próprio destino. Isso, no entanto, não vale mais do que o castigo
eterno, sem esperança, ao qual eles são irrevogavelmente condenados
segundo a doutrina da Igreja, que tanto os olha como destinados para
sempre ao inferno, que lhes recusou as últimas preces, sem dúvida
consideradas inúteis?
Louis e a costureira de botinas
Há sete ou oito meses, o denominado
Louis G..., sapateiro, fazia a corte à senhorita Victorine R.,
costureira de botinas, com a qual devia casar-se muito em breve, visto
que os anúncios oficiais iam ser proclamados. Estando as coisas nesse
ponto, os jovens consideravam-se quase como definitivamente unidos, e,
por medida de economia, o sapateiro vinha todo dia fazer as refeições na
casa de sua futura esposa.
Um dia, tendo Louis vindo, como
habitualmente, cear na casa da costureira de botinas, sobreveio uma
querela a respeito de uma futilidade; obstinaram-se de ambas as partes, e
as coisas chegaram ao ponto em que Louis deixou a mesa, e partiu
jurando nunca mais voltar.
No dia seguinte, entretanto, o sapateiro
veio pedir perdão: a noite traz conselhos, como se sabe; mas a operária,
prevendo talvez, pela cena da véspera, o que poderia ocorrer quando não
fosse mais tempo de se desdizer, recusou reconciliar-se, e nem
protestos, lágrimas, desespero, nada a pôde comover. Vários dias haviam
transcorrido desde aquele da briga; Louis, esperando que sua bem-amada
estaria mais afável, quis tentar uma última aproximação: chega portanto e
bate de maneira a se fazer reconhecer, mas recusam-se a abrir-lhe a
porta; então, novas súplicas por parte do pobre excluído, novos
protestos através da porta, mas nada foi capaz de comover a implacável
prometida. “Adeus então, malvada! exclama enfim o pobre rapaz, adeus
para sempre! Tentai encontrar um marido que vos ame tanto quanto eu!”
Ao
mesmo tempo a moça ouve uma espécie de gemido abafado, e depois como
que o barulho de um corpo que cai escorregando ao longo da porta, e tudo
volta ao silêncio; então ela imagina que Louis se instalou na soleira
para esperar que ela saia, mas ela decide não pôr os pés para fora
enquanto ele lá estiver. Mal fazia um quarto de hora que isso
acontecera, quando um locatário que passava no corredor levando luz,
lança uma exclamação e pede socorro. Logo chegam os vizinhos, e a
senhorita Victorine, tendo igualmente aberto sua porta, lança um grito
de horror ao perceber estendido no chão seu prometido, pálido e
inanimado. Todos se apressam a socorrê-lo, mas logo se apercebem de que
tudo é inútil, e de que ele cessou de existir. O infeliz rapaz
mergulhara seu trinchete na região do coração, e o ferro 38 permanecera
na ferida.
(Sociedade espírita de Paris, agosto de 1858.)
1. Ao
Espírito de São Luís. A jovem, causa involuntária da morte de seu
amante, é responsável por isso? – R. Sim, pois ela não o amava.
2.
Para prevenir essa desgraça, ela devia desposá-lo apesar de sua
repugnância? – R. Ela buscava uma ocasião para se separar dele; fez no
começo de sua ligação o que teria feito mais tarde.
3. Assim sua
culpa consiste em ter alimentado nele sentimentos que ela não
compartilhava, sentimentos que foram a causa da morte do rapaz? – R.Sim,
é isso.
38 Em francês tranchet: faca de sapateiro, para cortar couro. (N. R.)
4.
Sua responsabilidade, nesse caso, deve ser proporcional à sua falta;
ela não deve ser tão grande quanto se ela tivesse provocado
voluntariamente a morte? – R. Isso salta à vista.
5. O suicídio de
Louis encontra uma desculpa no desvario em que o mergulhou a obstinação
de Victorine? – R. Sim, pois seu suicídio, que provém do amor, é menos
criminoso aos olhos de Deus do que o suicídio do homem que quer
libertar-se da vida por um motivo de covardia.
Tendo o Espírito de Louis
G... sido evocado outra vez, dirigimos-lhe as seguintes perguntas:
1.
O que pensais da ação que cometestes? – R. Victorine é uma ingrata,
cometi um erro matando-me por ela, pois ela não o merecia.
2. Então
ela não vos amava? – R. Não; ela acreditou nisso no início; ela se
iludia; a cena que eu lhe fiz abriu-lhe os olhos; então ela ficou
contente com esse pretexto para se livrar de mim.
3. E vós, vós a
amáveis sinceramente? – R. Eu tinha paixão por ela; eis tudo, creio eu;
se a tivesse amado com um amor puro, não teria querido magoála.
4. Se
ela tivesse sabido que queríeis realmente matar-vos, teria persistido
em sua recusa? – R. Não sei; não creio, porque ela não é má; mas ela
teria sido infeliz; é melhor para ela que isso tenha acontecido.
5.
Chegando à sua porta, tínheis a intenção de matar-vos em caso de recusa?
– R. Não; não pensava nisso; não acreditava que ela seria tão
obstinada; só quando vi sua obstinação, então fui tomado por uma
vertigem.
6. Pareceis lamentar vosso suicídio apenas porque Victorine
não o merecia; é o único sentimento que experimentais? – R. Neste
momento, sim; ainda estou totalmente perturbado; parece-me estar à
porta; mas sinto outra coisa que não consigo definir.
7. Vós o
compreendereis mais tarde? – R. Sim, quando estiver esclarecido... Foi
mau o que fiz; deveria tê-la deixado tranquila... Fui fraco, e por isso
arco com a pena... Vede, a paixão cega o homem e o faz fazer muitas
tolices. Ele as compreende quando já não há mais tempo.
8. Dizeis que
arcais com a pena; que pena sofreis? – R. Cometi o erro de abreviar
minha vida; não devia tê-lo feito; devia suportar tudo em vez de acabar
com isso antes do tempo; e depois, sou infeliz; sofro; é sempre ela que
me faz sofrer; parece-me estar ainda ali, à sua porta; ingrata! Não me
faleis mais disso; não quero mais pensar nisso; isso me faz demasiado
mal. Adeus.
Observação: Vê-se ainda aí uma nova prova da justiça
distributiva que preside à punição dos culpados, segundo o grau da
responsabilidade. Na circunstância presente, a primeira falta é da moça
que cultivara em Louis um amor que ela não compartilhava, e do qual
troçava; ela arcará, portanto, com a maior parte da responsabilidade.
Quanto ao rapaz, é punido também pelo sofrimento que suporta; mas sua
pena é leve, porque cedeu apenas a um movimento irrefletido e a um
momento de exaltação, em vez da fria premeditação dos que se suicidam
para se subtrair às provas da vida.
Um ateu
O Sr. J.-B. D... era um homem
instruído, mas imbuído no último grau das ideias materialistas, não
acreditava nem em Deus nem que tinha uma alma. Foi evocado dois anos
após a morte, na Sociedade de Paris, a pedido de um dos seus parentes.
1. Evocação. – R. Eu estou sofrendo! Estou condenado.
2.
Pediram-nos para vos chamar por parte de vossos parentes que desejam
saber qual é vosso destino; tende a bondade de nos dizer se nossa
evocação vos é agradável ou penosa. – R. Penosa.
3. Vossa morte foi
voluntária? – R. Sim. Nota: O Espírito escreve com extrema dificuldade; a
letra é muito grande, irregular, convulsiva e quase ilegível. No
início, mostra cólera, quebra o lápis e rasga o papel.
4. Ficai mais calmo; nós todos oraremos a Deus por vós. – R. Sou forçado a crer em Deus.
5. Que motivo pôde vos levar a vos destruirdes? – R. Tédio da vida sem esperança.
Observação:
Concebe-se o suicídio quando a vida é sem esperança; quer-se escapar da
infelicidade a qualquer preço; com o Espiritismo o futuro se desenrola e
a esperança se legitima: portanto, o suicídio não tem mais objeto; bem
mais do que isso, reconhece-se que, por esse meio, não se escapa de um
mal senão para cair num outro que é cem vezes pior. Eis porque o
Espiritismo já arrancou tantas vítimas à morte voluntária. São bem
culpados aqueles que se esforçam por fazer acreditada, por sofismas
científicos e pretensamente em nome da razão, essa ideia desesperadora,
fonte de tantos males e crimes, de que tudo acaba com a vida! Eles serão
responsáveis, não só por seus próprios erros, mas por todos os males
dos quais terão sido a causa.
6. Quisestes escapar das vicissitudes da vida; ganhastes algo com isso? Sois mais feliz agora? – R. Por que o nada não existe?
7.
Tende a bondade de nos descrever vossa situação o melhor que
conseguirdes. – R. Sofro por ser obrigado a crer em tudo que negava.
Minha alma está como num braseiro; é atormentada horrivelmente.
8. De
onde vos vinham as ideias materialistas que tínheis em vida? – R. Numa
outra existência eu fora malvado, e meu Espírito estava condenado a
sofrer os tormentos da dúvida durante minha vida; assim eu me matei.
Observação:
Há aqui toda uma ordem de ideias. Pergunta-se frequentemente como pode
haver materialistas, visto que tendo já passado pelo mundo espiritual,
eles deveriam ter a intuição dele; ora, é precisamente essa intuição que
é recusada a certos Espíritos que conservaram seu orgulho, e não se
arrependeram de suas faltas. Sua prova consiste em adquirir, durante a
vida corpórea, e por sua própria razão, a prova da existência de Deus e
da vida futura que eles têm incessantemente sob dos olhos; mas com
frequência a presunção de nada admitir acima de si leva a melhor, e eles
arcam com a pena até que, tendo domado seu orgulho, se rendam por fim à
evidência.
9. Quando vos afogastes, o que pensáveis que vos
aconteceria? Que reflexões fizestes naquele momento? – R. Nenhuma; era o
nada para mim. Vi depois que, não tendo sofrido toda a minha
condenação, ainda ia sofrer muito.
10. Agora, estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura? – R. Ah! Estou muito atormentado por isso!
11. Revistes vosso irmão? – R. Oh! não.
12. Por que isso? – R. Por que reunir nossos tormentos? Exilamo-nos na desgraça; ah, reunimo-nos na felicidade!
13. Ficaríeis contente de rever vosso irmão que poderíamos chamar aqui, ao vosso lado? – R. Não, não, sou desprezível demais.
14. Por que não quereis que o chamemos? – R. É que ele também não é feliz.
15. Receais vê-lo? Isso poderia apenas vos fazer bem. – R. Não; mais tarde.
16. Desejais dizer algo as vossos parentes? – R. Que orem por mim.
17.
Parece que, na sociedade que frequentáveis, algumas pessoas
compartilham das opiniões que tínheis durante a vida; teríeis algo a
lhes dizer a esse respeito? – R. Ah! Infelizes! Que eles possam crer
numa outra vida! É o que lhes posso desejar de mais feliz; se pudessem
compreender minha triste posição, isso os faria refletir muito.
(Evocação
do irmão do precedente, que professava as mesmas ideias, mas que não se
suicidou. Embora infeliz, é mais calmo; sua letra é nítida e legível.)
18.
Evocação. – R. Que o quadro de nossos sofrimentos possa ser para vós
uma útil lição, e persuadir-vos de que uma outra vida existe, na qual se
expiam as faltas, a incredulidade.
19. Encontrai-vos com vosso irmão que acabamos de chamar? – R. Não, ele me evita.
Observação:
Poder-se-ia perguntar como os Espíritos podem evitar-se no mundo
espiritual, onde não existem obstáculos materiais, nem refúgios
escondidos à visão. Tudo é relativo nesse mundo, e em relação com a
natureza fluídica dos seres que o habitam. Somente os Espíritos
superiores têm percepções indefinidas; nos Espíritos inferiores, elas
são limitadas, e para eles os obstáculos fluídicos têm o efeito de
obstáculos materiais. Os Espíritos ocultam-se uns dos outros por um
efeito de sua vontade que age sobre seu invólucro perispiritual e os
fluidos ambientes. Mas a Providência, que vela sobre cada um
individualmente, como sobre seus filhos, permite-lhes ou recusa-lhes
essa faculdade de acordo com as disposições morais de cada um; segundo
as circunstâncias, é uma punição ou uma recompensa.
20. Vós sois mais
calmo do que ele; poderíeis dar-nos uma descrição mais precisa de
vossos sofrimentos? – R. Na terra não sofreis no vosso amor próprio,no
vosso orgulho, quando sois obrigados a reconhecer vossos erros? Vosso
espírito não se revolta com o pensamento de vos humilhardes diante
daquele que vos demonstra que estais errado? Pois bem! o que credes que
sofre o Espírito que, durante toda uma existência, se persuadiu de que
nada existe depois dele, de que ele tem razão contra todos? Quando
repentinamente ele se encontra perante a deslumbrante verdade, fica
aniquilado, humilhado. A isso vem juntar-se o remorso de ter podido
durante tanto tempo esquecer a existência de um Deus tão bom, tão
indulgente. Seu estado é insuportável; ele não encontra calma, nem
repouso; só reencontrará um pouco de tranquilidade no momento em que a
graça santa, ou seja, o amor de Deus, o tocar, pois o orgulho se apodera
a tal ponto de nosso pobre espírito, que o envolve inteiramente, e ele
precisa de bastante tempo para se desfazer dessa roupa fatal; somente a
prece de nossos irmãos pode nos ajudar a nos livrarmos dela.
21. Quereis falar de vossos irmãos vivos ou Espíritos? – R. De ambos.
22.
Enquanto conversávamos com vosso irmão, uma pessoa aqui presente orou
por ele; essa prece lhe foi útil? – R. Ela não se perderá. Se ele repele
a graça agora, isso voltará a ele, quando estiver em estado de recorrer
a essa divina panaceia.
Observação: Vemos aqui um outro gênero de
castigo, mas que não é o mesmo para todos os incrédulos; para esse
Espírito, é a necessidade, independentemente do sofrimento, de
reconhecer as verdades que renegara durante a vida. Suas ideias atuais
denotam um certo progresso, comparativamente a outros Espíritos que
persistem na negação de Deus. É já alguma coisa e um começo de humildade
convir que se enganou. É mais do que provável que, em sua próxima
encarnação, a incredulidade terá dado lugar ao sentimento inato da fé.
Tendo
o resultado dessas duas evocações sido transmitido à pessoa que nos
pedira para fazê-las, recebemos desta última a resposta seguinte:
“Não
podeis acreditar, senhor, no grande bem produzido pela evocação de meu
sogro e de meu tio. Reconhecemo-los perfeitamente; a letra do primeiro,
sobretudo, tem uma analogia impressionante com a que ele tinha em vida,
tanto mais que, durante os últimos meses que passou conosco, ela era
entrecortada e indecifrável; acha-se aí a mesma forma das hastes, dos
traços, e de certas letras. Quanto às palavras, às expressões e ao
estilo, é ainda mais impressionante; para nós, a analogia é perfeita, a
não ser porque ele está mais esclarecido sobre Deus, a alma e a
eternidade que ele negava tão formalmente outrora. Estamos então
perfeitamente convencidos de sua identidade; Deus será enaltecido por
nossa crença mais firme no Espiritismo, e nossos irmãos,
Espíritos e
vivos, tornar-se-ão melhores. A identidade de seu irmão não é menos
evidente; com a imensa diferença do ateu para o crente, reconhecemos seu
caráter, seu estilo, seu modo de construir as frases; uma palavra
sobretudo nos impressionou, panaceia; era sua expressão habitual; ele a
dizia e repetia a todos e a cada instante.
“Comuniquei essas duas
evocações a várias pessoas, que ficaram impressionadas com sua
veracidade; mas os incrédulos, aqueles que compartilham as opiniões de
meus dois parentes, gostariam de ter tido respostas ainda mais
categóricas: que o Sr. D..., por exemplo, precisasse o lugar onde foi
enterrado, aquele onde se afogou, de que maneira agiu, etc. Para os
satisfazer e convencer, não poderíeis evocá-lo de novo, e nesse caso,
teríeis a bondade de lhe fazer as perguntas seguintes: onde e como ele
realizou seu suicídio? – quanto tempo ficou debaixo d’água? – em que
lugar seu corpo foi reencontrado? – em que lugar foi enterrado? – de que
maneira, civil ou religiosa, se procedeu à sua inumação, etc.?
“Tende
a bondade, peço-vos, de fazer responder categoricamente a essas
perguntas que são essenciais para aqueles que ainda duvidam; estou
persuadido do bem imenso que isso produzirá. Faço o possível para que
minha carta vos chegue às mãos amanhã, sexta-feira, a fim de que possais
fazer essa evocação na sessão da Sociedade que deve ocorrer nesse
dia... etc.” Reproduzimos esta carta por causa do fato de identidade que
ela constata; juntamos a resposta que lhe demos, para a instrução das
pessoas que não estão familiarizadas com as comunicações de além-túmulo.
“...
As perguntas que nos pedis para fazer de novo ao Espírito de vosso
sogro são sem dúvida ditadas por uma louvável intenção, que é a de
convencer incrédulos, pois, em vós, não se mistura aí nenhum sentimento
de dúvida e de curiosidade; mas um conhecimento mais perfeito da ciência
espírita vos teria feito compreender que elas são supérfluas. –
Inicialmente, ao me pedir para fazer responder categoricamente vosso
parente, ignorais talvez que não se governam os Espíritos segundo a
nossa vontade; eles respondem quando querem, como querem, e muitas vezes
como podem; sua liberdade de ação é ainda maior do que em vida, e têm
mais meios de escapar à coerção moral que se gostaria de exercer sobre
eles. As melhores provas de identidade são as que eles dão
espontaneamente, por sua própria vontade, ou que nascem das circunstâncias,
e na maior parte do tempo é em vão que se busca provocá-las. Vosso
parente provou sua identidade de uma maneira irrecusável, na vossa
opinião; então, é mais do que provável que ele recusaria responder a
perguntas que com todo direito ele pode considerar como supérfluas, e
feitas com vista a satisfazer a curiosidade de pessoas que lhe são
indiferentes.
Ele poderia responder, como fizeram muitas vezes outros
Espíritos em semelhante caso:
“ De que serve me perguntar coisas que
sabeis?” Eu acrescentaria mesmo que o estado de perturbação e de
sofrimento em que ele se encontra deve tornar-lhe penosas as pesquisas
deste gênero; é absolutamente como se se quisesse obrigar um doente que
mal pode pensar e falar, a contar os detalhes de sua vida; seria
seguramente faltar ao respeito que se deve à sua posição. “Quanto ao
resultado que esperáveis daí, ele seria nulo, ficai certo disso. As
provas de identidade que foram fornecidas têm um valor bem maior, pelo
próprio fato de serem espontâneas, e que nada podia indicar; se os
incrédulos não estão satisfeitos, não o ficariam mais, talvez ainda
menos, com perguntas previstas e que eles poderiam suspeitar serem de
conivência. Há pessoas que nada pode convencer; ainda que vissem vosso
parente em pessoa, diriam ser joguete de uma alucinação.
“Duas
palavras ainda, senhor, sobre o pedido que me fazeis para evocar vosso
parente no próprio dia em que eu devia receber vossa carta. As evocações
não se fazem assim autoritariamente; os Espíritos nem sempre respondem
ao nosso chamado; para isso é preciso que eles possam ou queiram
fazê-lo; é preciso, ademais, um médium que lhes convenha, e que tenha a
aptidão especial necessária; que esse médium esteja disponível num dado
momento; que esse meio seja simpático ao Espírito, etc.; circunstâncias
essas pelas quais jamais podemos responder, e que importa conhecer
quando se quer fazer a coisa seriamente.”
Sr. Félicien
Era um homem rico, instruído, poeta
espirituoso, de um caráter bom, cortês e afável, e de uma perfeita
honradez. Especulações equívocas haviam comprometido sua fortuna; não
lhe permitindo mais a idade restabelecê-la, ele cedeu ao desalento e
suicidou-se em dezembro de 1864, enforcando-se em seu quarto. Não era um
materialista nem um ateu, mas um homem de humor um tanto leviano, e
preocupava-se pouco com a vida futura. Tendo-o conhecido intimamente,
nós o evocamos quatro meses após a morte, por simpatia pela sua pessoa.
Evocação.
– Tenho saudades da terra; tive aí decepções, mas menores do que aqui.
Eu sonhava maravilhas, e estou abaixo da realidade ideal que tinha. O
mundo dos Espíritos é bastante misturado, e para torná-lo suportável,
seria preciso uma boa triagem. Custo a crer! Que esboços de costumes
espíritas se poderiam fazer aqui! Balzac deveria estar a postos;
trabalho não falta. Mas não o avistei; onde se encontram então esses
grandes Espíritos que condenaram tão fortemente os vícios da humanidade?
Eles deveriam, como eu, permanecer aqui algum tempo, antes de ir para
regiões mais elevadas. É um pandemônio curioso que me agrada observar, e
fico aqui.
Observação: Embora o Espírito declare encontrar-se numa
sociedade muito misturada, e, por conseguinte, de Espíritos inferiores,
sua linguagem surpreendia-nos, em razão de seu gênero de morte ao qual
ele não faz nenhuma alusão, pois de outro modo era bem o reflexo de seu caráter. Isso nos deixava algumas dúvidas sobre sua identidade.
P.
Tende a bondade de nos dizer, por favor, como morrestes? – R. Como
morri? Pela morte que eu escolhi; ela me agradou; meditei bastante tempo
sobre aquela que devia escolher para me libertar da vida. E confesso
que não ganhei grande coisa com isso, a não ser ficar livre de minhas
preocupações materiais, mas para reencontrar outras mais graves, mais
penosas na minha posição de Espírito, cujo fim não prevejo.
P. (Ao
guia do médium.) – Foi realmente o Espírito do Sr. Félicien que
respondeu? Essa linguagem quase descuidada nos espanta num suicida. – R.
Sim; mas por um sentimento desculpável na sua posição, e que
compreendereis, ele não queria revelar seu gênero de morte ao médium, é
por isso que fez frases: ele acabou por confessá-lo, levado por vossa
pergunta direta, mas está muito afetado por isso. Ele está sofrendo
muito por se ter suicidado, e afasta tanto quanto pode tudo o que lhe
recorda esse fim funesto.
P. (Ao Espírito.) – Vossa morte afetou-nos
tanto mais quanto prevíamos suas tristes consequências para vós, e em
razão, sobretudo, da estima e da afeição que vos tínhamos. Pessoalmente,
não me esqueci de quanto fostes bom e cortês para mim. Ficaria feliz de
vos testemunhar meu reconhecimento, se puder fazer algo que vos seja
útil. – R. E, no entanto, eu não podia escapar de outra maneira às
dificuldades de minha posição material. Agora não preciso senão de
orações; orai, sobretudo, para que eu seja libertado dos horríveis
companheiros que estão perto de mim e que me obsidiam com seus risos,
gritos e zombarias infernais. Eles me chamam covarde e têm razão; é
covardia deixar a vida. É a quarta vez que eu sucumbo a essa prova. No
entanto, eu prometera a mim mesmo não falhar... Fatalidade!... Ah! Orai!
Que suplício o meu! Sou bem desgraçado! Fareis bem mais por mim
orando, do que eu fiz por vós, quando estava na Terra; mas a prova em
que falhei tantas vezes se ergue diante de mim em traços inapagáveis; é
preciso que eu a suporte de novo num dado tempo; terei força para
isso? Ah! Recomeçar tantas vezes a vida! Lutar tanto tempo e ser
arrastado, pelos acontecimentos, a sucumbir contra vontade, é
desesperador, mesmo aqui! É por isso que preciso de força. Extrai-se
força da prece, ao que se diz: orai por mim; quero orar também.
Observação: Este caso particular de suicídio, embora executado em
circunstâncias muito corriqueiras, apresenta-se, porém, numa fase
especial. Ele nos mostra um Espírito que sucumbiu várias vezes a essa
prova que se renova a cada existência e renovar-se-á enquanto ele não
tiver a força de resistir a ela.
É a confirmação deste princípio que,
quando o objetivo de aperfeiçoamento para o qual nos encarnamos não é
alcançado, nós sofremos sem proveito, pois cabenos recomeçar até que
saiamos vitoriosos da luta. Ao Espírito do Sr. Félicien. – Escutai,
peço-vos, o que vos vou dizer, e tende a bondade de meditar sobre minhas
palavras. O que chamais fatalidade não é outra coisa senão vossa
própria fraqueza, pois não há fatalidade, de outro modo o homem não
seria responsável pelos seus atos. O homem é sempre livre, e esse é seu
mais belo privilégio; Deus não quis fazer dele uma máquina agindo e
obedecendo às cegas. Se essa liberdade o torna falível, ela o torna
também perfectível, e não é senão pela perfeição que ele chega à
felicidade suprema. Unicamente seu orgulho o leva a acusar o Destino de
suas desgraças na Terra, ao passo que, quase sempre, é apenas à sua
própria incúria que elas se devem. Vós sois um exemplo notório em vossa
última existência; tínheis tudo o que é preciso para ser feliz segundo o
mundo: espírito, talento, fortuna, consideração merecida; não tínheis
vícios ruinosos, e, pelo contrário, qualidades estimáveis; como vossa
posição se viu tão radicalmente comprometida?
Unicamente por vossa
imprevidência. Convinde que se tivésseis agido com mais prudência, se
tivésseis sabido vos contentar com a bela parte que tínheis, em vez de
procurar aumentá-la sem necessidade, não vos teríeis arruinado.
Portanto, não havia nenhuma fatalidade, visto que podíeis evitar o que
ocorreu. Vossa prova consistia num encadeamento de circunstâncias que
deviam dar-vos, não a necessidade, mas a tentação do suicídio;
infelizmente para vós, apesar de vosso espírito e vossa instrução, não
soubestes dominar essas circunstâncias, e carregais a pena de vossa
fraqueza. Essa prova, assim como o pressentis com razão, deve ainda
se renovar; em vossa próxima existência, sereis alvo de acontecimentos
que provocarão de novo o pensamento do suicídio, e ocorrerá o mesmo até
que tenhais triunfado. Longe de acusar o destino, que é vossa própria
obra, admirai a bondade de Deus que, em vez de vos condenar
irremediavelmente por um primeiro erro, vos oferece sem cessar os meios
de repará-lo. Sofrereis, portanto, não eternamente, mas enquanto a
reparação não tiver ocorrido. Depende de vós tomar, no estado de
Espírito, resoluções tão enérgicas, exprimir a Deus um arrependimento
tão sincero, solicitar com tanto empenho o apoio dos bons Espíritos, que
chegueis à Terra protegido contra todas as tentações. Uma vez obtida
essa vitória, caminhareis pela via da felicidade com tanto mais rapidez
quanto, noutros aspectos, vosso avanço já é muito grande. Portanto, é
ainda um passo a transpor; nós vos ajudaremos com nossas preces, mas
elas seriam impotentes se não nos secundásseis com vossos esforços. R.
Obrigado, oh! obrigado por vossas boas exortações, precisava muito delas,
pois sou mais infeliz do que queria mostrar. Vou tirar proveito delas,
asseguro-vos, e preparar-me para minha próxima encarnação na qual farei
desta vez de modo a não sucumbir. Estou ansioso por sair do ignóbil meio
a que estou relegado aqui.
Antoine Bell