O Céu e o Inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo

Allan Kardec

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CAPÍTULO IX
OS DEMÔNIOS

Origem da crença nos demônios. — Os demônios segundo a Igreja. — Os demônios segundo o Espiritismo.

Origem da crença nos demônios.

1. Os demônios desempenharam, em todas as épocas, um grande papel nas diversas teogonias; embora consideravelmente desacreditados na opinião geral, a importância que lhes é ainda atribuída em nossos dias dá a esta questão certa gravidade, pois ela toca no âmago das crenças religiosas: eis porque é útil examiná-la com os desenvolvimentos que ela comporta.

A crença num poder superior é instintiva nos homens; é encontrada, sob diferentes formas, em todas as idades do mundo. Mas se, no grau de adiantamento intelectual a que chegaram hoje, discutem ainda sobre a natureza e os atributos desse poder, quão mais imperfeitas deviam ser suas noções sobre esse assunto na infância da humanidade!

2. O quadro que nos é feito da inocência dos povos primitivos em contemplação diante das belezas da natureza, na qual admiram a bondade do Criador, é sem dúvida muito poético, mas falta-lhe a realidade.

Quanto mais o homem se aproxima do estado natural, mais o instinto domina nele, tal como se pode ver ainda nos povos selvagens e bárbaros de nossos dias; o que mais o preocupa, ou melhor, o que o ocupa exclusivamente é a satisfação das necessidades materiais, porque não tem outras. O único sentido que pode torná-lo acessível aos gozos puramente morais desenvolve-se apenas com o tempo e gradualmente; a alma tem sua infância, sua adolescência e sua virilidade, como o corpo humano; mas, para atingir a virilidade que a torna apta a compreender as coisas abstratas, quantas evoluções tem ela que percorrer na humanidade! Quantas existências deve realizar!

Sem remontar às primeiras eras, olhemos à nossa volta as pessoas do campo, e perguntemo-nos que sentimentos de admiração despertam nelas o esplendor do sol nascente, a abóbada estrelada, o gorjeio dos pássaros, o murmúrio das ondas claras, os prados coloridos de flores! Para elas, o sol se levanta porque está habituado, e, desde que dê suficiente calor para amadurecer as colheitas e não demasiado para queimá-las, é tudo o que pedem; se olham o céu, é para saber se fará bom ou mau tempo no dia seguinte; que os pássaros cantem ou não, é-lhes indiferente, desde que eles não lhes comam o grão; às melodias do rouxinol preferem o cacarejo das galinhas e o grunhido de seus porcos; o que pedem aos riachos claros ou lamacentos é não secarem e não causarem inundação; aos prados, dar-lhes boa erva, com ou sem flores: é tudo o que desejam, digamos mais, tudo o que elas compreendem da natureza, porém já estão longe dos homens primitivos!

3. Se nos reportarmos a estes últimos, vemo-los ainda mais exclusivamente preocupados com a satisfação das necessidades materiais; o que serve para provê-las e o que pode prejudicá-las resumem para eles o bem e o mal neste mundo. Creem num poder sobre-humano; mas, como o que lhes traz um prejuízo material é o que mais os atinge, atribuem-no a esse poder, do qual fazem, aliás, uma ideia muito vaga. Não podendo ainda conceber nada fora do mundo visível e tangível, eles imaginam-no residindo nos seres e nas coisas que os prejudicam. Os animais perniciosos são, portanto, para eles seus representantes naturais e diretos. Pela mesma razão, viram a personificação do bem nas coisas úteis: daí o culto prestado a certos animais, a certas plantas e mesmo a objetos inanimados. Mas o homem é geralmente mais sensível ao mal do que ao bem; o bem parece-lhe natural, ao passo que o mal o afeta mais; é por isso que, em todos os cultos primitivos, as cerimônias em honra do poder maléfico são as mais numerosas: o temor leva vantagem sobre o reconhecimento.

Durante muito tempo o homem não compreendeu senão o bem e o mal físicos; o sentimento do bem moral e do mal moral assinalou um progresso na inteligência humana; somente então o homem entreviu a espiritualidade, e compreendeu que o poder sobre-humano está fora do mundo visível, e não nas coisas materiais. Isso foi obra de algumas inteligências de elite, mas que não puderam, contudo, ultrapassar certos limites.

4. Como se via uma luta incessante entre o bem e o mal, e o mal frequentemente levar vantagem; que, por outro lado, não se podia racionalmente admitir que o mal fosse obra de um poder benéfico, concluiu-se daí pela existência de dois poderes rivais governando o mundo. Daí nasceu a doutrina dos dois princípios: o do bem e o do mal, doutrina lógica para aquela época, pois o homem ainda era incapaz de conceber outra, e de penetrar a essência do Ser supremo. Como poderia ele ter compreendido que o mal não é mais do que um estado momentâneo do qual pode sair o bem, e que os males que o afligem devem conduzi-lo à bem-aventurança ajudando no seu avanço? Os limites de seu horizonte moral não lhe permitem ver nada fora da vida presente, nem adiante, nem para trás; ele não podia compreender que progredira, nem que progrediria ainda individualmente, e ainda menos que as vicissitudes da vida são o resultado da imperfeição do ser espiritual que está nele, que preexiste e sobrevive ao corpo, e se purifica numa série de existências, até que tenha atingido a perfeição. Para compreender o bem que pode sair do mal, não se deve ver apenas uma existência; é preciso abarcar o conjunto: somente então aparecem as verdadeiras causas e seus efeitos.

5. O duplo princípio do bem e do mal foi, durante longos séculos e sob diferentes nomes, a base de todas as crenças religiosas. Foi personificado sob os nomes de Oromaz e de Arimã entre os persas, de Jeová e de Satã entre os hebreus. Mas, como todo soberano deve ter ministros, todas as religiões admiram poderes secundários, gênios bons ou maus. Os pagãos personificaram-nos sob uma multidão de individualidades tendo cada qual atribuições especiais para o bem e para o mal, para os vícios e para as virtudes, e às quais deram o nome geral de deuses. Os cristãos e os muçulmanos receberam dos hebreus os anjos e os demônios.

6. A doutrina dos demônios tem, portanto, sua origem na antiga crença nos dois princípios do bem e do mal. Temos que examiná-la aqui apenas do ponto de vista cristão, e ver se ela está em relação com o conhecimento mais exato que temos hoje em dia dos atributos da Divindade.

Estes atributos são o ponto de partida, a base de todas as doutrinas religiosas; os dogmas, o culto, as cerimônias, os usos, a moral, tudo está em relação com a ideia mais ou menos exata, mais ou menos elevada que se faz de Deus, desde o fetichismo até o Cristianismo. Se a essência íntima de Deus é ainda um mistério para nossa inteligência, compreendemo-lo porém melhor do que nunca, graças aos ensinamentos do Cristo. O Cristianismo, de acordo nisso com a razão, ensina-nos que:

Deus é único, eterno, imutável, imaterial, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, infinito em todas as suas perfeições.

Assim como está dito em outra parte (cap. VI, “Penas eternas): “Se se retirasse a menor parcela de um único dos atributos de Deus, não se teria mais Deus, porque poderia existir um ser mais perfeito.” Esses atributos, em sua mais absoluta plenitude, são então o critério de todas as religiões, a medida da verdade de cada um dos princípios que elas ensinam. Para que um desses princípios seja verdadeiro, é preciso que ele não prejudique nenhuma das perfeições de Deus. Vejamos se é o caso da doutrina vulgar dos demônios.

Os demônios segundo a Igreja.

7. Segundo a Igreja, Satã, o chefe ou o rei dos demônios, não é uma personificação alegórica do mal, mas sim um ser real, fazendo exclusivamente o mal, ao passo que Deus faz exclusivamente o bem. Vamos a ele tal como nos é dado.

Satã é de toda eternidade, como Deus, ou posterior a Deus? Se ele é de toda eternidade, ele é incriado, e por conseguinte igual a Deus. Deus então não é mais único; há o Deus do bem e o Deus do mal.

É ele posterior? Então é uma criatura de Deus. Visto que não faz senão o mal, que é incapaz de fazer o bem e de se arrepender, Deus criou um ser votado ao mal para sempre. Se o mal não é obra de Deus, mas a de uma de suas criaturas predestinadas a fazê-lo, Deus é sempre seu primeiro autor, e então ele não é infinitamente bom. O mesmo acontece com todos os seres maus chamados demônios.

8. Durante muito tempo, foi essa a crença sobre esse ponto. Hoje, diz-se*: “Deus, que é a bondade e a santidade por essência, não os criara maus e malfazejos. Sua mão paterna, que gosta de espalhar sobre todas as suas obras um reflexo de suas perfeições infinitas, cumulara-os dos dons mais magníficos. Às qualidades sobre-eminentes de sua natureza, ela acrescentara a generosidade de sua graça; ela os fizera em tudo semelhantes aos Espíritos sublimes que estão na glória e na felicidade; repartidos em todas as suas ordens e misturados em todas as suas fileiras, eles tinham o mesmo fim e os mesmos destinos; seu chefe foi o mais belo arcanjo. Eles poderiam ter, também, merecido ser confirmados para sempre na justiça e admitidos a gozar eternamente da bem-aventurança dos céus. Este último favor teria sido o auge de todos os outros favores de que eram objeto; mas ele devia ser o preço de sua docilidade, e eles se tornaram indignos dele; perderam-no por uma revolta audaciosa e insensata.”

“Qual foi o obstáculo à sua perseverança? Que verdade eles ignoraram? Que ato de fé e de adoração recusaram a Deus? A Igreja e os anais da história santa não o dizem de uma maneira positiva; mas parece certo que eles não aquiesceram nem à mediação do Filho de Deus para eles mesmos, nem à exaltação da natureza humana em Jesus Cristo.

“O Verbo divino, pelo qual todas as coisas foram feitas, é também o único mediador e salvador, no céu e na terra. O fim sobrenatural não foi dado aos anjos e aos homens a não ser em previsão de sua encarnação e de seus méritos; pois não há nenhuma proporção entre as obras dos Espíritos mais eminentes e essa recompensa, que não é senão o próprio Deus; nenhuma criatura poderia ter aí chegado sem essa intervenção maravilhosa e sublime de caridade. Ora, para preencher a distância infinita que separa a essência divina das obras de suas mãos, era preciso que ele reunisse em sua pessoa os dois extremos, e que associasse à sua divindade a natureza do anjo ou a do homem; e ele fez a escolha da natureza humana.

“Esse desígnio, concebido desde a eternidade, foi manifestado aos anjos antes de seu cumprimento; O Homem-Deus foi-lhes mostrado no futuro como Aquele que devia confirmá-los em graça e introduzi-los na glória, com a condição de que eles o adorariam na terra durante sua missão, e no céu pelos séculos dos séculos. Revelação inesperada, visão deslumbrante para os corações generosos e reconhecidos, mas mistério profundo, opressivo para os Espíritos soberbos! Esse fim sobrenatural, esse peso imenso de glória que lhes era proposto não seria portanto unicamente a recompensa de seus méritos pessoais! Jamais poderiam atribuir a si mesmos os títulos e a possessão! Um mediador entre eles e Deus, que injúria feita à sua dignidade! A preferência gratuita concedida à natureza humana, que injustiça! que prejuízo a seus direitos! Essa humanidade, que lhes é tão inferior, vê-lo-ão um dia, deificada por sua união com o Verbo, e sentada à direita de Deus, num trono resplandecente? Consentirão em lhe oferecer eternamente suas homenagens e suas adorações?

“Lúcifer e a terça parte dos anjos sucumbiram a esses pensamentos de orgulho e de ciúme. São Miguel, e com ele a maioria exclamaram: Quem é semelhante a Deus? Ele é o senhor de seus dons e o soberano Senhor de todas as coisas. Glória a Deus e ao Cordeiro que será imolado pela salvação do mundo! Mas o chefe dos rebeldes, esquecendo-se de que devia a seu Criador sua nobreza e suas prerrogativas, escutou apenas sua temeridade, e disse: ‘Sou eu que subirei ao céu; estabelecerei minha morada acima dos astros; sentar-me-ei na montanha da aliança, nos flancos do Aquilão; dominarei as nuvens mais altas, e serei semelhante ao Altíssimo.’ Os que partilhavam seus sentimentos acolheram suas palavras com um murmúrio de aprovação; e eles se encontravam em todas as ordens da hierarquia; mas sua multidão não os colocou ao abrigo do castigo.”


* As citações seguintes são extraídas da pastoral de Monsenhor Cardeal Gousset, cardeal-arcebispo de Reims, para a quaresma de 1865. Em razão do mérito pessoal e da posição do autor, pode-se considerá-las como a última expressão da Igreja sobre a doutrina dos demônios.


9. Esta doutrina suscita várias objeções.

1.º — Se Satã e os demônios eram anjos, é porque eram perfeitos; como, sendo perfeitos, puderam falhar e ignorar a esse ponto a autoridade de Deus, na presença do qual se encontravam? Conceber-se-ia ainda que, se não tivessem chegado a esse grau eminente senão gradualmente e depois de terem passado pelo caminho da imperfeição, pudessem ter tido um retorno deplorável; mas o que torna a coisa mais incompreensível é que no-los representam como tendo sido criados perfeitos. A consequência dessa teoria é esta: Deus quisera criar neles seres perfeitos, visto que os cumulara de todos os dons, e enganou-se; portanto, segundo a Igreja, Deus não é infalível.*

2.º — Visto que nem a Igreja nem os anais da história santa se explicam sobre a causa da revolta dos anjos contra Deus, que somente parece certo que ela esteve na recusa deles de reconhecer a missão futura do Cristo, que valor pode ter o quadro tão preciso e tão detalhado da cena que ocorreu naquela ocasião? De que fonte foram tiradas as palavras tão nítidas relatadas como tendo sido pronunciadas, e até os simples murmúrios? De duas coisas uma: ou a cena é verdadeira, ou não o é. Se é verdadeira, não há nenhuma incerteza, e então por que a Igreja não decide a questão? Se a Igreja e a história se calam, se a causa só parece certa, não é senão uma suposição, e a descrição da cena é uma obra de imaginação.**

3.º — As palavras atribuídas a Lúcifer acusam uma ignorância que é espantoso encontrar num arcanjo que, por sua própria natureza e no grau em que está colocado, não deve compartilhar, sobre a organização do universo, os erros e os preconceitos que os homens professaram até que a ciência tivesse vindo esclarecê-los. Como pode ele dizer: “Estabelecerei minha morada acima dos astros; dominarei as nuvens mais altas”? É sempre a antiga crença na terra como centro do mundo, no céu das nuvens que se estende até às estrelas, à região limitada das estrelas formando abóbada, e que a astronomia nos mostra disseminadas ao infinito, no espaço infinito. Como se sabe hoje que as nuvens não se estendem além de duas léguas da superfície da terra, para dizer que ele dominará as nuvens mais altas, e falar das montanhas, era preciso que a cena se passasse na superfície da terra, e que fosse aí a morada dos anjos; se essa morada é nas regiões superiores, era inútil dizer que ele se elevaria além das nuvens. Fazer os anjos terem uma linguagem marcada pela ignorância, é admitir que os homens, hoje, sabem mais do que os anjos. A Igreja sempre cometeu o erro de não levar em conta os progressos da ciência.


* Esta doutrina monstruosa é afirmada por Moisés, quando diz (Gênesis, cap. VI, v. 6 e 7): “Ele se arrependeu de ter feito o homem na terra. E, tocado de dor até ao fundo do coração, — ele disse: ‘Exterminarei da superfície da terra o homem que criei; exterminarei tudo, desde o homem até os animais, desde tudo o que rasteja sobre a terra até os pássaros do céu: pois eu me arrependo de tê-los feito.’”

Um Deus que se arrepende do que fez não é perfeito nem infalível: logo, não é Deus. São, no entanto, as palavras que a Igreja proclama como verdades santas. Também não se vê muito bem o que havia em comum entre os animais e a perversidade dos homens para merecerem seu extermínio.

** Encontra-se em Isaías, cap. XIV, v. 11 e seguintes: — “Teu orgulho foi precipitado nos infernos; teu corpo morto caiu por terra; tua cama será tua podridão, e tua vestimenta serão os vermes. — Como caíste do céu, Lúcifer, tu que parecias tão brilhante ao alvorecer? Como foste jogado na terra, tu que golpeavas as nações; — que dizias em teu coração: Subirei ao céu, estabelecerei meu trono acima dos astros de Deus, sentar-me-ei na montanha da aliança, nos flancos do Aquilão; colocar-me-ei acima das nuvens mais altas, e serei semelhante ao Altíssimo? — E no entanto foste precipitado dessa glória no inferno, até o mais profundo dos abismos. — Aqueles que te virem aproximar-se-ão de ti, e, depois de te terem encarado, dir-te-ão: Foi esse homem que apavorou a terra, que semeou o terror nos reinos, que fez do mundo um deserto, que destruiu suas cidades, e que manteve acorrentados aqueles que fizera prisioneiros?”

Estas palavras do profeta não são relativas à revolta dos anjos, mas uma alusão ao orgulho e à queda do rei da Babilônia, que mantinha os judeus em cativeiro, assim como provam os últimos versículos. O rei da Babilônia é designado, por alegoria, sob o nome de Lúcifer, mas não é aí feita nenhuma menção à cena descrita anteriormente. Estas palavras são as do rei que dizia em seu coração, e se colocava, por seu orgulho, acima de Deus, cujo povo mantinha cativo. A predição da libertação dos judeus, da ruína da Babilônia e da derrota dos assírios é, aliás, o assunto exclusivo deste capítulo.


10. A resposta à primeira objeção acha-se na passagem seguinte:

“A Escritura e a tradição dão o nome de céu ao lugar onde os anjos haviam sido postos no momento de sua criação. Mas não era o céu dos céus, o céu da visão beatífica, onde Deus se mostra a seus eleitos face a face, e onde seus eleitos o contemplam sem esforços e sem nuvens; pois, ali, não há mais perigo, nem possibilidade de pecar; a tentação e a fraqueza são aí desconhecidas; a justiça, a alegria, a paz reinam numa imutável segurança; a santidade e a glória são inadmissíveis. Era portanto uma outra região celeste, uma esfera luminosa e afortunada, onde essas nobres criaturas, amplamente favorecidas pelas comunicações divinas, deviam recebê-las e aderir a elas pela humildade da fé, antes de serem admitidas a ver-lhes claramente a realidade na própria essência de Deus.”

Resulta do que precede que os anjos que falharam pertenciam a uma categoria menos elevada, menos perfeita, e que eles ainda não tinham chegado ao lugar supremo onde a falta é impossível. Seja; mas então há aqui uma contradição manifesta, pois está dito antes que: “Deus os fizera em tudo semelhantes aos Espíritos sublimes; que, repartidos em todas as ordens e misturados a todas as suas fileiras, eles tinham o mesmo fim e o mesmo destino; que seu chefe era o mais belo arcanjo.” Se eles foram feitos em tudo semelhantes aos outros, não eram então de uma natureza inferior; se estavam misturados a todas as suas fileiras, não estavam num lugar especial. A objeção subsiste portanto inteiramente.

11. Há outra objeção que é, incontestavelmente, a mais grave e mais séria.

Está dito: “Esse desígnio (a mediação do Cristo), concebido desde a eternidade, foi manifestado aos anjos muito tempo antes de seu cumprimento.” Logo, Deus sabia desde a eternidade que os anjos, tanto quanto os homens, precisariam dessa mediação. Ele sabia, ou não sabia, que certos anjos falhariam; que essa queda acarretaria para eles a danação eterna sem esperança de retorno; que eles seriam destinados a tentar os homens; que aqueles dentre estes últimos que se deixassem seduzir sofreriam o mesmo destino. Se ele o sabia, criou portanto esses anjos, com conhecimento de causa, para sua perda irrevogável e para a da maior parte do gênero humano. Diga-se o que se quiser, é impossível conciliar sua criação, numa semelhante previsão, com a soberana bondade. Se ele não o sabia, não era onipotente. Em ambos os casos, é a negação de dois atributos sem a plenitude dos quais Deus não seria Deus.

12. Se se admite a falibilidade dos anjos, como a dos homens, a punição é uma consequência natural e justa da falta; mas se se admitir ao mesmo tempo a possibilidade do resgate, pelo retorno ao bem, a retomada da graça após o arrependimento e a expiação, nada há que desminta a bondade de Deus. Deus sabia que eles falhariam, que seriam punidos, mas sabia também que esse castigo temporário seria um meio de fazê-los compreender sua falta e viraria a favor deles. Assim se verificaria esta afirmação do profeta Ezequiel: “Deus não quer a morte do pecador, mas sua salvação.” * O que seria a negação dessa bondade é a inutilidade do arrependimento e a impossibilidade do retorno ao bem. Nessa hipótese, é portanto rigorosamente exato dizer que: “Esses anjos, desde sua criação, visto que Deus não podia ignorá-lo, foram votados ao mal para sempre, e predestinados a se tornarem demônios, para arrastar os homens ao mal.”


* Ver acima, cap. VII, n.º 20, citação de Ezequiel.


13. Vejamos agora qual é seu destino e o que fazem.

“Mal sua revolta rebentou na linguagem dos Espíritos, ou seja, nos ímpetos de seus pensamentos, foram banidos irrevogavelmente da cidade celeste e precipitados no abismo.

“Por estas palavras, entendemos que eles foram relegados a um lugar de suplícios, onde sofrem a pena do fogo, conforme este texto do Evangelho, que saiu da própria boca do Salvador: ‘Ide, malditos, ao fogo eterno que foi preparado para o demônio e para seus anjos.’ São Pedro diz expressamente: ‘que Deus os entregou às correntes e às torturas do inferno; mas nem todos aí permanecem para sempre; é somente no fim do mundo que eles aí serão encerrados para sempre, com os reprovados. Presentemente, Deus permite que eles ocupem ainda um lugar nessa criação à qual pertencem; na ordem das coisas à qual se vincula sua existência, nas relações enfim que eles deviam ter com o homem, e da qual fazem o mais pernicioso abuso. Enquanto uns estão em sua morada tenebrosa, e servem de instrumento à justiça divina, contra as almas desafortunadas que seduziram, uma infinidade de outros, formando legiões invisíveis, sob o comando de seus chefes, residem nas camadas inferiores de nossa atmosfera e percorrem todas as partes do globo. Misturam-se a tudo o que acontece aqui embaixo, e tomam quase sempre parte muito ativa nisso.’”

No que se refere às palavras do Cristo, sobre o suplício do fogo eterno, esta questão é tratada no capítulo IV, “O Inferno”.

14. Segundo esta doutrina, só uma parte dos demônios está no inferno; a outra vagueia em liberdade, misturando-se a tudo o que ocorre aqui embaixo, entregando-se ao prazer de fazer o mal, e isso até o fim do mundo, cuja época indeterminada não terá lugar tão cedo. Por que então essa diferença? São eles menos culpados? Seguramente não. A menos que eles saiam de lá por sua vez, o que pareceria resultar desta passagem: “Enquanto uns estão em sua morada tenebrosa, e servem aí de instrumento à justiça divina contra as almas desafortunadas que seduziram.”

Suas funções consistem, portanto, em atormentar as almas que seduziram. Assim, eles não estão encarregados de punir aquelas que são culpadas de faltas livre e voluntariamente cometidas, mas daquelas que eles provocaram. Eles são, ao mesmo tempo, a causa da falta e o instrumento do castigo; e, coisa que a justiça humana, por mais imperfeita que seja, não admitiria, a vítima que sucumbe, por fraqueza, à ocasião que se faz nascer para tentá-la, é punida tão severamente quanto o agente provocador que emprega o ardil e a astúcia; mais severamente mesmo, pois ela vai para o inferno, ao deixar a terra, para jamais de lá sair, e lá sofrer sem trégua nem misericórdia durante a eternidade, ao passo que aquele que é a causa primeira de sua falta goza da prorrogação e da liberdade até o fim do mundo! A justiça de Deus não é então mais perfeita do que a dos homens?

15. Não é tudo. “Deus permite que eles ocupem ainda um lugar nessa criação, nas relações que eles deviam ter com o homem e da qual fazem o mais pernicioso abuso.” Deus podia ignorar o abuso que eles fariam da liberdade que lhes concede? Então por que ele a concede? Logo, é com conhecimento de causa que ele entrega suas criaturas à mercê deles, sabendo, em virtude de sua onisciência, que elas sucumbirão e terão o destino dos demônios. Não era suficiente a própria fraqueza delas, sem permitir que fossem estimuladas ao mal por um inimigo tanto mais perigoso quanto invisível? Ainda, se o castigo fosse apenas temporário e o culpado pudesse redimir-se pela reparação! Mas não: está condenado para toda a eternidade. Seu arrependimento, seu retorno ao bem, seus lamentos são supérfluos.

Os demônios são assim os agentes provocadores predestinados a recrutar almas para o inferno, e isso com a permissão de Deus, que sabia, criando essas almas, o destino que lhes estava reservado. O que se diria, na terra, de um juiz que fizesse isso para povoar as prisões? Estranha ideia que nos dão da Divindade, de um Deus cujos atributos essenciais são a soberana justiça e a soberana bondade! E é em nome de Jesus Cristo, daquele que não pregou senão o amor, a caridade e o perdão, que se ensinam semelhantes doutrinas! Houve um tempo em que tais anomalias passavam desapercebidas; não se compreendiam, não se sentiam; o homem, curvado sob o jugo do despotismo, submetia cegamente sua razão, ou melhor, abdicava de sua razão; mas hoje a hora da emancipação soou: ele compreende a justiça, ele a quer durante sua vida e após a morte; é por isso que ele diz: “Isso não existe, isso não é possível, ou Deus não é Deus!”

16. “O castigo segue por toda a parte esses seres caídos e malditos, por toda a parte eles carregam seu inferno consigo: não têm mais paz nem repouso; as próprias doçuras da esperança se transformaram para eles em amargura: ela lhes é odiosa. A mão de Deus atingiu-os no próprio ato de seu pecado, e sua vontade se obstinou no mal. Tornados perversos, não querem cessar de sê-lo, e são-no para sempre.

“Eles são, depois do pecado, o que o homem é depois da morte. A reabilitação daqueles que caíram é portanto impossível; sua perda é doravante sem volta, e eles perseveram em seu orgulho, perante Deus, em seu ódio contra o Cristo, em seu ciúme contra a humanidade.

“Não tendo podido apropriar-se da glória do céu, pelo impulso de sua ambição, esforçam-se para estabelecer seu império na terra e banir daí o reino de Deus. O Verbo feito carne cumpriu, apesar deles, seus desígnios para a salvação e a glória da humanidade; todos os meios de ação de que eles dispõem são dedicados a lhe roubar as almas que ele resgatou; o ardil e a importunação, a mentira e a sedução, eles lançam mão de tudo para levá-las ao mal e consumar sua ruína.

“Com tais inimigos, a vida do homem, desde o berço até o túmulo, não pode ser, infelizmente, senão uma luta perpétua, pois eles são poderosos e infatigáveis.

“Esses inimigos, com efeito, são os mesmos que, após terem introduzido o mal no mundo, conseguiram cobrir a terra com as espessas trevas do erro e do vício; os que, durante longos séculos, se fizeram adorar como deuses, e que reinaram soberanos sobre os povos da antiguidade; os que, por fim, exercem ainda seu império tirânico sobre as regiões idólatras, e que fomentam a desordem e o escândalo até no seio das sociedades cristãs.

“Para compreender todos os recursos que eles têm a serviço de sua maldade, basta notar que eles não perderam nada das prodigiosas faculdades que são apanágio da natureza angélica. Sem dúvida, o futuro e sobretudo a ordem sobrenatural têm mistérios que Deus se reservou e que eles não podem descobrir; mas sua inteligência é bem superior à nossa, porque eles percebem numa vista d’olhos os efeitos em suas causas, e as causas em seus efeitos. Essa penetração permite-lhes anunciar de antemão acontecimentos que escapam às nossas conjeturas. A distância e a diversidade dos lugares se apagam diante de sua agilidade. Mais prontos do que o relâmpago, mais rápidos do que o pensamento, eles se acham quase ao mesmo tempo em diversos pontos do globo, e podem descrever ao longe as coisas de que são testemunhas no próprio momento em que elas se realizam.

“As leis gerais pelas quais Deus rege e governa este universo não são do domínio deles; eles não podem infringi-la, nem por conseguinte predizer ou realizar verdadeiros milagres; mas possuem a arte de imitar e falsificar, dentro de certos limites, as obras divinas; sabem que fenômenos resultam da combinação dos elementos, e predizem com certeza os que acontecem naturalmente, como os que eles mesmos têm o poder de produzir. Daí, esses numerosos oráculos, esses prestígios extraordinários cuja recordação os livros sagrados e profanos nos guardaram, e que serviram de base e de alimento a todas as superstições.

“Sua substância simples e imaterial subtrai-os ao nosso olhar; eles estão a nosso lado sem serem percebidos; impressionam nossa alma sem tocar nossos ouvidos; cremos obedecer a nosso próprio pensamento, enquanto sofremos suas tentações e sua funesta influência. Nossas disposições, ao contrário, são-lhes conhecidas pelas impressões que sentimos, e eles nos atacam, habitualmente, pelo nosso lado fraco. Para nos seduzirem mais seguramente, têm o costume de nos apresentar iscas e sugestões conformes a nossas tendências. Modificam sua ação segundo as circunstâncias e de acordo com os traços característicos de cada temperamento. Mas suas armas favoritas são a mentira e a hipocrisia.”

17. O castigo, diz-se, segue-os por toda a parte; não têm mais paz nem repouso. Isto não destrói a observação feita sobre a prorrogação de que gozam os que não estão no inferno, prorrogação tanto menos justificada quanto, estando fora, eles fazem mais mal. Sem dúvida nenhuma, eles não são bem-aventurados como os bons anjos; mas não conta nada a liberdade de que gozam? Se não têm a felicidade moral que a virtude concede, são incontestavelmente menos desgraçados que seus cúmplices que estão nas chamas. E depois, para o malvado, há uma espécie de gozo em fazer o mal com toda a liberdade. Perguntai a um criminoso se lhe é indiferente estar na prisão ou correr pelos campos, e cometer suas más ações à sua vontade. A posição é exatamente a mesma.

O remorso, diz-se, persegue-os sem trégua nem misericórdia. Mas esquece-se que o remorso é o precursor imediato do arrependimento, se não for já o próprio arrependimento. Ora, diz-se, “Tornados perversos, não querem cessar de sê-lo, e são-no para sempre.” Visto que não querem cessar de ser perversos, é que não têm remorsos; se tivessem o menor remorso, cessariam de fazer o mal e pediriam perdão. Logo, o remorso não é para eles um castigo.

18. “Eles são, depois do pecado, o que o homem é depois da morte. A reabilitação daqueles que caíram é portanto impossível.” De onde vem essa impossibilidade? Não se compreende que ela seja a consequência da semelhança deles com o homem depois da morte, frase que, de resto, não é muito clara. Essa impossibilidade vem da vontade deles ou da vontade de Deus? Se provém da vontade deles, denota uma extrema perversidade, um endurecimento absoluto no mal; desde logo, não se compreende que seres tão fundamentalmente maus tenham podido um dia ser anjos de virtude, e que, durante o tempo indefinido que passaram entre esses últimos, não tenham deixado transparecer nenhum traço de sua má natureza. Se é a vontade de Deus, compreende-se ainda menos que ele inflija, como castigo, a impossibilidade do retorno ao bem, após uma primeira falta. O Evangelho não diz nada semelhante.

19. “Sua perda, acrescenta-se, é doravante sem retorno, e eles perseveram em seu orgulho perante Deus.” De que lhes serviria não perseverar, visto que todo arrependimento é inútil? Se tivessem a esperança de uma reabilitação, a qualquer custo que fosse, o bem teria um objetivo para eles, ao passo que assim não o tem. Se eles perseveram no mal, é portanto porque a porta da esperança lhes está fechada. E por que Deus a fecha? Para se vingar da ofensa que recebeu da falta de submissão deles. Assim, para saciar seu ressentimento contra alguns culpados, ele prefere vê-los, não só sofrer, mas fazer o mal em vez do bem; induzir ao mal e impelir à perdição eterna todas as suas criaturas do gênero humano, ao passo que bastava um simples ato de clemência para evitar tão grande desastre, e um desastre previsto desde a eternidade!

Tratava-se, por ato de clemência, de uma graça pura e simples que talvez fosse um encorajamento ao mal? Não, mas de um perdão condicional, subordinado a um sincero retorno ao bem. Em vez de uma palavra de esperança e de misericórdia, faz-se Deus dizer: Pereça toda a raça humana, antes que minha vingança! E espantam-se que, com tal doutrina, haja incrédulos e ateus! É assim que Jesus nos representa seu Pai? Ele que nos faz uma lei expressa do esquecimento e do perdão das ofensas, que nos diz para pagar o mal com o bem, que põe o amor aos inimigos em primeiro lugar entre as virtudes que devem valer-nos o céu, gostaria ele então que os homens fossem melhores, mais justos, mais compassivos do que o próprio Deus?

Os demônios segundo o Espiritismo.

20. Segundo o Espiritismo, nem os anjos nem os demônios são seres à parte; a criação dos seres inteligentes é una. Unidos a corpos materiais, eles constituem a humanidade que povoa a terra e as outras esferas habitadas; desprendidos desse corpo, eles constituem o mundo espiritual ou dos Espíritos que povoam os espaços. Deus criou-os perfectíveis; deu-lhes por objetivo a perfeição, e a bem-aventurança que é sua consequência, mas não lhes deu a perfeição; quis que eles a devessem a seu trabalho pessoal, a fim de que tivessem esse mérito. Desde o instante de sua formação eles progridem, quer no estado de encarnação, quer no estado espiritual; chegados ao apogeu, são puros Espíritos, ou anjos segundo a denominação vulgar; de sorte que, desde o embrião do ser inteligente até o anjo, há uma cadeia ininterrupta da qual cada elo marca um grau no progresso.

Resulta daí que existem Espíritos em todos os graus de avanço moral e intelectual, segundo estejam no alto, na parte inferior, ou no meio da escala. Há Espíritos, por conseguinte, em todos os graus de saber e de ignorância, de bondade e de maldade. Nas posições inferiores, há os que estão ainda profundamente inclinados ao mal, e nele se comprazem. Pode-se chamá-los demônios, se se quiser, pois são capazes de todas as maldades atribuídas a estes últimos. Se o Espiritismo não lhes dá esse nome, é que se vincula a ele a ideia de seres distintos da humanidade, de uma natureza essencialmente perversa, devotados ao mal por toda a eternidade e incapazes de progredir no bem.

21. Segundo a doutrina da Igreja, os demônios foram criados bons, e tornaram-se maus por sua desobediência: são anjos caídos; foram colocados por Deus no alto da escala, e desceram. Segundo o Espiritismo, são Espíritos imperfeitos, mas que se aperfeiçoarão; ainda estão na parte inferior da escala, e subirão.

Aqueles que, por sua indiferença, sua negligência, sua obstinação e sua má vontade permanecem mais tempo nas posições inferiores, carregam essa pena, e o hábito do mal torna-lhes mais difícil sair dele; mas chega um tempo em que se cansam dessa existência penosa e dos sofrimentos que dela decorrem; é então que, comparando sua situação com a dos bons Espíritos, compreendem que seu interesse está no bem, e procuram aperfeiçoar-se, mas fazem-no por sua própria vontade e sem serem coagidos. Estão submetidos à lei do progresso por sua aptidão a progredir, mas não progridem contra sua vontade. Deus lhes fornece incessantemente os meios para tal, mas eles são livres de aproveitá-los ou não. Se o progresso fosse obrigatório, eles não teriam nenhum mérito, e Deus quer que eles tenham o de suas obras; ele não coloca nenhum na primeira posição por privilégio, mas a primeira posição está aberta a todos, e eles só chegam lá por seus esforços. Os anjos mais elevados conquistaram seu grau como os outros passando pelo caminho comum.

22. Chegados a certo grau de purificação, os Espíritos têm missões em proporção com seu avanço; eles cumprem todas as que são atribuídas aos anjos das diferentes ordens. Como Deus criou desde a eternidade, desde a eternidade houve Espíritos para satisfazer todas as necessidades do governo do universo. Uma única espécie de seres inteligentes, submetidos à lei do progresso, basta portanto para tudo. Esta unidade na criação, com o pensamento de que todos têm um ponto de partida, o mesmo caminho a percorrer, e que eles sobem por seu próprio mérito, corresponde bem melhor à justiça de Deus, do que a criação de espécies diferentes mais ou menos favorecidas por dons naturais que seriam outros tantos privilégios.

23. A doutrina vulgar sobre a natureza dos anjos, dos demônios e das almas humanas, não admitindo a lei do progresso, e vendo porém seres em diferentes graus, concluiu daí que eles eram o produto de outras tantas criações especiais. Ela chega assim a fazer de Deus um pai parcial, dando tudo a alguns de seus filhos, ao passo que impõe aos outros o mais rude trabalho. Não é espantoso que durante muito tempo os homens não tenham achado nada de chocante nessas preferências, enquanto faziam o mesmo a respeito de seus próprios filhos, pelos direitos de primogenitura e os privilégios do nascimento; podiam eles crer fazer mais mal do que Deus? Mas hoje em dia o círculo das ideias se alargou; eles veem mais claro; têm noções mais nítidas da justiça; querem-na para eles, e se nem sempre a encontram na terra, esperam ao menos encontrá-la mais perfeita no céu; é por isso que toda doutrina em que a justiça divina não aparece ao homem em sua maior pureza, repugna à sua razão.

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