3.
Suponhamos que, por uma circunstância qualquer, um povo inteiro adquire
a certeza de que dentro de oito dias, dentro de um mês, dentro de um
ano, será aniquilado, que nenhum indivíduo sobreviverá, que não restará
mais nenhum traço dele depois da morte; o que ele fará durante esse
tempo? Trabalhará para seu aperfeiçoamento, sua instrução? Fará esforço
para viver?Respeitará os direitos, os bens, a vida de seu
semelhante? Submeter-se-á às leis, a uma autoridade, seja ela qual for,
mesmo a mais legítima: a autoridade paterna? Haverá para ele um dever
qualquer? Seguramente não. Pois bem! O que não ocorre em massa, a
doutrina do vazio realiza todo dia de forma isolada. Se as consequências
não são tão desastrosas quanto poderiam, é porque primeiramente na
maioria dos incrédulos há mais bravata do que verdadeira incredulidade,
mais dúvida que convicção, e eles têm mais medo do nada do que querem
demonstrar; o título de espírito independente lisonjeia-lhes o amor
próprio; em segundo lugar, os incrédulos absolutos são ínfima minoria;
sofrem a contragosto o ascendente da opinião contrária e são mantidos
por uma força material; mas se a incredulidade absoluta chegar um dia ao
estado de maioria, a sociedade estará em dissolução. É ao que tende a
propagação da doutrina do niilismo. *
Sejam quais forem as
consequências, se ela fosse verdadeira, seria preciso aceitá-la, e não
seriam sistemas contrários, nem o pensamento do mal que daí resultaria,
que poderiam fazer que ela não fosse. Ora, não se deve dissimular que o
ceticismo, a dúvida, a indiferença, ganham terreno a cada dia, apesar
dos esforços da religião; isto é positivo. Se a religião é impotente
contra a incredulidade, é porque lhe falta alguma coisa para combatê-la,
de tal modo que se ela permanecesse na imobilidade, em um tempo dado
estaria irremediavelmente ultrapassada. O que lhe falta neste século de
positivismo, em que se quer compreender antes de crer, é a sanção de
suas doutrinas por fatos positivos; é também a concordância de certas
doutrinas com os dados positivos da ciência. Se ela diz branco e os
fatos dizem preto, é preciso optar entre a evidência e a fé cega.
* Um jovem de dezoito anos sofria de uma doença cardíaca declarada incurável. A ciência dissera: Ele pode morrer dentro de oito dias, como dentro de dois anos, mas daí não passará. O jovem sabia disso; imediatamente abandonou todo estudo, e entregou-se a todo tipo de excessos. Quando lhe mostravam quão perigosa era uma vida desregrada no seu estado, ele respondia: Que me importa, já que só tenho dois anos de vida? De que me serviria cansar o espírito a aprender? Aproveito o melhor possível os últimos momentos e quero divertir-me até o fim. Eis a consequência lógica do niilismo.
Se esse jovem fosse espírita, teria dito para si mesmo: A morte destruirá apenas meu corpo, que deixarei como uma roupa desgastada, mas meu Espírito viverá sempre. Eu serei, em minha vida futura, o que tiver feito de mim mesmo nesta vida; nada do que eu adquiri aqui de qualidades morais e intelectuais se perderá, pois serão ganhos para meu adiantamento; toda imperfeição da qual eu me despojar é um passo a mais na direção da felicidade; minha felicidade ou infelicidade no porvir dependem da utilidade ou inutilidade de minha existência presente. É, portanto, do meu interesse aproveitar o pouco de tempo que me resta, e evitar tudo o que poderia diminuir minhas forças. Qual dessas duas doutrinas é preferível?