CAPÍTULO V
DAS MANIFESTAÇÕES FÍSICAS ESPONTÂNEAS
Ruídos, barulhos e perturbações. — Arremesso de objetos. — Fenômeno de transporte.
Ruídos, barulhos e perturbações.
82.
São provocados os fenômenos de que acabamos de falar. Sucede, porém, às
vezes, produzirem-se espontaneamente, sem intervenção da vontade, até
mesmo contra a vontade, pois que frequentemente se tornam muito
importunos. Além disso, para excluir a suposição de que possam ser
efeito de imaginação sobre-excitada pelas ideias espíritas, há a
circunstância de que se produzem entre pessoas que nunca ouviram falar
disso e exatamente quando menos por semelhante coisa esperavam. Tais
fenômenos, a que se poderia dar o nome de Espiritismo prático natural,
são muito importantes, por não permitirem a suspeita de conivência. Por
isso mesmo, recomendamos, às pessoas que se ocupam com os fatos
espíritas, que registrem todos os desse gênero que lhes cheguem ao
conhecimento, mas, sobretudo, que lhes verifiquem cuidadosamente a
realidade, mediante menorizado estudo das circunstâncias, a fim de
adquirirem a certeza de que não são joguetes de uma ilusão, ou de uma
mistificação.
83. De
todas as manifestações espíritas, as mais simples e mais frequentes são
os ruídos e as pancadas. Neste caso, principalmente, é que se deve
temer a ilusão, porquanto uma infinidade de causas naturais pode
produzi-los: o vento que sibila ou que agita um objeto, um corpo que se
move por si mesmo sem que ninguém perceba, um efeito acústico, um animal
escondido, um inseto, etc., até mesmo a malícia dos brincalhões de mau
gosto. Aliás, os ruídos espíritas apresentam um caráter especial,
revelando intensidade e timbre muito variado, que os tornam facilmente
reconhecíveis e não permitem sejam confundidos com os estalidos da
madeira, com as crepitações do fogo, ou com o tique-taque monótono do
relógio. São pancadas secas, ora surdas, fracas e leves, ora claras,
distintas, às vezes retumbantes, que mudam de lugar e se repetem sem
nenhuma regularidade mecânica. De todos os meios de verificação, o mais
eficaz, o que não pode deixar dúvida quanto à origem do fenômeno, é a
obediência deste à vontade de quem o observa. Se as pancadas se fizerem
ouvir num lugar determinado, se responderem, pelo seu número, ou pela
sua intensidade, ao pensamento, não se lhes pode deixar de reconhecer
uma causa inteligente. Todavia, a falta de obediência nem sempre
constitui prova em contrário.
84.
Admitamos agora que, por uma comprovação minuciosa, se adquira a
certeza de que os ruídos, ou outros efeitos quaisquer, são manifestações
reais: será racional que se lhes tenha medo? Não, decerto; porquanto,
em caso algum, nenhum perigo haverá nelas. Só os que se persuadem de que
é o
diabo que as produz podem ser por elas abalados de modo deplorável, como
o são
as crianças a quem se mete medo com o lobisomem, ou o papão. Essas
manifestações tomam às vezes, forçoso é convir, proporções e
persistências desagradáveis,
causando aos que as experimentam o desejo muito natural de se verem
livres
delas. A este propósito, uma explicação se faz necessária.
85. Dissemos
atrás que as manifestações físicas têm por fim chamar-nos a atenção
para alguma coisa e convencer-nos da presença de uma força superior ao
homem. Também dissemos que os Espíritos elevados não se ocupam com esta
ordem de manifestações; que se servem dos Espíritos inferiores para
produzi-las, como nos utilizamos dos nossos serviçais para os trabalhos
pesados, e isso com o fim que vamos indicar.
Alcançado esse fim, cessa a manifestação material, por desnecessária. Um ou dois exemplos farão melhor compreender a coisas.
86.
Há muitos anos, quando ainda iniciava meus estudos sobre o Espiritismo,
estando certa noite entregue a um trabalho referente a esta matéria,
pancadas se fizeram ouvir em torno de mim, durante quatro horas
consecutivas. Era a primeira vez que tal coisa me acontecia. Verifiquei
não serem devidas a nenhuma causa acidental, mas, na ocasião, foi só o
que pude saber. Por essa época, tinha eu frequentes ensejos de estar com
um excelente médium escrevente. No dia seguinte, perguntei ao Espírito,
que por seu intermédio se comunicava, qual a causa daquelas
pancadas.
Era, respondeu-me ele, o teu Espírito familiar que te desejava
falar
. — Que queria de mim? Resp.: Ele está aqui, pergunta-lhe. — Tendo-o
interrogado, aquele Espírito se deu a conhecer sob um nome alegórico. (Vim a
saber depois, por outros Espíritos, que pertence a uma categoria muito elevada
e que desempenhou na Terra importante papel.)
Apontou erros no meu trabalho,
indicando-me
as linhas onde se
encontravam; deu-me úteis e sábios conselhos e acrescentou que estaria sempre
comigo e atenderia ao meu chamado todas as vezes que o quisesse interrogar.
A
partir de então, com efeito, esse Espírito nunca mais me abandonou. Dele recebi
muitas provas de grande superioridade e sua intervenção
benévola
e eficaz
me foi manifesta, assim nos
assuntos da vida material, como no tocante às questões metafísicas. Desde a
nossa primeira entrevista, as pancadas cessaram. De fato, que desejava ele?
Pôr-se em comunicação regular comigo; mas, para isso, precisava de me
avisar. Dado e explicado o aviso, estabelecidas as relações regulares,
as pancadas se tornaram inúteis. Daí o cessarem. O tambor deixa de
tocar, para despertar os soldados, logo que estes se acham todos de pé.
Fato quase semelhante sucedeu a um dos nossos amigos. Havia algum
tempo, no seu quarto se ouviam ruídos diversos, que já se iam tornando
fatigantes. Apresentando-lhe ocasião de interrogar o Espírito de seu
pai, por um médium escrevente, soube o que queriam dele, fez o que foi
recomendado e daí em diante nada mais ouviu. Deve-se notar que as
manifestações deste gênero são mais raras para as pessoas que dispõem de
meio regular e fácil de comunicação com os Espíritos, e isso se
concebe.
87. As
manifestações espontâneas nem sempre se limitam a ruídos e pancadas.
Degeneram, por vezes, em verdadeiro estardalhaço e em perturbações.
Móveis e objetos diversos são derribados, projetis de toda sorte são
atirados de fora para dentro, portas e janelas são abertas e fechadas
por mãos invisíveis, ladrilhos são quebrados, o que não se pode levar à
conta da ilusão.
Muitas vezes o derribamento se dá, de fato;
doutras, porém, só se dá na aparência. Ouvem-se vozerios em aposentos
contíguos, barulho de louça que cai e se quebra com estrondo, cepos que
rolam pelo assoalho. Acorrem as pessoas da casa e encontram tudo calmo e
em ordem. Mal saem, recomeça o tumulto.
88. As manifestações desta espécie não são
raras, nem novas. Poucas serão as crônicas locais que não encerrem alguma
história desta natureza. É fora de dúvida que o medo tem exagerado muitos fatos
que, passando de boca em boca, assumiram proporções gigantescamente ridículas.
Com o auxílio da superstição, as casas onde eles ocorrem foram tidas como
assombradas pelo diabo e daí todos os maravilhosos ou terríveis contos de
fantasmas. Por outro lado, a velhacaria não consentiu em perder tão bela
ocasião de explorar a credulidade e quase sempre para satisfação de interesses
pessoais. Aliás, facilmente se concebe que impressão podem fatos desta ordem
produzir, mesmo dentro dos limites da realidade, em pessoas de caracteres
fracos e predispostas, pela educação, a alimentar ideias supersticiosas. O meio
mais seguro de obviar aos inconvenientes que possam trazer, visto não ser
possível impedir-se que se deem, consiste em tornar conhecida a verdade. Em
coisas terríficas se convertem as mais simples, quando
se lhes desconhecem as causas. Ninguém mais terá medo dos Espíritos, quando
todos estiverem familiarizados com eles e quando os a quem eles se manifestam
já não acreditem que estão às voltas com uma legião de demônios.
Na
Revista espírita se encontram narrados muitos fatos autênticos
deste gênero, entre outros a história do Espírito batedor de Bergzabern, cuja
ação durou oito anos (números de maio, junho e julho de 1858); a de
Dibbelsdorff (agosto de 1858); a do padeiro das Grandes-Vendas, perto de Dièppe
(março de 1860); a da rua des Noyers, em Paris (agosto de 1860); a do Espírito
de Castelnaudary, sob o título de
História
de um danado
(fevereiro de 1860); a
do fabricante de São Petersburgo (abril de 1860) e muitas outras.
89. Tais
fatos assumem, não raro, o caráter de verdadeiras perseguições.
Conhecemos seis irmãs que moravam juntas e que, durante muitos anos,
todas as manhãs encontravam suas roupas espalhadas, rasgadas e cortadas
em pedaços, por mais que tomassem a precaução de guardá-las à chave. A
muitas pessoas tem acontecido que, estando deitadas,
mas completamente acordadas,
lhes sacudam os cortinados da cama, tirem com violência as cobertas,
levantem os travesseiros e mesmo as joguem fora do leito. Fatos destes
são muito mais frequentes do que se pensa; porém, as mais das vezes, os
que deles são vítimas nada ousam dizer, de medo do ridículo. Somos
sabedores de que, por causa desses fatos, se tem pretendido curar, como
atacados de alucinações, alguns indivíduos, submetendo-os ao tratamento a
que se sujeitam os alienados, o que os torna realmente loucos.
A medicina não pode compreender estas coisas, por não admitir, entre as
causas que as determinam, senão o elemento material; donde, erros
frequentemente funestos. A história descreverá um dia certos tratamentos em uso
no século dezenove, como se narram hoje certos processos de cura da Idade
Média.
Admitimos perfeitamente que alguns casos são obra da
malícia ou da malvadez. Porém, se tudo bem averiguado, provado ficar que não
resultam da ação do homem, dever-se-á convir em que são obra, ou do diabo, como
dirão uns, ou dos Espíritos, como dizemos nós. — Mas de que Espíritos?
90. Os Espíritos superiores,
do mesmo modo que, entre nós, os homens retos e sérios, não se divertem
a fazer charivaris. Temos por diversas vezes chamado aqueles Espíritos,
para lhes perguntar por que motivo perturbam assim a tranquilidade dos
outros. Na sua maioria, fazem-no apenas para se divertirem. São mais
levianos do que maus, que se riem dos terrores que causam e das
pesquisas inúteis que se empreendem para a descoberta da causa do
tumulto. Agarram-se com frequência a um indivíduo, comprazendo-se em o
atormentarem e perseguirem de casa em casa. Doutras vezes, apegam-se a
um lugar, por mero capricho. Também, não raro, exercem por essa forma
uma vingança, como teremos ocasião de ver.
Em alguns casos,
mais louvável é a intenção a que cedem: procuram chamar a atenção e
pôr-se em comunicação com certas pessoas, quer para lhes darem um aviso
proveitoso, quer com o fim de lhes pedirem qualquer coisa para si
mesmos. Muitos temos visto que pedem preces; outros que solicitam o
cumprimento, em nome deles, de votos que não puderam cumprir; outros,
ainda, que desejam, no interesse do próprio repouso, reparar uma ação má
que praticaram quando vivos.
Em geral, é um erro ter-se medo. A
presença desses Espíritos pode ser importuna, porém, não perigosa.
Concebe-se, aliás, que toda gente deseja ver-se livre deles; mas,
geralmente, as que isso desejam fazem o contrário do que deveriam fazer
para consegui-lo. Se se trata de Espíritos que se divertem, quanto mais
ao sério se tomarem as coisas, tanto mais eles persistirão, como
crianças travessas, que tanto mais molestam as pessoas, quanto mais
estas se impacientam, e que metem medo aos poltrões. Se todos tomassem o
alvitre sensato de rir das suas partidas, eles acabariam por se cansar e
ficar quietos. Conhecemos alguém que, longe de se irritar, os excitava,
desafiando-os a fazerem tal ou tal coisa, de modo que, ao cabo de
poucos dias, não mais voltaram.
Como dissemos, porém, acima,
alguns há que assim procedem por motivo menos frívolo. Daí vem que é
sempre bom saber-se o que querem. Se pedem qualquer coisa, pode-se estar
certo de que, satisfeitos os seus desejos, não renovarão as visitas. O
melhor meio de nos informarmos a tal respeito consiste em evocarmos o
Espírito, por um bom médium escrevente. Pelas suas respostas, veremos
imediatamente com quem estamos às voltas e obraremos de conformidade com
o esclarecimento colhido. Se se trata de um Espírito infeliz, manda a
caridade que lhe dispensemos as atenções que mereça. Se é um engraçado
de mau gosto, podemos proceder desembaraçadamente com ele. Se um
malvado, devemos rogar a Deus que o torne melhor. Qualquer que seja o
caso, a prece nunca deixa de dar bom resultado. As fórmulas graves de
exorcismo, essas os fazem rir; nenhuma importância lhes ligam. Sendo
possível entrar em comunicação com eles, deve-se sempre desconfiar dos
qualificativos burlescos, ou apavorantes, que dão a si mesmos, para se
divertirem com a credulidade dos que acolhem como verdadeiros tais
qualificativos.
Nos capítulos referentes aos lugares assombrados e às obsessões, consideraremos com mais pormenores este assunto e as causas da ineficácia das preces em muitos casos.
91. Estes fenômenos,
conquanto operados por Espíritos inferiores, são com frequência
provocados por Espíritos de ordem mais elevada, com o fim de
demonstrarem a existência de seres incorpóreos e de uma potência
superior ao homem. A repercussão que eles têm, o próprio temor que
causam, chamam a atenção e acabarão por fazer que se rendam os mais
incrédulos. Acham estes mais simples lançar os fenômenos a que nos
referimos à conta da imaginação, explicação muito cômoda e que dispensa
outras. Todavia, quando objetos vários são sacudidos ou atirados à
cabeça de uma pessoa, bem complacente imaginação precisaria ela ter,
para fantasiar que tais coisas sejam reais, quando não o são.
Desde que se nota um efeito qualquer, ele tem necessariamente uma causa.
Se uma observação fria e calma nos demonstra que esse efeito independe
de toda vontade humana e de toda causa material; se, demais nos dá
evidentes sinais de inteligência e de vontade livre, o que constitui o traço mais característico,
forçoso será atribuí-lo a uma inteligência oculta. Que seres
misteriosos são esses? É o que os estudos espíritas nos ensinam do modo
menos contestável, pelos meios que nos facultam de nos comunicarmos com
eles. Esses estudos, além disso, nos ensinam a distinguir o que é real
do que é falso, ou exagerado, nos fenômenos de que não fomos
testemunha. Se um efeito insólito se produz: ruído, movimento, mesmo
aparição, a primeira ideia que se deve ter é a de que provém de uma
causa inteiramente natural, por ser a mais provável. Tem-se então que
buscar essa causa com o maior cuidado e não admitir a intervenção dos
Espíritos, senão muito cientemente. Esse o meio de se evitar toda
ilusão. Um, por exemplo, que, sem se haver aproximado de quem quer que
fosse, recebesse uma bofetada, ou bengalada nas costas, como tem
acontecido, não poderia duvidar da presença de um invisível.
Cada um deve estar em guarda, não somente contra narrativas que possam
ser, quando menos, acoimadas de exagero, mas também contra as próprias
impressões, cumprindo não atribuir origem oculta a tudo o que não
compreenda. Uma infinidade de causas muito simples e muito naturais pode
produzir efeitos à primeira vista estranhos e seria verdadeira
superstição ver por toda parte Espíritos ocupados em derrubar móveis,
quebrar louças, provocar, enfim, as mil e uma perturbações que ocorrem
nos lares, quando mais racional é atribuí-las ao desazo.
Arremesso de objetos.
92. A explicação dada do
movimento dos corpos inertes se aplica naturalmente a todos os efeitos
espontâneos a que acabamos de passar revista. Os ruídos, embora mais
fortes do que as pancadas na mesa, procedem da mesma causa. Os objetos
derribados, ou deslocados, o são pela mesma força que levanta qualquer
objeto. Há mesmo aqui uma circunstância que apoia esta teoria.
Poder-se-ia perguntar onde, nessa circunstância, o médium. Os Espíritos
nos disseram que, em tal caso, há sempre alguém cujo poder se exerce à
sua revelia. As manifestações espontâneas muito raramente se dão em
lugares ermos; quase sempre se produzem nas casas habitadas e por motivo
da presença de certas pessoas que exercem influência, sem que o
queiram. Essas pessoas ignoram possuir faculdades mediúnicas, razão por
que lhes chamamos
médiuns naturais. São, com
relação aos outros médiuns, o que os sonâmbulos naturais são
relativamente aos sonâmbulos magnéticos e tão dignos, como aqueles, de
observação.
93.
A intervenção voluntária ou involuntária de uma pessoa dotada de
aptidão especial para a produção destes fenômenos parece necessária, na
maioria dos casos, embora alguns haja em que, ao que se afigura, o
Espírito obra por si só. Mas, então, poderá dar-se que ele tire de
algures o fluido animalizado, que não de uma pessoa presente. Isto
explica por que os Espíritos, que constantemente nos cercam, não produzem
perturbação a todo instante. Primeiro, é preciso que o Espírito queira,
que tenha um objetivo, um motivo, sem o que nada faz. Depois, é
necessário, muitas vezes, que encontre exatamente no lugar onde queira
operar uma pessoa apta a segundá-lo, coincidência que só muito raramente
ocorre. Se essa pessoa aparece inopinadamente, ele dela se aproveita.
Mesmo
quando todas as circunstâncias sejam favoráveis, ainda poderia
acontecer que o Espírito se visse tolhido por uma vontade superior, que
não lhe permitisse proceder a seu bel-prazer. Pode também dar-se que só
lhe seja permitido fazê-lo dentro de certos limites e no caso de serem
tais manifestações julgadas úteis, quer como meio de convicção, quer
como provação para a pessoa por ele visada.
94. A
este respeito, apenas citaremos o diálogo provocado a propósito dos
fatos ocorridos em junho de 1860, na rua des Noyers, em Paris.
Encontrar-se-ão os pormenores do caso na
Revue spirite, número de agosto de 1860.
1.ª. (A São Luís.) Quererias ter a bondade de nos dizer se são reais os fatos que se dizem passados
na rua des Noyers? Quanto à possibilidade deles se darem, disso não
duvidamos.
“São reais esses fatos; simplesmente, a imaginação
dos homens os exagerará, seja por medo, seja por ironia. Mas, repito,
são reais. Produz essas manifestações um Espírito que se diverte um
pouco à custa dos habitantes do lugar.”
2.ª. Haverá na casa alguma pessoa que dê causa a tais manifestações?
“Elas são sempre causadas pela presença da pessoa visada. É que o
Espírito perturbador não gosta do habitante do lugar onde ele se acha;
trata então de fazer-lhe maldades, ou mesmo procura obrigá-lo a
mudar-se.”
3.ª. Perguntamos se, entre os moradores da casa,
alguém há que seja causador desses fenômenos, por efeito de uma
influência mediúnica espontânea e involuntária?
“Necessariamente assim é, pois, sem isso, o fato não poderia dar-se. Um
Espírito vive num lugar que lhe é predileto; conserva-se inativo,
enquanto nesse lugar não se apresenta uma pessoa que lhe convenha. Desde
que essa pessoa surge, começa ele a divertir-se quanto pode.”
4.ª. Será indispensável a presença dessa pessoa no próprio lugar?
“Esse é o caso mais comum e é o que se verifica no de que tratas. Por
isso foi que eu disse que, a não ser assim, o fato não teria podido
produzir-se. Mas, não pretendi generalizar. Há casos em que a presença
imediata não é necessária.”
5.ª. Sendo sempre de ordem inferior
esses Espíritos, constituirá presunção desfavorável a uma pessoa a
aptidão que revele para lhes servir de auxiliar? Isto não denuncia, da
parte dele, uma simpatia para com os seres dessa natureza?
“Não
é precisamente assim, porquanto essa aptidão se acha ligada a uma
disposição física. Contudo, denuncia frequentemente uma tendência
material, que seria preferível não existisse, visto que, quanto mais
elevado moralmente é o homem, tanto mais atrai a si os bons Espíritos
que, necessariamente, afastam os maus.”
6.ª. Onde vai o Espírito buscar os projetis de que se serve?
“Os diversos objetos que lhe servem de projetis são, as mais das
vezes, apanhados nos próprios lugares dos fenômenos, ou nas
proximidades. Uma força provinda do Espírito os lança no espaço e eles
vão cair no ponto que o mesmo Espírito indica.”
7.ª. Pois que as
manifestações espontâneas são muitas vezes permitidas e até provocadas
para convencer os homens, parece-nos que, se fossem pessoalmente
atingidos por elas, alguns incrédulos se veriam forçados a render-se à
evidência. Eles costumam queixar-se de não serem testemunhas de fatos
concludentes. Não está no poder dos Espíritos dar-lhes uma prova
sensível?
“Os ateus e os materialistas não são a todo instante
testemunhas dos efeitos do poder de Deus e do pensamento? Isso não
impede que neguem Deus e a alma. Os milagres de Jesus converteram todos
os seus contemporâneos? Aos fariseus, que lhe diziam: “Mestre, faz-nos
ver algum prodígio”, não se assemelham os que hoje vos pedem lhes façais
presenciar algumas manifestações? Se não se converteram pelas
maravilhas da criação, também não se converterão, ainda quando os
Espíritos lhes aparecessem do modo mais inequívoco, porquanto o orgulho
os torna quais alimárias empacadoras. Se procurassem de boa-fé, não lhes
faltaria ocasião de ver; por isso, não julga Deus conveniente fazer por
eles mais do que faz pelos que sinceramente buscam instruir-se, pois
que o Pai só concede recompensa aos homens de boa vontade. A
incredulidade deles não obstará a que a vontade de Deus se cumpra. Bem
vedes que não obstou a que a doutrina se difundisse. Deixai, portanto,
de inquietar-vos com a oposição que vos movem. Essa oposição é, para a
doutrina, o que a sombra é para o quadro: maior relevo lhe dá. Que
mérito teriam eles, se fossem convencidos à força? Deus lhes deixa toda a
responsabilidade da teimosia em que se conservam e essa
responsabilidade é mais terrível do que podeis supor. Felizes os que
creem sem ter visto, disse Jesus, porque esses não duvidam do poder de
Deus.”
8.ª. Achas que convém evoquemos o Espírito a que nos temos referido, para lhe pedirmos algumas explicações?
“Evoca-o, se quiseres, mas é um Espírito inferior, que só te dará respostas muito insignificantes.”
95. Diálogo com o Espírito perturbador da rua des Noyers:
1.ª. Evocação.
“Que tinhas de me chamar? Queres umas pedradas? Então é que se havia
de ver um bonito salve-se quem puder, não obstante o teu ar de
valentia.”
2.ª. Quando mesmo nos atirasses pedras aqui, isso não
nos amedrontaria; até te pedimos positivamente que, se puderes, nos
atires algumas.
“Aqui talvez eu não pudesse, porque tens um guarda a velar por ti.”
3.ª. Havia, na rua des Noyers, alguém que, como auxiliar, te facilitava as partidas que pregavas aos moradores da casa?
“Certamente; achei um bom instrumento e não havia nenhum Espírito
douto, sábio e virtuoso para me embaraçar. Porque sou alegre; gosto às
vezes de me divertir.”
4.ª. Qual a pessoa que te serviu de instrumento?
“Uma criada.”
5.ª. Era mau grado seu que ela te auxiliava?
“Ah! sim; pobre! era a que mais medo tinha!”
6.ª. Procedias assim com algum propósito hostil?
“Eu, não. Nenhum propósito hostil me animava. Mas, os homens, que de
tudo se apoderam, farão que os fatos redundem em seu proveito.”
7.ª. Que queres dizer com isso? Não te compreendemos.
“Eu só cuidava de me divertir; vós outros, porém, estudareis a coisa e tereis mais um fato a mostrar que nós existimos.”
8.ª. Dizes que não alimentavas nenhum propósito hostil; entretanto,
quebraste todo o ladrilho da casa. Causaste assim um prejuízo real.
“É um acidente.”
9.ª. Onde foste buscar os objetos que atiraste?
“São objetos muito comuns. Achei-os no pátio e nos jardins próximos.”
10.ª. Achaste-os todos, ou fabricaste algum? (Ver adiante o cap. VIII.)
“Não criei, nem compus coisa alguma.”
11.ª. E, se os não houvesse encontrado, terias podido fabricá-los?
“Fora mais difícil. Porém, a rigor, misturam-se matérias e isso faz um todo qualquer.”
12.ª. Agora, dize-nos; como os atiraste?
“Ah! isto é mais difícil de explicar. Busquei auxílio na natureza
elétrica daquela rapariga, juntando-a à minha, que é menos material.
Pudemos assim os dois transportar os diversos objetos.”
13.ª.
Vais dar-nos de boa vontade, assim o esperamos, algumas informações
acerca da tua pessoa. Dize-nos, primeiramente, se já morreste há muito
tempo.
“Há muito tempo; há bem cinquenta anos.”
14.ª. Que eras quando vivo?
“Não era lá grande coisa; simples trapeiro naquele quarteirão; às
vezes me diziam tolices, porque eu gostava muito do licor vermelho do
bom e velho Noé. Por isso mesmo, queria pô-los todos dali para fora.”
15.ª. Foi por ti mesmo e de bom grado que respondeste às nossas perguntas?
“Eu tinha um mestre.”
16.ª. Quem é esse mestre?
“O vosso bom rei Luís.”
Nota.
Motivou esta pergunta a natureza de algumas respostas dadas, que nos
pareceram acima da capacidade desse Espírito, pela substância das ideias
e mesmo pela forma da linguagem. Nada, pois, de admirar é que ele tenha
sido ajudado por um Espírito mais esclarecido, que quis aproveitar a
ocasião para nos instruir. É este um fato muito comum, mas o que nesta
circunstância constitui notável particularidade é que a influência do
outro Espírito se fez sentir na própria caligrafia. A das respostas em
que ele interveio é mais regular e mais corrente, a do trapeiro é
angulosa, grossa, irregular, às vezes pouco legível, denotando caráter
muito diferente.
17.ª. Que fazes agora? Ocupas-te com o teu futuro?
“Ainda não; vagueio. Pensam tão pouco em mim na Terra, que ninguém roga por mim. Ora, não tendo quem me ajude, não trabalho.”
Nota.
Ver-se-á, mais tarde, quanto se pode contribuir para o progresso e o
alívio dos Espíritos inferiores, por meio da prece e dos conselhos.
18.ª. Como te chamavas quando vivo?
“Jeannet.”
19.ª. Está bem, Jeannet! oraremos por ti. Dize-nos se a nossa evocação te deu prazer ou te contrariou?
“Antes prazer, pois que sois bons rapazes, viventes alegres, embora um
pouco austeros. Não importa: ouviste-me, estou contente.”
Fenômeno de transporte.
96.
Este fenômeno não difere do de que vimos de falar, senão pela intenção
benévola do Espírito que o produz, pela natureza dos objetos, quase
sempre graciosos, de que ele se serve e pela maneira suave, delicada
mesmo, por que são trazidos. Consiste no trazimento espontâneo de
objetos inexistentes no lugar onde estão os observadores. São quase
sempre flores, não raro frutos, confeitos, joias, etc.
97. Digamos, antes
de tudo, que este fenômeno é dos que melhor se prestam à imitação e que,
por conseguinte, devemos estar de sobreaviso contra o embuste. Sabe-se
até onde pode ir a arte da prestidigitação, em se tratando de
experiências deste gênero. Porém, mesmo sem que tenhamos de nos haver
com um verdadeiro prestidigitador, poderemos ser facilmente enganados
por uma manobra hábil e interessada. A melhor de todas as garantias se
encontra no
caráter, na honestidade notória, no absoluto desinteresse das
pessoas que obtêm tais efeitos. Vem depois, como meio de resguardo, o
exame atento de todas as circunstâncias em que os fatos se produzem; e,
finalmente, o conhecimento esclarecido do Espiritismo poderá descobrir o
que fosse suspeito.
Dissertação de um Espírito sobre os transportes.
98. A teoria do fenômeno dos
transportes e das manifestações físicas em geral se acha resumida, de
maneira notável, na seguinte dissertação feita por um Espírito, cujas
comunicações todas trazem o cunho incontestável de profundeza e lógica.
Com muitas delas deparará o leitor no curso desta obra. Ele se dá a
conhecer pelo nome de
Erasto, discípulo de São Paulo, e como protetor do médium que lhe serviu de instrumento:
“Quem deseja obter fenômeno desta ordem precisa ter consigo médiuns a que chamarei — sensitivos,
isto é, dotados, no mais alto grau, das faculdades mediúnicas de
expansão e de penetrabilidade, porque o sistema nervoso facilmente
excitável de tais médiuns lhes permite, por meio de certas vibrações,
projetar abundantemente, em torno de si, o fluido animalizado que lhes é
próprio.
“As naturezas impressionáveis, as pessoas cujos
nervos vibram à menor impressão, à mais insignificante sensação; as que a
influência moral ou física, interna ou externa, sensibiliza são muito
aptas a se tornarem excelentes médiuns, para os efeitos físicos de
tangibilidade e de transportes. Efetivamente, quase de todo desprovido
do invólucro refratário, que, na maioria dos outros encarnados, o isola,
o sistema nervoso dessas pessoas as capacita para a produção destes
diversos fenômenos. Assim, com um indivíduo de tal natureza e cujas
outras faculdades não sejam hostis à mediunidade, facilmente se obterão
os fenômenos de tangibilidade, as pancadas nas paredes e nos móveis, os
movimentos
inteligentes e mesmo a suspensão, no espaço, da mais pesada matéria inerte. A fortiori, os mesmos resultados se conseguirão se, em vez de um médium, o experimentador dispuser de muitos, igualmente bem-dotados.
“Mas, da produção de tais fenômenos à obtenção dos de transporte há
um mundo de permeio, porquanto, neste caso, não só o trabalho do
Espírito é mais complexo, mais difícil, como, sobretudo, ele não pode
operar, senão por meio de um único aparelho mediúnico, isto é, muitos
médiuns não podem concorrer simultaneamente para a produção do mesmo
fenômeno. Sucede até que, ao contrário, a presença de algumas pessoas
antipáticas ao Espírito que opera lhe obsta radicalmente à operação. A
estes motivos a que, como vedes, não falta importância, acrescentemos
que os transportes reclamam sempre maior concentração e, ao mesmo tempo,
maior difusão de certos fluidos, que não podem ser obtidos senão com
médiuns superiormente dotados, com aqueles, numa palavra, cujo aparelho
eletromediúnico é o que melhores condições oferece.
“Em geral, os fatos de transporte são e continuarão a ser extremamente
raros. Não preciso demonstrar por que são e serão menos frequentes do
que os outros fenômenos de tangibilidade; do que digo, vós mesmos podeis
deduzi-lo. Demais, estes fenômenos são de tal natureza, que nem todos
os médiuns servem para produzi-los. Com efeito, é necessário que entre o
Espírito e o médium influenciado exista certa afinidade, certa
analogia; em suma: certa semelhança capaz de permitir que a parte
expansível do fluido
perispirítico* do encarnado se misture, se una, se combine com o do Espírito que queira
fazer um transporte. Deve ser tal esta fusão, que a força resultante
dela se torne, por assim dizer,
uma: do
mesmo modo que, atuando sobre o carvão, uma corrente elétrica produz um
só foco, uma só claridade. Por que essa união, essa fusão, perguntareis?
É que, para que estes fenômenos se produzam, necessário se faz que as
propriedades essenciais do Espírito motor se aumentem com algumas das do
médium; é que o
fluido vital, indispensável à produção de todos os fenômenos mediúnicos, é apanágio exclusivo do
encarnado e que, por conseguinte, o Espírito operador fica obrigado a
se impregnar dele. Só então pode, mediante certas propriedades, que
desconheceis, do vosso meio ambiente, isolar, tornar invisíveis e fazer
que se movam alguns objetos materiais e mesmo os encarnados.
“Não
me é permitido, por enquanto, desvendar-vos as leis particulares que
governam os gases e os fluidos que vos cercam; mas, antes que alguns
anos tenham decorrido, antes que uma existência de homem se tenha
esgotado, a explicação destas leis e destes fenômenos vos será revelada e
vereis surgir e produzir-se uma variedade nova de médiuns, que agirão
num estado acataléptico especial, desde que sejam mediunizados.
“Vedes, assim, quantas dificuldades cercam a produção do fenômeno dos
transportes. Muito logicamente podeis concluir daí que os fenômenos
desta natureza são extremamente raros, como eu disse acima, e com tanto
mais razão, quanto os Espíritos muito pouco se prestam a produzi-los,
porque isso dá lugar, da parte deles, a um trabalho quase material, o
que lhes acarreta aborrecimento e fadiga. Por outro lado, ocorre também
que, frequentemente, não obstante a energia e a vontade que os animem, o
estado do próprio médium lhes opõe intransponível barreira.
“Evidente
é, pois, e o vosso raciocínio, estou certo, o sancionará, que os fatos
de tangibilidade, como pancadas, suspensão e movimentos, são fenômenos
simples, que se operam mediante a concentração e a dilatação de certos
fluidos e que podem ser provocados e obtidos pela vontade e pelo
trabalho dos médiuns aptos a isso, quando secundados por Espíritos
amigos e benevolentes, ao passo que os fatos de transporte são
múltiplos, complexos, exigem um concurso de circunstâncias especiais,
não se podem operar senão por um único Espírito e um único médium e
necessitam, além do que a tangibilidade reclama, uma combinação muito
especial, para isolar e tornar invisíveis o objeto, ou os objetos
destinados ao transporte.
“Todos vós espíritas compreendeis as
minhas explicações e perfeitamente apreendeis o que seja essa
concentração de fluidos especiais, para a locomoção e a tatilidade da
matéria inerte. Acreditais nisso, como acreditais nos fenômenos da
eletricidade e do magnetismo, com os quais os fatos mediúnicos têm
grande analogia e de que são, por assim dizer, a confirmação e o
desenvolvimento. Quanto aos incrédulos e aos sábios, piores estes do que
aqueles, não me compete convencê-los e com eles não me ocupo.
Convencer-se-ão um dia, por força da evidência, pois que forçoso será se
curvem diante do testemunho dos fatos espíritas, como forçoso foi que o
fizessem diante de outros fatos, que a princípio repeliram.
“Resumindo: os fenômenos de tangibilidade são frequentes, mas os de
transporte são muito raros, porque muito difíceis de se realizar são as
condições em que se produzem. Conseguintemente, nenhum médium pode
dizer: a tal hora, em tal momento, obterei um transporte, visto que
muitas vezes o próprio Espírito se vê obstado na execução da sua obra.
Devo acrescentar que esses fenômenos são duplamente difíceis em público,
porque quase sempre, entre este, se encontram elementos energicamente
refratários, que paralisam os esforços do Espírito e, com mais forte
razão, a ação do médium. Tende, ao contrário, como certo que, na
intimidade, os ditos fenômenos se produzem quase sempre espontaneamente,
as mais das vezes à revelia dos médiuns e sem premeditação, sendo muito
raros quando esses se acham prevenidos. Deveis deduzir daí que há
motivo de suspeição todas as vezes que um médium se lisonjeia de os
obter à vontade, ou, por outra, de dar ordens aos Espíritos, como a
servos seus, o que é simplesmente absurdo. Tende ainda como regra geral
que os fenômenos espíritas não se produzem para constituir espetáculo e
para divertir os curiosos. Se alguns Espíritos se prestam a tais coisas,
só pode ser para a produção de fenômenos simples, não para os que, como
os de transporte e outros semelhantes, exigem condições excepcionais.
“Lembrai-vos,
espíritas, de que, se é absurdo repelir sistematicamente todos os
fenômenos de além-túmulo, também não é de bom aviso aceitá-los todos,
cegamente. Quando um fenômeno de tangibilidade, de visibilidade ou de
transporte se opera espontaneamente e de modo instantâneo, aceitai-o.
Porém, nunca o repetirei demasiado, não aceiteis coisa alguma às cegas.
Seja cada fato submetido a um exame minucioso, aprofundado e severo,
porquanto, crede, o Espiritismo, tão rico em fenômenos sublimes
e grandiosos, nada tem que ganhar com essas pequenas manifestações, que
prestidigitadores hábeis podem imitar.
“Bem sei que ides
dizer: é que estes são úteis para convencer os incrédulos. Mas, ficai
sabendo, se não houvésseis disposto de outros meios de convicção, não
contaríeis hoje a centésima parte dos espíritas que existem. Falai ao
coração; por aí é que fareis maior número de conversões sérias. Se
julgardes conveniente, para certas pessoas valer-vos dos fatos
materiais, ao menos apresentai-os em circunstâncias tais, que não possam
permitir nenhuma interpretação falsa e, sobretudo, não vos afasteis das
condições normais dos mesmos fatos, porque, apresentados em más
condições, eles fornecem argumentos aos incrédulos, em vez de
convencê-los.
ERASTO.”
* Vê-se que, quando se trata de exprimir uma ideia nova, para a qual faltam termos na língua, os Espíritos sabem perfeitamente criar neologismos. Estas palavras: eletromediúnico, perispirítico, — não são de invenção nossa. Os que nos têm criticado por havermos criado os termos espírita, espiritismo, perispírito, que tinham análogos, poderão fazer também a mesma crítica aos Espíritos.
99. O fenômeno de transporte apresenta uma particularidade notável, e é que alguns médiuns só o obtém em estado sonambúlico, o que facilmente se explica. Há no sonâmbulo um desprendimento natural, uma espécie de isolamento do Espírito e do perispírito, que deve facilitar a combinação dos fluidos necessários. Tal o caso dos transportes de que temos sido testemunha.
As perguntas que se seguem foram dirigidas ao Espírito que os operara, mas as respostas se ressentem por vezes da deficiência dos seus conhecimentos. Submetemo-las ao Espírito Erasto, muito mais instruído do ponto de vista teórico, e ele as completou, aditando-lhes notas muito judiciosas. Um é o artista, o outro o sábio, constituindo a própria comparação dessas inteligências um estudo instrutivo, porquanto prova que não basta ser Espírito para tudo saber.
1.ª. Diz-nos, peço, por que os transportes que acabaste de executar só se produzem estando o médium em estado sonambúlico?
“Isto se prende à natureza do médium. Os fatos que produzo, quando o meu está
adormecido, poderia produzi-los igualmente com outro médium em estado
de vigília.”
2.ª. Por que fazes demorar tanto a trazida dos
objetos e por que é que avivas a cobiça do médium, excitando-lhe o
desejo de obter o objeto prometido?
“O tempo me é necessário a
preparar os fluidos que servem para o transporte. Quanto à excitação,
essa só tem por fim, as mais das vezes, divertir as pessoas presentes e o
sonâmbulo.”
Nota de Erasto. O
Espírito que responde não sabe mais do que isso; não percebe o motivo
dessa cobiça, que ele instintivamente aguça, sem lhe compreender o
efeito. Julga proporcionar um divertimento, enquanto que, na realidade,
provoca, sem o suspeitar, uma emissão maior de fluido. É uma
consequência da dificuldade que o fenômeno apresenta, dificuldade sempre
maior quando ele não é espontâneo, sobretudo com certos médiuns.
3.ª. Depende da natureza especial do médium a produção do fenômeno e
poderia produzir-se por outros médiuns com mais facilidade e presteza?
“A produção depende da natureza do médium e o fenômeno não se pode
produzir, senão por meio de naturezas correspondentes. Pelo que toca à
presteza, o hábito que adquirimos, comunicando-nos frequentemente com o
mesmo médium, nos é de grande vantagem.”
4.ª. As pessoas presentes influem alguma coisa no fenômeno?
“Quando há da parte delas incredulidade, oposição, muito nos podem
embaraçar. Preferimos apresentar nossas provas aos crentes e a pessoas
versadas no Espiritismo. Não quero, porém, dizer com isso que a má
vontade consiga paralisar-nos inteiramente.”
5.ª. Onde foste buscar as flores e os confeitos que trouxeste para aqui?
“As flores, tomo-as aos jardins, onde bem me parece.”
6.ª. E os confeitos? Devem ter feito falta ao respectivo negociante.
“Tomo-os onde me apraz. O negociante nada absolutamente percebeu, porque pus outros no lugar dos que tirei.”
7.ª. Mas, os anéis têm valor. Onde os foste buscar? Não terás com isso causado prejuízo àquele de quem os tiraste?
“Tirei-os de lugares que todos desconhecem e fi-lo por maneira que daí não resultará prejuízo para ninguém.”
Nota de Erasto.
Creio que o fato foi explicado de modo incompleto, em virtude da
deficiência da capacidade do Espírito que respondeu. Sim, de fato, pode
resultar prejuízo real; mas, o Espírito não quis passar por haver
desviado o que quer que fosse. Um objeto só pode ser substituído por
outro objeto idêntico, da mesma forma, do mesmo valor. Conseguintemente,
se um Espírito tivesse a faculdade de substituir, por outro objeto
igual, um de que se apodera, já não teria razão para se apossar deste,
visto que poderia dar o de que se iria servir para substituir o objeto
retirado.
8.ª. Será possível trazer flores de outro planeta?
“Não; a mim não me é possível.”
(A Erasto.) Teriam outros Espíritos esse poder?
“Não, isso não é possível, em virtude da diferença dos meios ambientes.”
9.ª. Poderias trazer-nos flores de outro hemisfério; dos trópicos, por exemplo?
“Desde que seja da Terra, posso.”
10.ª. Poderias fazer que os objetos trazidos nos desaparecessem da vista e levá-los novamente?
“Assim como os trouxe aqui, posso levá-los, à minha vontade.”
11.ª. A produção do fenômeno dos transportes não é de alguma forma penosa, não te causa qualquer embaraço?
“Não nos é penosa em nada, quando temos permissão para operá-los.
Poderia ser-nos grandemente penosa, se quiséssemos produzir efeitos para
os quais não estivéssemos autorizados.”
Nota de Erasto.
Ele não quer convir em que isso lhe é penoso, embora o seja realmente,
pois que se vê forçado a executar uma operação por assim dizer material.
12.ª. Quais são as dificuldades que encontras?
“Nenhuma outra, além das más disposições fluídicas, que nos podem ser contrárias.”
13.ª. Como trazes o objeto? Será segurando-o com as mãos?
“Não; envolvo-o em mim mesmo.”
Nota de Erasto.
A resposta não explica de modo claro a operação. Ele não envolve o
objeto com a sua própria personalidade; mas, como o seu fluido pessoal é
dilatável, combina uma parte desse fluido com o fluido animalizado do
médium e é nesta combinação que oculta e transporta o objeto que
escolheu para transportar. Ele, pois, não exprime com justeza o fato,
dizendo que envolve em si o objeto.
14.ª. Trazes com a mesma facilidade um objeto de peso considerável, de 50 quilos, por exemplo?
“O peso nada é para nós. Trazemos flores, porque agrada mais do que um volume pesado.”
Nota de Erasto.
É exato. Pode trazer objetos de cem ou duzentos quilos, por isso que a
gravidade, existente para vós, é anulada para os Espíritos. Mas, ainda
aqui, ele não percebe bem o que se passa. A massa dos fluidos combinados
é proporcional à dos objetos. Numa palavra, a força deve estar em
proporção com a resistência; donde se segue que, se o Espírito apenas
traz uma flor ou um objeto leve, é muitas vezes porque não encontra no
médium, ou em si mesmo, os elementos necessários para um esforço mais
considerável.
15.ª. Poder-se-ão imputar aos Espíritos certas desaparições de objetos, cuja causa permanece ignorada?
“Isso se dá com frequência; com mais frequência do que supondes; mas
isso se pode remediar, pedindo ao Espírito que traga de novo o objeto
desaparecido.”
Nota de Erasto. É
certo. Mas, às vezes, o que é subtraído, muito bem subtraído fica, pois
que para muito longe são levados os objetos que desaparecem de uma casa e
que o dono não mais consegue achar. Entretanto, como a subtração dos
objetos exige quase que as mesmas condições fluídicas que o trazimento
deles reclama, ela só se pode dar com o concurso de médiuns dotados de
faculdades especiais. Por isso, quando alguma coisa desapareça, é mais
provável que o fato seja devido a descuido vosso, do que à ação dos
Espíritos.
16.ª. Serão devidos à ação de certos Espíritos alguns efeitos que se consideram como fenômenos naturais?
“Nos dias que correm, abundam fatos dessa ordem, fatos que não
percebeis, porque neles não pensais, mas que, com um pouco de reflexão,
se vos tornariam patentes.”
Nota de Erasto.
Não atribuais aos Espíritos o que é obra do homem; mas, crede na
influência deles, oculta, constante, a criar em torno de vós mil
circunstâncias, mil incidentes necessários ao cumprimento dos vossos
atos, da vossa existência.
17.ª. Entre os objetos que os
Espíritos costumam trazer, não haverá alguns que eles próprios possam
fabricar, isto é, produzidos espontaneamente pelas modificações que os
Espíritos possam operar no fluido, ou no elemento universal?
“Por mim, não, que não tenho permissão para isso. Só um Espírito elevado o pode fazer.”
18.ª. Como conseguiste outro dia introduzir aqueles objetos, estando fechado o aposento?
“Fi-los entrar comigo, envoltos, por assim dizer, na minha substância. Nada mais posso dizer, por não ser explicável o fato.”
19.ª. Como fizeste para tornar visíveis estes objetos que, um momento antes, eram invisíveis?
“Tirei a matéria que os envolvia.”
Nota de Erasto.
O que os envolve não é matéria propriamente dita, mas um fluido tirado,
metade, do perispírito do médium, e, metade, do Espírito que opera.
20.ª. (A Erasto.) Pode um objeto ser trazido a um lugar inteiramente fechado? Numa
palavra: pode o Espírito espiritualizar um objeto material, de maneira
que se torne capaz de penetrar a matéria?
“É complexa esta
questão. O Espírito pode tornar invisíveis, porém, não penetráveis, os
objetos que ele transporte; não pode quebrar a agregação da matéria,
porque seria a destruição do objeto. Tornando este invisível, o Espírito
o pode transportar quando queira e não o libertar senão no momento
oportuno, para fazê-lo aparecer. De modo diverso se passam as coisas,
com relação aos que compomos. Como nestes só introduzimos os elementos
da matéria, como esses elementos são essencialmente penetráveis e,
ainda, como nós mesmos penetramos e atravessamos os corpos mais
condensados, com a mesma facilidade com que os raios solares atravessam
uma placa de vidro, podemos perfeitamente dizer que introduzimos o
objeto num lugar que esteja hermeticamente fechado, mas isso somente
neste caso.”
Nota. Quanto à teoria da formação espontânea dos objetos, veja-se adiante o capítulo intitulado: Laboratório do mundo invisível.