100. De todas as
manifestações espíritas, as mais interessantes, sem contestação
possível, são aquelas por meio das quais os Espíritos se tornam
visíveis. Pela explicação deste fenômeno se verá que ele não é mais
sobrenatural do que os outros. Vamos apresentar primeiramente as
respostas que os Espíritos deram acerca do assunto:
1.ª. Podem os Espíritos tornar-se visíveis?
“Podem; sobretudo durante o sono. Entretanto algumas pessoas os veem quando acordadas; mais raro é isso, porém.”
Nota.
Enquanto o corpo repousa, o Espírito se desprende dos laços materiais;
fica mais livre e pode mais facilmente ver os outros Espíritos, entrando
com eles em comunicação. O sonho não é senão a recordação desse estado.
Quando de nada nos lembramos, diz-se que não sonhamos, mas, nem por
isso a alma deixou de ver e de gozar da sua liberdade. Aqui nos ocupamos
especialmente com as aparições no estado de vigília*.
* Ver, para maiores particularidades sobre o estado do Espírito durante o sono, O Livro dos Espíritos, cap. “Da emancipação da alma”, n.º 409.
2.ª. Pertencem mais a uma categoria do que a outra os Espíritos que se manifestam fazendo-se visíveis?
“Não; podem pertencer a todas as classes, assim às mais elevadas, como as mais inferiores.”
3.ª. A todos os Espíritos é dado manifestarem-se visivelmente?
“Todos o podem; mas, nem sempre têm permissão para fazê-lo, ou o querem.”
4.ª. Que fim objetivam os Espíritos que se manifestam visivelmente?
“Isso depende; de acordo com as suas naturezas, o fim pode ser bom, ou mau.”
5.ª. Como lhes pode ser permitido manifestar-se, quando para mau fim?
“Nesse caso é para experimentar os a quem eles aparecem. Pode ser má a intenção do Espírito e bom o resultado.”
6.ª. Qual pode ser o fim que tem em vista o Espírito que se torna
visível com má intenção?
“Amedrontar e muitas vezes vingar-se.”
a) Que visam os que vêm com boa intenção?
“Consolar as pessoas que deles guardam saudades, provar-lhes que
existem e estão perto delas; dar conselhos e, algumas vezes, pedir para
si mesmos assistência.”
7.ª. Que inconveniente haveria em ser
permanente e geral entre os homens a possibilidade de verem os
Espíritos? Não seria esse um meio de tirar a dúvida aos mais incrédulos?
“Estando o homem constantemente cercado de Espíritos, o vê-los a todos
os instantes o perturbaria, embaraçar-lhe-ia os atos e tirar-lhe-ia a
iniciativa na maioria dos casos, ao passo que, julgando-se só, ele age
mais livremente. Quanto aos incrédulos, de muitos meios dispõem para se
convencerem, se desses meios quiserem aproveitar-se e não estiverem
cegos pelo orgulho. Sabes muito bem existirem pessoas que hão visto e
que nem por isso creem, pois dizem que são ilusões. Com esses não te
preocupes; deles se encarrega Deus.”
Nota.
Tantos inconvenientes haveria em vermos constantemente os Espíritos,
como em vermos o ar que nos cerca e as miríades de animais microscópicos
que sobre nós e em torno de nós pululam. Donde devemos concluir que o
que Deus faz é bem-feito e que ele sabe melhor do que nós o que nos
convém.
8.ª. Uma vez que há inconveniente em vermos os Espíritos, por que, em certos casos, é isso permitido?
“Para dar ao homem uma prova de que nem tudo morre com o corpo, que a
alma conserva a sua individualidade após a morte. A visão passageira
basta para essa prova e para atestar a presença de amigos ao vosso lado e
não oferece os inconvenientes da visão constante.”
9.ª. Nos mundos mais adiantados que o nosso, os Espíritos são vistos com mais frequência do que entre nós?
“Quanto mais o homem se aproxima da natureza espiritual, tanto mais
facilmente se põe em comunicação com os Espíritos. A grosseria do vosso
envoltório é que dificulta e torna rara a percepção dos seres etéreos.”
10.ª. Será racional assustarmo-nos com a aparição de um Espírito?
“Quem refletir deverá compreender que um Espírito, qualquer que seja, é
menos perigoso do que um vivo. Demais, podendo os Espíritos, como
podem, ir a toda parte, não se faz preciso que uma pessoa os veja para
saber que alguns estão a seu lado. O Espírito que queira causar dano
pode fazê-lo, e até com mais segurança, sem se dar a ver. Ele não é
perigoso pelo fato de ser Espírito, mas, sim, pela influência que pode
exercer sobre o homem, desviando-o do bem e impelindo-o ao mal.”
Nota.
As pessoas que, quando se acham na solidão ou na obscuridade, se enchem
de medo raramente se apercebem da causa de seus pavores. Não seriam
capazes de dizer de que é que têm medo. Muito mais deveriam temer o
encontro com homens do que com Espíritos, porquanto um malfeitor é bem
mais perigoso quando vivo, do que depois de morto. Uma senhora do nosso
conhecimento teve uma noite, em seu quarto, uma aparição tão bem
caracterizada, que ela julgou estar em sua presença uma pessoa e a sua
primeira sensação foi de terror. Certificada de que não havia pessoa
alguma, disse: “Parece que
é apenas um Espírito; posso dormir tranquila.”
11.ª. Poderá aquele a quem um Espírito apareça travar com ele conversação?
“Perfeitamente e é mesmo o que se deve fazer em tal caso, perguntando
ao Espírito quem ele é, o que deseja e em que se lhe pode ser útil. Se
se tratar de um Espírito infeliz e sofredor, a comiseração que se lhe
testemunhar o aliviará. Se for um Espírito bondoso, pode acontecer que
traga a intenção de dar bons conselhos.”
a) Como pode o Espírito, nesse caso, responder?
“Algumas vezes o faz por meio de sons articulados, como o faria uma
pessoa viva. Na maioria dos casos, porém, pela transmissão dos
pensamentos.”
12.ª. Os Espíritos que aparecem com asas têm-nas realmente, ou essas asas são apenas uma aparência simbólica?
“Os Espíritos não têm asas, nem de tal coisa precisam, visto que podem
ir a toda parte como Espíritos. Aparecem da maneira por que precisam
impressionar a pessoa a quem se mostram. Assim é que uns aparecerão em
trajes comuns, outros envoltos em amplas roupagens, alguns com asas,
como atributo da categoria espiritual a que pertencem.”
13.ª. As pessoas que vemos em sonho são sempre as que parecem ser pelo seu aspecto?
“Quase sempre são mesmo as que os vossos Espíritos buscam, ou que vêm ao encontro deles.”
14.ª. Não poderiam os Espíritos zombeteiros tomar as aparências das pessoas que nos são caras, para nos induzirem em erro?
“Somente para se divertirem à vossa custa tomam eles aparências
fantásticas. Há coisas, porém, com que não lhes é lícito brincar.”
15.ª. Compreende-se que, sendo uma espécie de evocação, o pensamento
faça com que se apresente o Espírito em quem se pensa. Como é,
entretanto, que muitas vezes as pessoas em quem mais pensamos, que
ardentemente desejamos tornar a ver, jamais se nos apresentam em
sonho, ao passo que vemos outras que nos são indiferentes e nas quais
nunca pensamos?
“Os Espíritos nem sempre podem manifestar-se
visivelmente, mesmo em sonho e malgrado ao desejo que tenhais de vê-los.
Pode dar-se que obstem a isso causas independentes da vontade deles.
Frequentemente, é também uma prova, de que não consegue triunfar o mais
ardente desejo. Quanto às pessoas que vos são indiferentes, se é certo
que nelas não pensais, bem pode acontecer que elas em vós pensem. Aliás,
não podeis formar ideia das relações no mundo dos Espíritos. Lá tendes
uma multidão de conhecimentos íntimos, antigos ou recentes, de que não
suspeitais quando despertos.”
Nota.
Quando nenhum meio tenhamos de verificar a realidade das visões ou
aparições, podemos sem dúvida lançá-las à conta da alucinação. Quando,
porém, os sucessos as confirmam, ninguém tem o direito de atribuí-las à
imaginação. Tais, por exemplo, as aparições, que temos em sonho ou em
estado de vigília, de pessoas em quem absolutamente não pensávamos e
que, produzindo-as no momento em que morrem, vêm, por meio de sinais
diversos, revelar as circunstâncias totalmente ignoradas em que
faleceram. Têm-se visto cavalos empinarem e recusarem caminhar para a
frente, por motivo de aparições que assustam os cavaleiros que os
montam. Embora se admita que a imaginação desempenhe aí algum papel,
quando o fato se passa com os homens, ninguém, certamente, negará que
ela nada tem que ver com o caso, quando este se dá com os animais.
Acresce que, se fosse exato que as imagens que vemos em sonho são sempre
efeito das nossas preocupações quando acordados, não haveria como
explicar que frequentemente nunca sonhemos com
aquilo em que mais pensamos.
16.ª. Por que razão certas visões ocorrem com mais frequência quando se está doente?
“Elas
ocorrem do mesmo modo quando estais de perfeita saúde. Simplesmente, no
estado de doença, os laços materiais se afrouxam; a fraqueza do corpo
permite maior liberdade ao Espírito, que, então, se põe mais facilmente
em comunicação com os outros Espíritos.”
17.ª. As aparições
espontâneas parecem mais frequentes em certos países. Será que alguns
povos estão mais bem-dotados do que outros para receberem esta espécie
de manifestações?
“Dar-se-á tenhais um registro histórico de
cada aparição? As aparições, como os ruídos e todas as manifestações,
produzem-se igualmente em todos os pontos da Terra; apresentam, porém,
caracteres distintos, de conformidade com o povo em cujo seio se
verificam. Nuns, por exemplo, onde o uso da escrita está pouco
espalhado, não há médiuns escreventes; noutros, abundam os médiuns desta
natureza; entre outros, observam-se mais os ruídos e os movimentos do
que as manifestações inteligentes, por serem estas menos apreciadas e
procuradas.”
18.ª. Por que é que as aparições se dão de
preferência à noite? Não indica isso que elas são efeito do silêncio e
da obscuridade sobre a imaginação?
“Pela mesma razão por que
vedes, durante a noite, as estrelas e não as divisais em pleno dia. A
grande claridade pode apagar uma aparição ligeira; mas, errôneo é
supor-se que a noite tenha qualquer coisa com isso. Inquiri os que têm
tido visões e verificareis que são em maior número os que as tiveram de
dia.”
Nota. Muito mais
frequentes e gerais do que se julga são as aparições; muitas
pessoas deixam, porém, de torná-las conhecidas, por medo do ridículo, e outras
as atribuem à ilusão. Se parecem mais numerosas entre alguns povos, é
isso devido a que aí se conservam com mais cuidado as tradições
verdadeiras, ou falsas, quase sempre ampliadas pelo poder de sedução do
maravilhoso a que mais ou menos se preste o aspecto das localidades. A
credulidade então faz que se vejam efeitos sobrenaturais nos mais
vulgares fenômenos: o silêncio da solidão, o escapamento das quebradas, o
mugido da floresta, as rajadas da tempestade, o eco das montanhas, a
forma fantástica das nuvens, as sombras, as miragens, tudo enfim se
presta à ilusão, para imaginações simples e ingênuas, que de boa-fé
narram o que viram, ou julgaram ver. Porém, ao lado da ficção, há a
realidade. O estudo sério do Espiritismo leva precisamente o homem a se
desembaraçar de todas as superstições ridículas.
19.ª. A visão dos Espíritos se produz no estado normal, ou só estando o vidente num estado extático?
“Pode produzir-se achando-se este em condições perfeitamente normais.
Entretanto, as pessoas que os veem se encontram muito amiúde num estado
próximo do de êxtase, estado que lhes faculta uma espécie de dupla
vista.” (
O Livro dos Espíritos, n.o 447.)
20.ª. Os que veem os Espíritos veem-nos com os olhos?
“Assim o julgam; mas, na realidade, é a alma quem vê e o que o prova é que os podem ver com os olhos fechados.”
21.ª. Como pode o Espírito fazer-se visível?
“O princípio é o mesmo de todas as manifestações, reside nas
propriedades do perispírito, que pode sofrer diversas modificações, ao
sabor do Espírito.”
22.ª. Pode o Espírito propriamente dito fazer-se visível, ou só o pode com o auxílio do perispírito?
“No
estado material em que vos achais, só com o auxílio de seus invólucros
semimateriais podem os Espíritos manifestar-se. Esse invólucro é o
intermediário por meio do qual eles atuam sobre os vossos sentidos. Sob
esse envoltório é que aparecem, às vezes, com uma forma humana, ou com
outra qualquer, seja nos sonhos, seja no estado de vigília, assim em
plena luz, como na obscuridade.”
23.ª. Poder-se-á dizer que é pela condensação do fluido do perispírito que o Espírito se torna visível?
“Condensação não é o termo. Essa palavra apenas pode ser usada para
estabelecer uma comparação, que vos faculte compreender o fenômeno,
porquanto não há realmente condensação. Pela combinação dos fluidos, o
perispírito toma uma disposição especial, sem analogia para vós outros,
disposição que o torna perceptível.”
24.ª. Os Espíritos que aparecem são sempre inapreensíveis e imperceptíveis ao tato?
“Em seu estado normal, são inapreensíveis, como num sonho. Entretanto,
podem tornar-se capazes de produzir impressão ao tato, de deixar
vestígios de sua presença e até, em certos casos, de tornar-se
momentaneamente tangíveis, o que prova haver matéria entre vós e eles.”
25.ª. Toda gente tem aptidão para ver os Espíritos?
“Durante o sono, todos têm; em estado de vigília, não. Durante o sono,
a alma vê sem intermediário; no estado de vigília, acha-se sempre mais
ou menos influenciada pelos órgãos. Daí vem não serem totalmente
idênticas as condições nos dois casos.”
26.ª. De que depende, para o homem, a faculdade de ver os Espíritos, em estado de vigília?
“Depende
da organização física. Reside na maior ou menor facilidade que tem o
fluido do vidente para se combinar com o do Espírito. Assim, não basta
que o Espírito queira mostrar-se, é preciso também que encontre a
necessária aptidão na pessoa a quem deseje fazer-se visível.”
a) Pode essa faculdade desenvolver-se pelo exercício?
“Pode, como todas as outras faculdades; mas, pertence ao número
daquelas com relação às quais é melhor que se espere o desenvolvimento
natural, do que provocá-lo, para não sobre-excitar a imaginação. A de ver
os Espíritos, em geral e permanentemente, constitui uma faculdade
excepcional e não está nas condições normais do homem.”
27.ª. Pode-se provocar a aparição dos Espíritos?
“Isso algumas vezes é possível, porém, muito raramente. A aparição é
quase sempre espontânea. Para que alguém veja os Espíritos, precisa ser
dotado de uma faculdade especial.”
28.ª. Podem os Espíritos tornar-se visíveis sob outra aparência que não a da forma humana?
“A humana é a forma normal. O Espírito pode variar-lhe a aparência, mas sempre com o tipo humano.”
a) Não podem manifestar-se sob a forma de chama?
“Podem produzir chamas, clarões, como todos os outros efeitos, para
atestar sua presença; mas, não são os próprios Espíritos que assim
aparecem. A chama não passa muitas vezes de uma miragem, ou de uma
emanação do perispírito. Em todo caso, nunca é mais do que uma parcela
deste. O perispírito não se mostra integralmente nas visões.”
29.ª. Que se deve pensar da crença que atribui os fogos-fátuos à presença de almas ou Espíritos?
“Superstição produzida pela ignorância. Bem conhecida é a causa física dos fogos-fátuos.”
a) A chama azul que, segundo dizem, apareceu sobre a cabeça de Sérvius Túlius, quando menino, é uma fábula, ou foi real?
“Era real e produzida por um Espírito familiar, que desse modo dava um
aviso à mãe do menino. Médium vidente, essa mãe percebeu uma irradiação
do Espírito protetor de seu filho. Assim como os médiuns escreventes
não escrevem todos a mesma coisa, também, nos médiuns videntes, não é em
todos do mesmo grau a vidência. Ao passo que aquela mãe viu apenas uma
chama, outro médium teria podido ver o próprio corpo do Espírito.”
30.ª. Poderiam os Espíritos apresentar-se sob a forma de animais?
“Isso pode dar-se; mas somente Espíritos muito inferiores tomam essas
aparências. Em caso algum, porém, será mais do que uma aparência
momentânea. Fora absurdo acreditar-se que um qualquer animal verdadeiro
pudesse ser a encarnação de um Espírito. Os animais são sempre animais e
nada mais do que isto.”
Nota.
Somente a superstição pode fazer crer que certos animais são animados
por Espíritos. É preciso uma imaginação muito complacente, ou muito
impressionada para ver qualquer coisa de sobrenatural nas circunstâncias
um pouco extravagantes em que eles algumas vezes se apresentam. O medo
faz que amiúde se veja o que não existe. Mas, não só no medo tem sua
origem essa ideia. Conhecemos uma senhora, muito inteligente aliás, que
consagrava desmedida afeição a um gato preto, porque acreditava ser ele
de natureza
sobreanimal. Entretanto, essa
senhora jamais ouvira falar do Espiritismo. Se o houvesse conhecido, ele
lhe teria feito compreender o ridículo da causa de sua predileção pelo
animal, provando-lhe a impossibilidade de tal metamorfose.