Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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História do maravilhoso (Pelo Sr. Louis Figuier)

Falando do Sr. Louis Figuier, em nosso primeiro artigo, procuramos verificar, antes de tudo, qual era o seu ponto de partida, e demonstramos, citando textualmente suas palavras, que ele se apoia na negação de qualquer força de natureza extracorpórea. Suas premissas devem fazer pressentir sua conclusão. Seu quarto volume, em que deveria tratar especialmente da questão das mesas girantes e dos médiuns, ainda não tinha aparecido, e nós o esperávamos para ver se daria desses fenômenos uma explicação mais satisfatória que a do Sr. Jobert (de Lamballe). Lemo-lo com cuidado e o que se evidenciou com mais clareza para nós foi que o autor tratou de um assunto que absolutamente não conhece. Não precisamos de outra prova disto, além das duas primeiras linhas, nestes termos: “Antes te abordar a história das mesas girantes e dos médiuns, cujas manifestações são inteiramente modernas, etc.” Como ignora o Sr. Figuier que Tertuliano fala em termos explícitos das mesas girantes e falantes? Que os chineses conheciam esse fenômeno desde tempos imemoriais? Que é praticado pelos tártaros e siberianos? Que há médiuns entre os tibetanos? Que os havia entre os assírios, entre os gregos e entre os egípcios? Que todos os princípios fundamentais do Espiritismo se acham nas filosofias sânscritas? Assim, é falso dizer que essas manifestações são inteiramente modernas. Os modernos nada inventaram a esse respeito e os espíritas se apoiam na antiguidade e na universalidade de sua doutrina, o que o Sr. Figuier deveria saber, antes de ter a pretensão de sobre ele fazer uma tratado ex-professo. Nem por isso sua obra deixou de receber as honras da imprensa, que se apressou em homenagear esse campeão das ideias materialistas.

Aqui se impõe uma reflexão, cujo alcance a ninguém escapará. Diz-se que nada é tão brutal quanto um fato. Ora, eis um que tem muito valor: é o progresso incrível das ideias espíritas, às quais com certeza nenhuma imprensa, nem pequena nem grande, prestou o seu concurso. Quando ela se dignou falar destes pobres imbecis que julgam ter uma alma, e que essa alma, após a morte, ainda se ocupa dos vivos, não foi senão para gritar anátema! contra eles, e mandá-los aos manicômios, perspectiva pouco encorajadora para o público ignorante do assunto.

O Espiritismo não tocou a trombeta da publicidade; não encheu os jornais de anúncios luxuosos. Como é então que sem ruído, sem brilho, sem o apoio dos que se fazem árbitros da opinião, se infiltra nas massas e, segundo a graciosa expressão de um crítico cujo nome não lembramos, depois de ter infestado as classes esclarecidas, agora penetra nas classes laboriosas? Que nos digam como, sem o emprego dos meios ordinários de propaganda, a segunda edição do Livro dos Espíritos esgotou-se em quatro meses. Diz-se que o povo se entusiasma com as coisas mais ridículas. Seja, mas a gente se entusiasma com o que diverte, uma história, um romance. Ora, o Livro dos Espíritos absolutamente não tem a pretensão de ser divertido. Não será porque a opinião pública encontra nessas crenças algo que desafia a crítica?

O Sr. Figuier achou a solução do problema: é, diz ele, o amor do maravilhoso. E tem razão. Tomemos o vocábulo maravilhoso na acepção que ele lhe empresta, e estaremos de acordo. Em sua opinião, sendo a Natureza apenas material, todo fenômeno extra-material é maravilhoso. Fora da matéria não há salvação. Consequentemente, a alma e tudo quanto lhe atribuem, seu estado após a morte, tudo isto é maravilhoso. Como ele, chamemo-lo maravilhoso. A questão é saber se esse maravilhoso existe ou não. O Sr. Figuier, que não gosta do maravilhoso e só o admite nos contos de Barba-Azul, diz que não. Mas se o Sr. Figuier não faz questão de sobreviver ao seu corpo; se despreza sua alma e a vida futura, nem todos participam de seus gostos e não é preciso que por isto desgoste os outros. Há muita gente para quem a perspectiva do nada tem muito poucos encantos e que espera encontrar lá em cima, ou acolá, pai, mãe, filhos ou amigos. O Sr. Figuier não se prende a isto. Gostos não se discutem.

Instintivamente o homem tem horror à morte, e havemos de convir que o desejo de não morrer para sempre é muito natural. Pode mesmo dizer-se que tal fraqueza é geral. Ora, como sobreviver ao corpo, se não possuirmos esse maravilhoso que se chama alma? Se temos uma alma, ela tem algumas propriedades, pois sem propriedades não seria alguma coisa. Para certas pessoas, infelizmente, não são propriedades químicas, e não se pode metê-la num frasco para ser conservada nos museus de Anatomia, como se conserva um crânio. Nisto, o Grande Obreiro realmente errou, por não havê-la feito mais palpável. Provavelmente ele não pensou no Sr. Figuier.

Seja como for, de duas uma: essa alma, se alma existir, vive ou não vive após a morte do corpo; é algo ou não é nada; não há meio termo. Vive ela para sempre ou por algum tempo? Se deve desaparecer em dado momento, seria o mesmo que se desaparecesse imediatamente; um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, nem por isso o homem teria avançado mais. Se vive, faz algo ou nada faz. Mas como admitir um ser inteligente que nada faz, e isto por toda a Eternidade? Sem ocupação, a existência futura seria muito monótona. Não admitindo que uma coisa acessível aos sentidos possa produzir quaisquer efeitos, o Sr. Figuier é conduzido, em razão de seu ponto de partida, a essa conclusão de que todo efeito deve ter uma causa material. Eis porque ele coloca no domínio do maravilhoso, isto é, da imaginação, todos os efeitos atribuídos à alma e, em consequência, a própria alma, suas propriedades, seus feitos e seus gestos de além-túmulo. Os simples, que fazem a tolice de querer viver após a morte, naturalmente gostam de tudo quanto satisfaça aos seus desejos e confirme as suas esperanças. Eis por que amam o maravilhoso. Até agora se contentavam em dizer-lhes: “Nem tudo morre com o corpo; ficai tranquilos; nós vos damos a palavra de honra.” Sem dúvida era muito confortador, mas uma pequena prova não estragaria o negócio. Ora, eis que o Espiritismo, com seus fenômenos, vem lhes dar esta prova, e eles a aceitam com alegria. Eis todo o segredo de sua rápida propagação. Na realidade, ele dá foros de realidade a uma esperança: a de viver e, melhor que isto, de viver mais feliz. Ao passo que vós, Sr. Figuier, vos esforçais para lhes provar que tudo isto não passa de quimera e ilusão, ele levanta a coragem que vós abateis. Credes que entre os dois a escolha seja duvidosa?

O desejo de reviver após a morte é, pois, no homem, a fonte de seu amor pelo maravilhoso, isto é, por tudo quanto o liga à vida de além-túmulo. Se alguns homens, seduzidos por sofismas, puderam duvidar do futuro, não creiais que tenha sido de caso pensado. Não, porque essa ideia lhes inspira pavor, e é com terror que sondam as profundezas do nada. O Espiritismo acalma as suas inquietudes e dissipa as suas dúvidas. O que era vago, indeciso, incerto, toma uma forma e se torna uma realidade consoladora. Eis porque, nalguns anos, ele fez a volta ao mundo, pois todo o mundo quer viver e todo homem preferirá sempre as doutrinas que o confortam às que o espantam.

Voltemos à obra do Sr. Figuier e digamos logo que seu quarto volume, consagrado às mesas girantes e aos médiuns, em três quartas partes está cheio de histórias que não têm relação com o assunto, de maneira que o principal ali se torna o acessório. Cagliostro e o negócio do colar, que ali figuram não se sabe por quê; a moça elétrica; os caracóis simpáticos, ocupam treze dos dezoito capítulos. É verdade que essas histórias são tratadas com verdadeiro requinte de detalhes e de erudição, que as fará lidas com interesse, deixando-se de lado qualquer opinião espírita. Sendo seu objetivo provar o amor do homem pelo maravilhoso, busca ele todos os contos aos quais em todos os tempos o bom-senso já deu o justo valor, e esforça-se por provar que são absurdos, o que ninguém contesta. Então ele exclama: “Eis o Espiritismo fulminado!” Ouvindo-o, poder-se-á crer que as proezas de Cagliostro e os contos de Hoffmann são artigos de fé para os espíritas, e que os caracóis simpáticos têm toda a sua simpatia.

O Sr. Figuier não rejeita todos os fatos, longe disso. Contrariamente a outros críticos, que tudo negam sistematicamente, o que é mais cômodo, pois isso dispensa qualquer explicação, admite perfeitamente as mesas girantes e os médiuns, mas com larga margem para a trapaça. As senhorinhas Fox, por exemplo, são insignes prestidigitadoras, porque foram escarnecidas por jornalistas americanos pouco galantes. Ele admite até mesmo o magnetismo, como agente material, bem entendido; o poder fascinante da vontade e do olhar; o sonambulismo; a catalepsia; o hipnotismo; todos os fenômenos de Biologia. Que se guarde! Ele vai passar por um iluminado aos olhos de seus confrades. Mas, consequente consigo mesmo, quer tudo reduzir às leis da Física e da Fisiologia. É verdade que cita algumas testemunhas autênticas e das mais honradas em apoio dos fenômenos espíritas, mas se estende com satisfação sobre todas as opiniões contrárias, sobretudo as dos sábios que, como o Sr. Chevreul e outros, buscaram provas na matéria. Tem ele em grande estima a teoria do músculo que range, dos senhores Jobert e comparsas. Sua teoria, como a lanterna mágica da fábula, peca num ponto capital: perde-se num dédalo de explicações que necessitariam, elas próprias, de outras explicações para serem compreendidas. Outro defeito é que a cada passo ela é contraditada por fatos que ele não pode explicar e sobre os quais passa em silêncio, por uma razão muito simples: é que não os conhece. Ele nada viu ou pouco viu por si mesmo. Numa palavra, nada aprofundou de visu, com a sagacidade, a paciência e a independência de ideias do observador consciencioso. Contentou-se com relatos mais ou menos fantásticos encontrados em certas obras que não brilham pela imparcialidade. Não leva em conta os progressos que a ciência fez nos últimos anos, pois a toma em seu começo, no período em que ela avançava tateante; em que cada um trazia uma opinião incerta e prematura, e em que ela estava longe ainda de conhecer todos os fatos, absolutamente como se ele quisesse julgar a Química de hoje pelo que era ao tempo de Nicolas Flamel. Em nossa opinião, ao Sr. Figuier, por mais sábio que seja, falta a primeira qualidade de um crítico ─ a de conhecer a fundo aquilo de que fala, condição ainda mais necessária quando se quer explicá-lo.

Não o acompanharemos em todos os seus raciocínios. Preferimos indicar a sua obra, que todo espírita pode ler sem o menor perigo para as suas convicções. Só citaremos a passagem na qual ele explica sua teoria das mesas girantes, que resume mais ou menos a de todos os outros fenômenos:

“Vem a seguir a teoria que explica os movimentos das mesas girantes pelos Espíritos. Se a mesa girar após um quarto de hora de recolhimento e atenção por parte dos experimentadores, é, dizem, que os Espíritos, bons ou maus, anjos ou demônios, entraram na mesa e a puseram em oscilação. O leitor espera que discutamos tal hipótese? Não pensamos fazê-lo. Se decidíssemos provar, com grandes reforços de argumentos lógicos, que o diabo não entra nos móveis para fazêlos dançar, teríamos também de demonstrar que não são os Espíritos que, introduzidos em nosso corpo, nos fazem agir, falar, sentir, etc.[1] Todos esses fatos são da mesma ordem, e aquele que admite a intervenção do demônio para girar uma mesa, deve recorrer à mesma influência sobrenatural para explicar os atos que ocorrem em virtude de nossa vontade e com auxílio de nossos órgãos. Ninguém jamais quis seriamente atribuir os efeitos da vontade sobre os nossos órgãos, por mais misteriosa que seja a essência desse fenômeno, à ação de um anjo ou de um demônio. É, entretanto, a essa consequência que são levados os que querem ligar a rotação das mesas a uma causa sobre-humana.

“Digamos, para terminar esta curta discussão, que a razão proíbe recorrer a uma causa sobrenatural, sempre que uma causa natural pode bastar. Uma causa natural, normal, fisiológica, pode ser invocada para a explicação do movimento das mesas? Eis toda a questão.

“Ei-nos, pois, levados a expor o que nos parece dar conta do fenômeno estudado nesta última parte de nossa obra.

“A explicação do fato das mesas girantes, considerado na sua maior simplicidade, nos parece ser fornecida por esses fenômenos cujo nome até aqui variou muito, mas cuja natureza, no fundo, é idêntica, tanto que sucessivamente foi chamada hipnotismo com o Dr. Braid; biologismo com o Sr. Philips e sugestão com o Sr. Carpenter. Lembremos que, em consequência da forte tensão cerebral resultante da contemplação mantida por muito tempo, de um objeto imóvel, o cérebro cai num estado particular, que recebeu sucessivamente os nomes de estado magnético, de sono nervoso e de estado biológico, nomes diferentes que designam certas variantes particulares de um estado geralmente idêntico.

“Uma vez chegado a esse estado, quer pelos passes de um magnetizador, como se faz desde Mesmer; quer pela contemplação de um corpo brilhante, como operava Braid, depois imitado pelo Sr. Philips, e como operam ainda os feiticeiros árabes e egípcios; quer simplesmente, enfim, por uma forte contenção moral, de que citamos mais de um exemplo, o indivíduo cai nessa passividade automática que constitui o sono nervoso. Ele perdeu a força de dirigir e controlar a própria vontade e está sob o domínio de uma vontade estranha. Apresentam-lhe um copo d’água, afirmando que é deliciosa bebida, e ele bebe julgando tomar vinho, licor ou leite, conforme a vontade do que se apoderou fortemente de seu ser. Assim, privado do auxílio de seu próprio juízo, o indivíduo fica quase alheio às ações que executa e, voltando ao seu estado natural, perdeu a lembrança dos atos que realizou durante essa estranha e passageira abdicação de seu eu. Ele está sob a influência de sugestões, e isto significa que aceitando, sem poder repeli-la, uma ideia fixa que lhe é imposta por uma vontade externa, age e é forçado a agir sem ideia e sem vontade próprias, por conseguinte, sem consciência. Este sistema levanta uma grande questão de Psicologia, porque o homem assim influenciado perdeu o livre-arbítrio e não tem mais responsabilidade pelas ações que executa. Age determinado por imagens intrusas que lhe obsidiam o cérebro, análogas a essas visões que Cuvier supõe fixas no sensorium da abelha, e que lhe representam as formas e as proporções da célula que o instinto a leva a construir. O princípio das sugestões explica perfeitamente os fenômenos, tão variados e por vezes tão terríveis, das alucinações, e, ao mesmo tempo, mostra o pequeno intervalo que separa o alucinado do monomaníaco. Não será de admirar se num grande número de giradores de mesas, a alucinação sobreviveu à experiência e se transformou em loucura definitiva.

“Este princípio das sugestões, sob a influência do sono nervoso, nos parece fornecer a explicação do fenômeno da rotação das mesas tomado na sua maior simplicidade. Consideremos o que se passa na corrente de pessoas que se entregam a uma experiência do gênero. Tais pessoas estão atentas, preocupadas, fortemente emocionadas com a espera do fenômeno que se deve produzir. Uma grande atenção, um recolhimento completo de espírito lhes é recomendado. À medida que se prolonga a espera e que a contenção moral é por muito tempo entretida pelos experimentadores, seu cérebro se fatiga cada vez mais e as ideias sofrem uma ligeira perturbação. Quando, no inverno de 1860, assistimos em Paris às experiências do Sr. Philips; quando vimos as dez ou doze pessoas às quais ele confiava um disco metálico, com a determinação de olhar fixamente e unicamente esse disco, colocado na palma da mão durante meia hora, não pudemos deixar de ver nessas condições as que são reconhecidas como indispensáveis para a manifestação do estado hipnótico, a imagem fiel do estado em que se encontram as pessoas que silenciosamente formam a cadeia a fim de obter a rotação da mesa. Num, como no outro caso, há uma forte contenção do espírito, uma ideia perseguida com exclusividade durante um tempo considerável. O cérebro humano não pode resistir por muito tempo a essa tensão excessiva, a essa acumulação anormal do influxo nervoso. Das dez ou doze pessoas entregues à experiência, a maioria a abandona, forçadas a renunciar pela fadiga nervosa que experimentam. Somente algumas, uma ou duas, que perseveram, são presas do estado hipnótico ou biológico e então dão lugar aos fenômenos diversos que examinamos no curso desta obra, ao falar do hipnotismo e do estado biológico.

“Nessa reunião de pessoas fixamente ligadas durante vinte minutos ou meia hora, a formar a corrente, com as mãos estendidas sobre a mesa, sem liberdade de, por um instante, distrair a atenção da operação em que tomam parte, o maior número não experimenta qualquer efeito particular. Mas é muito difícil que ao menos uma delas não caia, por um momento, presa do estado hipnótico ou biológico. Esse estado não precisa durar mais que um segundo para que se realize o fenômeno esperado. O elemento da corrente caído nesse meio-sono nervoso, não tendo mais consciência de seus atos e sem outro pensamento senão a ideia fixa da rotação da mesa, imprime inconscientemente o movimento ao móvel. Ele pode, nesse momento, desenvolver uma força muscular relativamente considerável e a mesa se move. Dado esse impulso, realizado esse ato inconsciente, nada mais é preciso. Assim, passageiramente biologizado, o indivíduo pode a seguir voltar ao seu estado ordinário, porque, apenas manifestado esse movimento mecânico na mesa, logo todos os componentes da corrente se levantam e seguem seus movimentos ou, por outras palavras, fazem a mesa marchar, pensando que apenas a acompanham. Quanto ao indivíduo, causa involuntária e inconsciente do fenômeno, como não conserva nenhuma lembrança dos atos executados nesse estado de sono nervoso, ignora o que fez e fica indignado quando o acusam de haver empurrado a mesa. Até suspeita que outros membros da mesa tenham feito uma pilhéria de mau gosto, de que o acusam. Daí as frequentes discussões e mesmo essas disputas sérias a que tantas vezes deu lugar o divertimento das mesas girantes.

“Esta é a explicação que julgamos poder dar, no que concerne ao fato da rotação das mesas, tomado na sua maior simplicidade. Quanto aos movimentos da mesa respondendo a perguntas, os pés que se levantam às ordens e que, pelo número de batidas, respondem às perguntas feitas, o mesmo sistema o explica se admitirmos que, entre os membros da corrente, haja algum no qual o estado de sono nervoso conserve certa duração. Tal indivíduo, hipnotizado malgrado seu, responde às perguntas e às ordens que lhe são dadas, inclinando a mesa ou fazendo-a dar pancadas, conforme o pedido. Voltando depois ao estado natural, esqueceu todos os atos assim realizados, como qualquer indivíduo magnetizado ou hipnotizado perde a lembrança dos atos executados nesse estado. O indivíduo que representa o papel malgrado seu é, pois, uma espécie de dorminhoco acordado; não é absolutamente sui compos; está num estado mental que participa do sonambulismo e da fascinação. Não dorme; está encantado ou fascinado em virtude da forte concentração moral imposta: é um médium. Como este último exercício é de ordem superior ao primeiro, não pode ser obtido em todos os grupos. Para que a mesa responda às perguntas feitas, levantando um de seus pés e dando pancadas, é necessário que os indivíduos que operam tenham praticado seguidamente o fenômeno da mesa girante, e que entre eles se encontre um particularmente apto a cair naquele estado, que nele caia mais depressa pelo hábito e assim permaneça por mais tempo: numa palavra, é preciso um médium experimentado.

“Dir-se-á, porém, que vinte minutos ou meia hora nem sempre são necessários para obter o fenômeno de rotação de um guéridon[2] ou de uma mesa. Muitas vezes, ao cabo de quatro ou cinco minutos, a mesa se põe em movimento. A tal observação responderemos que um magnetizador, quando trabalha com seu sensitivo habitual ou com um sonâmbulo profissional, faz este cair em sonambulismo em um ou dois minutos, sem passes, sem aparelho e pela simples imposição fixa do olhar. É então o hábito que torna o fenômeno mais fácil e rápido. Também os médiuns exercitados podem em pouco tempo chegar a esse estado de meio-sono nervoso, que deve tornar inevitável o fato da rotação da mesa ou o movimento dado por ele ao móvel, conforme o pedido feito.”

Não sabemos como o Sr. Figuier aplicaria a sua teoria aos movimentos que se dão, aos ruídos que se ouvem, ao deslocamento de objetos, sem o contato do médium, sem a participação de sua vontade, contra a sua vontade. Mas há muitas outras coisas que ele não explica. Aliás, aceitando-se mesmo a sua teoria, teríamos um fenômeno fisiológico dos mais extraordinários e bem digno da atenção dos sábios. Por que, então, o desdenharam?

O Sr. Figuier termina o seu Tratado do Maravilhoso por uma curta notícia sobre o Livro dos Espíritos. Julga-o do seu ponto de vista, naturalmente: “A filosofia, diz ele, é obsoleta e a moral adormecedora.” Sem dúvida teria preferido uma moral galhofeira e viva. Mas que fazer? É uma moral para uso da alma; aliás, ela teria sempre uma vantagem: a de fazer dormir. É para ele uma receita em caso de insônia.



[1] Não são Espíritos que nos fazem agir e pensar, mas um Espírito que é a nossa alma. Negar esse espírito é negar e alma; negar a alma é proclamar o materialismo puro. Parece que o Sr. Figuier pensa que, como ele, ninguém crê ter uma alma imortal, ou que ele crê ser todo o mundo.


[2] Espécie de mesa de três pés. (N. R.)

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