Barrado na porta de entrada, o Magnetismo entrou pela janela, graças a um disfarce e a um outro nome. Em vez de dizer: Sou o magnetismo, o que provavelmente não lhe teria dado acolhida favorável, disse: Chamo-me hipnotismo (do grego
hypnos, sono). Graças a esta senha, entrou, após vinte anos de paciência, mas não perdeu por esperar, pois soube fazer-se introduzir por uma das maiores sumidades. Teve o cuidado de evitar, na apresentação, o seu cortejo de passes, de sonambulismo, de visão à distância, de êxtases, que o teriam traído. Disse simplesmente: Sois bons e humanos; vosso coração sangra ao ver sofrer os vossos doentes; procurais um meio de suavizar a dor do paciente, cortado pelo vosso escalpelo; o que empregais, às vezes é muito perigoso. Eu vos trago um meio mais simples e que, em todo caso, não tem inconvenientes. Estava certo de ser ouvido, falando em nome da humanidade. E acrescentou, astucioso: Sou da família, pois devo a vida a um dos vossos. Pensava, não sem alguma razão, que essa origem não o prejudicaria.
Se vivêssemos ao tempo da Grécia, brilhante e poética, diríamos: O Magnetismo, filho da Natureza e de um simples mortal, foi proscrito do Olimpo porque tinha ferido os privilégios de Esculápio e marchado ao seu lado, gabando-se de poder curar sem o seu concurso. Vagou muito tempo pela Terra, onde ensinou aos homens a arte de curar por meios novos. Desvendou ao vulgo uma porção de maravilhas que, até então, tinham sido misteriosamente escondidas nos templos; mas aqueles cujos segredos havia revelado, desmascarando-lhes a charlatanice, perseguiram-no a pedradas, de tal sorte que foi, ao mesmo tempo, banido pelos deuses e maltratado pelos homens. Nem por isso deixou de continuar a espalhar seus benefícios, aliviando a Humanidade, certo de que um dia a sua inocência seria reconhecida; de que um dia lhe fariam justiça. Teve um filho, ao qual deu o nome de
Hipnotismo, e cujo nascimento escondeu cuidadosamente, receoso de lhe atrair perseguições.
Esse filho partilhou longamente de seu exílio, e durante esse tempo ele o instruía. Quando o julgou bem formado, disse-lhe:
─ Vai apresentar-te no Olimpo, mas guarda-te de dizer que és meu filho. Teu nome e um disfarce facilitarão a tua entrada. Esculápio te apresentará.
─ Como, meu pai?! Esculápio, teu mais encarniçado inimigo! Aquele que te proscreveu!
─ Ele mesmo te estenderá a mão!
─ Mas se me reconhecer, expulsar-me-á.
─ Ora! se te expulsar, voltarás para junto de mim e continuaremos nossa obra beneficente entre os homens, à espera de melhores dias. Mas fica tranquilo. Tenho muita esperança. Esculápio não é mau. Ele quer, antes de tudo, o progresso da Ciência, do contrário não seria digno de ser o deus da Medicina. Aliás, talvez eu tenha cometido algumas faltas para com ele. Ofendido por me ver denegrir, eu me exaltei e ataquei-o imprudentemente: Prodigalizei-lhe injúrias, insultei-o, vilipendiei-o e o chamei de ignorante. Ora, esse não é um meio adequado de tratar os homens e os deuses. Com seu amor-próprio ferido, irritou-se um instante contra mim. Não faças como eu, meu filho. Sê mais prudente e, sobretudo, mais polido. Se os outros não o forem para contigo, o erro será deles, e a razão, tua. Vai, meu filho, e lembra-te que não se apanham moscas com vinagre.
Assim falou o pai. Hipnotismo partiu timidamente para o Olimpo; o coração lhe batia forte, quando se apresentou à soleira da porta sagrada. Mas oh surpresa! O próprio Esculápio estende-lhe a mão e o introduz!
Assim, eis o Magnetismo em seu lugar. Que vai fazer? Oh! Não acrediteis na vitória definitiva; ainda estamos nas preliminares da paz. É uma primeira barreira derrubada, eis tudo. O passo é importante, sem dúvida, mas não penseis que os inimigos vão confessar-se vencidos. O próprio Esculápio, o grande Esculápio, que o reconheceu por seus traços de família, dificultaria enormemente sua defesa, pois seriam capazes de mandá-lo a Charenton. Vão dizer que é... alguma coisa... mas que seguramente não é magnetismo. Vá lá! Não vamos chicanear com as palavras. Será tudo o que quiserem, mas, enquanto se espera, é um fato que terá consequências.
Ora, eis as consequências. Inicialmente vão ocupar-se apenas do ponto de vista anestésico (do grego
aisthesis, sensibilidade e
a, privativo, isto é, privação geral ou parcial da faculdade de sentir) e isto por força da predominância das ideias materialistas, pois ainda há muita gente que teima, sem dúvida por modéstia, em rebaixar-se ao papel de grelha que, quando estragada, é atirada ao ferro velho, sem deixar vestígios! Assim, vão examinar o fato de todas as maneiras, ainda que por mera curiosidade. Vão estudar a ação das várias substâncias para produzir o fenômeno da catalepsia; depois, um belo dia, reconhecerão que basta pôr o dedo. Mas não é tudo. Observando o fenômeno da catalepsia, outros surgirão espontaneamente. Já foi notada a liberdade de pensamento durante a suspensão das faculdades orgânicas. Assim, o pensamento é independente dos órgãos. Há, pois, no homem, algo além da matéria. Ver-se-á a manifestação de faculdades estranhas: a vista adquirir uma amplitude insólita, transpondo os limites dos sentidos; todas as percepções deslocadas; numa palavra, é um vasto campo para a observação e não faltarão observadores. O santuário está aberto, e esperamos que dele jorre a luz, a menos que o celeste areópago não deixe a honra a mais ninguém.
Tenham nossos leitores a bondade de ver o notável artigo que o Sr. Victor Meunier, redator do
Ami des Sciences, publicou sobre esse interessante assunto na Revista científica hebdomadária do
Siècle de 16 de dezembro de 1859:
“O Magnetismo animal, levado à Academia pelo Sr. Broca; apresentado à ilustre Sociedade pelo Sr. Velpeau; experimentado pelos Srs. Follin, Verneuil, Faure, Trousseau, Denonvilliers, Nélaton, Azam, Ch. Robin, etc., todos cirurgiões dos hospitais, é a grande novidade do dia.
“As descobertas, como os livros, têm o seu destino. A de que vamos tratar não é nova. Ela data de uns vinte anos, e nem na Inglaterra, onde nasceu, nem na França, onde, no momento, não se ocupam de outra coisa, lhe faltou publicidade. Um médico escocês, o Dr. Braid, a descobriu e lhe consagrou um livro:
Neurypnology or the rational of nervous sleep, considered in relation with animal magnetism[1]. Um célebre médico inglês, o Dr. Carpenter, analisou detidamente a descoberta do Dr. Braid no artigo
sleep (sono) da Enciclopédia de Anatomia e Fisiologia de Tood
(Cyclopedia of Anatomy andPhysiology). Um ilustre cientista francês, o Sr. Littré, reproduziu a análise do Dr. Carpenter na segunda edição do
Manuel de Physiologie de J. Mueller. Enfim, nós mesmos consagramos um de nossos folhetins da
Presse de 7 de julho de 1852 ao
hipnotismo, nome dado pelo Dr. Braid ao conjunto de fatos de que se trata. A mais recente das publicações relativas ao assunto data, pois, de sete anos. E eis que, quando o julgavam esquecido, ele adquire esta imensa repercussão.
“Há no hipnotismo duas coisas: um conjunto de fenômenos nervosos, e o processo por meio do qual são produzidos.
“O processo empregado outrora, se não me engano pelo Abade Faria, é de grande simplicidade.
“Consiste em manter um objeto brilhante em frente aos olhos da pessoa com a qual se experimenta, a pequena distância da raiz do nariz, de modo que só o possa olhar enviesando os olhos para dentro; ela deve fixar os olhos sobre ele. A princípio as pupilas se contraem, depois se dilatam bastante e, em poucos instantes, produz-se o estado cataléptico. Levantando-se os membros do paciente, estes conservam a posição que se lhes dá. É apenas um dos fenômenos produzidos. Dos outros falaremos oportunamente.
“O Sr. Azam, professor substituto de clínica cirúrgica da Escola de Medicina de Bordéus, tendo repetido com sucesso as experiências do Dr. Braid, trocou ideias com o Dr. Paul Broca, que imaginou que as pessoas hipnotizadas talvez fossem insensíveis à dor das operações cirúrgicas. A carta que acaba de dirigir à Academia de Ciências é o resumo de suas experiências a respeito.
“Antes de tudo, devia ele assegurar-se da realidade do hipnotismo, o que conseguiu sem dificuldades.
“Visitando uma senhora de uns quarenta anos, algo histérica, e que estava acamada por ligeira indisposição, o Dr. Broca fazia de conta que queria examinar os olhos da paciente e lhe pedia que olhasse fixamente um frasquinho dourado que ele segurava a uns quinze centímetros da raiz do nariz. Ao cabo de três minutos os olhos ficaram um pouco vermelhos, os traços imóveis, as respostas lentas e difíceis, mas perfeitamente racionais. O Dr. Broca levantou o braço da doente e este se manteve na posição deixada; posicionou os dedos nas mais extremas situações e eles as conservaram; beliscou a pele em vários pontos, com certa força e, ao que parece, a paciente nada sentiu. Catalepsia, insensibilidade! O Dr. Broca não levou adiante a experiência, pois ela já lhe havia ensinado o que queria saber. Uma fricção sobre os olhos e uma insuflação de ar frio na fronte trouxeram a doente ao estado normal. Ela não tinha a menor lembrança do que se havia passado.
“Restava saber se a insensibilidade hipnótica resistiria à prova das operações cirúrgicas.
“Entre os doentes do Hospital Necker, no serviço do Dr. Follin, estava uma pobre senhora de 24 anos, vítima de extensa queimadura nas costas e nos dois membros direitos e de um abscesso extremamente doloroso. Os menores movimentos lhe eram um suplício. Esgotada pelo sofrimento e, de resto, muito pusilânime, essa infeliz pensava com terror na operação que se fazia necessária. Foi nela que, de acordo com o Dr. Follin, o Dr. Broca resolveu completar a prova do hipnotismo.
“Puseram-na num leito em frente à janela, prevenindo-a que ia dormir. Ao cabo de dois minutos suas pupilas se dilataram. Levantaram o braço esquerdo quase verticalmente acima do leito e ele ficou imóvel. No quarto minuto suas respostas são lentas e quase penosas, mas perfeitamente sensatas. Quinto minuto: o Dr. Follin belisca a pele do braço esquerdo e a doente não o acusa; nova picada mais funda, que produz sangue, e a mesma impassibilidade. Levantam o braço direito, que fica no ar. Então as cobertas são levantadas e os membros inferiores afastados, para deixar a descoberto a sede do abscesso. A doente consente e diz com tranquilidade que, sem dúvida, vão magoá-la. Aberto o abscesso, solta um grito fraco. Foi o único sinal de reação, e que durou menos de um segundo. Nem o menor tremor de músculos do rosto ou dos membros, nem uma agitação nos braços, sempre elevados verticalmente acima do leito. Os olhos um pouco injetados estavam largamente abertos e o rosto tinha a imobilidade de uma máscara...
“Levantado, o pé esquerdo fica suspenso. Tiram o objeto brilhante, uma luneta, e persiste a catalepsia. Pela terceira vez picam o braço esquerdo, o sangue borbulha e a operada nada sente. Há 13 minutos o braço guarda a posição que lhe foi dada.
“Enfim, uma fricção nos olhos e uma insuflação de ar fresco despertam a jovem senhora quase que subitamente. Relaxados, os braços e a perna esquerda tombam imediatamente sobre a cama. Ela esfrega os olhos, retoma a consciência, de nada se lembra e se admira de que a tenham operado. A experiência tinha durado de 18 a 20 minutos. O período de anestesia, de 12 a 15.
“Tais são, em resumo, os fatos essenciais relatados pelo Dr. Broca à Academia de Ciências. Já não são mais isolados. Um grande número de cirurgiões de nossos hospitais tiveram a honra de repeti-los, e o fizeram com sucesso. O objetivo do Dr. Broca e de seus ilustres colegas era, e deveria ser, cirúrgico. Esperemos que, como meio de provocar a insensibilidade, tenha o hipnotismo todas as vantagens dos agentes anestésicos, sem lhes ter os inconvenientes. Mas a Medicina não é do nosso domínio e, para não sair de suas atribuições, nossa Revista não deve considerar o fato senão sob o ponto de vista fisiológico.
“Depois de haver reconhecido a veracidade do Dr. Braid sobre o ponto essencial, certamente ter-se-á que verificar tudo o que diz respeito a este estado singular, ao qual se dá o nome de hipnotismo. Os fenômenos que ele lhe atribui podem ser assim classificados:
“Exaltação da sensibilidade. O olfato é levado a um grau de sensibilidade pelo menos igual ao que se observa nos animais de melhor olfato. A audição também se torna muito penetrante. O tacto adquire, sobretudo em relação à temperatura, uma incrível delicadeza.
“Sentimentos sugeridos. Ponde o rosto, o corpo ou os membros do paciente na atitude que convém à expressão de um sentimento particular e logo se desperta o estado mental correspondente. Assim, colocada no alto da cabeça a mão do hipnotizado, ele se retesa espontaneamente, inclinando o corpo para trás; sua atitude é a do mais puro orgulho. Se nesse momento se lhe curvar a cabeça para a frente, dobrando levemente o corpo e os membros, o orgulho é substituído pela mais profunda humildade. Afastando levemente os cantos da boca, como no riso, logo se produz uma disposição alegre. O mau humor sobrevém imediatamente quando se faz as sobrancelhas convergirem para baixo.
“Ideias provocadas. Levante-se a mão do paciente acima da cabeça; dobrem-se os dedos sobre a palma, e é suscitada a ideia de subir, de se balançar ou de puxar uma corda. Se, ao contrário, se dobrarem os dedos, deixando o braço pendente, provoca-se a ideia de levantar um peso. Se os dedos forem fechados e o braço levado à frente, como para dar um soco, é sugerida a ideia de lutar boxe. (A cena se passa em Londres)..
“Acréscimo de força muscular. Se se quiser suscitar uma força extraordinária num grupo de músculos, basta sugerir ao paciente a ideia da ação que reclama essa força e lhe assegurar que pode realizá-lo com a maior facilidade, caso queira. Diz o Dr. Carpenter: ‘Vimos um paciente hipnotizado pelo Dr. Braid, notável pela pobreza de desenvolvimento muscular, levantar com o dedo mínimo um peso de quatorze quilos e girá-lo em volta da cabeça, certo de que o peso era leve como uma pluma.’
Limitamo-nos, por hoje, à indicação deste esquema. Aos fatos a palavra; as reflexões virão depois.
Neuripnologia ou o fundamento do sono nervoso, considerado em relação com o magnetismo animal. N. do T.