Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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Bibliografia
Slamora, a druidesa ou o espiritualismo no século XV *
As ideias espíritas formigam em grande número de escritores antigos e modernos, e muitos contemporâneos ficariam admirados se lhes provássemos, por seus próprios escritos, que são espíritas sem o saberem. Pode, pois, o Espiritismo encontrar argumentos em seus próprios adversários, que parecem ter sido levados, malgrado seu, a lhe fornecer armas. Assim, autores sacros e profanos apresentam um campo onde não só há o que respigar, mas a colher a mancheias. É o que nos propomos fazer um dia. Então veremos se os críticos julgam correto mandar para os asilos aqueles que incensaram e cujo nome, de pleno direito, tem autoridade nas letras, nas artes, nas ciências, na Filosofia ou na Teologia. O autor do livrinho que anunciamos não é um daqueles que pode ser chamado de espírita sem o saber. Ao contrário, é um adepto sério e esclarecido, que se dispôs a resumir as verdades fundamentais da doutrina numa ordem menos árida que a forma didática, e com o atrativo de um romance semi-histórico. Com efeito, aí encontramos o delfim, que mais tarde foi Luís XI, e alguns personagens de seu tempo, com a pintura dos costumes da época. Siamora, último rebento das antigas Druidesas, conservou as tradições do culto dos antepassados, mas esclarecida pelas verdades do Cristianismo. Num artigo da Revista de abril de 1858, vimos a que grau haviam chegado os sacerdotes da Gália, no tocante à filosofia espírita. Assim, nenhuma contradição existe ao pôr essas mesmas ideias na boca de sua descendente. Ao contrário, é pôr em evidência uma verdade muito pouco conhecida, e que o autor bem mereceu dos espíritas modernos. Podemos julgá-lo pelas seguintes citações. Num momento de êxtase, dirigindo-se a Siamora, a jovem noviça Edda assim se exprime:

“Sob a forma de meu bom anjo, meu anjo familiar, aparece-me um Espírito. Oferece-se para me guiar nas penosas visões daqui debaixo. Os homens, diz-me ele, são maus apenas porque ignoraram sua natureza espiritual; porque rejeitaram esse agente sutil, esse fluxo divino que Deus havia espalhado para a felicidade dos homens na criação, e que os fazia iguais e irmãos. Então os homens curavam, porque apelavam a esse agente sutil da criação, dele retirando poderoso auxílio”.

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“É na hora da morte que cada homem me aparece! Que tristeza! Que desgosto! Que desespero amargo! Cessaram de amar, esses seres perversos. Siamora! Ao morrer, cada homem leva as virtudes e os vícios. Leve, ou carregada de faltas, sua alma se eleva mais ou menos, pois guardou pouco ou muito do agente sutil, o amor, essa substância de Deus que, conforme as afinidades, atrai para si as substâncias semelhantes e repele as que procedem de um princípio contrário.

“A alma do homem mau fica errante aqui embaixo, a todos insuflando sua essência pestilenta. Ela tem a alegria do mal e o orgulho do vício. Nós a chamamos demônio; no Céu, seu nome é irmão transviado. ─ Mas de todos os corações piedosos, Siamora, eleva-se um suave vapor e, malgrado seu, a alma-demônio chega a ser saturada pelo mesmo; assim se retempera, despojando-se em parte de sua corrupção... Então começa a perceber a ideia de Deus, o que naquele estado de alma não conseguia. Assim como a alma leva consigo a imagem exata, embora espiritual de seu corpo, assim a ela se junta esta outra, impregnada de seus vícios e imperfeições, e a alma se adensa e não pode ver.

“Nesse mundo invisível, acima do nosso, Siamora, onde com esforço me elevo pouco a pouco, nuvens brilhantes limitam-me a visão. Milhares de almas, Espíritos celestes, nele entram e saem. Assim como flocos de neve, abaixados, elevados, espalhados, correm arrastados pela força caprichosa dos ventos. Em sua essência espiritual, descem até nós os anjos, dizendo a uns palavras de paz; insinuando ao coração de outro a crença divina; inspirando a este a busca da Ciência; insuflando naquele o instinto do bem e do belo, porque foi tocado pelo dedo de Deus aquele que, em sua arte, a esta levou o gosto das nobres e grandes coisas. Todo homem tem a sua Egéria, o seu conselho, o seu imã. A todos foi lançada a corda da salvação. A nós, cabe segurá-la.

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“Esse homem mau, ou antes, essa alma-demônio, cujos olhos, ao contato de um ar puro, começaram a se abrir, vai chorando o seu crime e pedindo o sofrimento para expiá-lo. Só e sem auxílio, o que fará?

“Aproxima-se um anjo de caridade e lhe diz: irmão transviado, entra comigo na vida. Aqui é o Inferno, o lugar de sofrimento, onde cada um de nós se regenera. Vem. Eu te sustentarei. Tratemos de fazer um pouco de bem, a fim de que, para ti, a balança do bem e do mal acabe pendendo para o lado bom.

“É assim, Siamora, que para todos os homens chega o momento de morrer. Eu os vejo elevando-se mais ou menos nos céus, reentrar na vida, sofrer de novo, depurar-se, morrer ainda e subir incessantemente, nos espaços celestes. Ainda não atingem o Céu do Deus único, mas, através de longas peregrinações em outros mundos muito mais maravilhosos e aperfeiçoados que este, à força de se depurarem, chegarão a possuí-lo.


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* Um vol. In-18, preço 2 fr. ; Vannier, livraria e editora, Rua Notre Dame-des-Victoires, 52. – 1860.

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