Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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Médiuns especiais

Diariamente prova a experiência quanto são numerosas as variedades da faculdade mediúnica. Mas também nos prova que as várias nuanças dessa faculdade são devidas às aptidões especiais ainda não definidas, abstração feita das qualidades e dos conhecimentos do Espírito que se manifesta.

A natureza das comunicações é sempre relativa à natureza do Espírito, e traz o cunho de sua elevação ou de sua inferioridade, de seu saber ou de sua ignorância. Mas, para mérito igual, do ponto de vista hierárquico, nele há, incontestavelmente, uma propensão para ocupar-se de uma coisa em vez de outra. Por exemplo, os Espíritos batedores quase não saem das manifestações físicas, e entre os que dão manifestações inteligentes, há Espíritos poetas, músicos, desenhistas, moralistas, sábios, médicos, etc. Falamos de Espíritos de uma ordem média, porque, chegando a um certo grau, as aptidões se confundem na unidade da perfeição. Mas, ao lado da aptidão do Espírito, há a do médium, que é para aquele um instrumento mais ou menos cômodo, mais ou menos flexível, e no qual descobre qualidades particulares, que não podemos apreciar.

Façamos uma comparação: Um músico hábil tem em mãos vários violinos que para o vulgo são todos bons, mas entre os quais o artista consumado vê uma grande diferença; percebe nuanças de extrema delicadeza, que o levam a escolher uns e rejeitar outros, nuanças que compreende por intuição, mas que não pode definir. Dáse o mesmo com os médiuns: Entre médiuns com qualidades iguais quanto à força mediúnica, o Espírito preferirá este àquele, conforme o gênero de comunicação que queira dar. Assim, por exemplo, vemos pessoas, como médiuns, escreverem poesias admiráveis, embora em condições ordinárias jamais tenham podido ou sabido fazer um verso. Outras, ao contrário, sendo poetas, como médiuns só escrevem prosa, a despeito de seu desejo. O mesmo se dá quanto ao desenho, à música, etc. Há médiuns que, sem conhecimentos científicos próprios, têm uma aptidão muito especial para receber comunicações científicas; outros para estudos históricos; outros servem mais facilmente de intérpretes a Espíritos moralistas. Numa palavra, seja qual for a flexibilidade do médium, as comunicações que recebe com mais facilidade têm, em geral, um cunho especial. Há alguns, até, que não se afastam de um determinado círculo de ideias, e quando delas se afastam, temos comunicações incompletas, lacônicas e por vezes falsas. Além das causa de aptidão, os Espíritos se comunicam, ainda, mais ou menos voluntariamente por este ou aquele médium, conforme as suas simpatias. Assim, apesar da igualdade de aptidões, o mesmo Espírito será muito mais explícito através de certos médiuns, pelo simples fato de que esses melhor lhes convêm.

Seria erro, portanto, somente por se ter à mão um bom médium que escrevesse com a maior facilidade, pensar obter, por seu intermédio, boas comunicações de todos os gêneros. A primeira condição para se ter boas comunicações é, sem contradita, assegurar-se da fonte de que promanam, isto é, das qualidades do Espírito que as transmite, mas não é menos necessário atentar para as qualidades do instrumento oferecido ao Espírito. É preciso, pois, estudar a natureza do médium como se estuda a do Espírito, pois aí estão os dois elementos essenciais para resultados satisfatórios. Uma terceira condição, que representa papel igualmente importante, é a intenção, o pensamento íntimo, o sentimento mais ou menos louvável de quem interroga. E isto se concebe. Para que uma comunicação seja boa, é preciso que venha de um Espírito bom. Para que esse Espírito possa transmiti-la, é necessário um bom instrumento. Para que a queira transmitir, é preciso que o objetivo lhe convenha. O Espírito, que lê o pensamento, julga se a pergunta feita merece resposta séria e se a pessoa que a dirige é digna de recebê-la. Caso contrário, não perde seu tempo em semear bons grãos sobre pedras, e é então que os Espíritos levianos e zombadores se divertem, porque, pouco se preocupando com a verdade, não são muito corteses e são geralmente muito pouco escrupulosos quanto aos fins e aos meios.

De acordo com o que acabamos de dizer, compreende-se que deve haver Espíritos mais especialmente ocupados, por gosto ou pela razão, com o alívio da Humanidade sofredora e que, paralelamente, deve haver médiuns mais aptos do que outros para lhes servirem de intermediários. Ora, como esses Espíritos agem exclusivamente para o bem, devem procurar em seus intérpretes, além da aptidão que poderia ser chamada fisiológica, certas qualidades morais, entre as quais figuram, em primeira linha, o devotamento e o desinteresse. A cupidez sempre foi, e será sempre, um motivo de repulsa para os bons Espíritos e uma causa de atração para os outros. Pode o bom-senso aceitar que os Espíritos superiores se prestem a todas as combinações do interesse material, e que estejam às ordens do primeiro que aparecer pretendendo explorá-los? Os Espíritos, sejam quais forem, não querem ser explorados, e se alguns parecem concordar; se até mesmo se antecipam a certos desejos muito mundanos, quase sempre têm em vista uma mistificação de que se riem depois, como de uma boa peça pregada a pessoas muito crédulas. Aliás, não é inútil que alguns queimem os dedos, para aprenderem que se não deve brincar com as coisas sérias.

Seria o caso de falarmos aqui de um desses médiuns privilegiados, que os Espíritos curadores parece haverem tomado sob seu patrocínio direto. A senhorita Désirée Godu, residente em Hennebon, no Morbihan, goza, sob todos os aspectos, de uma faculdade verdadeiramente excepcional, que utiliza com a mais piedosa abnegação. A respeito, já dissemos algumas palavras num relatório das sessões da Sociedade, mas a importância do assunto merece artigo especial, que teremos a satisfação de lhe consagrar em nosso próximo número. À parte o interesse ligado ao estudo de toda faculdade rara, consideraremos sempre como um dever dar a conhecer o bem e fazer justiça a quem o pratica.

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