Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860
Contendo
Os fatos de manifestação de Espíritos, bem como todas as notícias relativas ao Espiritismo.
O ensino dos Espíritos sobre as coisas do mundo visível e do mundo invisível; sobre as ciências, a moral, a imortalidade da alma, a natureza do homem e seu futuro.
A história do Espiritismo na antiguidade; suas relações com o magnetismo e o sonambulismo; a explicação de lendas e crenças populares, da mitologia de todos os países, etc.
Publicada sob a direção
do sr. Allan Kardec.
Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente.
A potência da causa inteligente se dá em razão da grandeza do efeito.
Janeiro
O Espiritismo em 1860O magnetismo perante a academia
Se vivêssemos ao tempo da Grécia, brilhante e poética, diríamos: O Magnetismo, filho da Natureza e de um simples mortal, foi proscrito do Olimpo porque tinha ferido os privilégios de Esculápio e marchado ao seu lado, gabando-se de poder curar sem o seu concurso. Vagou muito tempo pela Terra, onde ensinou aos homens a arte de curar por meios novos. Desvendou ao vulgo uma porção de maravilhas que, até então, tinham sido misteriosamente escondidas nos templos; mas aqueles cujos segredos havia revelado, desmascarando-lhes a charlatanice, perseguiram-no a pedradas, de tal sorte que foi, ao mesmo tempo, banido pelos deuses e maltratado pelos homens. Nem por isso deixou de continuar a espalhar seus benefícios, aliviando a Humanidade, certo de que um dia a sua inocência seria reconhecida; de que um dia lhe fariam justiça. Teve um filho, ao qual deu o nome de Hipnotismo, e cujo nascimento escondeu cuidadosamente, receoso de lhe atrair perseguições. Esse filho partilhou longamente de seu exílio, e durante esse tempo ele o instruía. Quando o julgou bem formado, disse-lhe:
─ Vai apresentar-te no Olimpo, mas guarda-te de dizer que és meu filho. Teu nome e um disfarce facilitarão a tua entrada. Esculápio te apresentará.
─ Como, meu pai?! Esculápio, teu mais encarniçado inimigo! Aquele que te proscreveu!
─ Ele mesmo te estenderá a mão!
─ Mas se me reconhecer, expulsar-me-á.
─ Ora! se te expulsar, voltarás para junto de mim e continuaremos nossa obra beneficente entre os homens, à espera de melhores dias. Mas fica tranquilo. Tenho muita esperança. Esculápio não é mau. Ele quer, antes de tudo, o progresso da Ciência, do contrário não seria digno de ser o deus da Medicina. Aliás, talvez eu tenha cometido algumas faltas para com ele. Ofendido por me ver denegrir, eu me exaltei e ataquei-o imprudentemente: Prodigalizei-lhe injúrias, insultei-o, vilipendiei-o e o chamei de ignorante. Ora, esse não é um meio adequado de tratar os homens e os deuses. Com seu amor-próprio ferido, irritou-se um instante contra mim. Não faças como eu, meu filho. Sê mais prudente e, sobretudo, mais polido. Se os outros não o forem para contigo, o erro será deles, e a razão, tua. Vai, meu filho, e lembra-te que não se apanham moscas com vinagre.
Assim falou o pai. Hipnotismo partiu timidamente para o Olimpo; o coração lhe batia forte, quando se apresentou à soleira da porta sagrada. Mas oh surpresa! O próprio Esculápio estende-lhe a mão e o introduz!
Assim, eis o Magnetismo em seu lugar. Que vai fazer? Oh! Não acrediteis na vitória definitiva; ainda estamos nas preliminares da paz. É uma primeira barreira derrubada, eis tudo. O passo é importante, sem dúvida, mas não penseis que os inimigos vão confessar-se vencidos. O próprio Esculápio, o grande Esculápio, que o reconheceu por seus traços de família, dificultaria enormemente sua defesa, pois seriam capazes de mandá-lo a Charenton. Vão dizer que é... alguma coisa... mas que seguramente não é magnetismo. Vá lá! Não vamos chicanear com as palavras. Será tudo o que quiserem, mas, enquanto se espera, é um fato que terá consequências.
Ora, eis as consequências. Inicialmente vão ocupar-se apenas do ponto de vista anestésico (do grego aisthesis, sensibilidade e a, privativo, isto é, privação geral ou parcial da faculdade de sentir) e isto por força da predominância das ideias materialistas, pois ainda há muita gente que teima, sem dúvida por modéstia, em rebaixar-se ao papel de grelha que, quando estragada, é atirada ao ferro velho, sem deixar vestígios! Assim, vão examinar o fato de todas as maneiras, ainda que por mera curiosidade. Vão estudar a ação das várias substâncias para produzir o fenômeno da catalepsia; depois, um belo dia, reconhecerão que basta pôr o dedo. Mas não é tudo. Observando o fenômeno da catalepsia, outros surgirão espontaneamente. Já foi notada a liberdade de pensamento durante a suspensão das faculdades orgânicas. Assim, o pensamento é independente dos órgãos. Há, pois, no homem, algo além da matéria. Ver-se-á a manifestação de faculdades estranhas: a vista adquirir uma amplitude insólita, transpondo os limites dos sentidos; todas as percepções deslocadas; numa palavra, é um vasto campo para a observação e não faltarão observadores. O santuário está aberto, e esperamos que dele jorre a luz, a menos que o celeste areópago não deixe a honra a mais ninguém.
Tenham nossos leitores a bondade de ver o notável artigo que o Sr. Victor Meunier, redator do Ami des Sciences, publicou sobre esse interessante assunto na Revista científica hebdomadária do Siècle de 16 de dezembro de 1859:
“O Magnetismo animal, levado à Academia pelo Sr. Broca; apresentado à ilustre Sociedade pelo Sr. Velpeau; experimentado pelos Srs. Follin, Verneuil, Faure, Trousseau, Denonvilliers, Nélaton, Azam, Ch. Robin, etc., todos cirurgiões dos hospitais, é a grande novidade do dia.
“As descobertas, como os livros, têm o seu destino. A de que vamos tratar não é nova. Ela data de uns vinte anos, e nem na Inglaterra, onde nasceu, nem na França, onde, no momento, não se ocupam de outra coisa, lhe faltou publicidade. Um médico escocês, o Dr. Braid, a descobriu e lhe consagrou um livro: Neurypnology or the rational of nervous sleep, considered in relation with animal magnetism[1]. Um célebre médico inglês, o Dr. Carpenter, analisou detidamente a descoberta do Dr. Braid no artigo sleep (sono) da Enciclopédia de Anatomia e Fisiologia de Tood (Cyclopedia of Anatomy andPhysiology). Um ilustre cientista francês, o Sr. Littré, reproduziu a análise do Dr. Carpenter na segunda edição do Manuel de Physiologie de J. Mueller. Enfim, nós mesmos consagramos um de nossos folhetins da Presse de 7 de julho de 1852 ao hipnotismo, nome dado pelo Dr. Braid ao conjunto de fatos de que se trata. A mais recente das publicações relativas ao assunto data, pois, de sete anos. E eis que, quando o julgavam esquecido, ele adquire esta imensa repercussão.
“Há no hipnotismo duas coisas: um conjunto de fenômenos nervosos, e o processo por meio do qual são produzidos.
“O processo empregado outrora, se não me engano pelo Abade Faria, é de grande simplicidade.
“Consiste em manter um objeto brilhante em frente aos olhos da pessoa com a qual se experimenta, a pequena distância da raiz do nariz, de modo que só o possa olhar enviesando os olhos para dentro; ela deve fixar os olhos sobre ele. A princípio as pupilas se contraem, depois se dilatam bastante e, em poucos instantes, produz-se o estado cataléptico. Levantando-se os membros do paciente, estes conservam a posição que se lhes dá. É apenas um dos fenômenos produzidos. Dos outros falaremos oportunamente.
“O Sr. Azam, professor substituto de clínica cirúrgica da Escola de Medicina de Bordéus, tendo repetido com sucesso as experiências do Dr. Braid, trocou ideias com o Dr. Paul Broca, que imaginou que as pessoas hipnotizadas talvez fossem insensíveis à dor das operações cirúrgicas. A carta que acaba de dirigir à Academia de Ciências é o resumo de suas experiências a respeito.
“Antes de tudo, devia ele assegurar-se da realidade do hipnotismo, o que conseguiu sem dificuldades.
“Visitando uma senhora de uns quarenta anos, algo histérica, e que estava acamada por ligeira indisposição, o Dr. Broca fazia de conta que queria examinar os olhos da paciente e lhe pedia que olhasse fixamente um frasquinho dourado que ele segurava a uns quinze centímetros da raiz do nariz. Ao cabo de três minutos os olhos ficaram um pouco vermelhos, os traços imóveis, as respostas lentas e difíceis, mas perfeitamente racionais. O Dr. Broca levantou o braço da doente e este se manteve na posição deixada; posicionou os dedos nas mais extremas situações e eles as conservaram; beliscou a pele em vários pontos, com certa força e, ao que parece, a paciente nada sentiu. Catalepsia, insensibilidade! O Dr. Broca não levou adiante a experiência, pois ela já lhe havia ensinado o que queria saber. Uma fricção sobre os olhos e uma insuflação de ar frio na fronte trouxeram a doente ao estado normal. Ela não tinha a menor lembrança do que se havia passado.
“Restava saber se a insensibilidade hipnótica resistiria à prova das operações cirúrgicas.
“Entre os doentes do Hospital Necker, no serviço do Dr. Follin, estava uma pobre senhora de 24 anos, vítima de extensa queimadura nas costas e nos dois membros direitos e de um abscesso extremamente doloroso. Os menores movimentos lhe eram um suplício. Esgotada pelo sofrimento e, de resto, muito pusilânime, essa infeliz pensava com terror na operação que se fazia necessária. Foi nela que, de acordo com o Dr. Follin, o Dr. Broca resolveu completar a prova do hipnotismo.
“Puseram-na num leito em frente à janela, prevenindo-a que ia dormir. Ao cabo de dois minutos suas pupilas se dilataram. Levantaram o braço esquerdo quase verticalmente acima do leito e ele ficou imóvel. No quarto minuto suas respostas são lentas e quase penosas, mas perfeitamente sensatas. Quinto minuto: o Dr. Follin belisca a pele do braço esquerdo e a doente não o acusa; nova picada mais funda, que produz sangue, e a mesma impassibilidade. Levantam o braço direito, que fica no ar. Então as cobertas são levantadas e os membros inferiores afastados, para deixar a descoberto a sede do abscesso. A doente consente e diz com tranquilidade que, sem dúvida, vão magoá-la. Aberto o abscesso, solta um grito fraco. Foi o único sinal de reação, e que durou menos de um segundo. Nem o menor tremor de músculos do rosto ou dos membros, nem uma agitação nos braços, sempre elevados verticalmente acima do leito. Os olhos um pouco injetados estavam largamente abertos e o rosto tinha a imobilidade de uma máscara...
“Levantado, o pé esquerdo fica suspenso. Tiram o objeto brilhante, uma luneta, e persiste a catalepsia. Pela terceira vez picam o braço esquerdo, o sangue borbulha e a operada nada sente. Há 13 minutos o braço guarda a posição que lhe foi dada.
“Enfim, uma fricção nos olhos e uma insuflação de ar fresco despertam a jovem senhora quase que subitamente. Relaxados, os braços e a perna esquerda tombam imediatamente sobre a cama. Ela esfrega os olhos, retoma a consciência, de nada se lembra e se admira de que a tenham operado. A experiência tinha durado de 18 a 20 minutos. O período de anestesia, de 12 a 15.
“Tais são, em resumo, os fatos essenciais relatados pelo Dr. Broca à Academia de Ciências. Já não são mais isolados. Um grande número de cirurgiões de nossos hospitais tiveram a honra de repeti-los, e o fizeram com sucesso. O objetivo do Dr. Broca e de seus ilustres colegas era, e deveria ser, cirúrgico. Esperemos que, como meio de provocar a insensibilidade, tenha o hipnotismo todas as vantagens dos agentes anestésicos, sem lhes ter os inconvenientes. Mas a Medicina não é do nosso domínio e, para não sair de suas atribuições, nossa Revista não deve considerar o fato senão sob o ponto de vista fisiológico.
“Depois de haver reconhecido a veracidade do Dr. Braid sobre o ponto essencial, certamente ter-se-á que verificar tudo o que diz respeito a este estado singular, ao qual se dá o nome de hipnotismo. Os fenômenos que ele lhe atribui podem ser assim classificados:
“Exaltação da sensibilidade. O olfato é levado a um grau de sensibilidade pelo menos igual ao que se observa nos animais de melhor olfato. A audição também se torna muito penetrante. O tacto adquire, sobretudo em relação à temperatura, uma incrível delicadeza.
“Sentimentos sugeridos. Ponde o rosto, o corpo ou os membros do paciente na atitude que convém à expressão de um sentimento particular e logo se desperta o estado mental correspondente. Assim, colocada no alto da cabeça a mão do hipnotizado, ele se retesa espontaneamente, inclinando o corpo para trás; sua atitude é a do mais puro orgulho. Se nesse momento se lhe curvar a cabeça para a frente, dobrando levemente o corpo e os membros, o orgulho é substituído pela mais profunda humildade. Afastando levemente os cantos da boca, como no riso, logo se produz uma disposição alegre. O mau humor sobrevém imediatamente quando se faz as sobrancelhas convergirem para baixo.
“Ideias provocadas. Levante-se a mão do paciente acima da cabeça; dobrem-se os dedos sobre a palma, e é suscitada a ideia de subir, de se balançar ou de puxar uma corda. Se, ao contrário, se dobrarem os dedos, deixando o braço pendente, provoca-se a ideia de levantar um peso. Se os dedos forem fechados e o braço levado à frente, como para dar um soco, é sugerida a ideia de lutar boxe. (A cena se passa em Londres)..
“Acréscimo de força muscular. Se se quiser suscitar uma força extraordinária num grupo de músculos, basta sugerir ao paciente a ideia da ação que reclama essa força e lhe assegurar que pode realizá-lo com a maior facilidade, caso queira. Diz o Dr. Carpenter: ‘Vimos um paciente hipnotizado pelo Dr. Braid, notável pela pobreza de desenvolvimento muscular, levantar com o dedo mínimo um peso de quatorze quilos e girá-lo em volta da cabeça, certo de que o peso era leve como uma pluma.’
Limitamo-nos, por hoje, à indicação deste esquema. Aos fatos a palavra; as reflexões virão depois.
[1] Neuripnologia ou o fundamento do sono nervoso, considerado em relação com o magnetismo animal. N. do T.
Espírito de um lado, corpo do outro. Palestra com o Espírito de um vivo
O nosso ilustre colega, Sr. Conde de R... C... dirigiu-nos, em data de 23 de novembro último, a seguinte carta:
“Senhor Presidente:
Aproveitamos a oferta do Sr. Conde de R... C..., com tanto mais entusiasmo quanto, pondo-se à nossa disposição, pensávamos que seu Espírito se prestaria de boa vontade às nossas pesquisas. Por outro lado, sua instrução, a superioridade de sua inteligência ─ o que, diga-se de passagem, não impede seja um excelente espírita ─ e a experiência que adquiriu em viagens à volta do mundo, como capitão da marinha imperial, dava-nos o direito de esperar de sua parte uma apreciação mais criteriosa de seu estado. A espera não nos decepcionou. Em consequência, tivemos com ele as duas conversas que se seguem, a primeira a 25 de novembro e a segunda a 2 de dezembro de 1859.
(SOCIEDADE, 25 DE NOVEMBRO DE 1859)
2. ─ Neste momento tendes consciência do desejo manifestado, de ser evocado? ─ Perfeitamente.
3. ─ Em que lugar vos achais, aqui? ─ Entre vós e o médium.
4. ─ Vede-nos tão claramente como, quando em pessoa, assistis às nossas sessões? ─ Mais ou menos, mas um pouco velado. Ainda não durmo bem.
5. ─ Como tendes consciência de vossa individualidade aqui presente, quando o vosso corpo está no leito? ─ Neste momento o corpo me é simples acessório. Sou Eu que aqui estou.
OBSERVAÇÃO: Sou Eu que aqui estou é uma resposta notável. Para ele, o corpo não é a parte essencial do seu ser. A parte essencial é o Espírito, que constitui o Eu. O seu Eu e o seu corpo são duas coisas distintas.
6. ─ Podeis transportar-vos instantaneamente, e à vontade, daqui para a casa e vice-versa? ─ Sim.
7. ─ Indo para casa e vindo para cá, tendes consciência do trajeto que fazeis? Vedes os objetos que estão no caminho? ─ Poderia, mas negligencio fazê-lo, pois não há interesse.
8. ─ O estado em que vos encontrais é semelhante ao de um sonâmbulo? ─ Não inteiramente. Meu corpo dorme, isto é, está mais ou menos inerte. O sonâmbulo não dorme. Suas faculdades orgânicas estão modificadas, mas não aniquiladas.
10. A lembrança de vossa existência corpórea está claramente presente em vossa memória? ─ Muito clara.
11. ─ Poderíeis citar uma de vossas ocupações mais importantes do dia? ─ Poderia, mas não o farei. Lamento ter proposto tal pergunta. (Ele havia pedido lhe fosse feita uma pergunta deste gênero, como prova).
12. ─ É como Espírito que lamentais terdes proposto a pergunta? ─ Como Espírito.
20. ─ Desde que o evocamos por vossa vontade e que vos pondes à nossa disposição para estudos, tende a bondade de descrever, da melhor forma possível, de tal forma que possamos compreender, se possível, o estado em que vos achais agora.
Conselho de família
Castelo de Pechbusque, novembro de 1859.
PRIMEIRA SESSÃO
Foi perguntado ao Espírito protetor da família, se podia dar alguns conselhos aos membros presentes. Ele respondeu:
Sim, que eles tenham confiança em Deus e busquem instruir-se nas verdades eternas e imutáveis que lhes ensina o livro divino da Natureza. Ele contém toda a lei de Deus, e os que sabem ler e compreender, seguem apenas o caminho verdadeiro da sabedoria. Que nada do que verão seja desprezado, pois cada coisa traz em si um ensinamento e deve, pelo uso do raciocínio, elevar a alma para Deus e dele aproximá-la. Em tudo quanto ferir a inteligência, procurem sempre distinguir o bem do mal: o primeiro, para praticá-lo; o segundo, para evitá-lo. Que antes de formular um julgamento, voltem sempre o pensamento para o ETERNO, que os guiará apenas ao bem, E NÃO OS ENGANARÁ JAMAIS.
SEGUNDA SESSÃO
Boa noite, meus filhos. Se me amais, procurai instruir-vos. Reuni-vos muitas vezes com esse pensamento, e ponde vossas ideias em comunhão. É um excelente meio, pois em geral só intercambiamos as coisas que julgamos boas. A gente se envergonha das más, assim, são guardadas em segredo ou só são comunicadas aos que queremos tornar cúmplices. Distinguem-se os bons dos maus pensamentos, porque os primeiros podem, sem receio, ser transmitidos a todo mundo, ao passo que os últimos não poderiam, sem perigo, ser comunicados senão a alguns. Quando vos vier um pensamento, para julgar de seu valor, perguntai-vos se podeis torná-lo público sem inconvenientes e se não produzirá nenhum mal. Se vossa consciência vo-lo autorizar, não temais, pois vosso pensamento é bom. Dai-vos bons conselhos mutuamente, e nisto só tendo em vista o bem daquele a quem os dais, e não o vosso. Vossa recompensa estará no prazer que experimentais em serdes úteis. A união dos corações é a mais fecunda fonte de felicidades. Se muitos homens são infelizes, é porque só procuram a felicidade para si mesmos. Ela lhes escapa precisamente porque julgam encontrá-la apenas no egoísmo. Digo a felicidade, e não a fortuna, porque, até aqui, esta última só tem servido como sustentáculo à injustiça, e o objetivo da existência é a justiça. Ora, se a justiça fosse praticada entre os homens, o mais afortunado seria aquele que realizasse maior número de boas obras. Se, pois, quiserdes tornar-vos ricos, meus filhos, praticai muitas ações boas. Pouco importa os bens do mundo. Não é a satisfação da carne que se deve buscar, mas a da alma. Aquela é efêmera; esta, eterna.
Chega por hoje. Meditai sobre estes conselhos e procurai pô-los em prática. Eis o caminho da salvação.
TERCEIRA SESSÃO Sim, meus filhos, eis-me aqui. Tende confiança em Deus, que jamais abandona os que fazem o bem. Aquilo que julgais um mal, com frequência só o é em relação às vossas concepções. Também, às vezes, o mal real vem apenas de um desânimo ocasionado por uma dificuldade, que a calma de espírito e a reflexão teriam evitado. Assim, refleti sempre e, como já vos disse, reportai tudo a Deus. Quando experimentais qualquer pesar, longe de vos abandonardes à tristeza, ao contrário, resisti e fazei todo esforço para triunfar, pensando que nada se obtém sem trabalho, e que muitas vezes o sucesso é acompanhado por dificuldades. Invocai o auxílio dos Espíritos benevolentes. Eles não podem, como vos ensinam, fazer boas obras em vosso lugar, nem obter algo de Deus para vós, pois é preciso que cada um conquiste, por si mesmo, a perfeição a que todos estamos destinados, mas podem inspirar-vos o bem, sugerir-vos conduta conveniente e ajudar-vos com seu concurso. Eles não se manifestam ostensivamente, mas no recolhimento. Escutai a voz da vossa consciência, lembrando-vos de meus conselhos precedentes. Confiança em Deus, calma e coragem.
QUARTA SESSÃO
Boa noite, meus filhos. Sim, é preciso continuar as sessões, até que um médium se manifeste, para substituir o que vai deixar-vos. Está cumprido o seu papel de iniciador entre vós. Continuai o que começastes, porque vós também servireis um dia à propagação da verdade que neste momento é proclamada no mundo inteiro pelas manifestações ditas dos Espíritos. Persuadi-vos, meus filhos, de que, em geral, o que se entende na Terra por Espírito, só é Espírito para vós. Depois que esse Espírito, ou alma, se separa da matéria grosseira que o envolve, para vós não tem mais corpo, porque vossos olhos materiais não mais o veem, mas continua sendo matéria para os mais elevados que ele. Para vós, minhas crianças, vou fazer uma comparação muito imperfeita, mas que, entretanto, vos poderá dar uma ideia da transformação a que impropriamente chamais morte. Imaginai uma lagarta, que vedes diariamente. Esgotado o tempo de sua existência nesse estado, ela se transforma em crisálida; passa algum tempo nesse estado e depois, chegado o momento, se despoja de seu envoltório e dá origem a uma borboleta, que voa. Ora, a lagarta, ao deixar sua natureza grosseira, representa o homem que morre. A borboleta representa a alma que se eleva. A lagarta arrasta-se no chão. A borboleta voa para o céu. Mudou de matéria, mas ainda é material. Se a lagarta raciocinasse, não veria a borboleta que, entretanto, teria saído da carapaça apodrecida da crisálida. Assim, o corpo não pode ver a alma, mas a alma, envolta em matéria, tem consciência de sua existência e o próprio materialista por vezes a sente interiormente. Então, seu orgulho o impede de concordar e ele fica com sua ciência sem crença, sem se elevar, até que, enfim, lhe chegue a dúvida. Então, nem tudo está acabado, porque nele a luta é maior, mas é apenas uma questão de tempo, porque, meus amigos, não vos esqueçais, todos os filhos de Deus foram criados para a perfeição. Felizes os que não perdem tempo pelo caminho. A eternidade é feita de dois períodos: o das provas, que poderia chamar-se de incubação, e o da eclosão, ou da entrada na vida verdadeira, que chamais de felicidade dos eleitos.
QUINTA SESSÃO
Meus caros filhos, vejo com satisfação que começais a refletir nos avisos e conselhos que vos dou. Sei que para o atual desenvolvimento de vossa inteligência há, simultaneamente, muito assunto para reflexão. Devo, porém, aproveitar a ocasião que se apresenta, pois em poucos dias esse meio não mais estará à minha disposição, e era necessário ferir a vossa imaginação, de maneira a vos sugerir o desejo de continuar as vossas sessões, até que algum de vós possa substituir o médium atual. Espero que estas poucas sessões, sobre as quais vos incito a meditar demoradamente, tenham sido suficientes para despertar vossa atenção e o desejo de aprofundar mais esse vasto assunto de investigações. Tomai como regra jamais procurar satisfazer uma vã curiosidade, mas vos instruirdes e vos aperfeiçoardes. É inútil vos preocupardes com a diferença que possa existir entre o que vos ensinarei e o que sabeis ou julgais saber. Cada vez que vos for dada uma instrução, perguntaivos se é justa e se corresponde às exigências da consciência e da equidade. Quando a resposta for afirmativa, não vos inquieteis em saber se está de acordo com o que vos tiver sido dito. Que vos importa isto! O importante é o justo, o consciencioso e o equitativo. Tudo quanto reúne estas condições é de Deus. Obedecer a uma boa consciência; só fazer coisas úteis; evitar tudo quanto, sem ser mau, não tem utilidade, eis o essencial, pois fazer algo de inútil já é fazer o mal. Evitai escandalizar, mesmo pelo vosso aperfeiçoamento. Circunstâncias há em que a simples visão de vossa mudança pode produzir um efeito pernicioso. Assim, por exemplo, a luz do dia não poderia, sem perigo, atingir de súbito os olhos de um homem encerrado num calabouço escuro. Então, que o vosso progresso não seja entregue à investigação, senão conforme vos aconselhar a sabedoria. Aperfeiçoaivos continuamente: somente no devido tempo permitireis que isto seja visto. Aqueles para quem escrevo este conselho o compreendem, sem que eu tenha de ser mais explícito. Sua consciência lhes dirá.
Coragem, pois, e perseverança! Estas são as únicas leis do sucesso.
OBSERVAVAÇÃO: O último conselho não poderia ter aplicação geral. É evidente que o Espírito teve um objetivo especial, como ele próprio disse. Do contrário, poderíamo-nos enganar quanto ao sentido e o alcance de suas palavras.
As pedras de Java - Bruxelas, 9 de dezembro de 1859
Li na Revista Espírita o relato de Ida Pfeiffer sobre as pedras caídas em Java, na presença de um oficial superior holandês, com o qual estive muito ligado em 1817, pois foi ele que me emprestou suas pistolas e serviu de testemunha em meu primeiro duelo. Chamava-se Michiels, de Maestricht, e tornou-se general em Java. A carta que relatava o fato acrescentava que essa queda de pedras, na habitação isolada do distrito de Chéribon, não durou menos de doze dias, sem que as sentinelas postas pelo general tivessem algo descoberto, assim como ele também nada descobriu, durante o tempo em que lá ficou. Essas pedras, formadas de uma espécie de pedrapomes, pareciam criadas no ar, a alguns pés do forro. O general mandou encher vários cestos. Os habitantes vinham procurá-las para fazer amuletos e até remédios. O fato é muito conhecido em Java, pois se renova com frequência, principalmente as cusparadas de siry. Vários meninos foram perseguidos a pedradas em campo raso, mas não foram atingidos. Dir-se-ia tratar-se de Espíritos farsistas que se divertem em meter medo à gente. Evocai o Espírito do general Michiels e talvez vos explique o fato. O Dr. Vanden Kerkhove, que morou muito tempo em Java, me declarou, como vos afirmo, que vossa Revista é cada dia mais interessante, mais moralizadora e mais procurada em Bruxelas.
Aceitai, etc.
JOBARD
O conhecido caráter da Sra. Ida Pfeiffer e o cunho de veracidade que marca todos os seus relatos, não nos deixam a menor dúvida quanto à realidade do fenômeno em apreço, mas compreende-se toda a importância que lhe vem acrescentar a carta do Sr. Jobard, pela informação da principal testemunha ocular encarregada de verificar o fato, e que nenhum interesse tinha em fazê-lo acreditado se o tivesse considerado falso. Para começar, a natureza esponjosa dessa chuva de pedras poderia induzir a atribuir-lhe origem vulcânica ou aerolítica, o que levaria os céticos a dizerem que a superstição havia tomado o lugar de um fenômeno natural. Se tivéssemos apenas o testemunho dos javaneses, a suposição teria fundamento, e as pedras, caindo em campo raso, sem sombra de dúvida viriam em apoio a essa opinião. Mas o general Michiels e o Dr. Vanden Kerkhove não eram malaios, e sua afirmação certamente tem valor. A esta consideração, por si só muito forte, é preciso acrescentar que não caíam somente ao ar livre, mas numa sala onde parece que se formavam a alguma distância do forro. É o general que o afirma. Ora, não acreditamos que jamais se tenham visto aerólitos se formarem na atmosfera de uma sala. Admitindo a causa meteorológica ou vulcânica, o mesmo não se poderia dizer das cusparadas de siry, que os vulcões jamais vomitaram, pelo menos de que tenhamos tomado conhecimento. Afastada essa hipótese pela própria natureza dos fatos, resta saber como tais substâncias puderam ser formadas. A explicação está em nosso artigo de agosto de 1859, sobre o Mobiliário de Além-túmulo.
Correspondência
Acabo de ler vossa resposta ao Sr. Oscar Comettant, cujo artigo havia lido. Se esse folhetinista cético e canhestramente trocista não se convenceu pelas boas razões que lhe destes, poderia pelo menos reconhecer em vossa resposta a urbanidade do estilo, totalmente ausente da sua prosa. Os parênteses vulgares com que tinha temperado as evocações me pareciam do espírito de rabo vermelho; os lamentos com que lembrava os 2 francos que havia custado a sonata, bem mereciam que a Sociedade lhe votasse um auxílio de 2 francos. Pensais, meu caro senhor Allan Kardec, que eu seja um espírita muito ardente para ter deixado sem resposta um artigo em que era citado e posto em causa. Por minha vez, escrevi também ao Sr. Oscar Comettant. No dia seguinte à recepção de seu jornal, recebeu ele a seguinte carta:
Senhor,
Tive o prazer de ler vosso folhetim Variedades, de sexta-feira. Como me põe em causa, desde que sou citado nominalmente, peço licença para, a respeito, fazer algumas observações, que aceitareis assim como aceitei os espirituosos parênteses com que esmaltastes o relatório das evocações de Mozart e de Chopin. Que é o que quereis troçar com esse artigo humorístico? O Espiritismo? Cometeríeis um grande equívoco, crendo fazer-lhe a menor mossa. Na França, a princípio faz-se troça, depois se julga e só se concedem as honras das piadas às coisas verdadeiramente grandes e sérias, com a liberdade de concedê-las após o exame que merecem.
Se o Sr. Ledoyen é tão ávido e interesseiro quanto quereis fazer crer, deve ele vos ser reconhecido, por terdes querido, num folhetim de onze colunas, assegurar o sucesso de uma de suas mais modestas publicações. É a primeira vez que é publicado um artigo tão importante sobre o Espiritismo, num grande jornal. Vejo por esse artigo quase charivari, que o Espiritismo já é levado em consideração pelos próprios inimigos e, confidencialmente, vos direi que os Espíritos disseram que também se serviriam dos inimigos para o triunfo de sua causa. Assim, o melhor é vos manterdes em guarda, se não vos quiserdes transformar em apóstolo, malgrado vosso.
Não quereis ver no Espiritismo senão charlatanismo moral e comercial. Nós outros, futuros inquilinos de Charenton, nele encontramos a solução de muitos problemas contra os quais a Humanidade quebrava a cabeça há muitos séculos, a saber: o reconhecimento raciocinado de Deus em todas as suas obras materiais e espirituais; a imortalidade e a individualidade evidentes da alma, provadas pelas manifestações dos Espíritos; o conhecimento das leis da justiça divina, estudadas nas diversas encarnações dos Espíritos, etc., etc. Se nos déssemos ao trabalho de aprofundar um pouco esses assuntos, poderíamos ver que se acham acima de todos os sarcasmos e de todas as pilhérias. Por mais que nos considereis sonhadores e alucinados, todos diremos, em lugar do eppur si muove de Galileu: E contudo, Deus lá está!
Peço-vos aceitar, etc.
Brion Dorgeval
Primeiro baixo da ópera-cômica do Teatro de Toulouse, ex-contratado do Sr. Carvalho.
Meu caro colega,
Venho submeter-vos algumas reflexões etnográficas sobre o mundo dos Espíritos, com a intenção de restabelecer uma opinião muito generalizada, mas, a meu ver, muito errada, quanto ao estado do homem após a sua passagem para o mundo espiritual.
Imagina-se erroneamente que um imbecil, um ignorante, um bruto, imediatamente se torna um gênio, um sábio, um profeta, desde que deixou seu estojo. É um erro análogo ao de quem admitisse que um celerado, livre da camisa de força, irá tornar-se honesto; um bobo,esperto, e um fanático, racional, só porque transpuseram a fronteira.
Nada disso. Levamos conosco todas as nossas conquistas morais, o caráter, o conhecimento, os vícios e as virtudes. Não levamos o que se refere à matéria. Os coxos, os zarolhos e os corcundas não mais o são, mas os velhacos, os avarentos e os supersticiosos ainda o são. Não nos devemos admirar de ouvir Espíritos pedirem preces; desejarem que se façam as peregrinações que haviam prometido e até que se descubra o dinheiro que haviam escondido, com o fito de dá-lo à pessoa a quem o haviam destinado, e que a indiquem exatamente, desde que esteja encarnada.
Em suma, o Espírito que tinha um desejo, um plano, uma opinião, uma crença na Terra, quer vê-los realizados. Assim, Hahnemann exclamava: “Coragem, meus amigos, minha doutrina triunfa. Que satisfação para minha alma!”
Quanto ao Dr. Gall, sabeis o que ele pensa de sua ciência, bem como Lavater, Swedenborg e Fourier, o qual me disse que seus alunos haviam truncado a sua doutrina, querendo saltar a etapa do garantismo, que me felicita por continuar.
Numa palavra, todos os Espíritos que professavam uma religião, uma idolatria ou um cisma, por convicção, persistem nas mesmas crenças, até serem esclarecidos pelo estudo e pela reflexão. Tal é o assunto das minhas preocupações neste momento. É evidentemente um Espírito lógico que as dita, porque, há uma hora, eu só pensava em ir para a cama e acabar a leitura do excelente livrinho da Sra. Henry Gaugain sobre os piedosos preconceitos dos bretões contra as novas invenções.
Continuando vossos estudos, reconhecereis que o mundo de além-túmulo é uma imagem fotográfica deste, que, como sabeis, encerra Espíritos perversos como o diabo, e maus como os demônios. Não é de admirar que a gente simples se engane e interdite todo comércio com eles. Isto os priva da visita dos bons e grandes Espíritos, menos raros lá em cima do que aqui embaixo, pois os há de todos os tempos e em toda parte, e eles só nos querem dar bons conselhos e nos fazer o bem. Por outro lado, sabeis com que repugnância e com que cólera os maus respondem ao apelo forçado. Mas o maior e mais raro de todos os Espíritos, aquele que vem apenas três vezes durante a vida de um globo, o Espírito Divino, enfim o Espírito Santo, não atende a evocações dos pneumatólogos: vem quando quer ─ spiritus flat ubi vult ─ o que não quer dizer que não envie outros para lhe preparar o caminho.
A hierarquia é uma lei universal ─ tudo é como tudo ─ aliás como entre nós. O que mais retarda o progresso das boas doutrinas, que a perseguição não deixa avançar, é o falso respeito humano.
Hoje, que enfim as academias admitem o magnetismo e o sonambulismo, primos-irmãos do Espiritismo, é necessário que seus partidários se disponham a assinar com todas as letras. O medo do que dirão é um sentimento covarde e mau.
A ação de subscrever aquilo que se viu, aquilo em que se crê, não deve mais ser considerada como um traço de coragem. Deveis, pois, aconselhar os vossos adeptos a fazer o que sempre faço: assinar.
Jobard
Boletim
Pedidos de admissão:
Cartas do Sr. L. Benardacky, de São Petersburgo, e da Sra. Elisa Johnson, de Londres, que pedem para fazer parte da Sociedade como membros titulares.
Comunicações diversas:
Leitura de duas comunicações feitas ao Sr. Bouché, antigo reitor da Academia, médium escrevente, pelo Espírito da duquesa de Longueville, a respeito de uma visita que esta última lhe fez, como Espírito, em Port-Royal-des-Champs. Essas duas comunicações são notáveis pelo estilo e pela elevação dos pensamentos. Provam que certos Espíritos reveem com prazer os lugares onde viveram e que sentem o encanto da saudade. Sem dúvida, quanto mais desmaterializados, menos importância dão às coisas terrenas, mas alguns ainda se ligam a elas por muito tempo após a morte e parece que continuam, no mundo invisível, nas ocupações que tinham neste mundo, ou pelo menos demonstrando-lhes certo interesse.
Estudos:
1º. ─ Evocação do Sr. Conde Desbassyns de Richemont, falecido em junho de 1859, que há mais de dez anos professava ideias espíritas. A evocação confirma a influência dessas ideias sobre o desprendimento do Espírito após a morte.
2º. ─ Evocação da irmã Marta, falecida em 1824.
3º. ─ Segunda evocação do conde R... C..., membro da Sociedade, retido no leito por uma indisposição, seguida de perguntas que lhes são dirigidas sobre o isolamento momentâneo do Espírito do corpo, durante o sono. (Publicada neste número).
SEXTA-FEIRA, 9 DE DEZEMBRO (SESSÃO GERAL) Leitura da ata de 2 de dezembro.
Comunicações diversas:
O Sr. de la Roche dá notícia de notáveis comunicações ocorridas numa casa de Castelnaudary. Os fatos são relatados numa nota que precede o relato da evocação ocorrida e que será publicada.
Estudos:
1º. ─ Evocação do rei de Kanala (Nova Caledônia), já evocado a 28 de outubro, mas que então havia escrito com alguma dificuldade e prometera exercitar-se para escrever de modo mais legível. Dá curiosas explicações sobre a maneira de que se utilizou para aperfeiçoar-se. (Será publicada com a primeira evocação).
2º. ─ Evocação do Espírito de Castelnaudary. Ele se manifesta por sinais de
viva cólera, sem nada poder escrever. Quebra sete ou oito lápis, alguns dos quais são lançados violentamente sobre os assistentes, e sacode brutalmente o braço do médium. São Luís dá explicações interessantes sobre o estado e a natureza desse Espírito que, diz ele, é da pior espécie e está numa das mais infelizes situações. (Será publicada com todas as outras comunicações relativas ao assunto).
3º. ─ São obtidas simultaneamente, quatro comunicações espontâneas: a primeira, de São Vicente de Paulo, pelo Sr. Roze; a segunda, de Charlet, pelo Sr. Didier filho, continuação do trabalho iniciado pelo mesmo Espírito; a terceira, de Mélanchthon, pelo Sr. Colin; a quarta, de um Espírito que deu o nome de Mikaël, protetor das crianças, pela Sra. Boyer.
SEXTA-FEIRA, 16 DE DEZEMBRO DE 1859 (SESSÃO PARTICULAR) Leitura da ata.
Admissões:
São admitidos como membros titulares: o Sr. L. Benardacky, de São Petersburgo e a Sra. Elisa Johnson, de Londres, apresentados a 2 de dezembro.
Pedidos de admissão:
O Sr. Forbes, de Londres, oficial de engenharia, e a Sra. Forbes, de Florença, escrevem pedindo para fazer parte da Sociedade como titulares. Relatório e decisão adiados para 30 de dezembro.
Designação de seis comissários que deverão dividir o serviço das sessões gerais até 1.º de abril, sem necessidade de designar um para cada sessão. Terão, além disso, o encargo de assinalar as infrações que os ouvintes cometerem contra o regulamento por ignorarem as exigências da Sociedade, a fim de advertir os membros titulares que lhes houverem dado cartas de apresentação.
Por proposta do Sr. Allan Kardec, a Sociedade decide que o Boletim das sessões de ora em diante será publicado em suplemento da Revista, para que sua publicação não resulte em detrimento às matérias habituais do jornal. Como consequência dessa adição, cada número será aumentado em cerca de quatro páginas, cujas despesas ficarão a cargo da Sociedade.
O Sr. Lesourd propõe que quando houver cinco sessões num mês, a quinta seja de caráter particular, o que foi adotado. O mesmo membro propõe ainda que quando um novo membro for admitido, seja oficialmente apresentado aos outros membros da Sociedade, a fim de que não venha como um estranho, o que foi aceito.
O Sr. Thiry observa que muitos Espíritos sofredores pedem o auxílio da prece, para lhes abrandar as penas, mas, como podem ser perdidos de vista, propõe que em cada sessão o Presidente lhes lembre os nomes. (Adotado).
Comunicações diversas:
1º. ─ Carta do Sr. Jobard, de Bruxelas, confirmando com detalhes o fato das manifestações de Java, descritas pela Sra. Pfeiffer, publicadas na Revista de dezembro. Obteve-as do próprio general holandês, com quem estava ligado e que era encarregado de vigiar a casa onde as coisas se passavam e, consequentemente, testemunha ocular. Publicada neste número.
2º. ─ Leitura de uma comunicação do Espírito de Castelnaudary, obtida pelo Sr. e pela Sra. Forbes, ouvintes da última sessão. São fornecidos detalhes circunstanciados e interessantes sobre esse Espírito e sobre os acontecimentos ocorridos na casa em questão. Várias outras comunicações obtidas sobre o assunto serão reunidas às obtidas na Sociedade e publicadas quando tudo estiver completo. 3º. ─ Leitura de uma notícia sobre a Sra. Xavier, médium vidente. Essa senhora não vê os Espíritos quando quer. Eles se apresentam a ela espontaneamente, sem estar em sonambulismo nem em êxtase. Não obstante, em certos momentos, fica num estado particular que reclama a maior calma e recolhimento, de tal sorte que, interrogada quanto ao que vê, aquele estado se dissipa imediatamente e não vê mais nada. Como conserva uma lembrança completa de tudo, mais tarde pode dar conta do que viu. Foi assim que, entre outras, viu a Irmã Martha, no dia em que foi evocada e a descreveu de maneira a não deixar dúvidas quanto à sua identidade. Também viu, na última sessão, o Espírito de Castelnaudary, vestindo uma camisa rasgada, com um punhal na mão e com as mãos ensanguentadas, sacudir fortemente o braço do médium, durante as suas tentativas para escrever, bem como a cada vez que São Luís aparentemente lhe ordenava que escrevesse. Tinha uma espécie de sorriso estúpido nos lábios. Depois, ao lhe falarem de preces, parece que a princípio não compreendeu, mas logo depois da explicação dada por São Luís, caiu de joelhos.
O rei de Kanala lhe apareceu com a cabeça de um branco. Tinha olhos azuis, bigode e suíças brancos, mãos de negro, pulseiras de aço, um costume azul e o peito coberto por uma porção de objetos que ela não pôde distinguir. “Essa aparência, disse alguém, se deve a que entre a existência anterior, da qual falou, e a última, ele havia sido soldado na França, ao tempo de Luís XV. Era uma consequência de seu estado relativamente adiantado. Ele pediu para voltar entre sua gente, para ali fazer, como chefe, a introdução das ideias de progresso. A forma que tomou e a aparência meio selvagem e meio civilizada, são destinadas a vos mostrar, sob nova face, as que o Espírito pode dar ao perispírito, com um fim instrutivo e como indício dos vários estados por que passou.”
A Sra. X. viu ainda os Espíritos evocados virem responder à evocação e às perguntas que nada tinham de censurável quanto ao seu objetivo e, à ordem de São Luís, retirarem-se para que Espíritos presentes respondessem em seu lugar, quando as perguntas tomavam um caráter insidioso. “Devendo a maior boa-fé e a maior franqueza ditarem as perguntas, nenhum pensamento dissimulado nos escapa ─ acrescenta o Espírito interrogado a respeito pelo marido daquela senhora. Jamais procureis atingir o vosso objetivo por caminhos tortuosos, pois assim os perdereis infalivelmente”
Ela via uma coroa fluídica cingir a cabeça do médium, como a indicar os instantes em que era interdito aos Espíritos não chamados de se comunicarem, porque as respostas deveriam ser sinceras. Entretanto, desde que a coroa era retirada, via todos os Espíritos intrusos disputando o lugar que lhes deixavam.
Enfim, viu o Espírito do Sr. Conde de R... sob a forma de um coração luminoso invertido, preso a um cordão fluídico que vinha de fora. Foi dito que era para nos ensinar que o Espírito pode dar a seu perispírito a aparência que quiser. Depois, poderia ter havido o inconveniente, para ela, de encontrar-se perante um Espírito encarnado que tivesse visto como desprendido. Mais tarde, tal inconveniente terá diminuído ou desaparecido.
Estudos:
1º. ─ Evocação de Charlet.
2º. ─ Três comunicações espontâneas, recebidas simultaneamente: a primeira de Santo Agostinho, pelo Sr. Roze. Explica a missão do Cristo e confirma um ponto muito importante, explicado por Arago, sobre a formação do globo; a segunda, de Charlet, pelo Sr. Didier filho, continuação do trabalho começado; a terceira, de Joinville, que assina em ortografia antiga: Amy de Loys, pela senhorita Huet.
SEXTA-FEIRA, 23 DE DEZEMBRO DE 1859 (SESSÃO GERAL) Leitura da ata e trabalhos da sessão de 16 de dezembro.
Pedidos de admissão:
Cartas do Sr. Demange, negociante em Paris e do Sr. Soive, negociante em Paris, apresentados como membros titulares. Relatório e decisão adiados para a sessão de 30 de dezembro.
Comunicações diversas:
1º. ─ Leitura de uma evocação particular, feita pela Sra. B..., do Espírito que se comunicou espontaneamente por seu intermédio à Sociedade, sob o nome de Paul Miffet, no momento em que ia reencarnar-se. Essa evocação, que apresenta um interessante quadro da reencarnação e da situação física e moral do Espírito nos primeiros instantes de sua vida corporal, será publicada.
2º. ─ Carta do Sr. Paul Netz, sobre os fatos que determinaram a posse, pelos Chartreux, das ruínas do castelo de Vauvert, situado no bairro do Observatório de Paris, ao tempo de Luís IX. Diz-se que no castelo se passavam cenas diabólicas, que cessaram desde que os monges ali se instalaram. Interrogado a respeito, São Luís responde que tem perfeito conhecimento, mas que era uma charlatanice.
Estudos:
1º. ─ Perguntas e questões morais diversas, dirigidas a São Luís, sobre o estado dos Espíritos sofredores. Serão publicadas.
2º. ─ Evocação de John Brown.
3º. ─ Três comunicações espontâneas: a primeira, pelo Sr. Roze e assinada pelo Espírito de Verdade, com diversos conselhos à Sociedade; a segunda, de Charlet, pelo Sr. Didier filho, continuando o trabalho começado; a terceira, sobre os Espíritos que presidem às flores, pela Sra. B...
ALLANKARDEC
Fevereiro
BoletimA Sociedade decide que em cada sessão particular, em seguida à leitura da ata, seja lida a lista nominal dos ouvintes que assistiram à sessão geral precedente, com indicação dos membros que os apresentaram, e que uma exortação será feita para assinalar os inconvenientes causados pela presença de pessoas estranhas à Sociedade. Em consequência, foi lida uma lista dos ouvintes presentes na última sessão.
São admitidos como membros titulares, conforme pedido escrito e relatório verbal:
1º. ─ O Sr. Forbes, de Londres, oficial de engenharia, apresentado a 16 de dezembro.
2º. ─ A Sra. Forbes, nascida Condessa Passerini Corretesi, de Florença, apresentada a 16 de dezembro[1].
3º. ─ O Sr. Soive, negociante de Paris, apresentado a 23 de dezembro[2].
4º. ─ O Sr. Demange, negociante de Paris, apresentado a 23 de dezembro.
Leitura de três novas cartas pedindo admissão. Relatório e decisão adiados para 6 de janeiro.
Comunicações diversas:
1º. ─ Carta do Sr. Brion Dorgeval, com a resposta enviada ao Sr. Oscar Comettant, a respeito do artigo deste último, publicado no Siècle. (Vide o n.º de janeiro).
Essa última observação do Sr. Jobard é fortemente apoiada por grande número de sócios, que autorizam a pôr seus nomes em todas as referências que lhes disserem respeito.
O Sr. Allan Kardec afirma que o medo do que dirão diminui diariamente, e que hoje há poucas pessoas que temem confessar suas opiniões relativamente ao Espiritismo. Os epítetos de mau gosto que lhes são dados tornam-se ridículos lugares-comuns dos quais se riem, quando se vê tanta gente da elite ligar-se à Doutrina, pois já se vislumbra o momento em que a força da opinião imporá silêncio ao sarcasmo. Mas uma coisa é ter coragem de sua opinião na conversa e outra é lançar o nome à publicidade. Entre as pessoas que com mais energia sustentam a causa do Espiritismo, há muitas que não gostam de ser postas em evidência, menos por outros motivos do que por esse. Esses escrúpulos, que não implicam falta de coragem, devem ser respeitados. Quando fatos extraordinários se passam em qualquer parte, compreende-se que seria pouco agradável para as pessoas que lhes são objeto, ficarem na mira da curiosidade pública e aborrecidas pelos importunos. Sem dúvida, devemos ser gratos aos que se põem acima dos preconceitos, mas também não devemos censurar muito levianamente os que talvez tenham motivos muito legítimos para se não exibirem.
1º. ─ Perguntas dirigidas a São Luís sobre os Espíritos que presidem às flores, a propósito da comunicação recebida pela Sra. B... Uma interessante explicação, que será publicada, foi dada a respeito.
2º. ─ Outras perguntas sobre o espírito dos animais.
3º. ─ Duas comunicações espontâneas e simultâneas: a primeira, do Espírito de Verdade, pelo Sr. Roze, com alguns conselhos à Sociedade; a segunda, de Fénelon, pela senhorita Huet.
SEXTA-FEIRA, 6 DE JANEIRO (SESSÃO PARTICULAR) Leitura da ata da sessão de 30 de dezembro.
Admitidos, por pedido escrito, como membros titulares, depois de relatório verbal:
1º. ─ O Sr. Ducastel, proprietário em Abbéville, apresentado a 30 de dezembro;
2º. ─ A Sra. Deslandes, de Paris, apresentada a 30 de dezembro;3º. ─ A Sra. Rakowska, de Paris, apresentada a 30 de dezembro.
Leitura de um pedido de admissão.
Carta do Sr. Poinsignon, de Paris, felicitando a Sociedade pela passagem do Ano Novo e fazendo votos pela propagação do Espiritismo.
Carta do Sr. Demange, recentemente recebida, agradecendo a admissão. Assegura à Sociedade sua cooperação ativa.
Exame de vários problemas relativos aos negócios administrativos da Sociedade.
Comunicações diversas:
1º. ─ Notícia sobre D. Péra, prior de Armilly, falecido há 30 anos. A respeito será feito um estudo.
2º. ─ Carta do Sr. Lussiez, de Troyes, com judiciosas reflexões relativas à influência moralizadora do Espiritismo sobre as classes operárias.
3º. ─ Carta da Sra. P..., de Rouen, anunciando ter recebido, como médium, notáveis comunicações, em tudo conforme a doutrina do Livro dos Espíritos. Essa carta contém, além disso, reflexões que denotam, da parte de seu autor, uma apreciação muito sadia das idéias espíritas.
4º. ─ Carta relativa à senhorita Desirée Godu, médium curadora, de Hennebon. Sabe-se que a obra da senhorita Godu é de devotamento e de pura filantropia.
Estudos:
1º. ─ Diversas perguntas a São Luís, para esclarecimento e desenvolvimento de várias comunicações anteriores.
2º. ─ Tendo a senhorita Dubois, médium, membro da Sociedade, recebido uma comunicação de um Espírito que se diz Chateaubriand, deseja esclarecimentos. Um outro Espírito se apresenta com seu nome, mas se recusa a identificar-se, em nome de Deus. Confessa sua fraude, pede desculpas e dá curiosas informações sobre sua pessoa. A seguir, o verdadeiro Chateaubriand dá curta comunicação espontânea e promete, de outra vez, outra mais explícita.
Leitura de três novos pedidos de admissão. Exame e relatório adiados para a sessão de 20 de janeiro.
Comunicações diversas:
1º. ─ Carta do Sr. Maurice, de Tell, Ardèche, relatando fatos extraordinários que ocorreram numa casa em Fons, perto de Aubenas e que, sob certos aspectos, lembram os que se passaram em Java.
2º. ─ Carta do Sr. Albert Ferdinand, de Béziers, relatando três fatos notáveis, que lhe são pessoais, e que provam a ação física que os Espíritos podem exercer sobre certos médiuns.
3º. ─ Carta do Sr. Crozet, do Havre, médium correspondente da Sociedade, que dá conta de uma comunicação recebida conjuntamente com o Sr. Sprenger, de um Espírito brincalhão. Esse Espírito, que é o de um capitão de marinha falecido em Marselha há seis meses, explica com notável precisão e lucidez as cartadas do jogo de “bésigue” e de que maneira faz com que os parceirosganhem ou percam. (Será publicada).
4º. ─ Um Espírito dançarino. O Sr. e Sra. Netz, membros da Sociedade, desde algum tempo recebem manifestações de um Espírito que se apresenta dançando constantemente, isto é, fazendo dançar uma mesa, que marca o ritmo, perfeitamente reconhecível, de uma polca, uma mazurca, uma quadrilha, uma valsa em dois ou três tempos, etc. Jamais quis escrever e só responde por batidas. Por esse meio chegou a dizer que era peruano, de raça índia, falecido há 56 anos com 35 anos de idade; que em vida gostava muito de cachaça e que atualmente frequenta os bailes públicos, onde sente muito prazer. Apresenta a particularidade de jamais chegar antes das 10 horas da noite e em dias certos. Diz que vem pela Sra. Netz, mas só se pode comunicar com o concurso do Sr. D..., médium de efeitos físicos, de modo que necessita da presença de ambos. Assim, o Sr. D... jamais o atraiu a sua casa e a Sra. Netz não poderá fazê-lo se estiver só.
5º. ─ Leitura de uma comunicação espontânea remetida pelo Sr. Rabache, de Bordéus, em continuação das que foram publicadas sob o título de Conselhos de Família.
6º. ─ A Sra. Forbes lê três comunicações espontâneas recebidas por seu marido, sobre o amor filial, o amor paterno e a paciência. Essas comunicações, notáveis pela alta moralidade e singeleza de linguagem, podem classificar-se na categoria de conselhos íntimos.
1.º ─ Evocação do Espírito de Castelnaudary, já evocado a 9 de dezembro. Vide o relato completo sob o título História de um danado.
2.º ─ Evocação do Espírito dançarino. Ele não quer escrever, mas bate o ritmo de várias danças com o lápis e agita o braço do médium em cadência. São Luís dá algumas explicações sobre o seu caráter e confirma as informações precedentes.
3.º ─ Perguntas sobre as manifestações de Fons, perto de Aubenas. A resposta é que há algo de verdadeiro nos fatos, mas não devem ser aceitos sem controle e sobretudo devemos prevenir-nos contra o exagero.
4.º ─ Evocação de D. Péra, prior de Armilly. Ele dá importantes detalhes sobre sua situação e seu caráter.
5.º ─ Recebimento de duas comunicações espontâneas, a primeira pelo Sr. Roze, de um Espírito que se designa pelo nome de Estelle Riquier e que havia levado uma vida desordenada e faltado a todos os deveres de esposa e de mãe; a segunda pelo Sr. Forbes, contendo conselhos sobre a cólera.
SEXTA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR) Leitura da ata de 13 de janeiro.
A pedido escrito, e após o relatório verbal, são admitidos como sócios titulares:
1.º ─ O Sr. Krafzoff, de S. Petersburgo, apresentado a 13 de janeiro;
2.º ─ O Sr. Julien, de Belfort, Alto Rheno, apresentado a 13 de janeiro;
3.º ─ O Sr. Conde Alexandre Stenbock Fermor, de S. Petersburgo, apresentado a 6 de janeiro.
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de uma comunicação espontânea recebida pelo Sr. Pécheur, membro da Sociedade.
2.º ─ Novos detalhes sobre o Espírito dançarino. A Sra. Netz, que é médium escrevente, tendo interrogado a respeito um outro Espírito, obteve várias informações por sua conta, entre outras a de que, em vida, era muito rico; de que morreu num acidente de caça, quando se achava completamente só. Tendo mais tarde interrogado o dançarino sobre tais fatos e com o auxílio de seu médium, por meio de batidas, obteve respostas idênticas. Ora, a Sra. Netz não havia comunicado ao médium as primeiras respostas escritas. Por outro lado, já não era ela que servia de médium. Além disso, tinha formulado as perguntas insidiosamente, podendo levar a respostas contrárias. Havia, pois, de um e de outro lado, independência de pensamento e a correlação das respostas é um fato característico.
3.º ─ Relato de uma comunicação espontânea do Espírito de uma pessoa viva, feito pelo Sr. de G..., médium escrevente, e que lhe foi dada pessoalmente. O Espírito entrou em detalhes circunstanciados completamente ignorados pelo médium, e cuja exatidão foi verificada. O Sr. de G... não conhecia essa pessoa, que apenas vira uma vez numa visita, não mais a tendo encontrado. Só lhe sabia o nome de família. Ora, o Espírito assinou também o seu prenome perfeitamente certo. Tal circunstância, acrescida de outras indicações de tempo e lugar, fornecidas pelo Espírito, constitui prova evidente de identidade.
A respeito, observa o Sr. Conde de R... que tais espécies de comunicações por vezes podem ser indiscretas, e pergunta se a pessoa em questão teria ficado satisfeita se soubesse da conversa.
A isto foi respondido:
─ que se a pessoa se comunicou é que ela o quis como Espírito, pois veio por própria vontade, uma vez que o Sr. G..., não pensando nela, não a tinha chamado;
─ que, desprendendo-se do corpo, o Espírito sempre tem o livre-arbítrio e só diz o que quer;
─ que nesse estado, o Espírito é mesmo mais prudente do que em vigília, porque aprecia melhor o alcance das coisas. Se esse Espírito tivesse visto algum inconveniente em suas palavras, não as teria dito.
4.º ─ Leitura de uma comunicação de Lyon, dirigida à Sociedade, na qual, entre outras coisas, é dito o seguinte:
A respeito, trava-se longa e profunda discussão. Ela assim se resume: O Espírito pode decair como posição, mas não quanto às aptidões adquiridas. O princípio da não retrogradação deve entender-se do progresso intelectual e moral, isto é, que o Espírito não pode perder o que adquiriu em inteligência e moralidade e não volta ao estado de infância espiritual. Por outras palavras, nem se torna mais ignorante nem pior do que era, o que o não impede de reencarnar-se numa posição inferior mais penosa e entre Espíritos mais ignorantes que ele, se o mereceu. Um Espírito muito atrasado que se reencarnasse num povo civilizado, aí estaria deslocado e não poderia manter a sua classe. Voltando para junto dos selvagens, em nova existência, apenas retomaria o lugar que havia deixado demasiado cedo, mas as ideias que tenha adquirido durante a passagem entre os homens mais esclarecidos não estarão perdidas para ele. O mesmo deve se dar com os homens que irão concorrer para a formação de um mundo novo. Encontrando-se deslocados na Terra melhorada, irão para um mundo compatível com seu estado moral.
1.º ─ Evocação do negro do navio Constant, já evocado a 30 de setembro de 1859. Ele dá novas explicações sobre as circunstâncias que acompanharam a sua morte.
2.º ─ Três comunicações espontâneas: a primeira de Chateaubriand, pelo Sr. Roze; a segunda de Platão, pelo Sr. Colin; a terceira de Charlet, pelo Sr. Didier filho, em continuação ao trabalho por ele começado sobre a natureza dos animais.
[1] No original consta como data da apresentação 23 de dezembro, quando o correto é 16 de dezembro, conforme ata respectiva (vide o nº de janeiro de 1860). (Nota da Eq. Revisora)
[2] No original consta como data da apresentação 16 de dezembro, quando o correto é 23 de dezembro, conforme ata respectiva (vide o nº de janeiro de 1860) (Nota da Eq. Revisora)
Os Espíritos glóbulos
A teoria das visões e das aparições é hoje perfeitamente conhecida. Nós a desenvolvemos em vários artigos, especialmente nos números de dezembro de 1858, fevereiro e agosto de 1859 e no nosso Livro dos Médiuns, ou Espiritismo Experimental. Não a repetiremos aqui, maslembraremos apenas alguns pontos essenciais, antes de chegar ao exame do sistema dos glóbulos.
Os Espíritos podem ser vistos sob vários aspectos, dos quais o mais frequente é a forma humana. Sua aparição geralmente se dá sob uma forma vaporosa e diáfana, por vezes vaga e indecisa. Muitas vezes é, a princípio, um clarão esbranquiçado, cujos contornos se desenham pouco a pouco. Outras vezes as linhas são mais acentuadas e os menores traços do rosto desenhados com uma precisão que permite dar-lhes uma descrição exata. Nestes momentos um pintor certamente poderia fazer o seu retrato, com tanta facilidade quanto o de uma pessoa viva. As atitudes e o aspecto são os mesmos que tinha o Espírito em vida. Podendo dar todas as aparências ao seu perispírito, que lhe constitui seu corpo etéreo, ele se apresenta sob a que melhor pode torná-lo reconhecido. Assim, embora, como Espírito, não mais tenha qualquer enfermidade física que pudesse ter sofrido como homem, mostrar-seá estropiado, coxo ou corcunda, se o julgar conveniente para ser identificado. Quanto às vestes, geralmente se compõem de um panejamento, terminando em longa túnica flutuante. Essa é, pelo menos, a aparência dos Espíritos Superiores, que nada conservaram das coisas terrenas. Os Espíritos vulgares, nossos conhecidos, no entanto, quase sempre têm a roupa que usavam no último período de sua vida. Muitas vezes têm os atributos característicos de sua classe. Os Espíritos Superiores têm sempre um rosto belo, nobre e sereno; ao contrário, os inferiores têm uma fisionomia vulgar, espelho onde se refletem as paixões mais ou menos ignóbeis que os agitavam. Às vezes trazem, ainda, os traços dos crimes que praticaram, ou dos suplícios que sofreram. Uma coisa notável é que, salvo circunstâncias particulares, as partes menos bem desenhadas são geralmente os membros inferiores, ao passo que a cabeça, o peito e os braços são sempre traçados claramente.
Dissemos que a aparição tem algo de vaporoso, malgrado sua nitidez. Em certos casos poder-se-ia compará-la à imagem refletida num vidro sem estanho, que não impede de se ver os objetos que estão atrás. Muito comumente assim são vistas pelos videntes. Eles as veem ir, vir, entrar, sair, circular em meio aos vivos, dando a impressão ─ pelo menos os Espíritos vulgares ─ de tomar parte ativa no que se passa ao seu redor e interessar-se, conforme o assunto, escutando o que se diz. Por vezes, vê-se que se aproximam das pessoas, soprando-lhes ideias, influenciando-as, consolando-as e se mostrando tristes ou contentes com o resultado obtido. Numa palavra, é a réplica ou o reflexo do mundo corpóreo, com suas paixões, seus vícios ou suas virtudes, muitas virtudes que a nossa natureza material dificilmente permite compreendermos. Tal é esse mundo oculto que povoa os espaços, que nos cerca, e no meio do qual vivemos sem suspeitá-lo, como vivemos entre as miríades do mundo microscópico.
Mas pode acontecer que o Espírito revista forma ainda mais nítida e tome todas as aparências de um corpo sólido, a ponto de produzir uma ilusão completa e fazer crer na presença de um ser corporal. Enfim, a tangibilidade pode tornar-se real, isto é, pode ser tocado e apalpado esse corpo; podemos sentir-lhe a resistência e até mesmo o calor, como se fosse um corpo animado, apesar de que ele pode dissipar-se com a rapidez do raio. Embora a aparição desses seres, designados pelo nome de agêneres, seja muito rara, é sempre acidental e de curta duração. Sob essa forma não poderiam tornar-se hóspedes habituais de uma casa.
Sabe-se que entre as faculdades excepcionais de que o Sr. Home deu provas irrecusáveis, deve-se colocar a de fazer aparecerem mãos tangíveis, que podem ser apalpadas e que, por seu lado, podem pegar, apertar e deixar impressões na pele. Dizemos que as aparições tangíveis são muito raras, mas as que ocorreram nos últimos tempos confirmam e explicam as que a História registra, relativamente a pessoas que se mostraram, depois de mortas, com todas as aparências da natureza corpórea. Aliás, por mais extraordinários que pareçam tais fenômenos, desaparece todo o sobrenatural, desde que se conheça a explicação e então compreende-se que, longe de ser uma derrogação das leis da Natureza, são a sua aplicação.
Quando os Espíritos assumem a forma humana, não é possível nos enganarmos. Já não é o mesmo quando tomam outras aparências. Não falaremos de certas imagens terrestres refletidas pela atmosfera, e que alimentaram a superstição de gente ignorante, mas de alguns outros efeitos sobre os quais até homens esclarecidos puderam enganar-se. É sobretudo aí que nos devemos pôr em guarda contra a ilusão, para não nos expormos a tomar como Espíritos, fenômenos puramente físicos.
Nem sempre o ar tem uma limpidez perfeita, e há circunstâncias em que a agitação e as correntes das moléculas aeriformes produzidas pelo calor são perfeitamente visíveis. A aglomeração dessas parcelas forma pequenas massas transparentes que parecem nadar no espaço e que deram lugar ao singular sistema dos Espíritos sob a forma de glóbulos. A causa dessa aparência está no próprio ar, mas também pode estar no olho. O humor aquoso apresenta pontos imperceptíveis que perderam a transparência. Esses pontos são como corpos semiopacos em suspensão no líquido cujos movimentos e ondulações acompanham. Produzem no ar ambiente e à distância, por efeito do aumento e da refração, a aparência de pequenos discos, por vezes irisados, variando de l a 10 milímetros de diâmetro. Vimos certas pessoas tomarem esses discos por Espíritos familiares que os seguiam e acompanhavam a toda parte e, em seu entusiasmo, verem figuras nas nuanças da irisação. Uma simples observação fornecida pelas mesmas pessoas vai trazê-las de volta ao terreno da realidade. Esses discos ou medalhões, dizem elas, não só as acompanham más ainda lhes seguem todos movimentos: vão para a direita, para a esquerda, para cima, para baixo, ou param, conforme o movimento da cabeça. Essa coincidência, por si só, prova que a sede da aparência está em nós, e não fora de nós, e o que o demonstra, além disso, é que em seus movimentos ondulatórios, esses discos jamais se afastam de um certo ângulo; como, porém, não seguem bruscamente o movimento da linha visual, parece que têm certa independência. A causa desse efeito é muito simples. Os pontos opacos ou semiopacos do humor aquoso, causa primeira do fenômeno são, como dissemos, mantidos em suspensão, mas têm sempre uma tendência a descer. Quando sobem, é porque foram solicitados pelo movimento do olho, em sentido ascendente; chegados a certa altura, se o olho se fixar, vê-se o disco descer lentamente, depois parar. Sua mobilidade é extrema, pois um movimento imperceptível do olho é suficiente para fazê-lo percorrer, no campo visual, toda a amplitude do ângulo em sua abertura, no espaço onde a imagem se projeta.
O mesmo diremos das centelhas que se produzem às vezes em feixes mais ou menos compactos, pela contração dos músculos do olho, e que, provavelmente, são devidas à fosforescência ou à eletricidade natural da íris, pois em geral são circunscritas à circunferência do disco desse órgão.
Semelhantes ilusões não podem provir senão de uma observação incompleta. Quem tiver estudado seriamente a natureza dos Espíritos por todos os meios dados pela ciência prática, compreenderá tudo quanto há nisso de pueril. Se esses glóbulos aéreos fossem Espíritos, teríamos de convir que estariam reduzidos a um papel puramente mecânico para seres inteligentes e livres, papel sofrivelmente fastidioso para Espíritos inferiores e com mais forte razão incompatível com a ideia que fazemos dos Espíritos superiores.
Os únicos sinais que realmente podem atestar a presença de Espíritos são os sinais inteligentes. Enquanto não ficar provado que as imagens de que acabamos de falar, ainda que dotadas de forma humana, têm movimento próprio, espontâneo, com evidente caráter intencional e acusando vontade livre, nisso veremos apenas fenômenos fisiológicos ou ópticos. A mesma observação se aplica a todos os gêneros de manifestações, sobretudo aos ruídos, às pancadas, aos movimentos insólitos dos corpos inertes, que mil e uma causas físicas podem produzir. Repetimos: enquanto um efeito não for inteligente por si mesmo e independente da inteligência dos homens, devemos examiná-lo duas vezes antes de atribuí-lo aos Espíritos.
Médiuns especiais
A natureza das comunicações é sempre relativa à natureza do Espírito, e traz o cunho de sua elevação ou de sua inferioridade, de seu saber ou de sua ignorância. Mas, para mérito igual, do ponto de vista hierárquico, nele há, incontestavelmente, uma propensão para ocupar-se de uma coisa em vez de outra. Por exemplo, os Espíritos batedores quase não saem das manifestações físicas, e entre os que dão manifestações inteligentes, há Espíritos poetas, músicos, desenhistas, moralistas, sábios, médicos, etc. Falamos de Espíritos de uma ordem média, porque, chegando a um certo grau, as aptidões se confundem na unidade da perfeição. Mas, ao lado da aptidão do Espírito, há a do médium, que é para aquele um instrumento mais ou menos cômodo, mais ou menos flexível, e no qual descobre qualidades particulares, que não podemos apreciar.
Façamos uma comparação: Um músico hábil tem em mãos vários violinos que para o vulgo são todos bons, mas entre os quais o artista consumado vê uma grande diferença; percebe nuanças de extrema delicadeza, que o levam a escolher uns e rejeitar outros, nuanças que compreende por intuição, mas que não pode definir. Dáse o mesmo com os médiuns: Entre médiuns com qualidades iguais quanto à força mediúnica, o Espírito preferirá este àquele, conforme o gênero de comunicação que queira dar. Assim, por exemplo, vemos pessoas, como médiuns, escreverem poesias admiráveis, embora em condições ordinárias jamais tenham podido ou sabido fazer um verso. Outras, ao contrário, sendo poetas, como médiuns só escrevem prosa, a despeito de seu desejo. O mesmo se dá quanto ao desenho, à música, etc. Há médiuns que, sem conhecimentos científicos próprios, têm uma aptidão muito especial para receber comunicações científicas; outros para estudos históricos; outros servem mais facilmente de intérpretes a Espíritos moralistas. Numa palavra, seja qual for a flexibilidade do médium, as comunicações que recebe com mais facilidade têm, em geral, um cunho especial. Há alguns, até, que não se afastam de um determinado círculo de ideias, e quando delas se afastam, temos comunicações incompletas, lacônicas e por vezes falsas. Além das causa de aptidão, os Espíritos se comunicam, ainda, mais ou menos voluntariamente por este ou aquele médium, conforme as suas simpatias. Assim, apesar da igualdade de aptidões, o mesmo Espírito será muito mais explícito através de certos médiuns, pelo simples fato de que esses melhor lhes convêm.
Seria erro, portanto, somente por se ter à mão um bom médium que escrevesse com a maior facilidade, pensar obter, por seu intermédio, boas comunicações de todos os gêneros. A primeira condição para se ter boas comunicações é, sem contradita, assegurar-se da fonte de que promanam, isto é, das qualidades do Espírito que as transmite, mas não é menos necessário atentar para as qualidades do instrumento oferecido ao Espírito. É preciso, pois, estudar a natureza do médium como se estuda a do Espírito, pois aí estão os dois elementos essenciais para resultados satisfatórios. Uma terceira condição, que representa papel igualmente importante, é a intenção, o pensamento íntimo, o sentimento mais ou menos louvável de quem interroga. E isto se concebe. Para que uma comunicação seja boa, é preciso que venha de um Espírito bom. Para que esse Espírito possa transmiti-la, é necessário um bom instrumento. Para que a queira transmitir, é preciso que o objetivo lhe convenha. O Espírito, que lê o pensamento, julga se a pergunta feita merece resposta séria e se a pessoa que a dirige é digna de recebê-la. Caso contrário, não perde seu tempo em semear bons grãos sobre pedras, e é então que os Espíritos levianos e zombadores se divertem, porque, pouco se preocupando com a verdade, não são muito corteses e são geralmente muito pouco escrupulosos quanto aos fins e aos meios.
De acordo com o que acabamos de dizer, compreende-se que deve haver Espíritos mais especialmente ocupados, por gosto ou pela razão, com o alívio da Humanidade sofredora e que, paralelamente, deve haver médiuns mais aptos do que outros para lhes servirem de intermediários. Ora, como esses Espíritos agem exclusivamente para o bem, devem procurar em seus intérpretes, além da aptidão que poderia ser chamada fisiológica, certas qualidades morais, entre as quais figuram, em primeira linha, o devotamento e o desinteresse. A cupidez sempre foi, e será sempre, um motivo de repulsa para os bons Espíritos e uma causa de atração para os outros. Pode o bom-senso aceitar que os Espíritos superiores se prestem a todas as combinações do interesse material, e que estejam às ordens do primeiro que aparecer pretendendo explorá-los? Os Espíritos, sejam quais forem, não querem ser explorados, e se alguns parecem concordar; se até mesmo se antecipam a certos desejos muito mundanos, quase sempre têm em vista uma mistificação de que se riem depois, como de uma boa peça pregada a pessoas muito crédulas. Aliás, não é inútil que alguns queimem os dedos, para aprenderem que se não deve brincar com as coisas sérias.
Seria o caso de falarmos aqui de um desses médiuns privilegiados, que os Espíritos curadores parece haverem tomado sob seu patrocínio direto. A senhorita Désirée Godu, residente em Hennebon, no Morbihan, goza, sob todos os aspectos, de uma faculdade verdadeiramente excepcional, que utiliza com a mais piedosa abnegação. A respeito, já dissemos algumas palavras num relatório das sessões da Sociedade, mas a importância do assunto merece artigo especial, que teremos a satisfação de lhe consagrar em nosso próximo número. À parte o interesse ligado ao estudo de toda faculdade rara, consideraremos sempre como um dever dar a conhecer o bem e fazer justiça a quem o pratica.
Bibliografia - A condessa Matilde de Canossa
“Mais de um de meus leitores, e provavelmente a maioria deles, poderiam admirar-se de ver aparecer nos capítulos precedentes todo esse aparato de diabruras, de esconjuros, de sortilégios, de alucinações, de irrupções fantásticas que não ficaria mal nas histórias de serões e nos contos de amas de leite.
“─ Quem ainda acredita, em nossos dias, em necromantes, em feiticeiros, em encantamentos, em fascínio, em filtros, no comércio com o diabo? Desejaríeis reconduzir-nos aos contos de fadas de Martin del Rio[2], às canhestras superstições do povo e das comadres dos cortiços, por lendas que eriçam a pele das camponesas bochechudas que têm medo da mula-sem-cabeça e tiram o sono dos garotos medrosos, em nome do lobisomem? Realmente, amigo, este é o momento de nos livrarmos dessas futilidades. ─ Tal é, mais ou menos, a linguagem que me parece ouvir.
“Responderei que, antes de desprezar as antigas crenças, cada um deve pôr a mão na consciência e se perguntar, muito francamente, se ao menos não é tão crédulo quanto algum dos seus antepassados. Vejamos bem: O que significa essa voga de magnetizadores, de médiuns, de mesas girantes, falantes e proféticas; de sonâmbulos que veem através de paredes, que leem pelo cotovelo, que têm à sua frente aquilo que se diz e se faz a vinte, trinta e quarenta milhas de distância; que leem e escrevem sem conhecer o abc; que, sem saberem uma palavra de medicina, assinalam, determinam todos os casos patológicos, indicando-lhes as causas e prescrevendo o remédio com as doses da praxe, com todos os termos greco-árabes do vocabulário científico? Que são esses interrogatórios de Espíritos; essas respostas de gente morta e enterrada; essas profecias de acontecimentos futuros? Quem evoca essas sombras? Quem as leva a falar? Quem as faz ver um futuro que não existe? Quem as leva a proferir essas blasfêmias contra Deus, contra os santos do Céu, contra os sacramentos da Igreja?
“Vejamos, brava gente, falai! Por que essas contorções e esses olhares sombrios? ─ Ah! acabareis me dizendo, quem sabe! Mistérios da Natureza, leis desconhecidas, força de lucidez, sentido oculto do organismo humano! Sutilezas do fluido magnético, do influxo nervoso, das ondulações ópticas e acústicas; virtudes secretas que a eletricidade ou o magnetismo excitam no cérebro, no sangue, nas fibras, em todas as partes vitais; potências e forças supremas da vontade e da imaginação.
“Meus amigos, isto são bobagens, palavras sem sentido, frases vazias, desvios ambíguos, enigmas que vós próprios não compreendeis. Toda a diferença que há entre nós e os nossos antepassados é que para negar um mistério nós forjamos uma centena de outros. Enquanto para aquela boa gente um gato era um gato e o diabo, o diabo, nós temos a pretensão de dotar a Natureza de forças que ela não tem nem pode ter.
“Nossos velhos, mais sábios e mais francos, diziam, sem rodeios, que havia operações sobrenaturais e muito honestamente as tratavam de diabolismo. Todavia, menos versados do que nós no conhecimento dos fenômenos naturais, sem dúvida chegaram, por vezes, a tomar como efeito prodigioso, coisas que não saem da ordem natural, ao passo que os modernos, muito mais esclarecidos, não deixam de olhar bom número de charlatanices dos magnetizadores como efeito misterioso das leis secretas da Natureza e as operações realmente diabólicas como golpes de mágica mais ou menos sutis. Mas os homens mais cristãos dos bons tempos de outrora sabiam muito bem que os maus Espíritos, evocados por meio de certos signos, de certas conjurações, de certos pactos, apareciam, respondiam, alucinavam a imaginação, impressionando de mil modos e sobretudo fazendo o maior mal que podiam aos que com eles conversavam. Confessai, pois, de boa-fé, que mesmo em nossos dias, e em maior número do que antigamente, temos os nossos necromantes, encantadores e feiticeiros, com a diferença de que os nossos pais tinham horror a esses malefícios; que eles praticavam-nos em segredo, nas trevas, nas cavernas, nas florestas e que muitos se arrependiam disso, se confessavam e faziam penitência. Em vez disso, em nossos dias, são exercidos nos salões deslumbrantes de ouro e de luz, em presença de curiosos, diante de moças, de crianças e de mães, sem o menor escrúpulo, assim frequentemente se divertindo com as superstições da Idade Média.
“Crede-me. Em todas as épocas os homens quiseram tratar com o demônio, e esse espírito astuto, embora os homens não o devolvam aos abismos e com ele mantenham comércio, submete-se a todas as transformações. Nos séculos idólatras ele vivia com os oráculos e as pitonisas; mostrava-se sob a forma de pomba, de pega, de galo, de serpente e cantava versos fatídicos. Na Idade Média apresentava-se pedante aos povos bárbaros e lhes aparecia sob formas terríveis, em monstruosas conjurações. Se, por vezes, se apequenava e se sutilizava a ponto de aninhar-se nos cabelos, em frasquinhos, em filtros que os feiticeiros faziam os amantes beberem, não deixava de inspirar um grande terror. Hoje, ao contrário, ele se presta à civilização do século. Alegra-se no mundo elegante, nos saraus brilhantes, seguidamente dormindo com os sonâmbulos, dançando com as mesas, escrevendo com as pranchetas. Na verdade, não é muito gentil? Tem o cuidado de não apavorar ninguém; veste-se à americana, à inglesa, à parisiense, à alemã; é realmente amável, com sua barba e seu fino bigode italiano; é a coqueluche dos salões e seria muito canhestro se não assumisse uma distinção irreprochável. Vede! Tornou-se tão bom apóstolo que conversa muito polidamente com aquela senhora que ainda vai à missa e que se lhe disserdes: ‘─ Tomai cuidado! Há coisas que não são naturais e não o poderiam ser. Há nisso algo de traiçoeiro. Os bons cristãos não tratam destas coisas’, vos riria nas bochechas e responderia com um arzinho de superioridade: ‘─ Que diabo! Tudo isto é muito natural; também sou cristã, mas não imbecil.’
“Enquanto isto, se se apresentar uma ocasião, ele magnetizará sua filha de vinte anos, para, na sua intuição magnética, fazer que leia fatos distantes e segredos do futuro.
“Deixo-vos a pensar se esse belo diabo peralta não deve rir-se à socapa da boa cristã!”
Deixamos aos leitores o cuidado de apreciar o julgamento do Pe. Bresciani. Em vão aí procurarão, como nós, argumentos peremptórios contra as ideias espíritas; uma demonstração qualquer da falsidade dessas ideias. Sem dúvida pensa ele que elas não merecem a menor refutação e que basta um sopro para dissipá-las. Parecenos, porém, que, a exemplo da maioria dos adversários, chega ele a uma consequência oposta à que espera, desde que não prova, por A mais B: isto não é nem pode ser. Como o Pe. Bresciani é um homem de um talento incontestável e de instrução superior, pensamos que, desde que seu objetivo era combater os Espíritos, deveria ter reunido contra estes as suas armas mais terríveis, de onde concluímos que se não diz muito, é que nada mais tem a dizer; que se não dá outras provas, é porque não as tem melhores para opor, do contrário, não teria tido o cuidado de deixá-las no fundo do baú. Em toda essa argumentação, os mais ridicularizados não são os Espíritos, mas o próprio diabo, que é tratado um tanto cavalheirescamente e não como uma coisa levada a sério. A gente é forçada a pensar, ante esse estilo faceto, que o autor não acredita mais no diabo do que nos Espíritos. Contudo, se ele é, como se pretende, o agente único de todas as manifestações, forçoso é convir que representa um papel mais divertido do que terrível e muito mais capaz de despertar a curiosidade do que de amedrontar. Aliás, até o presente, tal é o resultado de tudo quanto se tem dito e escrito contra o Espiritismo. Assim, têm-no servido mais do que prejudicado.
Segundo a maioria dos críticos, o fato das manifestações não tem relevância. É uma mania passageira, um jogo de salão, e o autor não nos parece tê-lo encarado por um lado mais sério. Se assim é, por que atormentar-se? Deixai à moda o trabalho de trazer amanhã outro passatempo, e o Espiritismo viverá o que viveu a poticomania: o espaço de duas estações. Atirando-lhe pedras, dá-se a impressão de temê-lo, pois só se procura derrubar aquilo que se teme; se for uma utopia, uma quimera, por que bater-se contra moinhos de vento? É verdade, dizem, que o diabo por vezes se mete nisso, mas não haveria necessidade de tantos autores, como este, para pintarem o diabo com cores tão róseas, para dar às senhoras vontade de conhecê-lo.
O Pe. Bresciani examinou bem o assunto? Pesou o alcance de todas as suas palavras? Que nos permita a dúvida. Quando ele diz: Que são essas respostas de gente morta e enterrada? Quem lhes faz ver um futuro QUE NÃO EXISTE? Perguntamos se foi um cristão ou um materialista que escreveu semelhantes coisas. Mesmo um materialista falaria dos mortos com mais respeito. ─ Quem os faz proferir essas blasfêmias contra Deus? Onde estão essas blasfêmias? O autor, que atribui tudo ao diabo, sem dúvida as supôs, pois do contrário saberia que a confiança mais ilimitada na bondade de Deus é a base do Espiritismo; que tudo nele se faz em nome de Deus; que os Espíritos mais perversos não falam dele senão com temor e respeito, e os bons o fazem com amor. Que há nisso de blasfematório? ─ Mas o que pensar destas palavras: Temos a pretensão de dotar a Natureza de forças que ela não tem e NÃO PODE ter; nossos VELHOS, mais prudentes, as tratavam simplesmente como diabruras. Assim, é mais sábio atribuir os fenômenos da Natureza ao diabo do que a Deus. Enquanto proclamamos o poder infinito do Criador, o Pe. Bresciani lhe estabelece limites: a Natureza, que resume a obra divina, não tem, e não pode ter outras forças além das que conhecemos. Quanto às que poderiam ser descobertas, é mais sábio atribuí-las ao diabo, que seria, assim, mais poderoso do que Deus. É preciso perguntar de que lado está a blasfêmia ou o maior respeito ao Ser Supremo? ─ Enfim, o diabo toma todas as formas. Na verdade não é muito gentil? Veste-se à americana, à inglesa, à parisiense; é realmente amável com sua barba e finos bigodes à italiana e seria preciso ser muito canhestro para não achá-lo de uma distinção irreprochável. Não sabemos se os senhores italianos sentir-se-ão envaidecidos por serem tomados como diabos peraltas. Quem são essas belas senhoras que fazem coqueluche desses gentis demônios e que, ante o caridoso aviso de que há nisso algo de traiçoeiro, vos riem à socapa exclamando: Que diabo! não sou tão imbecil! Se é um flagrante natural, perguntaremos em que mundo, l'entier ou le demi[3], elas se servem de tão belas expressões. Lamentamos que o autor não tenha bebido seus conhecimentos de Espiritismo em fonte mais séria, com o que não falaria tão levianamente. Enquanto não lhes opuserem argumentos mais peremptórios, os partidários do Espiritismo poderão dormir tranquilos.
[1] Um volume in 8, traduzido do italiano. J. -B. Pélagaud e Cia., Rua des Saints Pères, 57 ─ Paris. Preço 3,50 francos.
[2] Del Rio, sábio jesuíta nascido em Antuérpia em 1551 e falecido em 1608. O autor alude à sua obra Disquisitiones Magicoe.
[3] Na época de Kardec, dizia-se demi-monde, palavra criada por Dumas, para significar o mundo da prostituição, o baixo mundo. Demi-mondaine seria cortesã, prostituta. Aqui Kardec faz um trocadilho, contrapondo l’antier (o mundo inteiro) e le demi (o meio mundo) Nota da equipe revisora.
História de um danado
—Não, sem dúvida; pois cedo ou tarde ela poderá vencer o seu endurecimento e despertar nele pensamentos salutares.
(SEXTA SESSÃO. EM CASA DO SR. ,...)
71.Evocação: — Eis-me aqui.
73.— Experimentas algum alívio? — Começo a ter esperanças.
74. — Se pudéssemos ver-te, sob que aparência te veríamos? —Ver-me-íeis de camisa e sem punhal.
75.— Por que não mais terias o punhal? Que fizeste dele? —Eu o maldigo. Deus me poupa sua vista.
76.— Se o Sr. D... Filho voltasse à casa, ainda lhe farias mal? — Não; estou arrependido.
77.— E se ainda te quisesse desafiar? — Oh! não me pergunteis isto. Não me poderia dominar: isto estaria acima de minhas forças... sou apenas um miserável.
78.— As preces do Sr. D... Filho ser-te-iam mais salutares que as de outras pessoas? — Sim, pois a ele é que fiz o maior mal.
79.— Pois bem, continuaremos a fazer por ti o que pudermos. —Obrigado. Pelo menos encontrei em vós almas caridosas. Adeus.
(SÉTIMA SESSÃO)
80.Evocação do homem assassinado: — Aqui estou.
81.— Que nome tínheis em vida? — Eu me chamava Pierre Dupont.
82.— Qual a vossa profissão? — Era salsicheiro em Castelnaudary, onde fui assassinado por meu irmão, a 6 de maio de 1608; por Charles Dupont, irmão mais velho, com um punhal, no meio da noite.
83.— Qual foi a causa do crime? — Meu irmão pensou que eu queria cortejar uma mulher de quem ele gostava e que eu via multas vezes, Mas ele se enganava, pois eu jamais havia pensado nisso.
84.— Como ele vos matou? — Eu dormia. Ele me feriu na garganta, depois no coração. Ferindo, despertou-me. Quis lutar, mas sucumbi.
85.— Vós o perdoastes? — Sim; no momento de sua morte, há 200 anos.
86.— Com que idade morreu ele? — Com 80 anos.
87.— Ele não foi punido em vida? — Não.
88.— Quem foi acusado por vossa morte? — Ninguém. Naqueles tempos de confusão, prestava-se pouca atenção a essas coisas: isto não adiantaria nada.
89.— Que aconteceu à mulher? — Pouco depois foi morta por meu irmão, em minha casa.
90.— Por que a assassinou? — Amor frustrado; ele se havia casado com ela, antes de minha morte.
91.—Por que não fala ele do assassinato dessa mulher? —Porque o meu é o pior para ele.
92.Evocação da mulher assassinada: — Estou aqui.
93.— Que nome tínheis em vida? — Marguerite Aeder, senhora Dupont.
94.— Quanto tempo esteve casada? — Cinco anos.
95.— Pierre nos disse que seu irmão suspeitava de relaçõescriminosas entre vós dois. Isto é verdade? — Nenhuma relação criminosa existia entre mim e Pierre. Não acrediteis nisto.
96.— Quanto tempo depois da morte de seu irmão Charles elevos assassinou? — Dois anos depois.
97.— Que motivo o impeliu? — o ciúme e o desejo de ficar com o meu dinheiro.
98.— Podeis relatar as circunstâncias do crime? — Ele me agarrou e feriu-me na cabeça, no local de trabalho, com sua faca de salsicheiro.
99.— Como é que não foi perseguido? — Para que? Naqueles tempos funestos tudo era desordem.
100. — o ciúme de Charles tinha fundamento? — Sim; mas isto não o autorizava a cometer semelhante crime, porque nesse mundo todos somos pecadores.
101. Há quantos anos estáveis casada, quando da morte de Pierre? — Há três anos.
102. — Podeis precisar a data de vossa morte? — Sim: 3 de maio de 1610.
103. — Que pensaram da morte de Pierre? — Fizeram crer em assassinos que queriam roubar.
OBSERVAÇÃO: Seja qual for a autenticidade desses relatos, que parecem difíceis de controlar, há um fato notável: a precisão e a concordância das datas e de todos os acontecimentos. Tal circunstância é, por si só, curioso assunto de estudo, se considerarmos que os três Espíritos chamados, em intervalos diversos, em nada se contradizem. O que pareceria confirmar suas palavras é que o principal culpado no caso, evocado por outro médium, deu respostas idênticas.
(NONA SESSÃO)
104. Evocação do Sr. D...: — Eis-me aqui.
105. — Desejamos pedir alguns detalhes das circunstâncias da vossa morte. Quereis no-los fornecer? — De boa vontade.
106. — Sabíeis que a casa que habitáveis era assombrada por um Espírito? — Sim. Mas eu o quis desafiar e errei. Melhor teria sido orar por ele.
OBSERVAÇÃO: Vê-se por ai que os meios geralmente empregados para nos desembaraçarmos dos Espíritos importunos não são os mais eficazes.
As ameaças mais os excitam do que os intimidam. A benevolência e a comiseração tem mais poder que o emprego de meios coercitivos, que os irritam, ou das fórmulas de que se riem.
107. — Como vos apareceu esse Espírito? — À minha entrada em casa ele estava visível e me olhava fixamente; não me foi possível escapar; tomou-me o pavor e eu expirei sob o olhar terrível desse Espírito que eu havia desprezado, e para com o qual me havia mostrado tão pouco caridoso.
108.— Não poderíeis pedir socorro? — Impossível: minha hora havia chegado e assim eu devia morrer.
109. — Que aparência tinha ele? — De um furioso disposto a me devorar.
110. — Sofrestes com a morte? — Horrivelmente.
111. — Morrestes subitamente? — Não: duas horas depois.
112. — Que reflexões fazíeis ao vos sentirdes morrer? —Não pude refletir; fui tomado de um terror inexprimível.
113. — A aparição ficou visível até o fim? — Sim: não deixou meu pobre Espírito, um só instante.
114. — Quando vosso Espírito se desprendeu percebestes a causa de vossa morte? — Não: tudo estava acabado. Só o compreendi mais tarde.
115. — Podeis indicar a data de vossa morte? — Sim: 9 de agosto de 1853 (A data precisa ainda não foi verificada; mas está mais ou menos certa).
(DÉCIMA SESSÃO — SOCIEDADE, 13 DE JANEIRO DE 1860)
Quando esse Espírito foi evocado, a 9 de dezembro, São Luis aconselhou a chamá-lo de novo dentro de um mês, a fim de julgar do progresso que deveria ter feito no intervalo. Já foi possível julgar, pelas comunicações do Sr. e da Sra. F..., da mudança operada em suas idéias, graças à influência das preces e dos bons conselhos. Decorrido pouco mais de um mês de sua primeira evocação, foi de novo chamado à Sociedade, a 13 de janeiro.
116. Evocação: — Aqui estou.
117. — Lembrai-vos de ter sido chamado aqui há cerca de um mês? — Como poderia esquecê-lo?
118. — Por que então não pudestes escrever? — Eu não queria.
119.— Por que não o queríeis? — Ignorância e embrutecimento.
120. — Vossas idéias mudaram de então para cá? — Muito. Vários dentre vós fostes complacentes e orastes por mim.
121. — Confirmais todas as informações dadas por vós e por vossas vitimas? — Se não as confirmasse, seria dizer que não as havia dado... E fui eu mesmo.
122. — Entrevedes o fim de vossas penas? — Oh! ainda não. Já é muito mais do que mereço, saber, graças à vossa intercessão, que não durarão para sempre.
123. — Descrevei a vossa situação antes de nossa primeira evocação. Compreendeis que vo-lo pedimos para nossa instrução e não como motivo de curiosidade. — Já vos disse que não tinha consciência de nada, no mundo, senão do meu crime e que não podia deixar a casa onde o cometi, senão para elevar-me no espaço, onde tudo em volta de mim era solidão e obscuridade. Não poderia vos dar uma idéia do que isto é, e jamais o compreendi. Desde que me elevava acima do ar, tudo era negro e vazio; não sei o que era. Hoje experimento muito mais remorsos; mas, como vos provam as comunicações, já não sou constrangido a ficar naquela casa fatal; é-me permitido vagar na terra e procurar esclarecer-me por minhas observações. Mas agora compreendo melhor a enormidade de meus erros. E se, por um lado, sofro menos, por outro, as torturas aumentam pelo remorso. Mas, pelo menos, tenho esperança.
124. — Se tivésseis que retomar uma existência corpórea, qual escolheríeis? — Ainda não vi bastante, nem refleti bastante para o saber.
125. — Encontrais as vossas vitimas? — Oh! que Deus me guarde!
OBSERVAÇÃO: Sempre foi dito que a presença das vítimas é um dos tormentos dos culpados. Este ainda não as viu, porque estava no isolamento e nas trevas. Era um castigo; mas ele teme essa presença e si talvez esteja o complemento de seu suplicio.
126. — Durante vosso longo isolamento e, pode-se dizer, vosso cativeiro, sentistes remorsos? — Nem um pouco; e é por isto que sofri tanto. Apenas comecei a experimentá-lo quando, malgrado meu, foram provocadas as circunstâncias que conduziram à minha evocação, à qual devo o começo de minha libertação. Obrigado a vós, que tivestes piedade de mim e me esclarecestes.
OBSERVAÇÃO: Esta evocação não foi casual. Como devia ser útil a asse infeliz, os Espíritos que velavam por ele, vendo que começava a compreender a enormidade de seus crimes, julgaram chegado o momento de lhe prestar socorro eficaz, e então o trouxeram às circunstâncias propicias. É um fato que vimos muitas vazes repetido.
A propósito, perguntam o que teria sido dele, se não tivéssemos podido evocá-lo, como de todos os Espíritos sofredores que, também, não o podem ser, e nos quais não se pensa. A resposta é que as vias de Deus são inumeráveis para a salvação das criaturas. A evocação pode ser um meio de as assistir, mas, certo, não é o único. E Deus não deixa ninguém esquecido. Aliás, as preces coletivas devem ter influência parcial sobre os Espíritos acessíveis ao arrependimento.
Comunicações espontâneas
Estelle RiquierOBSERVAÇÃO: Tendo-se comunicado espontaneamente, sem ser chamado e sem ser conhecido dos assistentes, as seguintes perguntas foram dirigidas a esse Espírito.
O tempo presente
CHATEAUBRIAND
Os sinos
Nesse momento, Deus faz penetrar em vosso coração um raio de esperança. Mão amiga vos tira a venda do materialismo, que vos tapa os olhos, e uma voz do Céu vos diz: Olha no horizonte aquele foco luminoso. É um fogo sagrado que emana de Deus. Essa chama deve iluminar o mundo e purificá-lo. Deve fazer sua luz penetrar no coração do homem e dali espancar as trevas que lhe obscurecem os olhos. Alguns homens pretenderam trazer-vos a luz, mas só produziram um nevoeiro que fez com que perdêsseis o reto caminho.
Não sejais cegos, vós a quem Deus mostra a luz. É o Espiritismo que vos permite levantar a ponta do véu que cobria o vosso passado. Olhai agora aquilo que fostes e julgai. Curvai a cabeça ante a justiça do Criador. Rendei-lhe graças por vos dar coragem para persistirdes na prova que escolhestes. Disse o Cristo: Aquele que usar a espada, pela espada morrerá. Tal pensamento, absolutamente espírita, encerra o mistério dos vossos sofrimentos. Que a esperança na bondade de Deus vos dê coragem e fé. Escutai sempre essa voz que vibra em vossos corações. Cabe-vos compreender, estudar com sabedoria e elevar vossa alma em pensamentos fraternos. Que o rico estenda a mão ao que sofre, pois a riqueza não lhe foi dada para os prazeres pessoais, mas para que seja o seu despenseiro, e Deus lhe pedirá contas do uso que dela tiver feito. Vossas virtudes são a única riqueza que Deus reconhece; a única que levareis, ao deixar este mundo. Deixai falar os falsos sábios, que vos chamam de loucos. Talvez amanhã vos peçam para orar por eles, pois Deus os julgará.
Tua filha, que te ama e que ora por ti.
Fora destes efeitos e dos que decorrem da prece, como vos expliquei em outras instruções, nada espereis, pois sereis iludidos em vossa esperança.
Segui pois exatamente os meus conselhos. Não vos contenteis em pedir a Deus que vos ajude. Ajudai-vos vós mesmos, pois assim provareis a sinceridade de vossa prece. Seria muito cômodo, na verdade, que bastasse pedir uma coisa nas preces para que ela vos fosse concedida. Seria o maior incentivo à preguiça e à negligência das boas ações. A respeito, eu poderia estender-me ainda mais, mas seria muito para vós. Vosso estado de adiantamento ainda não o comporta. Meditai sobre esta instrução, como sobre as precedentes, pois são de natureza a ocupar longamente os vossos espíritos. Elas contêm em germe tudo quanto vos será desvendado no futuro. Segui meus conselhos anteriores.
Março
BoletimRecebimento de um pedido de admissão. Sua leitura, exame e aprovação foram adiados para a próxima sessão particular.
Comunicações diversas:
1.º ─ Carta do Sr. Hinderson Mackenzie, de Londres, membro da Sociedade Real dos Antiquários, com detalhes muito interessantes sobre o emprego da bola de cristal ou metálica, como meio de obter comunicações espíritas. É o que usa, com auxílio de um vidente especial, conforme conselho de um de seus amigos que, há trinta e cinco anos, faz as mais completas e concludentes experiências. O médium vê, nessa espécie de espelho, as respostas escritas às perguntas feitas, assim se obtendo comunicações muito desenvolvidas e tão rápidas que por vezes é difícil de acompanhá-lo.
2.º ─ Leitura de um artigo do Siècle de 22 de janeiro, no qual se nota esta passagem: “As mesas falavam, giravam e dançavam, muito antes da existência da seita americana que pretende ter-lhes dado origem. Esse baile das mesas já era célebre em Roma, nos primeiros séculos de nossa era, e eis como, no capítulo XXIII da Apologética, se exprimia Tertuliano, ao falar dos médiuns de seu tempo: ‘Se aos mágicos é dado provocar o aparecimento de fantasmas, evocar a alma dos mortos e forçar a boca das crianças a dar oráculos; se esses charlatães imitam um grande número de milagres que, parece, são devidos aos círculos e às correntes que as pessoas formam entre si; se provocam sonhos, se fazem conjurações, se têm às suas ordens espíritos mentirosos e demônios, por cuja virtude as cadeiras e as mesas que profetizam são um fato vulgar’, etc.”
A respeito disso, chama-se a atenção para o fato de que os espíritas modernos jamais pretenderam ter descoberto ou inventado as manifestações. Ao contrário, proclamaram constantemente a antiguidade e a universalidade dos fenômenos espíritas, e esta mesma antiguidade é um argumento em favor da Doutrina, demonstrando que ela tem o seu princípio na Natureza e que não é produto de uma combinação sistemática. Os que pretendem opor-lhe tal circunstância, provam que falam sem lhe conhecer os primeiros elementos, do contrário, saberiam que o Espiritismo moderno apoia-se no fato incontestável de que se encontra em todos os tempos e em todos os povos.
Estudos:
1.º ─ Perguntas sobre o fenômeno dos globos metálicos ou de cristal, como meio de obter comunicações. A resposta é: “A teoria desse fenômeno ainda não pode ser explicada; para sua compreensão faltam certos conhecimentos prévios, que nascerão de si mesmos e decorrerão de observações ulteriores. Isto será dado em tempo oportuno.”
2.º ─ Nova evocação de Urbain Grandier, que confirma e completa certos fatos históricos e que, além disso, dá explicações que veem em apoio ao que já foi dito a respeito do planeta Saturno.
3.º ─ Dois ditados espontâneos obtidos simultaneamente: o primeiro, de Abelardo, pelo Sr. Roze; o segundo de João, o Batista, pelo Sr. Colin.
Em seguida, tendo-se pedido que um Espírito sofredor que havia solicitado auxílio pelas preces viesse comunicar-se espontaneamente, um dos médiuns escreveu: “Que sejais abençoados por terdes consentido em orar pelo ser imundo e inútil que chamastes, e que se mostrou ainda tão vergonhosamente preso a essas miseráveis riquezas. Recebei os sinceros agradecimentos do Père Crépin.”
SEXTA-FEIRA, 3 DE FEVEREIRO DE 1860
O Dr. Gotti, diretor do Instituto Homeopático de Gênova (Piemonte), é admitido como membro correspondente.
Leitura de dois novos pedidos de admissão, adiados para a próxima sessão.
Comunicações diversas:
1.º ─ O Sr. Allan Kardec anuncia que uma senhora do interior, assinante da Revista, lhe enviou a soma de dez mil francos, para ser utilizada em favor do
Espiritismo.
Tendo recebido uma herança com que não contava, essa senhora quer que dela participe a Doutrina Espírita, à qual deve supremas consolações e o fato de ter sido esclarecida sobre as verdadeiras condições de felicidade nesta vida e na outra. Diz ela em sua carta: “Vós me fizestes compreender o Espiritismo, mostrando-me o seu verdadeiro objetivo. Só ele pôde triunfar das dúvidas e da incerteza que para mim eram a fonte de inexprimíveis ansiedades. Eu levava a vida ao acaso, maldizendo as pedras que encontrava pelo caminho. Agora vejo claro ao meu redor e diante de mim. O horizonte se alargou e avanço com firmeza e confiança no futuro, sem me inquietar com os espinhos da estrada. Desejo que este pequeno óbolo vos ajude a espalhar sobre outros a benfazeja luz que me tornou tão feliz. Empregai-o como entenderdes. Não quero recibo nem prestação de contas. A única coisa que peço é o mais estrito anonimato.”
Acrescenta o Sr. Allan Kardec: “Respeitarei o véu de modéstia com que esta senhora se quer cobrir e esforçar-me-ei para corresponder às suas generosas intenções. Não creio poder melhor atendê-las senão aplicando essa quantia no que for necessário para a instalação da Sociedade em condições mais favoráveis aos seus trabalhos.”
Um membro exprime o pesar de que o anonimato guardado por essa senhora não permita que a Sociedade lhe testemunhe diretamente a sua gratidão.
Responde o Sr. Allan Kardec que não tendo o donativo nenhuma aplicação determinada senão o Espiritismo em geral, ele se encarregou da tarefa, em nome de todos os partidários sérios do Espiritismo. Ele insiste na qualificação de partidários sérios, de vez que se não pode aplicar esse nome aos que, vendo no Espiritismo apenas uma questão de fenômenos e de experiências, não podem compreender-lhe as altas consequências morais, e menos ainda dele tirar proveito ou fazer com que os outros tirem.
2.º ─ O presidente depositou na secretária uma carta lacrada, enviada pelo Dr. Vignal, membro titular, a qual não deverá ser aberta senão no fim de março próximo.
3.º ─ O Sr. Netz envia um número da Illustration, com o relato de uma aparição. O fato será objeto de exame especial.
Estudos:
1.º ─ Observação a propósito de visões em certos corpos, tais como vidros, globos de cristal, bolas metálicas, etc., de que se tratou na última sessão. Pensa o Sr. Allan Kardec ser necessário afastar cuidadosamente o nome de espelhos mágicos, dado vulgarmente a tais objetos. Propõe chamá-los espelhos psíquicos. Na opinião de vários membros, pensa a assembleia que a designação de espelhos psicográficos corresponderia melhor à natureza do fenômeno.
2.º ─ Evocação do Dr. Vignal, que se ofereceu para um estudo sobre o estado do Espírito das pessoas vivas. Ele responde com perfeita lucidez às perguntas que lhe são feitas. Dois outros Espíritos, o de Castelnaudary e o do Dr. Cauvière, comunicam-se ao mesmo tempo por um outro médium, do que resulta uma troca de observações muito instrutivas. Os doutores terminam cada um por um ditado que tem o cunho das altas capacidades que lhes são reconhecidas. (Publicada adiante).
3.º ─ Dois outros ditados espontâneos: o primeiro de S. Francisco de Sales, pela Sra. Mallet; o segundo, pelo Sr. Colin, assinado Moisés, Platão, depois Juliano.
Carta com pedido de admissão que será resolvida na próxima sessão particular. Leitura das comunicações recebidas na última sessão.
Comunicações diversas:
A nota seguinte é transmitida pelo Sr. Soive, pedindo, se se considerar útil, que se faça uma evocação a respeito: “Um tal Sr. T..., de trinta e cinco anos, residente no Boulevard do Hospital, era perseguido por uma ideia fixa, a de involuntariamente ter morto um amigo numa rixa. Malgrado tudo quanto foi feito para dissuadi-lo, mostrando-lhe o amigo vivo, ele julgava tratar-se de sua sombra. Atormentado pelo
remorso de um crime imaginário, asfixiou-se.”
A evocação do Sr. T... será feita, se houver tempo.
Estudos:
1.º ─ Cinco ditados espontâneos e simultâneos: o primeiro, pelo Sr. Roze, assinado Lamennais; o segundo, pela senhorinha Eugénie, assinado Staël; o terceiro, pelo Sr. Colin, assinado Fourier; o quarto pela senhorinha Huet, de um Espírito que, diz ele, dar-se-á a conhecer mais tarde e anuncia uma série de comunicações; o quinto, pelo Sr. Didier filho, assinado Charlet.
2.º ─ Após a leitura do ditado de Fourier, o presidente observa, para a compreensão das pessoas estranhas à Sociedade, e que podem não estar a par de sua maneira de proceder, que essa comunicação, à primeira vista, lhe parece suscetível de comentários; que, entre os Espíritos que se manifestam, há-os de todos os graus; que suas comunicações refletem suas ideias pessoais, nem sempre inteiramente justas. Conforme o conselho que lhe foi dado, a Sociedade as recebe como expressão de uma opinião individual e se reserva o direito de julgá-las, submetendoas ao controle da lógica e da razão. É essencial se saiba que ela não adota como verdadeiro tudo quanto vem dos Espíritos. Por suas comunicações, o Espírito dá a conhecer o que ele é no bem ou no mal, na ciência ou na ignorância. São para ela assuntos de estudo. Ela aceita o que é bom e rejeita o que é mau.
3.º ─ Evocação da senhorinha Indermuhle, de Berna, surda-muda de nascimento, viva, de trinta e dois anos. A evocação oferece um grande interesse do ponto de vista moral e científico, pela sagacidade e precisão das respostas, que nela denotam um Espírito já adiantado.
4.º ─ Evocação do Sr. T..., do qual se falou antes. Dá sinais de grande agitação e quebra vários lápis antes de traçar algumas linhas apenas legíveis. É evidente a perturbação das ideias; inicialmente persiste na crença de que matou o amigo; acaba convindo que era apenas uma ideia fixa, mas acrescenta que se não matou, tinha tido vontade de fazê-lo, não o fazendo apenas porque lhe faltou coragem. São Luís dá algumas explicações quanto ao estado desse Espírito e às consequências de seu suicídio.
Esta evocação será repetida mais tarde, quando o Espírito estiver mais desprendido.
Admitidos como membros titulares, a pedido escrito e parecer favorável: a Sra. de Regnez, de Paris; o Sr. Indermuhle de Wytenbach, de Berna; a Sra. Lubrat, de Paris.
Leitura de dois novos pedidos de admissão, adiados para a próxima sessão particular.
O Sr. Allan Kardec transmite à Sociedade o seguinte, a respeito do donativo feito:
“Se a doadora, no que lhe concerne, não reclama contas do emprego dos fundos, não devo, para minha própria satisfação, permitir que seu emprego não seja submetido a um controle. Essa soma formará o primeiro fundo de uma Caixa Especial, que nada de comum terá com meus negócios pessoais, e que será objeto de uma contabilidade distinta, sob o nome de Caixa do Espiritismo.
“Esta caixa será aumentada posteriormente pelos fundos que chegarem de outras fontes, e será destinada exclusivamente às necessidades da Doutrina e ao desenvolvimento dos estudos espíritas.
“Um de meus primeiros cuidados será a criação de uma biblioteca especial, e de assim prover, como disse, ao que falta materialmente à Sociedade, para a regularidade de seus trabalhos.
“Pedi a vários colegas que aceitassem o controle da caixa e constatassem, em datas que serão ulteriormente fixadas, o útil emprego dos fundos.
“Essa comissão está composta pelos Srs. Solichon, Thiry, Levent, Mialhe, Krafzoff e Sra. Parisse.”
Leitura das comunicações recebidas na última sessão.
A seguir a Sociedade ocupou-se de várias questões administrativas.
Os pré-adamitas
“O ensino que vos foi dado pelos Espíritos, força é convir, repousa sobre uma moral absolutamente conforme à do Cristo, e mesmo muito mais desenvolvida do que a que se acha no Evangelho, porque mostrais a aplicação daquilo que muitas vezes ali só se acha em preceitos gerais. Quanto ao problema da existência dos Espíritos e às suas relações com o homem, para mim não é objeto de qualquer dúvida. Eu estaria convencido apenas pelo testemunho dos Pais da Igreja, se não tivesse a prova da minha própria experiência. Assim, não levanto nenhuma objeção a respeito. Já o mesmo não se dá com certos pontos de sua doutrina, evidentemente contrários ao testemunho das Escrituras. Por hoje, limitar-me-ei a uma só questão, a relativa ao primeiro homem. Dizeis que Adão nem é o primeiro nem o único que tenha povoado a Terra. Se assim fosse, seria preciso admitir que a Bíblia é um erro, desde que o ponto de partida seria controvertido. Vede, pois, a que consequências isto nos conduz! Confesso que tal pensamento perturbou-me as ideias. Mas como, antes de tudo, sou pela verdade e a fé nada pode ganhar se construída sobre um erro, peço-vos a bondade de dar alguns esclarecimentos a respeito, se vossas folgas o permitirem. E se puderdes tranquilizar a minha consciência, vos serei muito reconhecido.”
A questão do primeiro homem, na pessoa de Adão, como origem única da Humanidade, não é a única sobre a qual tiveram que se modificar as crenças religiosas.
Em certa época, o movimento da Terra pareceu de tal modo oposto ao texto das Escrituras, que não houve formas de perseguição a que esta teoria não tenha servido de pretexto e, contudo, vê-se que, parando o Sol, Josué não impediu que a Terra girasse. Ela gira, malgrado os anátemas, e hoje ninguém o contraria, sem ferir a própria razão.
Igualmente diz a Bíblia que o mundo foi criado em seis dias e fixa a data de cerca de 4000 anos antes da Era Cristã. Antes disso, a Terra não existia. Ela foi tirada do nada. O texto é formal, e eis que a Ciência positiva, inexorável, vem provar o contrário. A formação do globo está escrita em caracteres imprescritíveis no mundo fóssil, e está provado que os seis dias da Criação são outros tantos períodos, talvez de várias centenas de milhares de anos cada um. Isto não é um sistema, uma doutrina, uma opinião isolada. É um fato tão constante quanto o movimento da Terra, que a Teologia não pode deixar de admitir. Assim, só nas classes infantis é que se ensina que o mundo foi feito em seis vezes vinte e quatro horas, prova evidente do erro em que se pode cair, tomando ao pé da letra as expressões de uma linguagem frequentemente figurada. Teria sido a autoridade da Bíblia atingida, aos olhos dos teólogos? Absolutamente. Eles se renderam à evidência e concluíram que o texto podia receber uma interpretação.
Escavando os arquivos da Terra, a Ciência reconheceu a ordem na qual os diferentes seres vivos apareceram em sua superfície. A observação não deixa dúvidas quanto às espécies orgânicas que pertencem a cada período, e essa ordem está de acordo com o que é indicado no Gênesis, com a diferença de que essa obra, em vez de ter saído miraculosamente das mãos de Deus em algumas horas, realizouse, sempre por sua vontade, mas conforme as leis das forças da Natureza, em alguns milhões de anos. Por isso será Deus menor e menos poderoso? Sua obra será menos sublime por não ter o prestígio da instantaneidade? Evidentemente não. Seria preciso fazer da Divindade uma ideia muito mesquinha para não reconhecer sua onipotência nas leis eternas por ela estabelecidas para reger os mundos.
Assim como Moisés, a Ciência coloca o homem na última ordem da criação dos seres vivos, mas Moisés coloca o dilúvio universal no ano 1654 do mundo, ao passo que a Geologia nos mostra esse grande cataclismo anteriormente ao aparecimento do homem, visto que até aquele dia, nas camadas primitivas, não se encontra nenhum traço de sua presença, nem de animais da mesma categoria, do ponto de vista físico. Mas nada prova que isto seja impossível. Várias descobertas já lançaram dúvidas a respeito. É possível, então, que de um momento para outro se adquira a certeza dessa anterioridade da raça humana. Resta saber se o cataclismo geológico cujos traços estão por toda a Terra é o mesmo dilúvio de Noé. Ora, a lei da duração da formação das camadas fósseis não permite confundi-los, pois o primeiro remonta talvez a cem mil anos. A partir do momento em que forem encontrados traços da existência do homem antes da grande catástrofe, estará provado que Adão não é o primeiro homem, ou que sua criação se perde na noite dos tempos. Contra a evidência não há raciocínio possível. Os teólogos deverão, assim, aceitar este fato, como aceitaram o movimento da Terra e os seis períodos da Criação.
Na verdade, a existência do homem antes do dilúvio geológico é ainda hipotética, mas isto é o de menos. Admitindo que o homem tenha aparecido pela primeira vez na Terra 4000 anos antes do Cristo, se 1650 anos mais tarde toda a raça humana foi destruída, com exceção de um só, resulta que o povoamento da Terra só pode datar de Noé, ou seja, de 2350 anos antes de nossa era. Ora, quando os hebreus emigraram para o Egito, no século XVIII a. C., encontram esse país muito povoado e com uma civilização já muito adiantada.
Prova a História que já nessa época a Índia e outras regiões eram igualmente florescentes. Então seria preciso que do décimo quarto ao décimo oitavo século a. C., isto é, no espaço de 600 anos, não só a posteridade de um só homem tivesse podido povoar todas as imensas regiões então conhecidas, supondo que as outras não o fossem, mas que, nesse curto intervalo, a espécie humana tivesse podido elevar-se da ignorância absoluta do estado primitivo ao mais alto grau do desenvolvimento intelectual, o que é contrário a todas as leis antropológicas. Ao revés, tudo se explica admitindo-se a anterioridade do homem; o dilúvio de Noé como uma catástrofe parcial, confundida com o cataclismo geológico, e Adão, que viveu há 6000 anos, como tendo povoado uma região ainda desabitada. Uma vez mais, nada poderia prevalecer contra a evidência dos fatos. Por isso julgamos prudente não tomar posição em falso, muito levianamente, contra doutrinas que cedo ou tarde, como tantas outras, podem mostrar a falta de razão dos que as combatem. Longe de perder, as ideias religiosas se engrandecem com a Ciência. É o meio de não dar margem ao ceticismo mostrando-lhe o lado vulnerável.
Que seria da religião se ela se obstinasse contra a evidência; se persistisse em anatematizar os que não aceitassem a letra das Escrituras? O resultado seria que não se poderia ser católico sem crer no movimento do Sol, nos seis dias da criação e nos 6000 anos de existência da Terra. Calcule-se o que hoje restaria de católicos. Proscreveis também os que não tomam ao pé da letra a alegoria da árvore e seu fruto, da costela de Adão, da serpente, etc.? A religião será sempre forte quando marchar de acordo com a Ciência, porque estará ligada à parte esclarecida da população. É o único meio de desmentir o preconceito que a faz ser considerada, por gente superficial, como antagonista do progresso. Se alguma vez ─ que Deus não o permita ─ ela repelisse a evidência dos fatos, afastaria os homens sérios e provocaria um cisma, porque nada prevaleceria contra a evidência.
Assim a alta Teologia, que conta com homens eminentes pelo saber, sobre muitos pontos controvertidos admite uma interpretação conforme à boa razão. Apenas é lamentável que reserve suas interpretações aos privilegiados e continue a ensinar ao pé da letra nas escolas. Daí resulta que a letra, inicialmente aceita pelas crianças, é mais tarde repelida, quando chegam à idade da razão. Nada tendo como compensação, tudo rejeitam e aumentam o número dos incrédulos absolutos. Ao contrário, dai à criança somente aquilo que mais tarde a razão pode admitir e a razão, desenvolvendo-se, a fortalecerá nos princípios que lhe tiverem sido inculcados. Assim falando, cremos servir aos mais verdadeiros interesses da religião. Ela será sempre respeitada, se mostrada de acordo com a realidade e quando não a fizerem consistir em alegorias cuja realidade o bom-senso não pode admitir.
Um médium curador
Há cerca de oito anos, passou ela sucessivamente por todas as fases da mediunidade. A princípio, poderosa médium de efeitos físicos, tornou-se, alternativamente, médium vidente, auditiva, falante, escrevente, e finalmente todas as suas faculdades se concentraram na cura de doentes, que parecia ser a sua missão, missão que desempenha com um devotamento sem limites. Deixemos falar uma testemunha ocular, o Sr. Pierre, professor em Lorient, que nos transmite esses detalhes, em resposta às perguntas que lhe fizemos.
“A senhorita Désirée Godu, de vinte e cinco anos, pertence a uma distinta família, respeitável e respeitada de Lorient. Seu pai é um antigo militar, cavaleiro da Legião de Honra, e sua mãe, senhora paciente e laboriosa, ajuda à filha o melhor que pode em sua penosa mas sublime missão. Há cerca de seis anos, essa família patriarcal dá esmolas de remédios receitados e, muitas vezes, tudo quanto necessário para curativos, tanto aos ricos quanto aos pobres que a procuram. Suas relações com os Espíritos começaram ao tempo das mesas girantes. Então ela morava em Lorient, e durante meses só se falava das maravilhas operadas pela senhorita Godu com as mesas, sempre complacentes e dóceis, sob suas mãos. Era um favor ser admitido às sessões de mesa em sua casa e lá não entrava quem quisesse. Simples e modesta, não buscava pôr-se em evidência. Contudo, como é fácil compreender, a maledicência não a poupou.
“O próprio Cristo foi escarnecido, embora só fizesse e ensinasse o bem. É de admirar que ainda se encontrem fariseus, quando ainda há homens que em nada creem? É a sorte de todos quantos mostram uma superioridade qualquer, a de serem expostos aos ataques da mediocridade invejosa e ciumenta. Nada lhe custa para derrubar aquele que ergue a cabeça acima do vulgo, nem mesmo o veneno da calúnia. O hipócrita desmascarado jamais perdoa, mas Deus é justo e quanto mais maltratado for o homem de bem, mais brilhante será sua reabilitação e mais humilhante a vergonha de seus inimigos. A posteridade o vingará.
“Esperando sua verdadeira missão, que deve começar, segundo se diz, dentro de dois anos, o Espírito que a guia lhe propôs a de curar toda sorte de moléstias, o que ela aceitou. Para se comunicar, ele agora se serve de seus órgãos, e muitas vezes contra a vontade dela, em vez das batidas nas mesas. Quando é o Espírito que fala, o timbre da voz já não é o mesmo, e os seus lábios não se movem.
“A senhorinha Godu recebeu apenas uma instrução comum, mas a parte principal de sua educação não devia ser obra dos homens. Quando ela concordou em ser médium curadora, o Espírito procedeu metodicamente à sua instrução, sem que ela nada visse além de mãos. Um misterioso personagem lhe punha sob os olhos livros, gravuras ou desenhos, e lhe explicava todo o organismo humano, as propriedades das plantas, os efeitos da eletricidade, etc. Ela não é sonâmbula. Ninguém a adormece. É desperta, e bem desperta, que ela penetra os doentes com seu olhar. O Espírito lhe indica os remédios, que geralmente ela mesma prepara e aplica, cuidando e pensando os feridos mais repugnantes com a dedicação de uma irmã de caridade. Começaram por lhe dar a composição de certos unguentos que curavam em poucos dias os panarícios e as feridas de pouca gravidade, com o objetivo de lentamente habituá-la a ver, sem muita repulsa, todas as horríveis e repugnantes misérias que deveriam aparecer aos seus olhos, pondo a finura e a delicadeza de seus sentidos às mais rudes provas. Não a imaginemos um ser sofredor, fraco e fanado. Ela goza do mens sana in corpore sano em toda a sua plenitude. Longe de tratar os doentes por um auxiliar, é ela que põe a mão em tudo, graças à sua robusta constituição. Aos doentes, sabe inspirar uma confiança sem limites. Acha no coração consolações para todas as dores, e em sua mão, remédios para todos os males. É de um caráter naturalmente alegre e brincalhão. Sua alegria é contagiosa como a fé que a anima e atua instantaneamente sobre os doentes. Vi muitos se retirarem com os olhos rasos de lágrimas, lágrimas de suave admiração, de reconhecimento e de alegria. Todas as quintas-feiras, dia de feira, e domingos das seis da manhã até as cinco ou seis da tarde, a casa não se esvazia. Para ela, trabalhar é orar, e o faz com consciência. Antes de ter que tratar de doentes, passava o dia inteiro costurando roupas para os pobres e enxovais para os recém nascidos, empregando os mais engenhosos meios para que os presentes chegassem ao destino anonimamente, de sorte que a mão esquerda sempre ignorasse o que dava a direita. Ela possui grande número de certificados autênticos, dados por eclesiásticos, por autoridades e por pessoas notáveis, atestando curas que em outros tempos teriam sido consideradas milagrosas.”
Por pessoas fidedignas, sabemos não haver exagero no relato acima e temos a satisfação de assinalar o digno emprego que a senhorita Godu faz da excepcional faculdade de que foi dotada. Esperemos que estes elogios que temos o prazer de reproduzir, no interesse da Humanidade, não alterarão sua modéstia, que dobra o valor do bem, e que ela não escutará as sugestões do espírito de orgulho. O orgulho é o escolho de grande número de médiuns e vimos muitos cujas faculdades transcendentes se aniquilaram ou perverteram, desde que deram ouvidos a esse demônio tentador. As melhores intenções não impedem seus embustes, e é precisamente contra os bons que ele dirige suas baterias, pois se satisfaz em fazê-los sucumbir e mostrar que ele é o mais forte. Insinua-se no coração com tanta habilidade que muitas vezes o enche sem que se suspeite. Assim, o orgulho é o último defeito que confessamos a nós mesmos, à semelhança dessas doenças mortais que se tem em estado latente e sobre cuja gravidade o doente se ilude até o último instante. Eis por que é tão difícil erradicá-lo. Desde que um médium possui uma faculdade, por menos notável que seja, é procurado, elogiado, adulado. Isto lhe é terrível pedra de toque, pois acaba julgando-se indispensável, se não for profundamente simples e modesto. Infeliz dele, principalmente se estiver persuadido de que só se comunica com bons Espíritos. Custa-lhe reconhecer que foi iludido, e muitas vezes escreve ou ouve sua própria condenação, sua própria censura, sem acreditar que aquilo tudo é endereçado a ele. Ora, é precisamente dessa cegueira que é presa. Os Espíritos enganadores disso se aproveitam para fasciná-lo, dominá-lo, subjugá-lo cada vez mais, a ponto de lhe fazerem tomar por verdades as coisas mais falsas. É assim que nele se perde o dom precioso que só havia recebido de Deus para tornar-se útil aos seus semelhantes, porque os bons Espíritos se retiram, sempre que alguém prefere escutar os maus. Aquele que a Providência destina a ser posto em evidência o será pela força das coisas, e os Espíritos bem saberão tirá-lo da obscuridade, caso isto seja útil, ao passo que frequentemente só haverá decepções para aquele que é atormentado pela necessidade de fazer com que falem de si. O que sabemos do caráter da senhorita Godu nos dá a firme confiança de que esteja acima dessas pequenas fraquezas, e que assim jamais comprometerá, como tantos outros, a missão que recebeu.
Manifestações físicas espontâneas - O padeiro de Dieppe
Dizemos ainda que o verdadeiro e por assim dizer o único sinal real da intervenção dos Espíritos é o caráter intencional e inteligente do efeito produzido, quando estiver perfeitamente demonstrada a impossibilidade de uma intervenção humana. Nessas condições, raciocinando conforme o axioma de que todo efeito tem uma causa, e que todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente, torna-se claro que se a causa não estiver nos agentes ordinários dos efeitos materiais, estará fora desses mesmos agentes; que se a inteligência que age não for humana, deve estar fora da Humanidade.
─ Então há inteligências extra-humanas?
─ Parece provável. Se certas coisas não são e não podem ser obra dos homens, devem ser obra de alguém. Ora, se esse alguém não for um homem, parece que, necessariamente, deva estar fora da Humanidade; se não o vemos, deve ser invisível. É um raciocínio tão peremptório e tão fácil de compreender quanto o do Sr. de la Palisse.
─ Então, o que são essas inteligências? Anjos ou demônios? E como inteligências invisíveis podem agir sobre a matéria visível?
─ É o que sabem perfeitamente aqueles que se aprofundaram na ciência espírita que, assim como as outras ciências, não se aprende num piscar de olhos e que não se pode resumir em poucas linhas.
Aos que fazem tal pergunta apresentaremos apenas esta: Como o vosso pensamento, que é imaterial, move à vontade o vosso corpo que é material? Acreditamos que eles não deverão embaraçar-se na solução deste problema, e que se rejeitarem a explicação de fenômeno tão vulgar dada pelo Espiritismo, é que têm outra muito mais lógica a contrapor. Mas até agora não a conhecemos.
Vamos aos fatos que motivaram estas observações.
Vários jornais, entre outros o Opinion Nationale de 14 de fevereiro último, e o Journal de Rouen de 12 do mesmo mês, relatam o seguinte fato, conforme o Vigie de Dieppe. Eis o artigo do Journal de Rouen:
“O La Vigie de Dieppe estampa a seguinte carta, de seu correspondente em Grandes-Ventes. Em nosso número de sexta-feira já assinalamos uma parte dos fatos hoje relatados neste jornal, mas a emoção excitada na comuna por esses acontecimentos extraordinários nos leva a revelar novos detalhes contidos nessa correspondência.
“Hoje nos rimos das histórias mais ou menos fantásticas dos bons velhos tempos e, em nossos dias, os pretensos feiticeiros não desfrutam de grande veneração. Não são mais acreditados em Grandes-Ventes que alhures. Contudo, nossos velhos preconceitos populares ainda têm alguns adeptos entre os bons moradores da vila. A cena verdadeiramente extraordinária que acabamos de testemunhar vem a propósito para lhes fortalecer a sua crença supersticiosa.
“Ontem pela manhã, o Sr. Goubert, um dos padeiros da nossa vila; seu pai, que lhe serve de operário; e um jovem aprendiz, de dezesseis a dezessete anos, iam começar o trabalho rotineiro, quando perceberam que vários objetos deixavam espontaneamente seus devidos lugares para se lançarem na masseira. Assim, tiveram que retirar da farinha que trabalhavam, vários pedaços de carvão, dois pesos de tamanhos diversos, um cachimbo e uma vela. Malgrado sua extrema surpresa, continuaram a tarefa e tinham chegado a amassar o pão, quando, de repente, uma porção de massa de dois quilos, escapando das mãos do jovem ajudante, foi lançada a alguns metros de distância. Isto foi o prelúdio e como que o sinal da mais estranha desordem. Eram cerca de nove horas e, até meio-dia, foi positivamente impossível ficar ao forno e no compartimento vizinho. Tudo foi virado, derrubado, quebrado. Os pães, atirados à sala com as pranchas em que estavam, em meio a restos de toda sorte, ficaram completamente perdidos. Mais de trinta garrafas de vinho foram quebradas e, enquanto a manivela do poço rodava sozinha com extrema velocidade, as brasas, as pás, os cavaletes e os pesos saltavam no ar e executavam as mais diabólicas evoluções.
“Ao meio-dia o tumulto cessou pouco a pouco e algumas horas depois, quando tudo entrou em ordem e os utensílios foram repostos em seus lugares, o chefe da casa pôde retomar os trabalhos habituais.
“Este acontecimento estranho causou ao Sr. Goubert uma perda de pelo menos cem francos.”
A este relato, o Opinion Nationale adiciona as seguintes reflexões:
“Reproduzindo esta história singular, seria uma injúria aos nossos leitores convidá-los a pôr-se em guarda contra os fatos sobrenaturais que ela relata. Eis aí, nós sabemos perfeitamente, uma história que não é do nosso tempo e que poderá escandalizar alguns dos doutos leitores do Vigie, mas, por mais inverossímil que pareça, não é menos verdadeira e, se necessário, centenas de pessoas poderão atestar sua exatidão.”
Confessamos não compreender bem as reflexões do jornalista, que parece contradizer-se. Por um lado, diz aos leitores que se ponham em guarda contra os fatos sobrenaturais que a carta relata e termina por dizer que, “por mais inverossímil que pareça essa história, ela não é menos verdadeira, e que centenas de pessoas poderão certificar sua exatidão.” De duas, uma: ou é verdadeira, ou é falsa. Se falsa, tudo está dito, mas se verdadeira, como atesta o Opinion Nationale, o fato revela uma coisa muito séria para ser tratada levianamente. Ponhamos de lado a questão dos Espíritos e vejamos apenas um fenômeno físico. Não é bastante extraordinário para merecer a atenção de observadores sérios? Então, que os sábios metam suas mãos à obra e, escavando os arquivos da Ciência, dele nos deem uma explicação racional, irrefutável, com a razão de todas as circunstâncias. Se não o podem, temos de convir que não conhecem todos os segredos da Natureza. E se só a ciência espírita dá a solução, será preciso optar entre a teoria que explica e a que nada explica.
Quando fatos desta natureza são relatados, nosso primeiro cuidado, antes mesmo de inquirir da realidade, é o de examinar se são ou não possíveis, conforme o que conhecemos sobre a teoria das manifestações espíritas. Citamos alguns, demonstrando-lhes a absoluta impossibilidade, notadamente a história contada no número de fevereiro de 1859, extraída do Journal des Débats, sob o título de Meu Amigo Hermann, à qual certos pontos da Doutrina Espírita poderiam ter dado uma aparência de probabilidade. Sob este ponto de vista, os fenômenos ocorridos com o padeiro das cercanias de Dieppe nada têm de mais extraordinário que muitos outros perfeitamente verificados e cuja solução completa é dada pela ciência espírita. Assim, aos nossos olhos, se o fato não fosse verdadeiro, seria possível. Pedimos a um dos nossos correspondentes de Dieppe, no qual temos plena confiança, que se informasse da realidade. Eis o que nos responde:
“Hoje vos posso dar todas as informações que desejais, pois me informei em boa fonte. O relato do Vigie é a exata verdade. Inútil relatar todos os fatos. Parece que alguns homens de Ciência vieram de longe para tomar conhecimento dos fatos extraordinários, que não poderão explicar se não tiverem noção da ciência espírita. Quanto aos nossos camponeses, estão confusos. Uns dizem que são feiticeiros. Outros, que é porque o cemitério mudou de lugar e sobre ele fizeram construções. Os mais espertos, que são considerados pelos seus como aqueles que tudo sabem, principalmente se foram militares, acabam dizendo: Por Deus! Não sei como isto pode acontecer. Inútil dizer-vos que não deixam de atribuir larga participação ao diabo em tudo isso. Para dar a compreender todos esses fenômenos à gente do povo, seria necessário tentar iniciá-los na verdadeira ciência espírita. Seria o único meio de erradicar de seu meio a crença nos feiticeiros e em todas as ideias supersticiosas que ainda por muito tempo constituirão o maior obstáculo à sua moralização.”
Terminaremos com uma última observação.
Ouvimos de algumas pessoas que não queriam ocupar-se de Espiritismo, com receio de atrair os Espíritos e provocar manifestações do gênero das que acabamos de relatar.
Não conhecemos o padeiro Goubert, mas cremos poder afirmar que nem ele, nem seu filho e seu ajudante jamais se ocuparam com os Espíritos. É mesmo de notar-se que as manifestações espontâneas se produzem de preferência entre pessoas que nenhuma ideia fazem do Espiritismo, prova evidente de que os Espíritos vêm sem serem chamados. Dizemos mais: o conhecimento esclarecido desta ciência é o melhor meio de nos preservarmos dos Espíritos importunos, porque indica a única maneira racional de afastá-los.
Nosso correspondente está perfeitamente certo ao dizer que o Espiritismo é um remédio contra a superstição. Com efeito, não é superstição crer que esses estranhos fenômenos sejam devidos à mudança do cemitério? A superstição não consiste na crença num fato, quando verificado, mas na causa irracional atribuída ao fato. Ela está sobretudo na crença em pretensos meios de adivinhação, no efeito de certas práticas, na virtude dos talismãs, nos dias e horas cabalísticos, etc., coisas cujo absurdo e ridículo o Espiritismo demonstra.
Estudo sobre o Espírito das pessoas vivas
O Dr. Vignal, membro titular da Sociedade, ofereceu-se para servir ao estudo sobre uma pessoa viva, como se fez com o Conde de R... Foi evocado na sessão de 3 de fevereiro de 1860.
1. (A São Luís) ─ Podemos evocar o Dr. Vignal? ─ Sem qualquer perigo, pois que ele está preparado.
2. Evocação. ─ Aqui estou. Afirmo-o em nome de Deus, o que não faria se respondesse por outro.
3. ─ Embora estejais vivo, julgais necessário que a evocação seja feita em nome de Deus? ─ Deus não existe tanto para os vivos quanto para os mortos?
4. ─ Estais a ver-nos tão claramente como quando em pessoa assistíeis às nossas sessões? ─ Um pouco mais claramente.
5. ─ Em que lugar estais aqui? ─ Naturalmente no lugar onde minha ação é necessária: à direita e um pouco atrás do médium.
6. ─ Para vir de Sully até aqui, tivestes consciência do espaço transposto? Vistes o caminho percorrido? ─ Não mais que o carro que me trouxe.
7. ─ Poderemos oferecer-vos uma cadeira? ─ Sois muito bons. Não estou tão fatigado quanto vós.
8. ─ Como constatais vossa individualidade, aqui presente? ─ Como os outros.
OBSERVAÇÃO: Ele alude ao que já foi dito em casos semelhantes, isto é, que o Espírito constata sua individualidade por meio do perispírito, que representa o seu corpo.
9. ─ Contudo, agradeceríamos se vós mesmo nos désseis a explicação. ─ O que me pedis é uma repetição.
10. ─ Já que não quereis repetir o que foi dito, é porque pensais do mesmo modo? ─ Mas está bem claro.
11. ─ Assim, vosso perispírito é para vós uma espécie de corpo circunscrito e limitado? ─ É evidente. Nem é preciso dizer.
12. ─ Podeis ver o vosso corpo adormecido? ─ Não daqui. Vi-o ao deixá-lo. Tive vontade de rir.
13. ─ Como é estabelecida a relação entre o vosso corpo em Sully e o vosso Espírito aqui? ─ Como vos disse, pelo cordão fluídico.
14. ─ Quereis descrever o melhor possível, para que o compreendamos, a maneira por que vedes a vós mesmo, abstração feita do vosso corpo? ─ É muito fácil. Vejo-me como em vigília, ou antes, pois a comparação é mais justa, como a gente se vê em sonho. Tenho meu corpo, mas tenho consciência de que é organizado de modo diferente e mais leve que o outro. Não sinto o peso, a força de atração que me prende à Terra quando desperto. Numa palavra, como vos disse, não estou fatigado.
15. ─ A luz se vos apresenta com o mesmo tom que no estado normal? ─ Não. Esse tom é acrescido de uma luz não perceptível por vossos sentidos grosseiros. Contudo, não infirais que a sensação produzida pelas cores sobre o nervo óptico seja diferente para mim. O vermelho é vermelho, e assim por diante. Entretanto, alguns objetos que eu não via, na obscuridade, quando em estado de vigília, são luminosos por si mesmos, e são perceptíveis para mim. Assim é que a obscuridade não existe absolutamente para o Espírito, embora ele possa estabelecer uma diferença entre o que para vós é claro e o que não é.
16. ─ Vossa visão é indefinida ou limitada ao objeto ao qual prestais atenção? ─ Nem uma coisa, nem outra. Não sei absolutamente que tipo de modificações ela pode ensejar para o Espírito inteiramente desprendido. De minha parte, sei que os objetos materiais são perceptíveis no seu interior; que minha vista os atravessa. Contudo, não poderia ver por toda parte e a distância.
17. ─ Gostaríeis de vos submeter a uma pequena experiência, a título de prova, não motivada pela curiosidade, mas pelo desejo de nos instruirmos? ─ De modo algum. Isto me é expressamente proibido.
18. ─ Era para lerdes a pergunta que me chega às mãos e respondê-la sem que eu a verbalizasse. ─ Eu poderia, mas, repito, isto me é proibido.
19. ─ Como tendes consciência de que vos é proibido fazê-lo? ─ Pela transmissão de pensamento do Espírito que me proíbe.
20. ─ Então, eis a pergunta. Podeis ver-vos num espelho? ─ Não. Que vedes num espelho? O reflexo de um objeto material. Não sou material. Só posso produzir o reflexo pela operação que torna tangível o perispírito.
21. ─ Assim, um Espírito que se encontrasse nas condições de um agênere, por exemplo, poderia ver-se num espelho? ─ Certamente.
22. ─ Neste momento poderíeis julgar da saúde ou doença de uma pessoa, tão seguramente quanto em vosso estado normal? ─ Com mais segurança.
23. ─ Poderíeis dar uma consulta, se alguém vo-la pedisse? ─ Poderia, mas não quero fazer concorrência aos sonâmbulos e aos Espíritos benfeitores que os guiam. Quando estiver morto, não direi que não.
24. ─ O estado em que agora vos encontrais é idêntico àquele em que estareis depois de morto? ─ Não. Terei certas percepções muito mais precisas. Não esqueçais que ainda estou ligado à matéria.
25. ─ Vosso corpo poderia morrer, enquanto estais aqui, sem que o suspeitásseis? ─ Não. A gente morre assim todos os dias.
26. ─ Isto se compreende quanto à morte natural, sempre precedida de alguns sintomas. Suponhamos, porém, que alguém vos fira e mate instantaneamente. Como o saberíeis? ─ Eu estaria pronto para receber o golpe, antes que o braço fosse baixado.
27. ─ Qual a necessidade de vosso Espírito voltar ao corpo, se nada mais haveria a fazer? ─ É uma lei muito sábia, sem a qual, quando fora do corpo, muitas vezes hesitaríamos tanto em voltar para ele que faríamos disso um pretexto para nos suicidarmos... hipocritamente.
28. ─ Suponhamos que vosso Espírito não estivesse aqui, mas em casa, passeando, enquanto o corpo dormisse. Deveríeis ver tudo o que lá se passasse?
─ Sim.
29. ─ Nesse caso, suponhamos que lá se praticasse uma ação má, por parte de um parente ou de um estranho. Seríeis testemunha do fato? ─ Sem dúvida; mas nem sempre livre para me opor. Entretanto, isto ocorre com mais frequência do que pensais.
30. ─ Que impressão vos daria essa ação má? Ela vos afetaria tanto quanto se fosseis testemunha ocular? ─ Às vezes mais, às vezes menos, conforme as circunstâncias.
31. ─ Experimentaríeis o desejo de vingar-se? ─ De vingar-me, não. De impedi-la, sim.
OBSERVAÇÃO: Resulta do que acaba de ser dito e, aliás, é consequência do que já sabemos, que o Espírito de uma pessoa que dorme sabe perfeitamente o que se passa ao seu redor. Aquele que pretendesse aproveitar-se do sono para cometer uma ação má em seu prejuízo, engana-se quando crê não ser visto. Nem mesmo deveria contar sempre com o esquecimento que se segue ao despertar, porque a pessoa pode guardar uma intuição muito forte, por vezes lhe inspirando suspeitas. Os sonhos de pressentimento não passam de lembranças mais ou menos precisas do que se viu. Temos nisto mais uma das consequências morais do Espiritismo. Dando a convicção do fenômeno, pode ser um freio para muita gente. Eis um fato que vem em apoio a esta verdade. Uma pessoa recebeu um dia uma carta sem assinatura e muito descortês. Inutilmente dava tratos à bola para descobrir o seu autor. Há que admitir-se que durante a noite soube o que desejava saber, porque, no dia seguinte, ao despertar, e sem que tivesse sonhado, seu pensamento se dirigiu a alguém de quem não havia suspeitado e, depois de uma verificação, teve certeza de que não se enganara.
32. ─ Voltemos às vossas sensações e percepções. Por onde vedes? ─ Por todo o meu ser.
33. ─ Percebeis o som? Por onde? ─ É a mesma coisa, pois a percepção é transmitida ao Espírito encarnado pelos seus órgãos imperfeitos, e para vós deve ser claro que ele sinta, quando livre, numerosas percepções que não podeis compreender.
34. (Alguém toca uma sineta). ─ Ouvis o som perfeitamente? ─ Mais do que vós.
35. ─ Se vos fizessem ouvir música desafinada, experimentaríeis uma sensação semelhante à que sentis em estado de vigília? ─ Eu não disse que as sensações são análogas. Há uma diferença, mas há percepção muito mais completa.
36. ─ Percebeis os odores? ─ Sem dúvida, da mesma maneira que ocorre com os outros sentidos.
OBSERVAÇÃO: Assim, poder-se-ia dizer que a matéria que envolve o Espírito é uma espécie de abafador, que amortece a acuidade da percepção. O Espírito desprendido, recebendo essa percepção sem intermediário, pode captar as nuanças que escapam àquele a quem chegam através de um meio mais denso que o perispírito. Compreende-se, então, que os Espíritos sofredores possam ter dores que, por não serem físicas, do nosso ponto de vista, são mais pungentes que as dores corporais, e que os Espíritos felizes tenham prazeres dos quais as nossas sensações não podem dar uma ideia.
37. ─ Se tivésseis pratos apetitosos diante de vós, sentiríeis vontade de comer? ─ O desejo seria uma distração.
38. ─ Suponhamos que neste momento, enquanto o Espírito está aqui, vosso corpo tenha fome. Qual o efeito que a visão desses pratos produziria sobre vós? ─ Isto me faria partir para satisfazer uma necessidade irresistível.
39. ─ Poderíeis dar-nos a compreender o que se passa em vós, quando deixais o corpo para vir aqui, ou quando nos deixais para retomar o corpo? Como o percebeis? ─ Isto seria muito difícil. Entro como saio, sem o perceber, ou, melhor dito, sem me dar conta da maneira como se opera o fenômeno. Contudo, não penseis que quando o Espírito entra no corpo esteja encerrado como num quarto. Ele irradia incessantemente para fora, de sorte que, pode-se dizer, está mais frequentemente fora do que dentro. Apenas a união é mais íntima e os laços mais apertados.
40. ─ Vedes outros Espíritos? ─ Aqueles que querem que eu os veja.
41. ─ Como os vedes? ─ Como a mim mesmo.
42. ─ Vede-os aqui, ao nosso redor? ─ Em multidão.
43. Evocação de Charles Dupont (O Espírito de Castelnaudary) ─ Atendo ao vosso chamado.
44. (Ao mesmo) ─ Estais hoje mais tranquilo do que da última vez que fostes chamado? ─ Sim. Progrido no bem.
45. ─ Compreendeis agora que vossas penas não durarão para sempre? ─ Sim.
46. ─ Entrevedes o fim dos sofrimentos? ─ Não. Para minha punição, Deus não me permite ver o seu fim.
47. (Ao Sr. Vignal): ─ Vedes o Espírito que nos acaba de responder? ─ Sim. Não é bonito.
48. ─ Podeis descrevê-lo? ─ Vejo-o como foi visto, com a diferença de que não tem mais sangue nem punhal, e sua fisionomia está mais para a tristeza do que para o embrutecimento feroz que apresentava na primeira aparição.
49. ─ Desperto, tendes conhecimento do retrato que foi feito desse Espírito? ─ Sim, e além disso, estou informado.
50. ─ Vendo um Espírito, como sabeis se seu corpo está vivo ou morto? ─ Por seu cordão fluídico.
51. ─ Como julgais o moral dele? ─ Seu moral deve ser bem triste. Mas ele melhora.
52. (A Charles Dupont): ─ Ouvis o que se diz de vós. Isto vos deve encorajar a perseverar na via do progresso em que entrastes. ─ Obrigado. É o que procuro fazer.
53. ─ Vedes o Espírito do doutor, com o qual conversamos? ─ Sim.
54. ─ Como o vedes? ─ Vejo-o com um envoltório menos transparente que o dos outros Espíritos.
55. ─ Como percebeis que ele ainda está vivo? ─ Os Espíritos comuns não têm forma aparente. Este tem uma forma humana; está envolto numa matéria semelhante a uma névoa, que repete sua forma humana terrena. O Espírito dos mortos não tem mais esse envoltório, pois está desprendido dele.
56. (Ao Sr. Vignal): ─ Se evocarmos um louco, como o reconheceríeis? ─ Não o reconheceria, se sua loucura fosse recente, pois não teria tido ação sobre o Espírito, mas se fosse alienado há muito tempo, a matéria poderia ter tido uma certa influência sobre ele, do que daria sinais que me serviriam para reconhecêlo, como em vigília.
57. ─ Podeis descrever-nos as causas da loucura? ─ São apenas uma alteração, uma perversão dos órgãos, que não mais recebem as impressões de maneira regular, transmitindo sensações falsas e, por isso mesmo, gerando atos diametralmente opostos à vontade do Espírito.
OBSERVAÇÃO: Acontece muitas vezes que certas criaturas, cujo Espírito é perfeitamente são, têm nos membros e em outras partes do corpo movimentos involuntários e independentes da vontade, como os designados pelo nome de tiques nervosos. Compreende-se que se as alterações, em vez de serem no braço ou nos músculos da face, fossem no cérebro, a emissão das ideias sofreria influência. A impossibilidade de dirigir ou dominar essa emissão constitui a loucura.
58 . ─ Depois da última resposta do Sr. Vignal, o médium que servia de intérprete a Charles Dupont escreveu espontaneamente: ─ Reconhece-se esses Espíritos de loucos, quando chegam entre nós, porque eles giram em todos os sentidos, sem uma ideia firme, nem de Deus, nem das preces. Necessitam de tempo para se firmarem. Assinado: CAUVIÈRE
Como ninguém tivesse pensado em chamar esse Espírito, o Sr. Belliol perguntou se seria do Dr. Cauvière, de Marselha, do qual fora aluno. ─ Sim, sou eu, falecido há um ano e meio.
OBSERVAÇÃO: O Sr. Belliol reconheceu a assinatura do Dr. Cauvière. Mais tarde, foi possível comparar com uma assinatura original e constatar a perfeita semelhança da escrita e da rubrica.
59. (Ao Sr. Cauvière): ─ A que devemos a honra de vossa visita inesperada? ─ Não é a primeira vez que venho aqui. Hoje achei uma ocasião favorável para me comunicar e aproveitei-a.
60. ─ Vedes vosso colega Dr. Vignal, que aqui se acha em Espírito? ─ Sim, vejo-o.
61. ─ Como sabeis que ainda está vivo? ─ Por seu envoltório menos transparente que o nosso.
62. ─ Esta resposta concorda com a que acaba de dar Charles Dupont e que pareceu ultrapassar o alcance de sua inteligência. Fostes vós quem a ditou? ─ Eu podia influenciá-lo, pois aqui estava.
63. ─ Em que estado vos achais, como Espírito? ─ Ainda não reencarnei, mas sou um Espírito adiantado, embora estivesse longe, na Terra, de crer no que chamais Espiritualismo. É preciso que faça minha educação aqui, onde me acho. Mas a minha inteligência, aperfeiçoada pelo estudo, esclareceu-se de repente.
64. ─ Se concordardes, iremos fazer uma pergunta preparada para o Sr. Vignal, e pediremos a resposta de cada um de vós, com o auxílio de vossos intérpretes particulares. Como encarais agora a diferença entre o Espírito dos animais e o do homem? Resposta do Sr. Vignal: ─ Não me é muito mais fácil fazê-lo do que em vigília. Meu pensamento atual é de que no animal o Espírito dorme, está entorpecido moralmente, e de que no homem, no seu início, desperta penosamente. Resposta do Sr. Cauvière: ─ O Espírito do homem é chamado a um maior aperfeiçoamento que o dos animais. A diferença é sensível, tendo em vista que, nestes últimos, só existe no estado de instinto. Mais tarde esse instinto pode aperfeiçoa-se.
65. ─ Pode aperfeiçoar-se a ponto de se transformar em Espírito humano? ─ Pode, mas depois de ter passado por muitas existências como animais, quer na Terra, quer em outros planetas.
66. ─ Teríeis a bondade, um e outro, cada um por sua vez, de nos ditar uma pequena alocução espontânea, sobre assunto de vossa escolha?
Ditado do Sr. Cauvière
CAUVIÈRE
Ditado do Sr. Vignal
Se, como se pensava outrora, a Terra fosse o ponto central do Universo; se os numerosos sóis que povoam o espaço não passassem de simples pontos brilhantes fixados numa abóbada de cristal, que razões teríeis para admitir o passado e o futuro do Espírito? A Astronomia, ao contrário, vem demonstrar-nos que a vida planetária que circula em torno do nosso Sol, se reflete em redor de todos os que compõem a nebulosa, da qual faz parte o nosso mundo; que todos esses planetas são organizados de maneira diferente uns dos outros e que, em consequência, neles as condições de vida não são as mesmas. Sois, então, levados a vos perguntar se Deus cria instantaneamente e para cada corpo, especialmente, o Espírito que deve animá-lo; por que razão teria achado justo criá-lo aqui, e não ali, na Terra e não em outro mundo, nesta condição e não em outra?
Assim, uma lógica inflexível vos leva a admitir como expressão da maior verdade a habitabilidade dos mundos, a preexistência da alma e a reencarnação.
Então a Astronomia é útil, porque vos põe em condições de receber um esboço das sublimes verdades que para vós serão desenvolvidas, por força do progresso do Espiritismo e da própria Ciência. Porque, auxiliada pela indústria, é chamada a levar-vos à descoberta de muitas outras maravilhas, além daquelas que até agora apenas pudestes entrever. De agora em diante, a Astronomia e a Teologia são irmãs, e vão marchar de mãos dadas.
VIGNAL, por Arago.
1. (A São Luís): ─ Podemos entrar em comunicação com o Espírito da Senhorita Indermuhle? ─ Podeis.
2. Evocação. ─ Aqui estou, e o afirmo em nome de Deus.
3. (A São Luís): ─ Podeis dizer se o Espírito que nos responde é mesmo o da Senhorita Indermuhle? ─ Posso afirmar e vo-lo afirmo. Estais mais adiantados e credes que se fosse útil que outro respondesse em seu lugar, isto seria mais embaraçoso? A afirmação vos prova que ela está aqui. Cabe-vos garantir uma boa comunicação pela natureza e pelo móvel de vossas perguntas.
3-A[1]. ─ Sabeis bem onde vos encontrais agora? ─ Perfeitamente. Pensais que eu não tenha sido instruída a respeito?
4. Como podeis responder-nos aqui, se vosso corpo está na Suíça? ─ Porque não é o corpo que responde. Aliás, como bem sabeis, ele é perfeitamente incapaz de fazê-lo.
5. ─ Que faz vosso corpo neste momento? ─ Cochila.
6. ─ Está com saúde? ─ Excelente.
OBSERVAÇÃO: O irmão da Senhorita Indermuhle, que se achava presente, confirmou que realmente ela estava com saúde.
7. ─ Quanto tempo levastes para vir da Suíça até aqui? ─ Um tempo inapreciável para vós.
8. ─ Vistes o caminho percorrido? ─ Não.
9. ─ Estais surpresa por vos achardes nesta reunião? ─ Minha primeira resposta vos prova que não.
10. ─ Que aconteceria se vosso corpo despertasse, enquanto estais aqui? ─ Eu lá estaria.
11. ─ Existe um laço qualquer entre o vosso Espírito, que está aqui, e o corpo que lá está? ─ Sim. Sem isto, quem lhe advertiria que devo voltar a ele?
12. ─ Vede-nos bem distintamente? ─ Sim, perfeitamente.
13. ─ Compreendeis que nos possais ver, mas que não vos vejamos? — Mas, sem dúvida.
14. ─ Ouvis o ruído que, batendo, produzo no momento? ─ Aqui não sou surda.
15. ─ Como vos dais conta, desde que, por comparação, não tendes lembrança do ruído em estado de vigília? ─ Eu não nasci ontem.
OBSERVAÇÃO: A lembrança da sensação do ruído lhe vem das existências em que não era surda. Esta resposta é perfeitamente lógica.
16. ─ Escutaríeis música com prazer? ─ Com tanto mais prazer quão longo o tempo que isso não me acontece. Cantai algo para mim.
17. ─ Lamentamos não poder fazê-lo agora, e que não haja aqui um instrumento para vos proporcionar este prazer. Parece-nos porém que desprendendose todos os dias durante o sono, vosso Espírito deve transportar-se a lugares onde podeis ouvir música. ─ Isto me acontece muito raramente.
18. ─ Como podeis responder em francês, desde que sois alemã e ignorais a nossa língua? ─ O pensamento não tem língua. Eu o transmito ao guia do médium, que o traduz para a língua que lhe é familiar.
19. ─ Qual é esse guia de que falais? ─ Seu Espírito familiar. É sempre assim que recebeis comunicações de Espíritos estrangeiros, e é assim que os Espíritos falam todas as línguas.
OBSERVAÇÃO: Desta maneira, muitas vazes as respostas só nos chegariam de terceira mão. O Espírito interrogado transmite o pensamento ao Espírito familiar, esse ao médium e o médium o traduz, falando ou escrevendo. Ora, podendo o médium ser assistido por Espíritos mais ou menos bons, isto explica como, em muitas circunstâncias, o pensamento do Espírito interrogado pode ser alterado. Assim, no começo, São Luís disse que a presença do Espírito evocado nem sempre basta para assegurar a integridade das respostas. Cabe-nos avaliar e julgar se são lógicas e estão em consonância com a natureza do Espírito. Aliás, segundo a Senhorita Indermuhle, esta tríplice fieira só ocorreria com Espíritos estrangeiros.
20. ─ Qual a causa da enfermidade que vos afetou? ─ Uma causa voluntária.
21. ─ Por que singularidade sois seis irmãos e irmãs igualmente afetados? ─ Pelas mesmas causas que eu.
22. ─ Assim, foi voluntariamente que todos escolhestes a mesma prova? Pensamos que esta reunião na mesma família deve ter ocorrido como uma prova para os pais. É uma boa razão? ─ Ela se aproxima da verdade.
23. ─ Vedes aqui o vosso irmão? ─ Que pergunta!
24. ─ Estais contente de vê-lo? ─ Mesma resposta. OBSERVAÇÃO: Sabe-se que os Espíritos não gostam de repetir. Nossa linguagem para eles é tão lenta que evitam tudo quanto lhes parece inútil. Eis um ponto que caracteriza os Espíritos sérios. Os levianos, zombadores, obsessores e pseudo-sábios geralmente são faladores e prolixos. Como os homens a quem falta base, falam para nada dizer; as palavras substituem os pensamentos, que julgam impor pelas frases redundantes e por um estilo pedante.
25. ─ Gostaríeis de dizer-lhe alguma coisa? ─ Peço-lhe que receba a expressão dos meus sinceros agradecimentos pelo bom pensamento que teve de me fazer chamar até aqui, onde muito felizmente me acho em contato com bons Espíritos, embora veja alguns que não valem muito. Ganhei em instrução e não esquecerei o que lhe devo.
[1] O número 3 está repetido no original. (N. do T.)
“Sob a forma de meu bom anjo, meu anjo familiar, aparece-me um Espírito. Oferece-se para me guiar nas penosas visões daqui debaixo. Os homens, diz-me ele, são maus apenas porque ignoraram sua natureza espiritual; porque rejeitaram esse agente sutil, esse fluxo divino que Deus havia espalhado para a felicidade dos homens na criação, e que os fazia iguais e irmãos. Então os homens curavam, porque apelavam a esse agente sutil da criação, dele retirando poderoso auxílio”.
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“É na hora da morte que cada homem me aparece! Que tristeza! Que desgosto! Que desespero amargo! Cessaram de amar, esses seres perversos. Siamora! Ao morrer, cada homem leva as virtudes e os vícios. Leve, ou carregada de faltas, sua alma se eleva mais ou menos, pois guardou pouco ou muito do agente sutil, o amor, essa substância de Deus que, conforme as afinidades, atrai para si as substâncias semelhantes e repele as que procedem de um princípio contrário.
“A alma do homem mau fica errante aqui embaixo, a todos insuflando sua essência pestilenta. Ela tem a alegria do mal e o orgulho do vício. Nós a chamamos demônio; no Céu, seu nome é irmão transviado. ─ Mas de todos os corações piedosos, Siamora, eleva-se um suave vapor e, malgrado seu, a alma-demônio chega a ser saturada pelo mesmo; assim se retempera, despojando-se em parte de sua corrupção... Então começa a perceber a ideia de Deus, o que naquele estado de alma não conseguia. Assim como a alma leva consigo a imagem exata, embora espiritual de seu corpo, assim a ela se junta esta outra, impregnada de seus vícios e imperfeições, e a alma se adensa e não pode ver.
“Nesse mundo invisível, acima do nosso, Siamora, onde com esforço me elevo pouco a pouco, nuvens brilhantes limitam-me a visão. Milhares de almas, Espíritos celestes, nele entram e saem. Assim como flocos de neve, abaixados, elevados, espalhados, correm arrastados pela força caprichosa dos ventos. Em sua essência espiritual, descem até nós os anjos, dizendo a uns palavras de paz; insinuando ao coração de outro a crença divina; inspirando a este a busca da Ciência; insuflando naquele o instinto do bem e do belo, porque foi tocado pelo dedo de Deus aquele que, em sua arte, a esta levou o gosto das nobres e grandes coisas. Todo homem tem a sua Egéria, o seu conselho, o seu imã. A todos foi lançada a corda da salvação. A nós, cabe segurá-la.
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“Esse homem mau, ou antes, essa alma-demônio, cujos olhos, ao contato de um ar puro, começaram a se abrir, vai chorando o seu crime e pedindo o sofrimento para expiá-lo. Só e sem auxílio, o que fará?
“Aproxima-se um anjo de caridade e lhe diz: irmão transviado, entra comigo na vida. Aqui é o Inferno, o lugar de sofrimento, onde cada um de nós se regenera. Vem. Eu te sustentarei. Tratemos de fazer um pouco de bem, a fim de que, para ti, a balança do bem e do mal acabe pendendo para o lado bom.
“É assim, Siamora, que para todos os homens chega o momento de morrer. Eu os vejo elevando-se mais ou menos nos céus, reentrar na vida, sofrer de novo, depurar-se, morrer ainda e subir incessantemente, nos espaços celestes. Ainda não atingem o Céu do Deus único, mas, através de longas peregrinações em outros mundos muito mais maravilhosos e aperfeiçoados que este, à força de se depurarem, chegarão a possuí-lo.
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* Um vol. In-18, preço 2 fr. ; Vannier, livraria e editora, Rua Notre Dame-des-Victoires, 52. – 1860.
Ditados espontâneos
O GÊNIO DAS FLORES(SESSÃO DE 23 DE DEZEMBRO DE 1859 ─ MÉDIUM, SRA. BOYER)
Também somos encarregados de espalhar os perfumes. Levamos ao exilado a lembrança da pátria, fazendo entrar em sua prisão um perfume das flores que ornavam o jardim paterno. Para aquele que ama, e ama realmente, levamos o perfume das flores ofertadas pela noiva; ao que chora, uma lembrança dos que se foram, fazendo desabrochar em seus túmulos as rosas e violetas que lembram as suas virtudes.
Qual de vós não nos deve essas emoções suaves? Quem não estremeceu ao contato de um perfume amado? Penso que estejais admirados, ouvindo-nos dizer que há Espíritos para tudo isto. Contudo, é a pura verdade. Jamais encarnamos e talvez jamais encarnemos em vosso meio. Entretanto, alguns já foram homens, mas poucos entre os Espíritos dos elementos. Em vossa Terra nossa missão nada é. Progredimos como vós, mas é principalmente nesses planetas superiores que somos felizes. Em Júpiter, nossas flores emitem sons melodiosos e formamos as moradas aéreas, das quais só os ninhos de colibris vos podem dar uma pálida ideia. Pela primeira vez vos farei a descrição de algumas dessas flores não apenas magníficas, mas sublimes e dignas dos altos Espíritos, aos quais servem de morada.
Adeus. Que um perfume de caridade vos anime. As próprias virtudes têm seu perfume.
PERGUNTAS SOBRE O GÊNIO DAS FLORES
(SOCIEDADE, 30 DE DEZEMBRO DE 1859. MÉDIUM, SR. ROZE)
2. ─ Esse Espírito chama-se Hettani. Como tem um nome, se jamais encarnou? ─ É uma ficção. O espírito não preside, de maneira particular, à formação das flores. O espírito elementar, antes de passar à série animal, dirige sua ação fluídica para a criação vegetal. Esse ainda não encarnou; não age senão sob a direção de inteligências mais elevadas, que já viveram o bastante para adquirir o conhecimento necessário à sua missão. Foi um desses que se comunicou. Ele vos fez uma mistura poética da ação de duas classes de Espíritos que atuam na criação vegetal.
3. ─ Não tendo ainda vivido esse Espírito, mesmo na vida animal, como é tão poético? ─ Relede.
OBSERVAÇÃO: Vede a observação feita após a pergunta 24, no artigo sobre a Srta. Indermuhle.
4. ─ Assim, o Espírito que se comunicou não é o que habita e anima a flor? ─ Não, não. Eu vo-lo disse claramente: ele guia.
5. ─ Esse Espírito que nos falou esteve encarnado? ─ Esteve.
6. ─ O espírito que dá vida às plantas e às flores, tem um pensamento e a compreensão de seu Eu? ─ Nenhum pensamento e nenhum instinto.
FELICIDADE
(SOCIEDADE, 10 DE FEVEREIRO DE 1860. MÉDIUM, SRTA. EUGÉNIE)
Se Deus pôs em nossos corações essa necessidade tão grande de felicidade, é que ela deve existir em algum lugar. Sim, confiai nele, mas sabei que tudo quanto Deus promete deve ser divino como ele, e que a felicidade que buscais não pode ser material.
Vinde a nós, todos os que sofreis. Vinde a nós, todos os que necessitais de esperança, porque, quando tudo vos faltar na Terra, nós aqui teremos mais do que reclamam as vossas necessidades. Mães desesperadas, que vos lamentais sobre um túmulo, vinde aqui! O anjo que chorais vos falará, vos protegerá, vos inspirará a resignação às penas que suportastes na Terra. Vós todos, que tendes insaciável necessidade da ciência, dirigi-vos a nós, pois somente nós podemos dar ao vosso espírito o alimento necessário. Vinde, e nós saberemos achar um alívio para cada ferida. Por mais abandonados que pareçais, há Espíritos que vos amam e estão prontos a vo-lo provar. Falo em nome de todos. Desejo que venhais pedir-nos conselhos, pois estou certa de que voltareis com a esperança no coração.
STAËL.
NOTA: Um instante depois, o Espírito de novo escreveu espontaneamente: Mais de uma vez vem o sorriso aos lábios de certos ouvintes, e se o médium não o percebe, percebem-no os Espíritos. Mas não temais. São os que mais riram que mais crerão depois. Nós vos perdoamos, porque um dia podereis arrepender-vos de vossa ironia. Estou certa de que, se perto de cada uma de vós, senhoras, se apresentasse um ser perdido, e que tivésseis amado, para avivar uma lembrança, mudaríeis o sorriso de incredulidade em suspiros, e ficaríeis felizes ou ansiosas. Ficai tranquilas. Vosso dia chegará, e sereis tocadas pelo coração, que é a vossa corda mais sensível. Eu a conheço.
STAËL.
O Livro dos Espíritos - Aviso sobre a 2ª edição
Aos leitores da Revista - Cartas não assinadas
ALLAN KARDEC
Abril
Boletim1.º) ─ Carta de Dieppe, confirmando em todos os pontos as manifestações espontâneas ocorridas em casa de um padeiro do burgo de Grandes-Ventes, perto de Dieppe, e relatadas no La Vigie (Publicadas em nosso número de março).
2.º) ─ Carta do Sr. M., de Teil d’Ardèche, que dá novas informações sobre os fatos ocorridos no castelo de Fons, perto de Aubenas.
3.º) ─ Carta do Barão Tscherkassoff, com detalhes circunstanciados e autênticos sobre um fato muito extraordinário de manifestação espontânea por um Espírito perturbador, ocorrido no começo do século, com um fabricante de São Petersburgo (Publicado a seguir).
4.º) ─ Relato de um fato de aparição tangível, com todos os caracteres de um agênere, ocorrido a 15 de janeiro último, na comuna de Brix, perto de Valognes. O fato foi transmitido ao Sr. Ledoyen, por pessoa de seu conhecimento e que lhe verificou a exatidão. (Publicado a seguir).
5.º) ─ Leitura de uma tradição muçulmana sobre o profeta Esdras, extraída do Moniteur de 15 de fevereiro de 1860, e que repousa sobre um fato de faculdade mediúnica.
Estudos:
1.º) ─ Ditado espontâneo de Charlet, recebido pelo Sr. Didier filho, em confirmação ao trabalho começado.
2.º) ─ Evocação do Sr. Jules-Louis C..., falecido a 30 de janeiro último, no hospital de Val-de-Grâce, em consequência de um câncer que lhe havia destruído parte da face e do maxilar.
Esta evocação foi feita conforme o desejo de um de seus amigos presente à sessão e de uma pessoa da família. É sobretudo instrutiva do ponto de vista da modificação das ideias após a morte, desde que em vida o Sr. C... professava abertamente o materialismo.
3º) ─ É perguntado a São Luís se é possível chamar o Espírito que se manifestou em casa do padeiro de Dieppe. Ele responde que não, por motivos que mais tarde serão sabidos.
SEXTA-FEIRA, 2 DE MARCO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR) Exame e discussão de vários assuntos administrativos.
Estudo e apreciação de várias comunicações espíritas, quer obtidas na Sociedade, quer fora das sessões.
Solicitado a dar um ditado espontâneo, São Luís escreve o que se segue, por intermédio da Srta. Huet:
“Eis-me aqui, meus amigos, pronto para vos dar os meus conselhos, como tenho feito até hoje. Desconfiai dos maus Espíritos que poderiam insinuar-se entre vós procurando semear a desunião. Infelizmente, aqueles que querem tornar-se úteis a uma obra, sempre encontram obstáculos. Aí não está a pessoa generosa que os encontra, mas o encarregado de executar os desejos que manifesta. Não temais. Triunfareis de todos os obstáculos pela paciência, uma atitude firme contra as vontades que querem impor-se. Quanto às várias comunicações que me atribuem, são por vezes de outro Espírito que usa o meu nome. Pouco me comunico fora da Sociedade, que tomei sob meu patrocínio. Gosto destes lugares de reunião, que me são especialmente consagrados. É somente aqui que gosto de dar avisos e conselhos. Assim, desconfiai dos Espíritos que às vezes se servem do meu nome. Que a paz e a união estejam entre vós! Em nome de Deus todo poderoso, que criou o bem, eu o desejo.
São Luís
Um sócio faz esta observação: “Como pode um Espírito inferior usurpar o nome de um Espírito Superior, sem o consentimento deste último? Isto só se pode dar com intenção má. Então, por que os bons Espíritos o permitem? Se não podem a isto se opor, serão menos poderosos que os maus?”
A isso foi respondido: Existe algo mais poderoso que os bons Espíritos: Deus. Deus pode permitir que os maus Espíritos se manifestem para ajudá-los a progredir, e mais, para experimentar a nossa paciência, a nossa fé, a nossa confiança, a nossa firmeza em resistir à tentação e sobretudo para exercitar a nossa perspicácia em distinguir o verdadeiro do falso. De nós depende afastá-los por nossa vontade, provando-lhes que não somos seus joguetes. Se ganharem domínio sobre nós, é apenas por nossa fraqueza. São o orgulho, o ciúme e todas as más paixões dos homens que constituem sua força e lhes dão o domínio. Sabemos por experiência que sua obsessão cessa quando veem que não conseguem fatigar-nos. A nós, pois, cabe mostrar-lhes que perdem seu tempo. Se Deus nos quer experimentar, nenhum Espírito pode opor-se. A obsessão dos Espíritos enganadores ou malévolos não é, pois, resultado do seu poder, nem da fraqueza dos bons, mas de uma vontade que é superior a todos. Quanto maior a luta, maior o nosso mérito, se sairmos vencedores.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O OBJETIVO E O CARÁTER DA SOCIEDADE “Senhores,
“O objetivo da Sociedade está claramente definido em seu título e no preâmbulo do regimento atual. Esse objetivo é essencialmente e, pode-se dizer, exclusivamente, o estudo da Ciência Espírita. O que queremos, antes de tudo, não é nos convencermos, pois já o estamos, mas instruir-nos e aprender aquilo que não sabemos. Para tanto, queremos colocar-nos nas mais favoráveis condições. Como tais estudos exigem calma e recolhimento, queremos evitar tudo quanto seja causa de perturbações. Tal é a consideração que deve prevalecer na apreciação das medidas que adotarmos.
“Partindo deste princípio, a Sociedade não se apresenta absolutamente como sociedade de propaganda. Sem dúvida, cada um de nós deseja a difusão das ideias que julga justas e úteis e contribui para isso no círculo de suas relações e na medida de suas forças, mas seria erro julgar que seja necessário para tanto estar reunidos em sociedade e, mais falso ainda, crer que a Sociedade seja a coluna sem a qual o Espiritismo estaria em perigo. Estando a nossa sociedade regularmente constituída, por isso mesmo procede com mais ordem e método do que se marchasse ao acaso, mas, com tudo isto, ela não é mais preponderante do que milhares de sociedades livres ou reuniões particulares na França e do estrangeiro. Ainda uma vez, o que ela quer é instruir-se, por isso não admite em seu seio senão pessoas sérias e animadas do mesmo desejo, porque o antagonismo de princípios é uma causa de perturbação. Falo de antagonismo sistemático sobre as bases fundamentais, porque não poderia ela, sem se contradizer, afastar a discussão da questão de detalhes. Se ela adotou certos princípios gerais, não o fez por estreito espírito de exclusivismo. Ela viu tudo, tudo estudou e comparou. Depois é que formou uma opinião baseada no raciocínio e na experiência. Só o futuro pode encarregar-se de lhe dar razão ou não. Mas, enquanto espera, ela não busca qualquer supremacia e só os que não a conhecem podem supor-lhe a ridícula pretensão de absorver todos os partidários do Espiritismo, ou de se estabelecer como reguladora universal. Se ela não existisse, cada um de nós instruir-se-ia por seu lado, e em vez de uma única reunião, talvez formássemos dez ou vinte ─ eis toda a diferença. Não impomos nossas ideias a ninguém. Os que as adotam é porque as consideram justas. Os que vêm a nós é porque pensam aqui encontrar oportunidade de aprender, mas isto não é como uma afiliação, pois não formamos uma seita, nem um partido. Nós nos reunimos para o estudo do Espiritismo, como outros para o estudo da Frenologia, da História ou de outras ciências. Como nossas reuniões não se baseiam em qualquer interesse material, pouco nos importa se outras se formam ao nosso lado. Na verdade, seria atribuir-nos ideias muito mesquinhas, estreitas e pueris, crer que as veríamos com olhos ciumentos, e os que pensassem em criar-nos rivalidades, mostrariam, assim, quão pouco compreendem o verdadeiro espírito da Doutrina. Só uma coisa lamentaríamos: é que nos conheçam tão mal, a ponto de nos suporem acessíveis ao ignóbil sentimento da inveja. Concebe-se que empresas mercenárias rivais, que se podem prejudicar pela concorrência, se vejam com maus olhos. Mas se tais reuniões não têm em vista, como deve ser, senão interesse puramente moral; se não se mistura nenhuma consideração mercantil, pergunto em que podem elas ser prejudicadas pela multiplicidade? Dir-se-á, por certo, que se não há interesse material, há o do amor próprio, o desejo de destruir o crédito moral do vizinho. Mas esse móvel seria provavelmente mais ignóbil ainda. Se assim é ─ o que Deus não permita ─ teríamos apenas a lamentar os que fossem movidos por semelhantes pensamentos. Queremos sobrepujar o vizinho? Tratemos de fazer melhor que ele. Eis uma luta nobre e digna, se não for comprometida pela inveja e pelo ciúme.
Eis, pois, senhores, um ponto essencial a não perder de vista, é que nem formamos uma seita, nem uma sociedade de propaganda, nem uma corporação com um interesse comum. Se cessássemos de existir, o Espiritismo não sofreria qualquer prejuízo. Dos nossos restos formar-se-iam vinte outras sociedades. Portanto, os que buscassem destruir-nos, visando entravar o progresso das ideias espíritas, nada lucrariam. É preciso saberem que as raízes do Espiritismo não estão em nossa Sociedade, mas no mundo inteiro. Existe algo mais poderoso do que eles; mais influente do que todas as Sociedades: é a doutrina que vai ao coração e à razão dos que a compreendem e sobretudo dos que a praticam.
Esses princípios, senhores, indicam-nos o verdadeiro caráter do nosso regimento, que nada tem de comum com os estatutos de uma corporação. Nenhum contrato nos liga uns aos outros. Fora das sessões, não temos outras obrigações recíprocas senão as de nos comportarmos como gente bem educada. Os que nestas reuniões não encontrarem o que esperavam, têm toda liberdade de retirar-se, e eu não compreenderia mesmo que permanecessem, desde que não lhes conviesse o que aqui se faz. Não seria racional que aqui viessem perder seu tempo.
Em toda reunião é preciso uma regra para a manutenção da boa ordem. Nosso regulamento é, pois, apenas um roteiro destinado a estabelecer a ordem das sessões; a manter, entre os presentes, as relações de urbanidade e educação que devem presidir a todas as assembleias de pessoas de boas maneiras, abstração feita das condições inerentes à especialidade de nossos trabalhos, porque não tratamos apenas com homens, mas também com Espíritos e, como sabeis, nem todos são bons. Contra a violência daqueles que destoam, temos de nos guardar. Entre eles, alguns são mais astuciosos e podem mesmo, por ódio ao bem, induzir-nos a uma via perigosa. Devemos, pois, ter muita prudência e perspicácia para vencê-los, o que nos obriga a tomar precauções especiais.
Lembrai-vos, senhores, de como se formou a Sociedade. Eu recebia em minha casa um pequeno número de pessoas. Acharam que o grupo cresceu; que era preciso um local maior. Para tê-lo, teríamos que pagar, portanto, teríamos que nos cotizarmos. Disseram mais: é preciso ordem nas sessões; não é possível admitir o primeiro que se apresente; é necessário um regulamento. Eis toda a história da Sociedade. Ela é muito simples, como vedes. Não passou pela cabeça de ninguém a idéia de fundar uma instituição, nem de ocupar-se, fosse do que fosse, além dos estudos, e eu declaro mesmo, de modo muito formal, que se um dia a Sociedade fosse além, eu não a acompanharia.
Aquilo que eu fiz, outros podem fazê-lo com maestria, ocupando-se disso à sua vontade, conforme o seu gosto, suas idéias e seus pontos de vista particulares, e esses diferentes grupos podem entender-se perfeitamente e viver como bons vizinhos. Como é materialmente impossível reunir todos os partidários do Espiritismo num mesmo local, a não ser que se ocupasse uma praça pública para as assembleias, esses diversos grupos devem constituir frações de um grande todo, mas não seitas rivais. O próprio grupo, tornando-se muito numeroso, pode subdividir-se como os enxames de abelhas. Esses grupos já existem em grande número e se multiplicam diariamente. Ora, é precisamente contra essa multiplicação que a má vontade dos inimigos do Espiritismo virá quebrar-se, porque os entraves teriam como efeito inevitável, e pela mesma força das coisas, a multiplicação das reuniões particulares.
Convenhamos, entretanto, que entre certos grupos há uma espécie de rivalidade ou antagonismo. Qual a causa? Ó meu Deus! Essa causa está na fraqueza humana; no espírito de orgulho que quer impor-se; está, sobretudo, no conhecimento ainda incompleto dos verdadeiros princípios do Espiritismo. Cada um defende os seus Espíritos, como outrora as cidades da Grécia defendiam os seus deuses, que, diga-se de passagem, não passavam de Espíritos mais ou menos bons. Essas dissidências só existem porque há pessoas que querem julgar antes de terem tudo visto, ou julgam do ponto de vista de sua personalidade. Elas apagar-se-ão como muitas outras se apagaram, à medida que a Ciência se reformular, porque, em definitivo, a verdade é uma só, e sairá do exame imparcial das várias opiniões. Esperando que a luz se faça sobre todos os pontos, qual será o juiz? Dir-se-á que a razão. Mas quando duas pessoas se contradizem, cada uma invoca a sua razão. Que razão superior decidirá entre aquelas duas?
Sem nos determos sobre a forma mais ou menos imponente da linguagem, forma que muito bem sabem utilizar os Espíritos impostores e pseudossábios, para seduzir pelas aparências, partimos do princípio de que os bons Espíritos não aconselham senão o bem, a união, a concórdia; que sua linguagem é sempre simples, modesta, penetrada de benevolência, isenta de acrimônia, de arrogância e de fatuidade. Numa palavra, que tudo neles respira a mais pura caridade. A caridade, eis o verdadeiro critério para julgar os Espíritos e para julgar-se a si próprio. Quem quer que, sondando o foro íntimo de sua consciência, nele encontrar um germe de rancor contra o próximo, mesmo um simples desejo do mal, pode dizer a si mesmo, com certeza, que é solicitado por um Espírito malévolo, porque esquece as palavras do Cristo: “Sereis perdoados como vós mesmos houverdes perdoado.” Então, se houvesse rivalidade entre dois grupos espíritas, os Espíritos realmente bons não poderiam estar ao lado do que anatematizasse o outro, porque jamais um homem sensato poderia crer que a inveja, o rancor, a malevolência, numa palavra, todo sentimento contrário à caridade pudesse emanar de uma fonte pura. Procurai, então, de que lado há mais caridade prática e não de palavras e reconhecereis sem esforço de que lado estão os melhores Espíritos e, consequentemente, de quais temos mais razão de esperar a verdade.
Estas considerações, senhores, longe de nos afastarem do nosso assunto, colocam-nos no verdadeiro terreno. Encarado deste ponto de vista, o regimento perde completamente seu caráter de contrato para revestir aquele, bem mais modesto, de simples regra disciplinar.
Todas as reuniões, seja qual for o objetivo, deverão premunir-se contra um escolho, o dos caracteres perturbadores, que parecem nascidos para semear o tumulto e a cizânia onde se encontrem. A desordem e a contradição são o seu elemento. Mais que as outras, as reuniões espíritas devem afastá-los, porque as melhores comunicações só são obtidas na calma e no recolhimento, incompatíveis com a sua presença e a dos Espíritos simpáticos que os acompanham.
Em resumo, o que devemos buscar é remover todas as causas de perturbações e de interrupção; manter entre nós as boas relações, de que, mais que os outros, os bons espíritas devem dar exemplo; opor-nos por todos os meios possíveis a que a Sociedade se afaste de seu objetivo; que aborde questões que não são de sua competência, e que degenere em arena de controvérsias e personalismo. O que devemos buscar, além disso, é a possibilidade de execução, simplificando o mais possível as engrenagens. Quanto mais complicadas essas engrenagens, tanto mais numerosas as causas de perturbação. O relaxamento seria introduzido pela força das coisas, e do relaxamento à anarquia há um só passo.”
Discussão e adoção do regimento modificado.
SEXTA-FEIRA, 23 DE MARÇO
Estudos:
Foram obtidos dois ditados espontâneos, o primeiro, do Espírito de Charlet, pelo Sr. Didier filho; o segundo, pela Sra. Boyer, de um Espírito que disse ter sido forçado a vir acusar-se por ter querido romper a boa harmonia e lançar a perturbação entre os homens, suscitando a inveja e a rivalidade entre os que deviam estar unidos. Cita alguns fatos de que foi culpado. Esta confissão espontânea, diz ele, faz parte da punição que lhe é aplicada.
Formação da Terra - Teoria da incrustação planetária
“Permiti-me algumas reflexões sobre a criação do mundo, com o fito de reabilitar a Bíblia aos vossos olhos e aos dos livres-pensadores. Deus criou o mundo em seis dias, quatro mil anos antes da era cristã. Eis o que os geólogos contestam, pelo estudo dos fósseis e pelos milhares de caracteres incontestáveis de vetustez, que fazem remontar a origem da Terra a milhares de milhões de anos. Entretanto, a Escritura diz a verdade e os geólogos também, e é um simples camponês que os põe de acordo, ensinando que a nossa Terra não passa de um planeta incrustado, muito moderno, composto de materiais muito antigos.
“Depois da elevação do planeta desconhecido, chegado à maturidade ou em harmonia com o que existia no lugar que ocupamos hoje, a alma da Terra recebeu ordem de reunir seus satélites para formar nosso globo atual, segundo as regras do progresso em tudo e por tudo. Apenas quatro desses astros consentiram na associação que lhes era proposta; só a Lua persistiu em sua autonomia, porque os globos também possuem o livre-arbítrio. Para proceder a essa fusão, a alma da Terra dirigiu a esses satélites um raio magnético atrativo, que cataleptizou todo o seu componente vegetal, animal e hominal que eles trouxeram à comunidade. A operação só teve por testemunhas a alma da Terra e os grandes mensageiros celestes que a ajudaram nessa grande obra, abrindo os seus globos para compartilhar suas entranhas. Operada a soldagem, as águas se escoaram para os vazios deixados pela ausência da Lua, da qual se tinha o direito de esperar uma apreciação melhor de seus interesses.
As atmosferas se confundiram e o despertar, ou ressurreição dos germes cataleptizados, começou. O homem foi tirado em último lugar de seu estado de hipnotismo e se viu cercado da vegetação luxuriante do paraíso terrestre e dos animais que pacificamente pastavam ao seu redor. Concordareis que tudo isto poderia fazer-se em seis dias, com operários tão poderosos quanto aqueles que Deus havia encarregado da tarefa. O planeta Ásia nos trouxe a raça amarela, a de mais antiga civilização; o África, a raça negra; o Europa, a raça branca e o América, a raça vermelha. Certamente a Lua nos teria trazido a raça verde ou azul.
“Assim, certos animais, dos quais só se encontram os restos, jamais teriam vivido em nossa Terra atual, mas teriam sido deslocados de mundos envelhecidos para o nosso. Os fósseis que se encontram em climas onde não poderiam sobreviver, certamente viviam em zonas diferentes, nos globos onde nasceram. Esses restos, entre nós, se encontram nos polos, quando em seu mundo viviam no equador. Ademais, essas enormes massas cuja existência não podemos conceber no ar, viviam no fundo dos mares, sob a pressão de um meio que lhes facilitava a locomoção. Os futuros levantamentos dos mares nos trarão outros restos, muitos outros germes que despertarão de sua longa letargia para nos mostrar espécies desconhecidas de plantas, de animais e de autóctones contemporâneos do dilúvio, e ficareis muito admirados ao descobrirdes no meio do vasto oceano novas ilhas povoadas de plantas e animais que não podem vir de parte alguma, nem transportadas pelos ventos, nem pelas ondas.
“Nossa ciência, que acha a Bíblia errada, acabará lhe restituindo o seu mérito, como foi forçada a fazê-lo a propósito da rotação da Terra, porque não é erro da Bíblia, mas dos que não a compreendem. Eis a prova:
“Josué parou o sol, dizendo-lhe: Sta, sol! Ora, desde então ele está parado, pois em parte alguma encontrais que ele lhe tenha ordenado que se movesse; e se desde a derrota dos amalecitas a noite sucede ao dia, é preciso que a Terra se mova. Então não é Galileu, mas os inquisidores que devem ser censurados por não terem tomado a Bíblia ao pé da letra.
“Também se negava a existência do unicórnio bíblico e acabam de ser mortos dois nas montanhas do Tibet. Negava-se a aparição do espectro de Saul e, graças a Deus, estais a ponto de convencer os negadores. Lembremo-nos sempre deste aviso das Escrituras: Noli esse incredulus sicut equus et mulus, quibus non est intellectus. “Saudação cordial e respeitosa ao autor da Etnologia do Mundo Espírita.
“JOBARD.”
A teoria da formação da Terra pela incrustação de vários corpos planetários já foi dada em várias épocas, por certos Espíritos e através de médiuns desconhecidos uns dos outros. Não somos adeptos dessa doutrina, que confessamos não ter sido ainda suficientemente estudada para sobre ela nos pronunciarmos, mas reconhecemos que merece um sério exame. As reflexões que ela nos sugere não passam de hipóteses, até que dados mais positivos venham confirmá-las ou desmenti-las. Enquanto se espera, é uma baliza que pode pôr a caminho de uma grande descoberta, guiar nas buscas, e talvez um dia os cientistas encontrem nela a solução de muitos problemas.
Mas, dirão certos críticos, não tendes confiança nos Espíritos e duvidais de suas afirmações? Como inteligências desprendidas da matéria, não podem remover todas as dúvidas da Ciência e lançar a luz onde reina a obscuridade?
Esta é uma questão séria, que se liga à própria base do Espiritismo, e que não poderíamos resolver no momento, sem repetir o que já temos dito a respeito. Acrescentaremos apenas algumas palavras, a fim de justificar nossas reservas. Para começar, responderemos que nos tornaríamos sábios muito facilmente se tratássemos apenas de interrogar os Espíritos para conhecer tudo quanto se ignora. Deus quer que adquiramos o conhecimento pelo trabalho, e não encarregou os Espíritos de no-lo trazer preparado, favorecendo a nossa preguiça. Em segundo lugar, a Humanidade, como os indivíduos, tem sua infância, sua adolescência, sua juventude e sua idade viril. Encarregados por Deus de instruir os homens, devem, pois, os Espíritos proporcionar-lhes ensinos para o desenvolvimento da inteligência. Não dirão tudo a todos e, antes de semear, esperam que a terra esteja pronta para receber a semente, a fim de fazê-la frutificar. Eis por que certas verdades que nos são ensinadas hoje não o foram aos nossos pais, que também interrogavam os Espíritos; eis por que, ainda, verdades para as quais não estamos maduros só serão ensinadas aos que vierem depois de nós. Nosso equívoco está em nos julgarmos chegados ao topo da escada, quando apenas nos achamos a meio caminho.
Digamos de passagem que os Espíritos têm duas maneiras de instruir os homens. Podem fazê-lo tanto se comunicando diretamente, o que ocorreu em todos os tempos, como o provam todas as histórias sagradas e profanas, quanto encarnando-se entre eles, para o desempenho das missões de progresso. Tais são esses homens de bem e de gênio que aparecem, de tempos em tempos, como fachos para a Humanidade, fazendo-a avançar alguns passos. Vede o que acontece quando esses mesmos homens vêm antes da era propícia para as ideias que devem espalhar: são desconhecidos em vida, mas seu ensino não se perde. Depositado nos arquivos do mundo, como precioso grão posto de reserva, um belo dia sai do pó, no momento em que pode frutificar.
Desde então, compreende-se que, se não tiver chegado o tempo necessário para disseminar certas ideias, será em vão que interrogaremos os Espíritos. Eles não podem dizer senão o que lhes é permitido. Há, porém, outra razão, que compreendem perfeitamente todos os que têm alguma experiência do mundo espírita.
Não basta ser Espírito para possuir a ciência universal, pois assim a morte nos faria quase iguais a Deus. Aliás, o simples bom-senso se recusa a admitir que o Espírito de um selvagem, de um ignorante ou de um malvado, desde que separado da matéria, esteja no nível do cientista ou do homem de bem. Isto não seria racional. Há, pois, Espíritos adiantados, e outros mais ou menos atrasados, que devem superar ainda várias etapas, passar por numerosas peneiras antes de se despojarem de todas as imperfeições. Disso resulta que, no mundo dos Espíritos, são encontradas todas as variedades morais e intelectuais existentes entre os homens, e outras mais. Ora, a experiência prova que os maus se comunicam tanto quanto os bons. Os que são francamente maus, são facilmente reconhecíveis, mas há também os meio sábios, os falsos sábios, os presunçosos, os sistemáticos e até os hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma aparência séria, de ciência e de sabedoria, em favor da qual frequentemente proclamam, em meio a algumas verdades e boas máximas, as mais absurdas coisas. Para melhor enganar, não receiam enfeitar-se com os mais respeitáveis nomes. Separar o verdadeiro do falso; descobrir a trapaça oculta numa cascata de palavras bonitas; desmascarar os impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência espírita. Para superá-la, faz-se necessária uma longa experiência; conhecer todas as sutilezas de que são capazes os Espíritos de baixa classe; ter muita prudência; ver as coisas com o mais imperturbável sangue frio e guardar-se principalmente contra o entusiasmo que cega. Com o hábito e um pouco de tato chega-se fàcilmente a ver as mãozinhas de fora, mesmo sob a ênfase da mais pretensiosa linguagem. Mas infeliz do médium que se julga infalível, que se ilude com as comunicações que recebe. O Espírito que o domina pode fasciná-lo a ponto de fazê-lo achar sublime aquilo que, por vezes, é apenas absurdo e salta aos olhos de todos, menos aos seus.
Voltemos ao assunto. A teoria da formação da Terra por incrustação não é a única que foi dada pelos Espíritos. Em qual acreditar? Isto nos prova que, fora da moral, que não pode ter duas interpretações, não devem ser aceitas teorias científicas dos Espíritos, senão com muitas reservas, porque, uma vez mais, não estão encarregados de nos trazer a Ciência acabada; estão longe de tudo saber, sobretudo no que concerne ao princípio das coisas; enfim, é preciso desconfiar das ideias sistemáticas, que alguns dentre eles querem que prevaleçam e às quais não têm escrúpulo de dar uma origem divina. Examinando essas comunicações a sangue frio, e sobretudo sem prevenção; pesando maduramente todas as palavras, facilmente descobrimos os traços de uma origem suspeita, incompatível com o caráter do Espírito que supomos falar. São, por vezes, heresias científicas tão patentes, que seria preciso ser cego ou muito ignorante para não percebê-las. Ora, como supor que um Espírito superior cometa tais absurdos? Outras vezes são expressões triviais, de formas ridículas, pueris, e mil outros sinais que traem a inferioridade, para quem quer que não esteja fascinado. Que homem de bom senso poderia jamais crer que uma doutrina contrária aos mais positivos dados da Ciência pudesse emanar de um Espírito sábio, ainda quando tivesse o nome de Arago? Como crer na bondade de um Espírito que desse conselhos contrários à caridade e à benevolência, ainda que assinados por um apóstolo da beneficência? Dizemos mais, há uma profanação em mesclar nomes venerados a comunicações com evidentes traços de inferioridade. Quanto mais elevados os nomes, tanto mais devem ser acolhidos com circunspecção e mais se deve temer ser joguete de uma mistificação. Em resumo, o grande critério do ensino dado pelos Espíritos é a lógica. Deus nos deu a capacidade de julgamento e a razão, para delas nos servirmos. Os bons Espíritos no-las recomendam, no que nos dão uma prova de sua superioridade. Os outros delas se afastam. Eles querem ser acreditados sob palavra, pois sabem que têm tudo a perder, em caso de exame.
Como se vê, temos muitos motivos para não aceitarmos levianamente todas as teorias dadas pelos Espíritos. Quando surge uma, fechamo-nos no papel de observador. Fazemos abstração de sua origem espírita, sem nos deixarmos ofuscar pelo brilho de nomes pomposos. Examinamo-la como se emanasse de um simples mortal e vemos se é racional, se dá conta de tudo, se resolve todas as dificuldades. Foi assim que procedemos com a doutrina da reencarnação, que não adotamos, embora vinda dos Espíritos, senão depois de havermos reconhecido que ela só, e só ela, podia resolver aquilo que nenhuma filosofia jamais havia resolvido, e isto abstração feita das provas materiais que diariamente dela são dadas, a nós e a muitos outros. Pouco nos importam, pois, os contraditores, ainda que fossem Espíritos. Desde que ela é lógica, conforme à justiça de Deus; que nada podem apresentar de mais satisfatório, não nos inquietamos mais do que com os que afirmam que a Terra não gira em torno do Sol ─ porque há Espíritos que defendem essa ideia e que se julgam sábios ─ ou que pretendem que o homem veio perfeitamente formado de outro mundo, carregado nas costas de um elefante alado.
Menos ainda concordamos com o ponto de vista da formação e, sobretudo, do povoamento da Terra. Por isto dissemos, de começo, que para nós a questão não estava suficientemente elucidada. Encarada do ponto de vista exclusivamente científico, dizemos apenas que, à primeira vista, a teoria da incrustação não nos parecia despida de fundamento e, sem nos pronunciarmos pró nem contra, dizemos haver nela matéria para exame. Com efeito, estudados os caracteres fisiológicos das diversas raças humanas, não é possível lhes atribuir uma origem comum, porque a raça negra não é um abastardamento da raça branca. Ora, adotando a letra da Bíblia, que faz todos os homens procederem da família de Noé, dois mil e quatrocentos anos antes da Era Cristã, seria preciso admitir não só que em alguns séculos essa única família teria povoado a Ásia, a Europa e a África, mas que se havia transformado em negros. Sabemos muito bem que influência o clima e os hábitos podem exercer sobre a economia orgânica. Um sol ardente avermelha a epiderme e escurece a pele, mas em parte alguma se viu, mesmo sob o mais intenso ardor tropical, famílias brancas procriando negros, sem cruzamento de raças. Portanto, para nós é evidente que as raças primitivas da Terra provêm de origens diferentes. Qual é o princípio? Eis a questão, e até provas concretas, não é permitido a respeito fazer mais do que conjecturas. Aos sábios, pois, compete ver as que melhor concordam com os fatos constatados pela Ciência.
Sem examinar como foi possível a junção e a soldagem de vários corpos planetários para formarem o nosso globo atual, devemos reconhecer que a coisa não é impossível, e desde então estaria explicada a presença simultânea de raças heterogêneas, tão diferentes em costumes e em línguas, de que cada globo teria trazido os germes ou os embriões; e quem sabe, talvez os indivíduos já formados. Nesta hipótese, a raça branca proviria de um mundo mais adiantado que o que teria trazido a raça negra. Em todos os casos, a junção não se teria operado sem um cataclismo geral, o que só teria permitido a sobrevivência de alguns indivíduos.
Assim, conforme essa teoria, nosso globo seria, ao mesmo tempo, muito antigo por suas partes constituintes, e muito novo por sua aglomeração. Como se vê, tal sistema em nada contradiz os períodos geológicos, que assim remontariam a uma época indeterminada e anterior à junção. Seja como for, e diga o que quiser dizer a respeito o Sr. Jobard, se as coisas assim se passaram, parece difícil que tal acontecimento se tenha realizado e, sobretudo, que o equilíbrio de semelhante caos tenha podido estabelecer-se em seis dias de 24 horas. Os movimentos da matéria inerte estão submetidos a leis eternas, que não podem ser derrogadas senão por milagres.
Resta-nos explicar o que se deve entender por alma da Terra, porque não entra na cabeça de ninguém atribuir uma vontade à matéria. Os Espíritos sempre disseram que alguns entre eles têm atribuições especiais. Agentes e ministros de Deus, dirigem, conforme o seu grau de elevação, os fatos de ordem física, bem como os de ordem moral. Assim como alguns velam pelos indivíduos, dos quais se constituem gênios familiares ou protetores, outros tomam sob seu patrocínio reuniões de indivíduos, grupos, cidades, povos e mesmo mundos. A alma da Terra deve, pois, ser entendida como o Espírito chamado por sua missão a dirigi-la e fazê-la progredir, tendo sob suas ordens as inumeráveis legiões de Espíritos encarregados de velar pela realização de seus desígnios. O Espírito diretor de um mundo deve ser, necessariamente, de uma ordem superior, e tanto mais elevado quanto mais adiantado for o mundo.
Se insistimos sobre vários pontos que poderiam parecer estranhos ao assunto, foi precisamente por se tratar de uma questão científica eminentemente controvertida. Importa que seja bem constatado, pelos que julgam as coisas sem conhecê-las, que o Espiritismo está longe de tomar como artigo de fé tudo o que vem do mundo invisível e que, ao contrário do que pretendem, ele não se apoia numa crença cega, mas sobre a razão.
Se todos os seus partidários não mantêm a mesma circunspecção, a falha não é da Ciência, mas dos que não se dão ao trabalho de aprofundá-la. Ora, não seria mais lógico emitir um julgamento com base no exagero de alguns indivíduos do que condenar a religião pela opinião de alguns fanáticos.
Cartas do Dr. Morhéry sobre a Srta. Désirée Godu
“Plessis-Bloudet, perto de Loudéac (Côtes-du-Nord).
“Senhor Allan Kardec,
“Posto que esmagado pelas ocupações, neste momento, como membro correspondente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas julgo dever informarvos de um acontecimento para mim inesperado e que sem dúvida interessa a todos os nossos colegas.
“Elogiastes a Srta. Désirée Godu, de Hennebon, nos últimos números de vossa Revista. Dissestes que depois de ter sido médium vidente, auditiva e escrevente, essa senhorita se havia tornado, desde alguns anos, médium curadora. Foi nesta última condição que ela se dirigiu a mim, reclamando a minha ajuda, como doutor em medicina, para comprovar a eficácia de sua medicação, que penso poderia dizer-se espirítica. A princípio pensei que as ameaças que lhe eram feitas e os obstáculos criados à sua prática médica sem diploma fossem a causa única de sua determinação. Ela, porém, me disse que o Espírito que a dirige há seis anos havia aconselhado a medida como necessária, do ponto de vista da Doutrina Espírita. Seja como for, julguei que era meu dever e de interesse da Humanidade, aceitar sua generosa proposta, mas duvidava de que ela a realizasse. Sem conhecê-la e sem jamais tê-la visto, tinha sabido que essa piedosa criatura não havia querido separar-se de sua família senão numa circunstância excepcional e para cumprir, além disso, uma missão não menos importante, na idade de 17 anos. Fiquei agradavelmente surpreendido vendo-a chegar a minha casa, conduzida por sua mãe que ela deixou no dia seguinte com profunda mágoa. Mas essa mágoa era atenuada pela coragem da resignação. Há dez dias a Srta. Godu está no seio da minha família, da qual ela se faz motivo de alegria, a despeito de sua enervante ocupação.
“Desde sua chegada, já constatei 75 casos de observação de várias doenças, contra as quais, na maioria, os recursos médicos haviam falhado. Temos amauroses, oftalmias graves, paralisias antigas e rebeldes a todo tratamento, escrofulosos, dartrosos, cataratas e cânceres terminais. Todos os casos são fichados; a natureza da moléstia por mim constatada; os curativos são mencionados, e tudo mantido em regra, como numa sala clínica destinada às observações.
“O tempo ainda não foi suficiente para que eu me possa pronunciar de maneira peremptória sobre as curas operadas pela medicação da Srta. Godu. Mas, desde hoje, posso manifestar minha surpresa pelos resultados revulsivos que ela obtém pela aplicação dos seus unguentos, cujos efeitos variam ao infinito, por uma causa que eu não saberia explicar com as regras ordinárias da Ciência. Também vi com prazer que ela cortava as febres sem qualquer preparação de quinino ou de seus extratos, e por simples infusão de flores ou folhas de diversas plantas.
“Acompanho com vivo interesse, sobretudo o tratamento de um câncer no terceiro período. Esse câncer, que foi constatado e tratado sem sucesso, como sempre, por vários colegas, é objeto da maior preocupação da Srta. Godu. Não é uma nem duas vezes que ela o pensa, mas a todas as horas. Desejo muito vivamente que seus esforços sejam coroados de êxito e que ela cure esse indigente, que trata com zelo acima de qualquer elogio. Se o conseguir, pode-se naturalmente esperar que tenha outros sucessos e, neste caso, prestará imenso serviço à Humanidade, curando esta moléstia horrível e atroz.
“Sei que alguns confrades trocistas poderão rir-se da esperança que me anima. Mas que me importa, se a esperança se realizar! Já me censuram por auxiliar a uma pessoa cuja intenção ninguém contesta, mas cujas aptidões para curar são negadas pela maioria porque essa aptidão não foi dada pela Faculdade.
“A isto responderei que não foi a Faculdade que descobriu a vacina, mas simples pastores; não foi a Faculdade que descobriu a casca do Peru, mas os índios daquele país. A Faculdade constata os fatos, agrupa-os e classifica-os, para formar a preciosa base do ensino, mas não os produz exclusivamente. Alguns tolos ─ e infelizmente os há aqui como em toda a parte ─ se julgam espirituosos, qualificando a Srta. Godu como feiticeira. É por certo uma feiticeira amável e muito útil, pois não inspira nenhum temor nem o desejo de mandá-la para a fogueira.
“A outros, que a julgam instrumento do diabo, responderei firmemente: se o demônio vem à Terra curar os incuráveis, abandonados e indigentes, deve-se concluir que, enfim, o demônio se converteu e tem direito aos nossos agradecimentos. Ora, duvido muito que entre os que assim falam haja muitos que não prefiram ser curados pelas suas mãos a morrer nas mãos do médico. Recebamos, pois, o bem, de onde ele vier e, não sendo com provas autênticas, não atribuamos o seu mérito ao diabo. É mais moral e racional atribuir o bem a Deus e lhe dar graças. A respeito, penso que meu ponto de vista será partilhado por vós e por todos os meus colegas.
“Aliás, quer isto se torne ou não uma realidade, sempre resultará algo para a Ciência. Não sou homem que deixe ao esquecimento certos meios empregados, que hoje desprezamos. Diz-se que a Medicina fez imensos progressos. Sim, para a Ciência, sem dúvida, mas não tanto para a arte de curar. Aprendemos muito e muito esquecemos. O Espírito humano é como o oceano: não pode abarcar tudo; quando invade uma praia deixa outra. Voltarei ao assunto e vos porei ao corrente desta curiosa experiência. Ligo a isto a maior importância. Se ela triunfar, será uma brilhante manifestação contra a qual será impossível lutar, porque nada detém os que sofrem e querem curar-se. Estou decidido a tudo enfrentar com esse objetivo, inclusive o ridículo que tanto se teme na França.
“Aproveito a ocasião para vos remeter minha tese inaugural. Se quiserdes tomar o trabalho de a ler, compreendereis facilmente quanto eu estava disposto a admitir o Espiritismo. Esta tese foi defendida quando a Medicina havia caído no mais profundo materialismo. Era um protesto contra essa corrente que nos arrastou para a Medicina orgânica e a farmacologia mineral, de que tanto se abusou. Quanta saúde devastada pelo uso de substâncias minerais que, em caso de choque, aumentam o mal, e no da melhora, muitas vezes deixam traços em nosso organismo! “Recebei, etc.
“MORHÉRY” “20 de março de 1860.
“Senhor
“Em minha última carta vos anunciei que a senhorita Désirée Godu tinha vindo exercer sua faculdade curadora sob minhas vistas. Venho hoje dar-vos algumas notícias.
“Desde 25 de fevereiro, comecei minhas observações com grande número de doentes, quase todos indigentes e impossibilitados de se tratarem adequadamente. Alguns têm doenças pouco importantes, mas a maioria é atingida por afecções que resistiram aos meios curativos ordinários. Fichei, desde 25 de fevereiro, 152 casos de moléstias muito diversas. Infelizmente, em nossa terra, sobretudo os doentes indigentes seguem seus caprichos e não têm paciência para se resignarem a um tratamento seguido e metódico. Desde que experimentam melhoras, julgam-se curados e nada mais fazem. É um fato muitas vezes constatado em minha clientela e que, necessariamente, deveria verificar-se com a da Srta. Godu.
“Como vos disse, nada quero prejulgar, nada afirmar, salvo os resultados constatados pela experiência. Mais tarde farei o balanço de minhas observações e relatarei as mais notáveis. Mas, desde já, posso exprimir a minha admiração por certas curas obtidas fora dos meios ordinários.
“Vi curar sem quinino três febres intermitentes, rebeldes, das quais uma tinha resistido a todos os meios por mim empregados.
“A senhorita Godu curou igualmente três panarícios e duas inflamações subaponevróticas da mão, em poucos dias. Fiquei realmente surpreendido.
“Posso também atestar a cura, ainda não radical, mas muito avançada, de um de nossos mais inteligentes trabalhadores, Pierre Le Boudec, de Saint-Hervé, surdo há 18 anos. Ele ficou tão maravilhado quanto eu quando, após três dias de tratamento, pôde ouvir o canto dos pássaros e a voz de seus filhos. Vi-o esta manhã e tudo leva a esperar a cura radical dentro em pouco.
“Entre os nossos doentes, o que mais atrai a minha atenção no momento é um tal Bigot, operário em Saint-Caradec, há dois anos e meio atingido por um câncer no lábio inferior. O câncer chegou ao último grau. O lábio inferior está em parte destruído; as gengivas e as glândulas sublinguais e submaxilares estão canceromatosas e o osso do maxilar inferior também está afetado pela doença. Quando se apresentou em minha casa, seu estado era desesperador. Suas dores eram atrozes. Não dormia há seis meses. Qualquer operação era impraticável, pois o mal estava muito adiantado. A cura me parecia impossível e o declarei francamente à senhorita Godu, a fim de premuni-la contra uma derrota inevitável. Minha opinião não mudou quanto ao prognóstico. Ainda não posso crer na cura de um câncer tão adiantado. Contudo, devo declarar que, desde o primeiro curativo, o doente experimenta um alívio e desde aquele dia, 25 de fevereiro, dorme bem e se alimenta; voltou-lhe a confiança; a chaga mudou de aspecto de modo visível e se isto continuar, a despeito da minha opinião formal, serei obrigado a esperar uma cura. Se realizar-se, será o maior fenômeno de cura que se poderia constatar. É preciso esperar e ter paciência, como o doente. A senhorita Godu tem com ele um cuidado particular. Tem feito curativos, por vezes de meia em meia hora. Esse indigente é o seu favorito.
“Além disso, nada a dizer. Eu poderia informar-vos sobre boatos e falatórios e alusões à feitiçaria, mas como a tolice é inerente à Humanidade, não me ocupo com o trabalho de curá-la.
“Aceitai etc.
“MORHÉHY”
Variedades
O fabricante de são petersburgo“No começo do século, havia em São Petersburgo um rico artífice que ocupava grande número de operárias em suas oficinas. Seu nome me escapa, mas creio que era inglês. Homem probo, humano e decente, não só desfrutava da boa renda de seus produtos, mas, muito mais ainda, do bem-estar físico e moral de seus operários que consequentemente ofereciam o exemplo de boa conduta e de uma concórdia quase fraterna. Conforme um costume observado na Rússia ainda em nossos dias, o alojamento e a alimentação eram pagos pelo patrão, e ocupavam os andares superiores e o sótão da mesma casa que ele. Uma manhã, ao despertar, vários operários não encontraram suas roupas que, ao deitar-se, haviam posto ao lado. Não se podia pensar em roubo. Indagaram inutilmente e suspeitavam que os mais maliciosos tinham querido pregar uma peça aos seus camaradas. Enfim, graças às buscas, encontraram todos os objetos desaparecidos no celeiro, nas lareiras e até em cima do telhado. O patrão fez advertências gerais, pois ninguém se confessava culpado. Ao contrário, todos protestavam inocência.
“Passado algum tempo, a coisa se repetiu. Novas recomendações, novos protestos. Pouco a pouco isto começou a se repetir todas as noites e o patrão inquietou-se muito porque, além de seu trabalho estar sendo muito prejudicado, viase ameaçado pela saída de todos os operários, que tinham medo de ficar numa casa onde se passavam, como diziam, coisas sobrenaturais. Seguindo o conselho do patrão, foi organizado um serviço de vigilância noturno, definido pelos próprios operários, para surpreender o culpado. Mas nada deu resultado. Ao contrário, as coisas foram de mal a pior. Para alcançar seus quartos, os operários deviam subir escadas não iluminadas. Ora, aconteceu a vários deles receber pancadas e bofetões. E quando procuravam defender-se, apenas batiam no vazio, enquanto a violência dos golpes os fazia supor que tratavam com um ser sólido. Desta vez o patrão os aconselhou a formarem dois grupos: um deveria ficar no topo da escada, e o outro, embaixo. Desta maneira, o malvado não poderia escapar e receberia o devido corretivo. Mas a previdência do patrão falhou mais uma vez. Os dois grupos levaram muita pancada e cada um acusava o outro. As recriminações tornaram-se violentas e tendo chegado ao máximo possível os desentendimentos entre os operários, o pobre patrão já pensava em fechar as oficinas ou mudar-se.
“Uma noite, estava sentado triste e pensativo, cercado pela família. Todos estavam abatidos, quando de repente um grande ruído se fez ouvir no quarto ao lado, que lhe servia de gabinete de trabalho. Levantou-se precipitadamente e foi procurar a causa do ruído. A primeira coisa que viu foi sua secretária aberta e um candeeiro aceso. Ora, havia poucos instantes ele fechara a secretária e apagara a luz. Tendo-se aproximado, distinguiu sobre a mesa um tinteiro de vidro e uma pena que não lhe pertenciam e uma folha de papel sobre a qual estavam escritas estas palavras, que não tinham tido tempo de secar: “Mande derrubar a parede em tal lugar (era acima da escada). Ali encontrarás ossadas humanas que mandarás sepultar em terra santa.” O patrão tomou o papel e correu a informar a polícia.
“No dia seguinte puseram-se a procurar de onde provinham o tinteiro e a pena. Mostrando-os aos moradores da mesma casa, chegaram até um verdureiro e rendeiro que tinha seu negócio no rés do chão, e que reconheceu um e outra como seus. Interrogado sobre a pessoa a quem havia dado, respondeu: “Ontem à noite, já tendo fechado a porta da quitanda, ouvi uma leve batida na janela; abri e um homem cujos traços não distingui, disse-me: ‘Peço-te que me dês um tinteiro e uma pena. Eu te pagarei.’ Tendo-lhe passado os dois objetos, ele me atirou uma grande moeda de cobre, que ouvi cair no chão mas não encontrei.”
“Demoliram a parede no local indicado e ali encontraram ossadas humanas que foram enterradas, e tudo voltou à ordem. Jamais se soube a quem pertenciam esses ossos.”
Fatos desta natureza devem ter ocorrido em todas as épocas, e vê-se que não são absolutamente provocados pelos conhecimentos espíritas. Compreende-se que, em séculos afastados, ou entre povos ignorantes, tenham dado lugar a toda sorte de suposições supersticiosas.
Aparição tangível
─ Já que desejas uma missa, onde queres que seja rezada? E irás assistir?
─ Eu desejo, respondeu o Espírito, que a missa seja dita na capela de São Salvador, dentro de oito dias. Eu ali estarei. E acrescentou: Há muito tempo que eu não te via e era longe para vir ver-te. Dito isto, retirou-se, apertando-lhe a mão.
O senhor Lecomte não faltou à promessa. No dia 27 a missa foi dita na capela de São Salvador, e ele viu seu antigo camarada ajoelhado nos degraus do altar, junto ao padre oficiante. Ninguém mais o viu, embora tivesse perguntado ao padre e aos assistentes se não o viram.
Desde então, Lecomte não mais foi visitado e retomou sua habitual tranquilidade.
OBSERVAÇÃO: Conforme esse relato, cuja autenticidade é garantida por pessoa fidedigna, não se trata de simples visão, mas de uma aparição tangível, pois que o defunto amigo de Lecomte lhe havia apertado a mão. Os incrédulos dirão que foi uma alucinação. Mas, até o presente, ainda esperamos de sua parte uma explicação clara, lógica e verdadeiramente científica dos estranhos fenômenos que designam por esse nome com o único fim, segundo nos parece, de recusarem qualquer solução.
Ditados espontâneos e dissertações espíritas
O Anjo das criançasConselhos
O Espírito de Verdade
(OUTRA, DITADA AO SR. ROZE E LIDA NA SOCIEDADE)
A ostentação
─ Tu te enganas, respondeu de repente uma voz que lhe fez voltar a cabeça: é a única que Deus aceita; e eis a prova. No mesmo instante uma mão apagou o papel que ele tinha riscado com todas as suas boas obras, deixando apenas a última: ela o levou ao Céu.
Não é, pois, a esmola feita com ostentação que é a melhor, mas aquela que é feita com toda a humildade do coração.
JOINVILLE, AMY DE LOYS.
Amor e liberdade
Abelardo.
A imortabilidade
FÉNELON.
Parábola
Os segundos, mais perspicazes, souberam distinguir um farol libertador em meio às luzes enganadoras que iluminavam o horizonte. Confiantes, lançaram o barco ao capricho das ondas e foram arrebentar-se nos arrecifes, ao pé do farol, do qual não haviam tirado os olhos. Foram tanto mais sensíveis à sua ruína e à perda de seus bens, quanto haviam entrevisto a salvação.
Os terceiros, pouco numerosos, mas sábios e prudentes, guiaram com cuidado o frágil barco em meio aos escolhos, e salvaram corpos e bens, sem outro mal além da fadiga da viagem.
Não vos contenteis, portanto, em vos guardardes contra os faróis dos náufragos, contra os maus Espíritos, mas sabei evitar o erro dos viajantes indolentes, que perderam seus bens e naufragaram no porto. Sabei guiar vosso barco em meio aos escolhos das paixões, e abordareis com felicidade o porto da vida eterna, ricos das virtudes que tiverdes adquirido em vossas viagens.
SÃO VICENTE DE PAULO
O Espiritismo
FRANCISCO DE SALES
Filosofia
Contudo, posso balizar o caminho que vos mostro, com alguns princípios fundamentais. Portanto, escutai isto:
1º. ─ A alma tem o poder de retirar-se da matéria;
2º. ─ De elevar-se muito acima da inteligência;
3º. ─ Esse estado é superior à razão;
4º. ─ Ele pode colocar o homem em relação com aquilo que escapa às suas faculdades;
5º. ─ O homem pode provocá-lo pela prece a Deus, por um esforço constante da vontade, reduzindo a alma, por assim dizer, ao estado de pura essência, privada da atividade sensível e exterior; pela abstração, numa palavra, de tudo o que há de diverso, de múltiplo, de indeciso, de turbilhonamento, de exterioridade na alma;
6. ─ Existe no Eu concreto e complexo do homem uma força completamente ignorada até hoje. Procurai-a, portanto.
MOISÉS, PLATÃO, depois JULIANO
Comunicações lidas na sociedade
Meu amigo, não sabes que todo homem que segue a via do progresso, tem sempre contra si a ignorância e a inveja? A inveja é a poeira levantada por vossos passos. Vossas idéias revoltam certos homens, porque não compreendem ou abafam no orgulho o clamor da consciência, que lhes clama: Aquilo que repeles, teu juiz o lembrará um dia; é a mão que Deus te oferece, para retirar do lodaçal onde te lançaram as paixões. Escuta por um instante a voz da razão; pensa que vives no século do dinheiro, onde o Eis domina; que o amor às riquezas te resseca o coração, carregando a consciência de muitas faltas e mesmo de crimes que serão confessados. Homens sem fé, que vos dizeis hábeis, vossa habilidade vos levará ao naufrágio; nenhuma ajuda vos será oferecida; fostes surdos às misérias alheias e soçobrareis sem que uma lágrima caía sobre vós. Parai! ainda é tempo; que o arrependimento penetre vossos corações; que ele seja sincero, e Deus vos perdoará. Procurai o infeliz que não ousa lastimar-se e que a miséria mata lentamente, e o pobre que tiverdes aliviado incluirá o vosso nome em suas preces; abençoará a mão que talvez lhe tenha salvo a filha da fome que mata e da vergonha que desonra. Infelizes de vós se fordes surdos à sua voz. Deus vos disse, pela boca sagrada do Cristo: Ama a teu irmão como a ti mesmo. Não vos deu a razão para julgardes o bem e o mal? Não vos deu um coração para vos compadecerdes dos sofrimentos dos vossos semelhantes? Não sentis que abafando a consciência abafais a voz do progresso e da caridade? Não sentis que apenas arrastais um corpo vazio? Que nada bate mais em vosso peito, o que torna incerta a vossa marcha? Porque fugistes à luz e os vossos olhos se tornaram de carne; as trevas que vos cercam vos agitam e causam medo; procurais, mas muito tarde, sair dessa via que se esboroa aos vossos pés; o medo, que não podeis definir, vos torna supersticiosos; fingis caridade; esperando resgatar a vida de egoísta, dais o tostão que o medo vos arranca, mas Deus sabe o que vos leva a agir: não podeis enganá-lo; vossa vida extinguir-se-á sem esperança, e não podeis prolongá-la por um só dia; ela extinguir-se-á a despeito de vossas riquezas, que vossos filhos ambicionam por antecipação, pois lhes destes o exemplo. Como vós, eles tem um amor único, o do ouro, único sonho de felicidade para eles. E quando soar esta hora de justiça, tereis de comparecer perante o Supremo Juiz, que tendes olvidado.
Tua Filha
Cada homem tem em si o que chamais uma voz interior. É o que o Espírita chama de consciência, juiz severo, que preside a todas as ações de vossa vida, Quando o homem está só, escuta essa consciência e se pesa no seu justo valor Por vezes envergonha-se de si mesmo. Nesse momento reconhece Deus, mas a ignorância, conselheira fatal, o impele e lhe põe a máscara do orgulho. Ele se vos apresenta cheio do seu vazio; procura enganar-vos pelo aprumo que apresenta. Mas o homem de coração reto não tem a cabeça altaneira; escuta com proveito as palavras do sábio. Sente que nada é, e que Deus é tudo. Procura instruir-se no livro da Natureza, escrito pela mão do Criador. Seu Espírito se eleva e expulsa as paixões materiais que muitas vezes vos desviam, É um guia perigoso, essa paixão que vos arrasta. Guarda, isto, amigo: deixa rir o céptico; seu sorriso extinguir-se-á. À sua hora derradeira, o homem torna-se crente. Amigo, pensa sempre em Deus, o único que não engana. Lembra-te de que há apenas um caminho que conduz a Ele: a fé e o amor aos semelhantes.
Tua Filha
(PELA SRA. DESI...)
Teu pensamento ainda está absorvido pelas coisas da Terra. Se nos queres escutar, deves esquecê-las. Tentemos conversar do alto. Que teu Espírito se eleve para essas regiões, morada dos Eleitos do Senhor. Vê esses mundos que esperam a todos os mortais, e cujos lugares estão marcados conforme o merecimento. Quanta felicidade para aquele que se compras nas coisas santas, nos grandes ensinamentos dados em nome de Deus! Ó homens! Como sois pequenos, comparados aos Espíritos desprendidos da matéria, que planam nos espaços ocupados pela glória do Senhor! Felizes os que forem chamados a habitar os mundos onde a matéria é quase apenas um nome; onde tudo é etéreo e translúcido; onde não se escutam mau os passos. A música celeste é o único ruído que chega aos sentidos, tão perfeitos que captam os menores sons, desde que estes se chamem harmonia! Que leveza a de todos os seres amados por Deus! Como percorrem deliciados essas regiões encantadas, que são o seu asilo! Ali, não há mais discórdias, inveja ou ódio; o amor tornou-se o laço destinado a unir entre si todos os seres criados. E esse amor, que lhes enche o coração, só tem Deus como limite: o fim e no qual se resumem: a fé, o amor e a caridade.
Um amigo
(OUTRA, PELO MESMO MÉDIUM)
Teu esquecimento me afligia. Não me deixes mais por tanto tempo sem me chamares. Sinto-me disposto a conversar contigo e te dar conselhos. Guarda-te de acreditar em tudo quanto outros Espíritos poderiam dizer-te; talvez tenham tomado um mau caminho. Antes de tudo, sê prudente, a fim de que Deus não te tire a missão que te encarregou de cumprir, a saber: ajudar a levar ao conhecimento dos homens revelação da existência dos Espíritos ao redor deles. Nem todos estão em condições de apreciar e compreender o elevado alcance destas coisas, cujo conhecimento Deus só permite aos eleitos. Dia virá em que esta ciência, cheia de consolação e de grandeza, será a partilha da humanidade inteira, onde não mais se encontrará um incrédulo. Os homens, então, não poderão compreender que uma verdade tão palpável tenha sido posta em dúvida por um só instante pelo mais simples dos mortais. Na verdade te digo, não passará meio século, antes que os olhos e ouvidos de todos sejam abertos a essa grande verdade: que os Espíritos circulam no espaço e ocupam diferentes mundos, conforme seu mérito aos olhos de Deus; que a verdadeira vida está na morte, e que é necessário que o homem seja muitas vezes resgatado, antes de obter a vida eterna, a que todos deverão chegar, através de mais ou menos séculos de sofrimentos, conforme tenham sido mais ou menos fiéis à voz do Senhor.
Um Amigo
(PELA SRA. NETZ)
A liberdade do homem é toda individual; nasceu livre, mas essa liberdade por vezes é a sua desgraça. Liberdade moral, liberdade física, tudo ele reuniu, mas muitas vezes lhe falta o discernimento, aquilo a que chamais bom senso. Se um homem tiver muito espírito e lhe faltar esta última qualidade, é como se nada tivesse, pois o que fará o seu espírito, se não pode governá-lo, se não tem a necessária inteligência para se conduzir, se julga marchar em boa via, quando está no lodaçal, se sempre se julga com a razão, quando muitas vezes está errado? O discernimento pode tomar o lugar do espírito, mas este, jamais substituirá o discernimento, E uma qualidade necessária; e, quando não a temos, todos os esforços devem ser feitos para adquiri-la.
Um Espírito Familiar
(PELA SRA. L...)
Vossa doutrina é bela e santa. Sua primeira baliza está plantada; e solidamente plantada. Agora só tendes que marchar. O caminho que vos é aberto é grande e majestoso. Feliz o que chegar ao porto. Quanto mais prosélitos houver feito, mais lhe será contado. Mas para isto não se deve abraçar a doutrina friamente: é necessário ardor, e este ardor será dobrado, porque Deus está sempre convosco quando fazeis o bem. Aqueles que trouxerdes serão outras tantas ovelhas entradas no redil. Pobres ovelhas meio tresmalhadas! Crede que o mais céptico, o mais ateu, o mais incrédulo, enfim, tem sempre um cantinho no coração que eledesejaria esconder a si mesmo. Muito bem! É esse cantinho que eledeve procurar, que deve encontrar, e é esse lado vulnerável que deve atacar. E uma pequena brecha deixada intencionalmente por Deus, para facilitar à sua criatura o meio de voltar ao seu seio.
São BENTO.
(PELO SR. RABACHE, DE BORDÉUS)
Meus filhos, vosso pai fez bem em vos chamar a atenção para os fenômenos produzidos nas sessões, que vos ocupam há alguns dias. A julgá-los conforme a instrução de certos Espíritos sectários, ignorantes ou dominadores, tais efeitos são sobrenaturais. Não creiais nisso, meus filhos; nada do que acontece é sobrenatural; se fosse, o bom senso diz que só aconteceria fora da Natureza e, então, não o veríeis. Para que vossos olhos e demais sentidos percebam uma coisa, é de todo necessário que essa coisa seja natural. Com um pouco de reflexão não há um Espírito sério que consinta em crer em coisas sobrenaturais. Com isto não quero dizer que não haja coisas que tal não pareçam à vossa inteligência, mas a única razão para isto é que não as compreendeis, Quando um fato vos parece fugir do que julgais natural, guardai-vos contra essa preguiça de espírito que vos induziria a crer que seja sobrenatural. Buscai compreender. Para isto vos foi dada a inteligência. Para que vos serviria ela, se tivésseis de vos contentar com aprender e crer no que ensinaram os predecessores? É preciso que cada um ponha a inteligência a serviço do progresso, que é obra coletiva de todos. Já que sois dotados de pensamento, pensai; já que tendes a razão —que não existe ator — examinai e julgai. Não aceiteis julgamentos acabados, senão depois de passados pelo crivo da razão. Duvidai longamente, se não tiverdes certeza, mas não negueis jamais aquilo que não compreendeis. Examinai seriamente. Só o preguiçoso, o não inteligente, o indiferente, aceitam como verdadeiro ou falso tudo quanto ouvem afirmar ou negar. Enfim, meus filhos, fazei esforços para vos tomardes sérios e úteis, a fim de bem cumprirdes a missão que vos está confiada. Nunca é demasiado cedo para vos ocupardes do bem e do que é bom.
Começai, pois, cedo, a vos ocupardes das coisas sérias, O tempo das futilidades é sempre longo: é inútil para o Vosso progresso, o qual nem por um instante deve ser perdido de vista. As coisas da Terra nada são; servem à vossa passagem para outro estado, que será. tanto mais perfeito, quanto melhor preparados estiverdes.
— Vossa avó.
Maio
BoletimO Sr. Ledoyen, tesoureiro, apresenta o balanço da situação financeira da Sociedade no segundo semestre do ano social, terminado a 30 de março de 1860. O balanço é aprovado.
Comunicações diversas:
1.º ─ O Sr. Chuard, de Lyon, homenageia a Sociedade com duas brochuras, contendo a primeira uma Ode sacra sobre a imortalidade da alma, e a segunda, uma Sátira sobre as sociedades em comandita. A Sociedade agradece ao autor e, embora uma dessas brochuras, sobretudo, seja estranha aos objetivos de seus trabalhos, irão para a sua biblioteca.
2.º ─ Leitura de três cartas do Sr. Morhéry sobre as curas operadas pela senhorita Godu, médium curadora que foi morar em casa dele e se colocou sob seu patrocínio. O Sr. Morhéry, como homem de ciência, observa os efeitos do tratamento praticado por essa senhorita em diversos doentes de que cuida. Ele faz uma ficha detalhada, como se faz numa sala de clínica, e até constatou, em curto prazo, resultados prodigiosos.
O Sr. Presidente acrescenta que a Sociedade tem duplo motivo para interessarse pela senhorita Godu. Além da simpatia que naturalmente excitam os exemplos de caridade e de desinteresse, tão raros em nossos dias, do ponto de vista espírita essa jovem lhe oferece preciosa matéria para estudo, pois goza de uma faculdade de certo modo excepcional. A gente interessar-se-ia por um médium de efeitos físicos que produzisse fenômenos extraordinários; não poderia ver com mais indiferença aquele cujas faculdades são proveitosas à Humanidade, e que, além disso, nos revela uma nova força da Natureza.
3.º ─ Carta do Sr. Conde de R..., sócio titular que partiu para o Brasil e que se acha agora retido no porto de Cherburgo, devido ao mau tempo. Ele pede à Sociedade que o evoque na presente sessão, se possível.
O Sr. T... observa que a mesma pessoa já foi evocada duas vezes, e que uma terceira parece supérflua.
O Sr. Allan Kardec responde que, sendo o estudo o objetivo da Sociedade, a mesma pessoa poderá oferecer observações úteis na terceira vez, tanto quanto na primeira e na segunda. Aliás, a experiência prova que o Espírito é tanto mais lúcido e explícito quanto mais se comunica e, de certo modo, se identifica com o médium que lhe serve de instrumento. No presente caso, não se trata de satisfazer a um capricho ou a uma vã curiosidade. Em suas evocações, a Sociedade não procura nem encantamento nem diversão. Ela quer instruir-se. Ora, o fato de encontrar-se o Sr. de R... em situação completamente diferente daquela em que foi evocado, pode dar lugar a novas observações.
Consultado sobre a oportunidade da evocação, responde São Luís que ela não se poderia fazer no momento.
Estudos:
1.º ─ Dois ditados espontâneos, um de São Luís, pela Srta. Huet, e outro de Charlet, pelo Sr. Didier filho.
2.º ─ Perguntas diversas feitas a São Luís sobre o Espírito que se comunicou espontaneamente na última sessão, com o nome de Being, pela Sra. de Boyer, e que é acusado de tentar semear perturbação e discórdia e de ter interferido em várias comunicações. Das respostas obtidas ressalta um ensinamento interessante sobre a maneira como agem os Espíritos uns sobre outros.
3.º ─ O Sr. R. propõe a evocação de um de seus amigos desaparecido desde 1848 e do qual não se teve mais notícias. Visto o adiantado da hora, a evocação foi adiada para uma próxima sessão.
A Sociedade decide que não se reunirá na sexta-feira santa, dia 6 de abril. A partir de 20 de abril as sessões serão na nova sede da Sociedade, na Rua SainteAnne, 59, Passagem de Sainte-Anne.
SEXTA-FEIRA, 13 DE ABRIL (SESSÃO PARTICULAR) Assuntos administrativos:
Aprovação de quatro novos sócios como membros livres.
A Sociedade confirma o título de membro honorário a cinco sócios antes aprovados.
Comunicações diversas:
A Sra. Desl..., membro da Sociedade, tendo feito uma viagem a Dieppe, foi até Grandes-Ventes, onde ouviu, do próprio Sr. Goubert, padeiro, a confirmação de todos os fatos relatados no número de março, e com detalhes mais circunstanciados. Ela constatou, pelo exame dos lugares, que, sobretudo quanto a certos fatos, a fraude era impossível. Das informações obtidas parece resultar que tais fenômenos tiveram como causa a presença de um rapaz que desde algum tempo estava a serviço do padeiro, graças ao qual coisas semelhantes ocorreram em outras casas. Sendo esses fenômenos independentes da vontade do médium, pode ele ser classificado na categoria dos médiuns naturais ou involuntários, de efeitos físicos. Desde que deixou a casa do Sr. Goubert, nada se repetiu.
Estudos:
1.º ─ Ditados espontâneos obtidos por três médiuns.
2.º ─ Evocação do Dr. Vogel, viajante no interior da África, onde foi assassinado. A evocação não deu os resultados esperados. O Espírito declara-se sofredor e reclama preces que o ajudem a sair da perturbação em que ainda se encontra. Diz que mais tarde poderá ser mais explícito.
Como assunto de estudo, propõe o Sr. Allan Kardec o exame aprofundado e minucioso de certas mensagens espontâneas e de outras, que poderiam ser analisadas e comentadas, como se faz com as críticas literárias. Tal gênero de estudo teria a dupla vantagem de exercitar a apreciação do valor das comunicações espíritas e, em segundo lugar e em consequência da mesma apreciação, de desencorajar os Espíritos enganadores que, vendo suas palavras epilogadas, controladas pela razão e finalmente repelidas, desde que tenham um cunho suspeito, acabariam por compreender que perdem seu tempo. Quanto aos Espíritos sérios, poderiam ser chamados para darem explicações e desenvolvimentos sobre os pontos de suas comunicações que necessitassem de elucidação.
A Sociedade aprova tal proposta.
SEXTA-FEIRA, 20 DE ABRIL DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR) Correspondência:
1.º ─ Carta do Sr. J..., de Saint-Étienne, membro titular. A carta contém apreciações muito justas sobre o Espiritismo e prova que o autor o compreende sob seu verdadeiro ponto de vista.
2.º ─ Carta do Sr. L..., operário de Troyes, com reflexões quanto à influência moralizadora da Doutrina Espírita sobre as classes laboriosas. Convida os adeptos sérios a se ocuparem de propagá-la em suas fileiras, no interesse da ordem, visando nelas reanimar os sentimentos religiosos que se extinguem dando lugar ao cepticismo que é a chaga do nosso século e a negação de toda responsabilidade moral.
Esses dois senhores já declararam, em outras cartas, que jamais viram algo em matéria de Espiritismo prático, mas que nem por isso estão menos firmemente convencidos, considerando tão somente o alcance filosófico da Ciência. O Presidente chama a atenção, a tal respeito, de que diariamente tem exemplos semelhantes, não da parte de gente que acredita cegamente, mas, ao contrário, da parte dos que refletem e se dão ao trabalho de compreender. Para estes, a parte filosófica é o principal, porque explica o que nenhuma outra filosofia resolveu. O fato das manifestações é acessório.
3.º ─ Carta do Sr. Dumas, de Sétif, Argélia, membro da Sociedade, transmitindo novos detalhes interessantes sobre fatos de cujos resultados foi testemunha. Cita principalmente um jovem médium que apresenta um fenômeno singular, o de entrar espontaneamente, sem ser magnetizado, numa espécie de sonambulismo, toda vez que se quer fazer uma evocação por seu intermédio, e nesse estado escreve ou diz verbalmente as respostas às perguntas feitas.
Comunicações diversas:
1.º ─ A Sra. R..., do Jura, membro correspondente da Sociedade, transmite um fato curioso, que lhe é pessoal. Trata-se de um velho relógio, ao qual se ligam tradições de família, e que parece ser submetido a uma influência singular e inteligente, em determinadas circunstâncias.
2.º ─ Leitura de uma comunicação dada numa outra reunião espírita e assinada por Joana d’Arc. Contém excelentes conselhos aos médiuns, sobre as causas que podem aniquilar ou perverter suas faculdades mediúnicas. (Publicada adiante).
3.º ─ O Sr. Col... inicia a leitura de uma evocação de São Lucas, evangelista, por ele feita particularmente.
Percebendo que na evocação são tratadas diversas questões de dogmas religiosos, interrompe a leitura em virtude do regulamento que proíbe tratar de tais assuntos.
O Sr. Col... observa que, não tendo a comunicação nada de ortodoxo, não tinha pensado houvesse inconveniente em lê-la.
Objeta o presidente que as respostas sempre supõem perguntas. Ora, sejam as respostas ortodoxas ou não, não deixam de dar lugar à suposição de que a Sociedade se ocupa de coisas que lhe são interditas. Uma outra consideração vem corroborar esses motivos: é que entre os membros, há aqueles que pertencem a diferentes cultos; o que para uns seria ortodoxo, poderia não ser para outros, o que é uma razão para nos abstermos. Aliás, o regulamento prescreve o exame prévio de toda comunicação obtida fora da Sociedade. Tal medida deve ser rigorosamente observada.
Estudos:
Evocação do Sr. B..., amigo do Sr. Royer, desaparecido de casa desde 25 de junho de 1848. Dá algumas informações sobre sua morte acidental, quando das perturbações dessa época. O Sr. Royer lhe reconhece a identidade por sua linguagem e por algumas particularidades íntimas.
SEXTA-FEIRA, 27 DE ABRIL DE 1860 (SESSÃO GERAL) Comunicações diversas:
1.º ─ Carta do Dr. Morhéry, com novos estudos sobre as curas obtidas com o concurso da senhorita Godu, por meio daquilo que se pode chamar a medicina intuitiva. (Publicada a seguir).
2.º ─ A propósito da medicina intuitiva, o Sr. C..., um dos ouvintes presentes à sessão, convidado pelo presidente, dá informações do mais alto interesse sobre o poder curador de que desfrutam certas castas negras. Natural do Hindustão e de origem indiana, o Sr. C... foi testemunha ocular de numerosos fatos desse gênero, mas dos quais, na época, não se dava conta. Hoje ele encontra a chave no Espiritismo e no magnetismo. Os negros curadores fazem largo uso de certas plantas, mas muitas vezes se contentam com apalpar e friccionar o doente, agindo conforme as indicações de vozes ocultas que lhes falam.
3.º ─ Fato curioso de intuição circunstanciada de uma existência anterior. A pessoa em questão, que consigna o fato numa carta a um de seus amigos, o qual a leu, diz que desde sua infância ela tem uma lembrança precisa de haver perecido durante os massacres de São Bartolomeu e se recorda até mesmo de detalhes de sua morte, dos lugares, etc. As circunstâncias não permitem ver nesse pensamento um produto de imaginação exaltada, porque tal lembrança remonta a uma época na qual não se tratava nem de Espíritos nem de reencarnação.
4.º ─ O Sr. Georges G..., de Marselha, transmite o seguinte fato: Um jovem morreu há oito meses, e sua família, na qual há três irmãs médiuns, o evoca quase que diariamente, servindo-se de uma cesta. Cada vez que o Espírito é chamado, um cãozinho, do qual gostava muito, pula sobre a mesa e vem cheirar a cesta, grunhindo. A primeira vez que tal aconteceu, a cesta escreveu espontaneamente: Meu bravo cachorrinho, que me reconhece.
Diz o Sr. G...: Posso assegurar-vos a realidade do fato. Não o vi, mas as pessoas que o contam, e que várias vazes o testemunharam, são muito bons espíritas e muito sérias para que eu duvide de sua sinceridade. Eu me pergunto, depois disto, se o perispírito, mesmo não tangível, tem um aroma qualquer, ou se certos animais são dotados de uma espécie de mediunidade.
Um estudo especial será feito posteriormente sobre este interessante assunto, sobre o qual outros fatos não menos curiosos parecem lançar alguma luz.
5.º ─ Constatação da presença de um mau Espírito trazido a uma reunião particular por um visitante, de onde se pode deduzir a influência exercida pela presença de certas pessoas, em determinadas circunstâncias.
6.º ─ Leitura de uma evocação particular feita pelo Sr. Allan Kardec, de uma das principais convulsionárias de Saint-Médard, falecida em 1830, e em presença de sua própria filha, que constatou a identidade do Espírito evocado. Sob vários aspectos, a evocação apresenta um alto grau de ensino, e confere um interesse particular às circunstâncias em que foi feita. (Será publicada).
Estudos:
1.º ─ Ditado espontâneo obtido por intermédio da Sra. P...
2.º ─ Evocação de Stevens, companheiro de Georges Brown.
História do Espírito familiar do senhor de Corasse
A batalha de Juberoth é célebre nas crônicas antigas. Ocorreu durante a guerra que João, rei de Castela, e Diniz, rei de Portugal, travaram para sustentar suas respectivas pretensões sobre este último reino. Os castelhanos e os bearneses foram feitos em pedaços. O fato que Froissard relata por essa ocasião é dos mais singulares. Lê-se no capítulo XVI do Livro III de sua crônica que, no dia seguinte à batalha, o Conde de Foix foi informado de sua realização, o que a distância dos lugares tornava inconcebível na época. É um escudeiro do Conde de Foix que conta a Froissard o fato em questão: “Todo o dia de domingo, e o dia de segunda-feira e o de terça-feira seguinte, o Conde de Foix, estando em seu castelo em Ortais, tinha a cara tão fechada e tão dura, que não se lhe arrancava uma palavra; e durante esses três dias também não quis sair de seu quarto, nem falar a cavaleiro, nem a escudeiro, por mais próximo que estivesse, se não o chamasse; e ainda aconteceu que afastou aqueles, a quem não deu uma só palavra naqueles três dias. Quando chegou terçafeira à noite, ele chamou seu irmão Arnaldo-Guilherme, e lhe disse baixinho:
“─ Nossa gente teve luta que me enfureceu, porque foram assaltados em viagem, como eu lhes disse ao partirem.
“Arnaldo-Guilherme, que é um homem muito prudente e um cavaleiro astuto, e que conhecia a maneira e a condição de seu irmão, calou-se, e o Conde, que desejava experimentar sua coragem, porque durante muito tempo tinha suportado seu aborrecimento, tomou ainda a palavra e falou mais alto do que o tinha feito da primeira vez, e disse:
“─ Por Deus, Senhor Arnaldo, é assim como vos digo, e em breve teremos notícias, mas nunca o país de Béarn perdeu tanto, desde cem anos até este dia, como perdeu desta vez em Portugal. Vários cavaleiros e escudeiros que estavam presentes, e que viram e ouviram o Conde, não ousaram falar.
“E então, dez dias após, soube-se a verdade, por aqueles que por dever lá haviam estado, e que lhe contaram primeiramente e em seguida a todos quantos quisessem ouvir, todas as coisas, na forma e maneira por que tinham acontecido em Juberoth. Isto renovou o pesar do Conde e dos de seu país, os quais lá haviam perdido seus irmãos, seus pais, seus filhos e seus amigos.
“─ Santa Maria! disse eu ao escudeiro que me contava esta história, e como pôde o Conde de Foix saber, sem presumir, logo no dia seguinte? “─ Por minha fé, disse ele, ele o sente bem, como o demonstrou.
“─ Então é adivinho, disse eu; ou ele tem mensageiros que cavalgam o vento, ou deve ter alguma arte.
“O escudeiro pôs-se a rir e disse:
“─ É preciso que ele o saiba por alguma via de nigromancia. Nada sabemos, a bem dizer, nesta terra, como ele a usa, salvo por imaginação (por suposição).
“─ Então, disse eu ao escudeiro, a imaginação que vós pensais, tende a bondade de me dizer e declarar, e eu vos serei grato. E se é coisa para calar, calarei e jamais, haja o que houver no mundo, abrirei minha boca.
“─ Peço-vos, disse o escudeiro, pois não quereria que soubessem que eu o tivesse dito.
“Então me levou para um ângulo do castelo do Ortais e depois começou a fazer o seu relato e disse:
“Há bem uns vinte anos reinava neste país um barão que se chamava em seu nome Raimundo, Senhor de Corasse. Corasse, como sabeis, é uma cidade a sete léguas desta cidade de Ortais. O Senhor de Corasse, ao tempo de que vos falo, tinha um pleito em Avignon, perante o Papa, sobre os dízimos da Igreja, em sua cidade, contra um padre da Catalunha, o qual padre era grandemente abastado e clamava ter grande direito sobre esses dízimos de Corasse, que bem valiam uma renda anual de cem florins, e o direito que ele tinha, mostrava e provava. Porque, por sentença definitiva, o Papa Urbano V, em consistório geral, condenou o cavaleiro e julgou a favor do padre. Da última sentença do Papa levou carta e cavalgou tantos dias que chegou ao Béarn e mostrou suas bulas e suas cartas e entrou na posse desse dízimo. O Senhor de Corasse adiantou-se e disse ao padre: Mestre Pedro, ou Mestre Martin, que tal era o seu nome, pensais que por vossas cartas eu deva perder minha herança? Eu não vos julgo tão esperto para tomá-la, nem para levar as coisas que são minhas, porque se o fizerdes arriscais a vida. Ide a outra parte impetrar benefícios, porque de minha herança nada tereis. De uma vez por todas, eu vo-lo proíbo. O padre desconfiou do Cavaleiro, que era cruel, e não ousou perseverar. Assim, resolveu voltar a Avignon, como o fez. Mas quando devia partir, veio à presença do Cavaleiro e Senhor de Corasse e lhe disse:
“─ Por vossa força, e não direito, vós me tirais os direitos de minha igreja, com o que, em consciência, praticais grande erro. Não sou tão forte neste país como sois vós, mas sabei que o mais cedo que eu puder, eu vos enviarei um campeão que temereis mais do que a mim.
“O Senhor de Corasse, que não fez conta das ameaças, lhe disse:
“─ Vai a Deus, vai, faze o que puderes; eu não temo, morto ou vivo; já por tuas palavras não perderei minha herança.
“Assim se foi o padre e voltou, não sei para onde, para a Catalunha ou para Avignon e não esqueceu o que havia dito ao partir do Senhor de Corasse, porque, quando o Cavaleiro menos pensava, cerca de três meses depois, em seu castelo, quando dormia em seu leito, ao lado de sua mulher, vieram mensageiros invisíveis, que começaram a revolver tudo quanto encontraram no castelo e parecia que iam tudo arrasar e davam golpes tão grandes dentro do quarto do Senhor, que a dama que lá estava ficou apavorada. O Cavaleiro ouvia bem isso tudo, mas não soltou uma palavra, porque não queria mostrar a coragem de um homem assustado; assim, foi bastante esperto para enfrentar todas as aventuras. Essas tempestades e desordens em vários pontos do castelo duraram muito tempo, depois cessaram. Quando veio a manhã, todas as pessoas se reuniram e vieram ao Senhor, à hora em que ele se levantou e lhe perguntaram:
“─ Senhor, não ouvistes o que ouvimos de noite?
“O Senhor de Corasse comoveu-se e disse que não.
“─ Que coisas ouvistes?
“Então disseram da tempestade abaixo do castelo que havia derrubado e quebrado toda a louça da cozinha. Ele começou a rir-se e disse que eles haviam sonhado e que fora apenas o vento.
“─ Em nome de Deus, disse a Senhora, eu também ouvi muito bem.
“Quando em seguida veio a outra noite, ainda voltaram aquelas tempestades, e fizeram maior barulho que antes e davam golpes tão grandes nas paredes e nas janelas do quarto do Cavaleiro que parecia que tudo ia romper-se. O Cavaleiro saiu do leito e não pôde nem quis obter o que desejava:
“─ Quem é que assim bate a esta hora à porta de meu quarto?
“Logo lhe responderam:
“─ Sou eu.
“─ Quem te envia? Perguntou o Cavaleiro?
“─ Envia-me o padre da Catalunha, a quem fazes grande mal, porque lhe tiras os seus direitos a seus benefícios. Não te deixarei em paz enquanto lhe não prestares boa conta e ele não ficar contente.
“O cavaleiro perguntou:
“─ Como te chamas tu, que és tão bom mensageiro?
“─ Chamam-me Orthon.
“─ Orthon, disse o Cavaleiro, o serviço de um padre nada te vale. Ele te dará e te fará muito sofrimento. Se queres crer-me, peço-te, deixa-me em paz e serve-me, e eu te serei muito agradecido.
“Orthon logo achou de responder, porque aproximou-se do Cavaleiro e lhe disse:
“─ Quereis?
“─ Sim, disse o Cavaleiro, mas que não faças mal a ninguém.
“─ A ninguém, disse Orthon, não tenho qualquer poder senão de te acordar, e de não deixar dormir a ti ou aos outros.
“─ Faze o que te digo, disse o Cavaleiro, e entraremos em acordo, e deixa esse padre malvado, que nada de bom tem em si, salvo que pena por ti; assim, serve-me.
“─ Desde que o queres, disse Orthon, eu o quero.
“Assim se ligou de tal modo esse Orthon ao Senhor de Corasse, que muitas vezes vinha vê-lo de noite; e quando ele estava dormindo, puxava o travesseiro ou dava pancadas nas paredes e nas janelas do quarto e, acordando, dizia-lhe o Cavaleiro:
“─ Orthon, deixa-me dormir.
“─ Não o farei, dizia Orthon, antes de te dar notícias.
“Então a senhora do Cavaleiro tinha tanto medo que os seus cabelos se eriçavam e ela mergulhava nas cobertas.
“─ Então, perguntava o Cavaleiro, que novas me trazes?
“─ Venho da Inglaterra, ou da Hungria ou de outro país, dizia Orthon. Saí ontem e aconteceram tais e tais coisas.
“Assim, por Orthon, o Senhor de Corasse sabia o que ia pelo mundo; e manteve esse mensageiro durante cinco anos; e não pôde calar-se e explicou-se ao Conde de Foix, pela maneira por que vos direi. No primeiro ano o Senhor de Corasse veio diversas vezes ao Conde de Foix, em Ortais, e lhe dizia: Senhor, tal coisa aconteceu na Inglaterra, ou na Alemanha, ou em outro país; e o Conde de Foix, que depois verificava tudo ser verdade, ficava maravilhado de como vinha a saber tais coisas. E tanto insistiu, uma vez, que o Senhor de Corasse disse como e por quem lhe vinham tais notícias.
“Quando o Conde de Foix soube a verdade, ficou muito contente e lhe disse:
“─ Senhor de Corasse, procurai agradá-lo; eu bem gostaria de ter um tal mensageiro. Isto não vos custa nada e por esse meio sabeis realmente tudo o que acontece no mundo.
“O Cavaleiro respondeu: ─ Senhor, eu o farei.
“Assim foi o Senhor de Corasse servido por Orthon durante muito tempo. Não sei se esse Orthon tinha mais de um senhor, mas todas as semanas, duas ou três vezes, vinha visitar o Senhor de Corasse, e lhe dava notícias do que acontecia nos países onde tinha conversado, e o Senhor de Corasse as escrevia ao Conde de Foix, o qual tinha grande alegria.
“Uma vez estava o Senhor de Corasse com o Conde de Foix e conversavam sobre isto, de modo que o Conde lhe perguntou:
“─ Senhor de Corasse, nunca vistes o vosso mensageiro?
“─ Por minha fé, nunca; nem uma só vez.
“─ É maravilhoso, disse o Conde; e se ele me fosse tão ligado como a vós, eu lhe teria pedido que se mostrasse a mim; e vos peço que tomeis esse trabalho e me digais qual a sua forma e o seu jeito. Dissestes que ele fala tão bem o gascão quanto eu e vós.
“─ Por minha fé, disse o Senhor de Corasse, é verdade. Ele fala tão bem e tão bonito como vós e eu. E por minha fé procurarei vê-lo, já que mo aconselhais.
“Aconteceu que o Senhor de Corasse, como em outras noites, estava em seu leito, ao lado de sua senhora, a qual já se acostumara a ouvir Orthon e não mais tinha medo. Então veio Orthon, puxou o travesseiro do Senhor de Corasse, que dormia profundamente. O Senhor de Corasse acordou e perguntou:
“─ Quem está aí?
“─ Sou eu, respondeu Orthon.
“─ De onde vens?
“─ Venho de Praga, na Boêmia.
“─ Quanto tempo? disse ele. Tudo bem?
“─ Sessenta dias, disse Orthon.
“─ E vieste tão cedo?
“─ Sim, por Deus; vou rápido como o vento, ou mais.
“─ Então tens asas?
“─ Não, disse ele.
“─ Como, então, voas tão depressa?
“─ Não tendes nada que saber, respondeu Orthon.
“─ Eu te veria com mais prazer para saber qual a tua forma e as tuas maneiras.
“─ Basta que, quando me ouvirdes, vos traga certas notícias, respondeu Orthon.
“─ Por Deus, disse o Senhor de Corasse, eu gostaria mais de ti se te pudesse ver.
“ ─ Já que desejais ver-me, a primeira coisa que vereis e encontrareis amanhã de manhã, quando sairdes do leito, serei eu.
“─ Basta, disse o Senhor de Corasse. Agora, vai; eu te dispenso por esta noite.
“Quando veio a manhã, o Senhor de Corasse levantou-se. A senhora tinha tanto medo que ficou doente e disse que não se levantaria, mas o Senhor quis que ela se levantasse.
“─ Senhor, disse ela, eu veria Orthon, e não quero vê-lo, se Deus mo permitir.
“─ Eu quero vê-lo, disse o Senhor de Corasse.
“Então saiu garboso de seu leito, mas nada viu que pudesse dizer: eu vi Orthon aqui. O dia se passou e veio a noite. Quando o Senhor de Corasse estava deitado na cama, Orthon veio e começou a falar como de costume.
“─ Vai, disse o Senhor de Corasse a Orthon, és um mentiroso; devias ter-te mostrado muito bem a mim e não o fizeste. “─ Sim, fiz.
“─ Não o fizeste.
“─ E quando saístes do leito nada vistes? perguntou Orthon.
“O Senhor de Corasse pensou um pouco e lembrou-se.
“─ Sim, disse ele, saindo da cama e pensando em ti, vi dois fetos de palha no soalho, que giravam juntos.
“─ Era eu, disse Orthon, na forma que tinha tomado.
“─Isto não me basta; peço-te que tomes outra forma, de modo que te possa ver e reconhecer.
“─ Fazeis tanto que me perdereis e que vos deixarei, porque exigis muito.
“─ Tu não te irás de mim; se eu te tivesse visto uma vez não pediria para te ver outra mais.
“─ Ora, disse Orthon, ver-me-eis amanhã; e tomai cuidado com a primeira coisa que virdes ao sair do vosso quarto.
“No dia seguinte, à hora terceira, o Senhor de Corasse levantou-se e vestiu-se e assim que saiu do quarto e veio a um lugar que olha para o pátio do castelo, lançou os olhos e a primeira coisa que viu foi uma porca, a maior que já tinha visto; mas era tão magra que parecia só ter pele e ossos; tinha as orelhas grandes, caídas e manchadas, e tinha o focinho grande, agudo e pontudo. O Senhor de Corasse ficou muito admirado da porca. Como não a visse com bons olhos, chamou a sua gente:
“─ Já, soltem os cães; quero ver esta porca morta e devorada.
“Os criados logo saíram, abriram o lugar onde estavam os cães e os fizeram investir contra a porca que soltou um grande grito e olhou fixamente para o Senhor de Corasse, que se apoiava no terraço em frente ao quarto e deixou de vê-la porque ela desapareceu; não se soube em que se tornou. O Senhor de Corasse entrou em seu quarto muito pensativo e pensou em Orthon. Creio que vi Orthon, meu mensageiro. Arrependo-me de haver lançado os cães sobre ele. Será um azar se não mais o vir, pois me disse várias vezes que assim que o reconhecesse eu o perderia.
“Ele disse a verdade. Desde então jamais voltou ao castelo de Corasse, e o Cavaleiro morreu no ano seguinte.
“─ É verdade, perguntei ao Escudeiro, que o Conde de Foix se tenha servido de tal mensageiro?
“A bem da verdade, a opinião de muitos homens de Béarn é que sim, porque nada se faz no estrangeiro, quando ele quer e ele tem muito cuidado, desde que o saiba; e quando não tem menos cuidado. Assim foi com bons Cavaleiros e Escudeiros deste país que estavam em Portugal. A graça e o renome que ele tem por isto lhe dão grande proveito, porque ele não perderia em casa o valor de uma colher de ouro ou de prata, nem coisa alguma que não soubesse.”
Correspondência
Plessis-Boudet, perto de Loudéac, Côtes-du-Nord, 25 de abril de 1860.
Senhor Allan Kardec,
Venho hoje desobrigar-me da promessa feita de vos assinalar os casos de cura que obtive com o concurso da Srta. Godu. Como bem compreendereis, não enumerarei todos, pois seria muito longo. Limito-me a fazer uma escolha, não à vista da gravidade, mas da variedade das moléstias. Não quis repetir casos nem mencionar curas de pouca importância.
Vedes, Senhor, que a Srta. Godu não perdeu tempo. Desde que está em PlessisBoudet, já visitamos mais de duzentos doentes e tivemos a satisfação de curar quase todos os que tiveram paciência de seguir as prescrições. Não falo dos nossos cancerosos, pois estão bem encaminhados. Esperarei resultados positivos antes de me pronunciar. Temos ainda grande número de doentes em tratamento, e escolhemos de preferência os considerados incuráveis. Dentro de pouco tempo espero, pois, ter novos casos de cura a vos relatar. É sobretudo nas afecções reumáticas, nas paralisias, nas ciáticas, nas úlceras, nos desvios ósseos, nas chagas de toda espécie, que o sistema de tratamento parece dar melhores resultados.
Posso assegurar-vos, senhor, que aprendi muitas coisas úteis que ignorava antes de meu contato com essa senhorita. A cada dia ela me ensina algo de novo, tanto para o tratamento quanto para o diagnóstico. Quanto ao prognóstico, ignoro como pode ela fixá-lo. Contudo, ela não se engana. Com a ciência ordinária não se pode explicar essa penetração. Mas vós, senhor, a compreendeis facilmente.
Termino declarando que certifico como verdadeiras e sinceras todas as observações que seguem, com minha assinatura.
Aceitai, etc.
MORHÉRY, doutor em Medicina.
1ª observação, nº. 5 (23 de fevereiro de 1860). François Langle, trabalhador jornaleiro. Diagnóstico: febre terçã há seis meses. A febre tinha resistido ao sulfato de quinina, por mim administrado ao doente em várias ocasiões; foi curada em cinco dias de tratamento com simples infusão de plantas diversas, e o doente passa melhor do que nunca. Poderia citar dez curas semelhantes.
2ª observação, nº. 9 (24 de fevereiro de 1860). Sra. R..., de Loudéac, 32 anos. Diagnóstico: inflamação e intumescimento crônico das amídalas; cefaleia violenta; dores na coluna vertebral; abatimento geral, apetite nulo. O mal começou por arrepios e surdez; dura há dois anos. ─ Prognóstico: caso grave e de difícil cura, pois o mal resiste aos tratamentos melhor dirigidos. Hoje a doente está curada. Ela não continua o tratamento senão para evitar uma recaída.
3ª observação, nº. 13 (25 de fevereiro de 1860). Pierre Gaubichais, da aldeia de Ventou-Lamotte, 23 anos. Diagnóstico: inflamação subaponevrótica no dorso e na palma da mão. ─ Prognóstico: caso grave, mas não incurável. A cura foi obtida em menos de quinze dias. Temos quatro ou cinco casos semelhantes.
4ª observação, nº. 18 (26 de fevereiro de 1860). François R..., de Loudéac, 27 anos. Diagnóstico: tumor branco cicatrizado no joelho esquerdo; abscesso fistuloso na parte posterior da coxa, acima da articulação. O mal existe desde os 10 anos. ─ Prognóstico: caso muito grave e incurável. O mal resistiu aos melhores tratamentos seguidos durante 6 anos. O doente foi pensado com unguentos preparados pela Srta. Godu e tomou infusões de plantas diversas. Hoje pode considerar-se curado.
5ª observação, nº. 23 (25 de fevereiro de 1860). Jeanne Gloux, operária de Tierné-Loudéac. Diagnóstico: panarício muito intenso há dias. A doente foi radicalmente curada em 15 dias, apenas com unguentos da Srta. Godu. Desde o segundo curativo as dores haviam desaparecido. Temos três casos semelhantes.
6ª observação, nº. 12 (25 de fevereiro de 1860). Vincent Gourdel, tecelão em Lamotte, 32 anos. Diagnóstico: oftalmia aguda, consequente a uma erisipela intensa. Injeção inflamatória da conjuntiva e larga belida se manifestando na córnea transparente do olho esquerdo; estado inflamatório geral. ─ Prognóstico: afecção grave e muito intensa. É de temer-se que o olho se perca em 10 dias. ─ Tratamento: aplicação de unguentos sobre o olho doente. Hoje, a oftalmia está curada; desapareceu a belida, mas o tratamento continua para combater a erisipela, que parece de natureza periódica e talvez dartrosa.
7ª observação, nº. 31 (27 de fevereiro de 1860). Marie-Louise Rivière, jornaleira em Lamotte, 24 anos. Diagnóstico: reumatismo antigo na mão direita, com debilidade completa e paralisia das falanges; impossibilidade de trabalhar. Causa desconhecida. ─ Prognóstico: cura muito difícil, senão impossível. Curada em 20 dias de tratamento.
8ª observação, nº. 34 (28 de fevereiro de 1860). Jean-Marie Le Berre, 19 anos, indigente em Lamotte. Diagnóstico: Cefaleia violenta, insônia, frequentes hemorragias pelas fossas nasais, desvio do joelho direito para dentro, e da perna direita para fora. O doente está realmente estropiado. Prognóstico: incurável. ─ Tratamento: tópico extrativo e unguentos da Srta. Godu. Hoje o membro se endireitou e a cura é mais ou menos completa. Contudo, o tratamento continua, para mais precauções.
9ª observação, nº. 50 (28 de fevereiro de 1860). Marie Nogret, de Lamotte, 23 anos. Diagnóstico: inflamação da pleura e do diafragma; aumento e inflamação das amídalas e da campainha; palpitações, tonturas, sufocação. ─ Prognóstico: posto a paciente seja forte, seu estado é muito grave; não pode dar dois passos. ─ Tratamento: infusões de plantas diversas. Melhora desde o dia seguinte e cura radical em 8 dias.
10ª observação, nº. 109 (12 de março de 1860). Pierre Le Boudu, comuna de Saint-Hervé. Diagnóstico: surdez desde os 18 anos, depois de uma febre tifoide. ─ Prognóstico: incurável e rebelde a todo tratamento. ─ Tratamento: injeções e uso de infusões de plantas diversas, preparadas pela Srta. Godu. Hoje, o doente ouve o movimento de seu relógio; o barulho o incomoda e atordoa, dada a sensibilidade do ouvido.
11ª observação, nº. 132 (18 de março de 1860). Marie Le Maux, residente em Grâces, 10 anos. Diagnóstico: reumatismo, com endurecimento das articulações, particularmente nos joelhos. A criança só anda com muletas. ─ Prognóstico: caso muito grave, senão incurável. ─ Tratamento: tópico extrativo e pensos com unguentos da Srta. Godu. Cura em menos de 20 dias. Hoje a criança anda sem muletas nem bengala.
12ª observação, nº. 80 (19 de março de 1860). Hélène Lucas, indigente de Lamotte, 9 anos. Diagnóstico: saliência e inchação permanente da língua, que avança de 5 a 6 centímetros além dos lábios e parece estrangulada; a língua é rugosa e os dentes inferiores são estragados pela língua. Para comer, a criança é obrigada a pôr a língua de lado com uma das mãos e com a outra enfiar o alimento na boca. Tal estado remonta à idade de dois anos e meio. ─ Prognóstico: caso muito grave, julgado incurável. Hoje, a língua está retraída e a doente quase que inteiramente curada.
MORHÉRY Observa-se sem esforço que as notícias acima não são desses certificados banais, solicitados pela cupidez, nos quais a complacência disputa com a ignorância. São observações de um profissional que, pondo de lado o amor-próprio, concorda francamente com sua insuficiência em presença dos infinitos recursos da Natureza, que não lhe disse a última palavra nos bancos escolares. Reconhece que essa moça, sem instrução especial, lhe ensinou mais do que certos livros dos homens, porque lê no próprio livro da Natureza. Como homem sensato, prefere salvar um doente por meios aparentemente irregulares, do que deixá-lo morrer segundo as regras. E não se julga humilhado.
Num próximo artigo nos propomos a fazer um estudo sério, do ponto de vista teórico, sobre essa faculdade intuitiva mais frequente do que se julga, mas que é mais ou menos desenvolvida, e através da qual a Ciência poderá obter preciosas luzes, quando os homens não se julgarem mais sábios que o Senhor do Universo. Por intermédio de um homem muito esclarecido, natural do Indostão e de origem indiana, tomamos conhecimento de preciosas informações sobre as práticas da medicina intuitiva pelos indígenas, e que vêm juntar à teoria o testemunho de fatos autênticos, bem observados.
Palestras familiares de além-túmulo
JardinA morte desse homem revelou uma das mais extraordinárias histórias, à qual não daríamos crédito, se testemunhas verídicas não nos tivessem garantido a sua autenticidade. Ei-la, tal qual nos foi contada.
Antes de ser empregado no entreposto de tabacos de Nevers, Jardin morava no Cher, vila de Saint-Germain-des-Bois, onde era alfaiate. Sua mulher tinha morrido havia cinco anos, nessa aldeia, vítima de uma fluxão de peito, quando, há oito anos, ele deixou Saint-Germain para vir morar em Nevers. Empregado laborioso, Jardin era muito piedoso, de uma devoção exaltada e se entregava com fervor às práticas religiosas; tinha um genuflexório em seu quarto, no qual gostava de se ajoelhar. Sexta-feira à noite, encontrando-se só com a filha, anunciou-lhe, de repente, que um secreto pressentimento o advertia que seu fim estava próximo.
─ Escuta, disse-lhe ele, minhas últimas vontades: Quando eu estiver morto, remeterás ao Sr. B... a chave do meu genuflexório para que ele leve o que ali encontrar e deposite em meu caixão.
Admirada com essa brusca recomendação, a senhorita Jardin, não sabendo bem se o pai falava sério, perguntou-lhe o que se acharia no genuflexório. A princípio, ele recusou-se a responder, mas como ela insistisse, ele lhe fez a estranha revelação de que o que se achava ali eram os restos de sua mãe! Informou que antes de deixar Saint-Germain-des-Bois, à noite, tinha ido ao cemitério. Todos dormiam na aldeia; sentindo-se muito só, tinha ido à sepultura da esposa e com uma pá tinha cavado até encontrar os restos da que fora sua companheira. Não querendo separar-se desses preciosos despojos, tinha recolhido os ossos, guardando-os no seu genuflexório.
A essa estranha confidência, a filha, um pouco amedrontada, mas sempre duvidando de que o pai falasse sério, lhe prometeu agir de acordo com suas últimas vontades, persuadida de que ele queria divertir-se à sua custa, e que no dia seguinte lhe daria a solução desse fantástico enigma.
No dia seguinte, sábado, Jardin foi ao escritório, como de costume. Cerca de uma hora foi mandado à estação de mercadorias para despachar sacos de tabaco, destinados ao abastecimento do entreposto. Apenas saía da estação, os varais de um tílburi que ele não tinha visto no meio das viaturas que estacionavam no embarcadouro, o atingiram em pleno peito. Os pressentimentos não o haviam enganado. Derrubado pela violência do choque, foi levado para casa sem sentidos.
Os socorros prestados fizeram-no recuperar os sentidos. Quiseram tirar-lhe as roupas, para examinar os ferimentos; ele se opôs vivamente; insistiram e recusou ainda. Mas como, a despeito da resistência, se dispunham a despi-lo, abateu-se de repente: estava morto.
O corpo foi posto numa cama. Mas qual não foi a surpresa dos presentes quando, depois de despido, viu-se sobre o coração um saco de couro, preso por tiras amarradas em volta de seu corpo! Um corte feito pelo médico chamado para constatar a morte separou o saco em duas partes, de onde caiu uma mão seca!
Lembrando-se do que o pai lhe havia dito na véspera, a senhorita Jardin preveniu os senhores B... e J..., marceneiros. O genuflexório foi aberto; dele foi retirado um schako da guarda nacional. No fundo do schako (boné militar, de copa alta e redonda) estava uma cabeça de morto, ainda com os cabelos; depois perceberam, no fundo do genuflexório, os ossos de um esqueleto: eram os restos da senhora Jardin.
Domingo último levaram à sepultura os despojos de Jardin. Para satisfazer à vontade do sexagenário, tinham posto no caixão os restos de sua mulher e, sobre o seu peito, a mão seca que, se assim podemos dizer, durante oito anos havia sentido bater o seu coração.
1. Evocação: ─ Aqui estou.
2. ─ Quem vos preveniu de que desejávamos falar-vos? ─ Eu não sei de nada; fui atraído para aqui.
3. ─ Onde estáveis quando vos chamamos? ─ Junto a um homem de quem gosto, acompanhado de minha mulher.
4. ─ Como tivestes o pressentimento da morte? ─ Tinha sido prevenido por aquela que tanto lamentava. Deus o havia concedido, por sua prece.
5. ─ Vossa mulher estava, então, sempre ao vosso lado? ─ Ela não me deixava.
6. ─ Os seus restos mortais, que conserváveis, eram a causa de sua presença? ─ De maneira nenhuma, mas eu o acreditava.
7. ─ Assim, se não tivésseis conservado esses restos, nem por isto o Espírito de vossa mulher deixaria de estar ao vosso lado? ─ Então o pensamento não é mais poderoso para atrair o Espírito, do que os restos sem importância para ele?
8. ─ Revistes imediatamente vossa esposa, no momento da morte? ─ Foi ela que veio receber-me e esclarecer-me.
9. ─ Tivestes imediatamente a consciência de vós mesmo? ─ Ao cabo de pouco tempo. Eu tinha uma fé intuitiva na imortalidade daalma.
10. ─ Vossa mulher deve ter tido existências anteriores à última. Como foi que as esqueceu, para consagrar-se inteiramente a vós? ─ Ela devia guiar-me na minha vida material, sem por isso renunciar às antigas afeições. Quando dizemos que jamais abandonamos um Espírito encarnado, deveis compreender que queremos dizer que estaremos mais tempo junto a ele do que alhures. A velocidade do nosso deslocamento nos permite isso, tão facilmente quanto, a vós, uma conversa com vários interlocutores.
11. ─ Tendes lembrança de vossas existências precedentes? ─ Sim. Na última fui um pobre camponês sem instrução; mas anteriormente havia sido religioso, sincero e devotado ao estudo.
12. ─ A extraordinária afeição à vossa esposa não teria, como causa, antigas relações de outras existências? ─ Não.
13. ─ Sois feliz como Espírito? ─ Não se pode mais, deveis compreender.
14. ─ Podeis definir vossa felicidade atual e nos dizer a sua causa? ─ Eu não deveria ter necessidade de vo-lo dizer: eu amava e sentia falta de um Espírito querido; amava a Deus; era honesto; encontrei o que me faltava. Eis os elementos de felicidade para um Espírito.
15. ─ Quais são as vossas ocupações como Espírito? ─ Disse-vos que ao ser chamado estava junto a um homem de quem gostava. Procurava inspirar-lhe o desejo do bem, como sempre fazem os Espíritos que Deus julga dignos. Temos ainda outras ocupações que ainda não podemos revelar.
16. ─ Agradecemos a bondade de terdes vindo. ─ Eu também vos agradeço.
Tendo as circunstâncias permitido contato com a filha de uma das principais convulsionárias de Saint-Médard, foi possível recolher sobre essa espécie de seita algumas informações particulares. Assim, nada há de exagerado no que se relata sobre as torturas a que voluntariamente se submetiam os fanáticos. Sabe-se que uma das provas, denominadas grandes socorros, consistia em sofrer a crucificação e todos os sofrimentos da Paixão do Cristo. A pessoa de quem falamos, e que só faleceu em 1830, ainda tinha nas mãos os furos feitos pelos pregos que haviam servido para suspendê-la à cruz, e no lado as marcas dos golpes de lança que havia recebido. Ela escondia cuidadosamente esses estigmas do fanatismo, e sempre tinha evitado explicá-los aos filhos. É conhecida na história das convulsionárias sob um pseudônimo que calaremos, pelos motivos que revelaremos oportunamente. A conversa que segue ocorreu em presença de sua filha, que a desejou. Dela suprimiremos particularidades íntimas, que não interessariam aos estranhos e que foram, sobretudo para a filha, uma incontestável prova de identidade.
1. Evocação. ─ Há muito tempo desejo conversar convosco.
2. ─ Qual o motivo que vos levava a desejar conversar comigo? ─ Sei apreciar vossos trabalhos, a despeito do que possais pensar de minhas crenças.
3. ─ Vedes aqui a senhora sua filha? Foi sobretudo ela que quis conversar convosco, e ficaremos encantados de aproveitar o ensejo para nossa instrução. ─ Sim, uma mãe sempre vê seus filhos.
4. ─ Sois feliz como Espírito? ─ Sim e não, porque poderia ter feito melhor. Mas Deus leva em conta a minha ignorância.
5. ─ Lembrai-vos perfeitamente da última existência? ─ Eu teria muita coisa a vos dizer, mas orai por mim, a fim de que isto me seja permitido.
6. ─ As torturas a que vos submetestes vos elevaram e tornaram mais feliz como Espírito? ─ Não me fizeram mal, mas não me ajudaram a avançar como inteligência.
7. ─ Peço-vos a fineza de ser precisa. Pergunto se aquilo vos foi levado à conta de mérito? ─ Direi que tendes um item no Livro dos Espíritos que dá a resposta geral. Quanto a mim, eu era uma pobre fanática.
NOTA: Alusão ao item 726 do Livro dos Espíritos, sobre os sofrimentos voluntários.
8. ─ Esse item diz que o mérito dos sofrimentos voluntários está na razão da utilidade resultante para o próximo. Ora, os das convulsionárias não tinham, segundo creio, senão um fim puramente pessoal. ─ Era geralmente pessoal, e se jamais falei disso a meus filhos, foi porque compreendia vagamente que não era aquele o verdadeiro caminho.
OBSERVAÇÃO: Aqui o Espírito da mãe responde por antecipação ao pensamento da filha, que desejava perguntar por que, em vida, tinha evitado falar disso aos filhos.
9. ─ Qual a causa do estado de crise das convulsionárias? ─ Disposição natural e superexcitação fanática. Jamais teria querido que meus filhos fossem arrastados para essa rampa fatal, que hoje ainda melhor reconheço como tal. Respondendo espontaneamente a uma reflexão de sua filha que, entretanto, não havia formulado a pergunta, acrescenta: ─ Eu não tinha educação, mas intuição de muitas existências anteriores.
10. ─ Dentre os fenômenos produzidos entre as convulsionárias, alguns têm analogia com certos efeitos sonambúlicos, como, por exemplo, a penetração do pensamento, a visão à distância, a intuição das línguas? O magnetismo representava nisso um algum papel? ─ Muito, e vários sacerdotes magnetizavam, sem o consentimento das pessoas.
11. ─ De onde provinham as cicatrizes que tínheis nas mãos e noutras partes do corpo? ─ Pobres troféus de nossas vitórias, que a ninguém serviram, e que por vezes excitaram paixões. Deveis compreender-me.
OBSERVAÇÃO: Parece que nas práticas das convulsionárias passavam-se coisas de grande imoralidade que haviam revoltado o coração honesto dessa senhora, e mais tarde, quando acalmada a febre fanática, fizeram-na tomar aversão por tudo quanto lhe trouxesse recordações do passado. É sem dúvida uma das razões que a levavam a não falar do assunto a seus filhos.
12. ─ Realmente eram operadas curas sobre o túmulo do diácono Pâris? ─ Oh! Que pergunta! Bem sabeis que não, ou pouca coisa, sobretudo para vós.
13. ─ Depois de vossa morte, vistes Pâris? ─ Desde que ingressei no mundo dos Espíritos, não me ocupei dele, porque o culpo por meu erro.
14. ─ Como o consideráveis quando viva? ─ Como um enviado de Deus, e é por isto que lhe censuro o mal que fez em nome de Deus.
15. ─ Mas não é ele inocente pelas tolices praticadas em seu nome após a sua morte? ─ Não, porque ele próprio não acreditava no que ensinava. Não o compreendi, quando viva, como o compreendo agora.
16. ─ É certo que o Espírito dele tenha ficado indiferente, como ele disse, às manifestações ocorridas em sua sepultura? ─ Ele vos enganou.
17. ─ Assim, ele excitava o zelo fanático? ─ Sim, e ainda o faz.
18. ─ Quais as vossas ocupações como Espírito? ─ Procuro instruir-me, e é por isso que disse que desejava vir entre vós.
19. ─ Em que lugar estais, aqui? ─ Perto do médium, com a mão sobre o seu braço ou sobre o seu ombro.
20. ─ Se pudéssemos ver-vos, sob que forma seríeis vista? ─ Minha filha veria sua mãe, como era quando viva. Quanto a vós, me veríeis em Espírito; a palavra não vo-la posso dizer.
21. ─ Tende a bondade de vos explicar. O que quereis dar a entender quando dizeis que eu vos veria em Espírito? ─ Uma forma humana transparente, conforme a depuração do Espírito.
22. ─ Dissestes haver tido outras existências. Tendes lembrança delas? ─ Sim, eu vo-lo disse, e por minhas respostas, deveis ver que tive muitas.
23. ─ Poderíeis dizer qual a que precedeu a última, que conhecemos? ─ Não esta noite e não por este médium. Pelo senhor, se quiserdes.
NOTA: Ela designa um dos assistentes, que começava a escrever como médium e explica sua simpatia por ele, porque, diz ela, o conheceu em sua precedente existência.
24. ─ Ficaríeis contrariada se eu publicasse esta conversa na Revista? ─ Não. É necessário que o mal seja divulgado; mas não me chameis... (seu nome de guerra). Detesto esse nome. Designai-me, se quiserdes, como grande mestra.
OBSERVAÇÃO: É para condescender com o seu desejo que não citamos o nome sob o qual era conhecida, e que lhe traz penosas recordações.
25. ─ Nós vos agradecemos por terdes vindo e pelas explicações que nos destes. ─ Sou eu que vos agradeço por terdes proporcionado a minha filha a ocasião de encontrar sua mãe, e a mim, a de poder fazer um pouco de bem.
Variedades
A bibliotecária de Nova York“Um jornal de Nova York publica um fato bastante curioso, do qual certo número de pessoas já tinham conhecimento, e sobre o qual, há dias, eram feitos comentários muito interessantes. Os espiritualistas veem nele um exemplo a mais das manifestações do outro mundo. As pessoas sensatas não vão buscar a explicação tão longe, e reconhecem claros sintomas característicos de uma alucinação. Essa é também a opinião do próprio Dr. Cogswell, o herói da aventura.
O Dr. Cogswell é o bibliotecário chefe da Astor Library. O devotamento com que trabalha o acabamento de um catálogo completo da biblioteca, muitas vezes o leva a consagrar a esse trabalho as horas que deviam ser consagradas ao sono. É assim que tem ocasião, à noite, de visitar sozinho as salas onde tantos volumes se acham nas estantes.
Há cerca de quinze dias ele passava, com o castiçal na mão, pelas onze horas da noite, diante de um dos recantos cheios de livros, quando, para sua grande surpresa, percebeu um homem bem posto, que parecia examinar com cuidado os títulos dos volumes. Imaginando a princípio tratar-se de um ladrão, recuou e examinou atentamente o desconhecido. Sua surpresa tornou-se ainda mais viva quando reconheceu no visitante noturno o doutor..., o qual tinha vivido perto de LafayettePlace, mas que morrera e fora sepultado havia seis meses.
O Dr. Cogswell não acredita muito em aparições e as teme ainda menos. Não obstante, julgou que deveria tratar o fantasma com consideração e, levantando a voz, lhe disse:
─ Doutor, como é que vós, que quando vivo talvez nunca tenhais vindo a esta biblioteca, a visitais depois de morto?
Perturbado na sua contemplação, o fantasma olhou para o bibliotecário com suavidade e desapareceu sem responder.
─ Singular alucinação, disse o Dr. Cogswell para si mesmo. Talvez eu tivesse comido algo de indigesto ao jantar.
Voltou ao seu trabalho, depois foi deitar-se e dormiu tranquilamente. No dia seguinte, à mesma hora, teve vontade de visitar novamente a biblioteca. No mesmo lugar da véspera encontrou o mesmo fantasma. Dirigiu-lhe as mesmas palavras e obteve o mesmo resultado.
─ Isto é curioso, pensou ele. É preciso que eu volte amanhã.
Mas antes de voltar, o Dr. Cogswell examinou as estantes que pareciam interessar vivamente ao fantasma e, por singular coincidência, reconheceu que estavam cheias de obras antigas e modernas de necromancia. Assim, no dia seguinte, pela terceira vez, encontrou o doutor morto e, variando a pergunta, lhe disse:
─ É a terceira vez que vos encontro, doutor. Dizei-me se algum desses livros perturba o vosso repouso, para que eu o mande retirar da coleção.
O fantasma não respondeu, tanto quanto não respondera nas outras vezes, mas desapareceu definitivamente e o perseverante bibliotecário pôde voltar à mesma hora e ao mesmo lugar, noites seguidas, sem encontrá-lo.
Contudo, aconselhado por amigos aos quais havia contado a história, bem como por médicos a quem consultou, decidiu repousar um pouco e fazer uma viagem de algumas semanas até Charlestown, antes de retomar à tarefa longa e paciente que se havia imposto, e cuja fadiga, sem dúvida, havia causado a alucinação que acabamos de descrever
OBSERVAÇÃO: Sobre o artigo, faremos uma primeira observação: é a displicência com que os negadores dos Espíritos se atribuem o monopólio do bomsenso. “Os espiritualistas, diz o autor, aí veem um exemplo a mais das manifestações do outro mundo. As pessoas sensatas não vão buscar a explicação tão longe e reconhecem claramente os sintomas de uma alucinação”. Assim, conforme esse autor, só são sensatas as pessoas que pensam como ele; as demais não têm senso comum, mesmo que fossem doutores, e o Espiritismo os conta aos milhares. Estranha modéstia, na verdade, a que tem como máxima: Ninguém tem razão, salvo nós e nossos amigos!
Ainda estamos aguardando uma definição clara e precisa, uma explicação fisiológica da alucinação. Mas, na falta de explicação, há um sentido ligado ao vocábulo. No pensamento dos que o empregam, significa ilusão. Ora, ilusão quer dizer ausência de realidade. Segundo eles, é uma imagem puramente fantástica, produzida pela imaginação, sob o império de uma superexcitação cerebral. Não negamos que, em certos casos, assim possa ser. A questão é saber se todos os fatos do mesmo gênero estão em condições idênticas. Examinando o que foi relatado acima, parece que o Dr. Cogswell estava perfeitamente calmo, como ele mesmo o declara, e que nenhuma causa fisiológica ou moral teria vindo perturbar-lhe o cérebro. Por outro lado, mesmo admitindo nele uma ilusão momentânea, restava explicar como essa ilusão se produziu por vários dias seguidos, à mesma hora e nas mesmas circunstâncias, pois este não é o caráter da alucinação propriamente dita. Se uma causa material desconhecida impressionou seu cérebro no primeiro dia, é evidente que a causa cessou ao cabo de alguns instantes, quando a aparição desapareceu. Como, então, ela se reproduziu identicamente três dias seguidos, com 24 horas de intervalo? É lamentável que o autor tenha negligenciado dar explicações, porque, sem dúvida, deve ele ter excelentes razões, desde que faz parte do grupo de gente sensata.
Contudo, concordamos que, no fato mencionado, não há qualquer prova positiva da realidade e que, a rigor, poder-se-ia admitir que a mesma aberração dos sentidos tenha podido repetir-se. No entanto, ocorre o mesmo quando as aparições são acompanhadas de circunstâncias de certo modo materiais? Por exemplo, quando pessoas, não em sonho, mas perfeitamente despertas, veem parentes ou amigos ausentes, nos quais absolutamente não pensavam, aparecer-lhes no momento da morte, que vêm anunciar, pode-se dizer que seja um efeito da imaginação? Se a ocorrência da morte não fosse real, incontestavelmente haveria ilusão; mas quando o acontecimento vem confirmar a previsão, e o caso é muito frequente, como não admitir outra coisa senão simples fantasmagoria? Se, além disso, o fato fosse único, ou mesmo raro, poder-se-ia crer num jogo do acaso. No entanto, como temos dito, os exemplos são inumeráveis e perfeitamente confirmados. Que os alucinacionistas nos tragam uma explicação categórica e, então, veremos se suas razões são mais probantes que as nossas. Gostaríamos sobretudo que eles nos provassem a impossibilidade material que a alma ─ sobretudo se eles, que se julgam sensatos por excelência, admitem que temos uma alma sobrevivente ao corpo, ─ que nos provassem, dizíamos, que essa alma, que deve estar em algum lugar, não pode estar em torno de nós, ver-nos, ouvir-nos e assim. comunicar-se conosco.
A noiva traída
Um rapaz amava perdidamente uma jovem, que lhe correspondia, e com a qual ia casar-se, quando, cedendo a um culposo arrastamento, abandonou a noiva por uma mulher indigna de um verdadeiro amor. A infeliz abandonada roga, chora, mas tudo é inútil. Seu volúvel namorado fica surdo aos seus lamentos. Então, desesperada, entra na casa dele, onde, em sua presença, morre em consequência do veneno que havia tomado. À vista do cadáver daquela cuja morte acabara de causar, terrível reação dele se opera e quer pôr termo à vida. Contudo, sobrevive. Mas a consciência sempre lhe reprochava o crime. Desde o momento fatal, diariamente, à hora do jantar, ele via abrir-se a porta e a noiva aparecer-lhe na forma de um esqueleto ameaçador. Por mais que procurasse distrair-se, mudar de hábitos, viajar, frequentar meios alegres, parar o relógio, nada conseguia. Onde quer que estivesse, à hora certa o espectro sempre se apresentava. Em pouco tempo emagreceu e sua saúde alterou-se, a ponto de os médicos desistiram de salvá-lo.
Um médico seu amigo, estudando-o a sério, depois de inutilmente haver experimentado vários remédios, teve a ideia seguinte: Com a esperança de lhe demonstrar que era vítima de uma ilusão, procurou um verdadeiro esqueleto, que depositou no quarto anexo; depois, tendo convidado o amigo para jantar, ao soarem as quatro horas, que era a hora da visão, fez vir o esqueleto por meio de polias adrede dispostas. O médico julgava-se vitorioso, mas seu amigo, preso de súbito terror, exclamou:
─ Oh! Já não basta um! São dois agora. E caiu morto, como que fulminado.
OBSERVAÇÃO: Lendo o relato, que transcrevemos dando crédito ao jornal italiano, de onde o tiramos, os alucinacionistas terão matéria, pois que poderão dizer, com razão, que havia uma causa evidente de superexcitação cerebral, que pode produzir uma ilusão no espírito chocado. Com efeito, nada prova a realidade da aparição, que se poderia atribuir a um cérebro enfraquecido por um violento abalo. Para nós, que conhecemos tantos fatos análogos comprovados, dizemos que ela é possível e, em todo caso, o conhecimento aprofundado do Espiritismo teria dado ao médico um meio mais eficaz de curar seu amigo. O meio teria sido evocar a jovem em outras horas e conversar com ela, quer diretamente, quer através de um médium; perguntar-lhe o que deveria fazer para lhe ser agradável e obter o seu perdão; pedir ao anjo da guarda que intercedesse junto a ela para convencê-la; e como, em definitivo, ela o amava, certamente esqueceria os seus erros, se nele tivesse reconhecido um arrependimento e um pesar sinceros, em vez do simples terror, que nele talvez fosse o sentimento dominante. Ela teria cessado de mostrar-se sob uma forma horrível, para tomar a forma graciosa que tinha em vida, ou teria deixado de aparecer. Ela certamente ter-lhe-ia dito coisas boas que lhe teriam restabelecido a calma de espírito. A certeza de que jamais estariam separados; de que ela velava ao seu lado e de que um dia estariam unidos, lhe teria dado coragem e resignação. É um resultado que muitas vezes temos constatado. Os Espíritos que aparecem espontaneamente sempre têm um objetivo. No caso, o melhor é perguntar o que desejam. Se forem sofredores, é preciso orar por eles e fazer o que lhes pode ser agradável. Se a aparição tiver um caráter permanente e de obsessão, quase sempre cessa quando o Espírito é satisfeito. Se o Espírito que se manifesta com obstinação, quer à visão, quer por meios perturbadores que não poderiam ser tomados por uma ilusão; se é mau e age por maldade, geralmente é mais tenaz, o que não impede de se ter mais razão com a perseverança, e sobretudo pela prece sincera feita em sua intenção. Mas é preciso estar realmente persuadido de que para tanto não há palavras sacramentais, nem fórmulas cabalísticas, nem exorcismos que tenham a menor influência. Quanto piores, mais se riem do pavor que inspiram e da importância ligada à sua presença. Divertem-se ao serem chamados diabos ou demônios e por isso tomam gravemente os nomes de Asmodeu, Astaroth, Lúcifer e outras qualificações infernais, redobrando a malícia, ao passo que se retiram quando veem que perdem seu tempo com pessoas que não se deixam enganar, e que se limitam a pedir para eles a misericórdia divina.
Superstição
O senhor Félix N..., jardineiro das proximidades de Orléans, tinha fama de possuir a habilidade de isentar os conscritos do sorteio, isto é, de fazê-los conseguir um bom número. Prometeu a um tal de Frédéric Vincent P..., jovem vinhateiro de St-Jean-de-Braye fazê-lo tirar o número que quisesse, mediante o pagamento de 60 francos, dos quais 30 adiantados e 30 após o sorteio. O segredo consistia em rezar três Pater e três Ave durante nove dias. Além disso, o feiticeiro afirmava que graças ao que ele faria, de sua parte, a coisa influenciaria muito o conscrito e o impediria de dormir durante a última noite, mas que ele seria dispensado. Infelizmente o encanto não funcionou. O conscrito dormiu como de costume e tirou o número 31, que o fez soldado. Repetidos tais fatos mais duas vezes, o segredo não foi mantido e o feiticeiro Félix foi levado à justiça.”
Os adversários do Espiritismo o acusam de despertar ideias supersticiosas. Mas, o que há de comum entre a doutrina que ensina a existência do mundo invisível comunicando-se com o visível, e fatos da natureza do que relatamos, que são os verdadeiros tipos de superstição? Onde jamais se viu o Espiritismo ensinar semelhantes absurdos? Se os que o atacam a tal respeito se tivessem dado ao trabalho de estudá-lo, antes de julgá-lo tão levianamente, saberiam que ele não só condena todas as práticas divinatórias, como lhes demonstra a nulidade. Portanto, como temos dito muitas vezes, o estudo sério do Espiritismo tende a destruir as crenças realmente supersticiosas. Na maioria das crenças populares há, quase sempre, um fundo de verdade, mas desnaturado, amplificado. São os acessórios, as falsas aplicações que, a bem dizer, constituem a superstição. Assim é que os contos de fadas e de gênios repousam sobre a ideia da existência de Espíritos bons ou maus, protetores ou malévolos; que todas as histórias de aparições têm sua fonte no fenômeno muito real das manifestações espíritas visíveis e mesmo tangíveis. Tal fenômeno, hoje perfeitamente verificado e explicado, entra na categoria dos fenômenos naturais, que são uma consequência das leis eternas da criação. Mas o homem raramente se contenta com a verdade que lhe parece muito simples. Ele a reveste com todas as quimeras criadas pela imaginação e é então que cai no absurdo. Vêm depois os que têm interesse em explorar essas mesmas crenças, às quais juntam um prestígio fantástico, próprio a servir aos seus objetivos. Daí essa turba de adivinhos, de feiticeiros, de ledores da sorte, contra os quais a lei se ergue com justiça. O Espiritismo verdadeiro, racional, não é, pois, mais responsável pelo abuso que dele possam fazer, do que o é a Medicina pelas fórmulas ridículas e práticas empregadas por charlatães ou ignorantes. Ainda uma vez, antes de julgá-lo, dai-vos ao trabalho de estudá-lo.
Concebe-se o fundo de verdade de certas crenças, mas talvez se pergunte sobre o que pode repousar a que deu lugar ao fato acima, crença muito espalhada no nosso interior, como se sabe. Parece-nos, à primeira vista, que tem sua origem no sentimento intuitivo dos seres invisíveis, aos quais se é levado a atribuir um poder que muitas vezes eles não têm. A existência de Espíritos enganadores que pululam à nossa volta por força da inferioridade do nosso globo, como insetos daninhos num pântano, e que se divertem à custa dos crédulos, predizendo-lhes um futuro quimérico sempre próprio a adular seus gostos e desejos, é um fato do qual temos provas diárias pelos médiuns atuais. O que se passa aos nossos olhos aconteceu em todas as épocas, pelos meios de comunicação em uso, conforme o tempo e o lugar, eis a realidade. Com o auxílio do charlatanismo e da cupidez, a realidade passou para o estado de crença supersticiosa.
Pneumatografia ou escrita direta
Uma segunda prova foi feita nas mesmas condições e, ao cabo de um quarto de hora, o papel continha, na face inferior, e em caracteres fortemente traçados em preto, estas palavras inglesas: God loves you e, abaixo, Channing. No fim do papel estava escrito em francês: Fé em Deus. Enfim, no verso da mesma página, havia uma cruz com um sinal semelhante a um caniço, ambos traçados com uma substância vermelha.
Terminada a prova, o Sr. X... exprimiu à Srta. Huet o desejo de, por seu intermédio, como médium escrevente, obter algumas explicações mais desenvolvidas de Channing. Entre ele e o Espírito estabeleceu-se este diálogo:
─ Channing, estais presente?
─ Eis-me aqui. Estais contente comigo?
─ A quem se dirige o que escrevestes, a todos ou a mim particularmente?
─ Escrevi esta frase, cujo sentido se dirige a todos os homens. A experiência da escrita em inglês, no entanto, é para vós, em particular. Quanto à cruz, é o sinal da fé.
─ Por que a fizestes em vermelho?
─ Para vos pedir que tenhais fé. Eu não podia escrever porque era muito longo, então vos dei um sinal simbólico.
─ O vermelho é, pois, a cor simbólica da fé?
─ Certamente. É a representação do batismo de sangue.
OBSERVAÇÃO: A Srta. Huet não sabe inglês e o Espírito quis dar, assim, uma prova a mais de que seu pensamento era estranho à manifestação. Ele o fez espontaneamente e plenamente de acordo com a sua vontade, mas é mais do que provável que se lhe houvessem pedido como prova ele não teria atendido. Sabe-se que os Espíritos não gostam de servir de instrumento visando experiências. As provas mais patentes, por vezes, surgem quando menos se espera, e quando os Espíritos agem livremente, às vezes dão mais do que se lhes teria pedido, seja porque desejam mostrar sua independência, seja porque, para a produção de certos fenômenos, seria necessário o concurso de circunstâncias que nem sempre nossa vontade é suficiente para proporcionar. Nunca seria demasiado repetir que os Espíritos têm seu livre-arbítrio e querem provar-nos que não estão submetidos aos nossos caprichos. Por isso, raramente acedem ao desejo da curiosidade.
Os fenômenos, seja qual for a sua natureza, jamais estão à nossa disposição de uma maneira certa, e ninguém poderia garantir a sua obtenção à vontade e num dado momento. Quem quiser observá-los deve resignar-se à espera, e muitas vezes é, de parte dos Espíritos, uma prova para a perseverança do observador e do fim a que se propõe. Os Espíritos pouco se preocupam em divertir os curiosos, e não se ligam de boa vontade senão a gente séria, que dá provas de sua vontade de instruir-se, para tanto fazendo o que é preciso, sem mercadejar seu esforço e seu tempo.
A produção simultânea de sinais em caracteres de cores diferentes é um fato extremamente curioso, mas não é mais sobrenatural do que todos os outros. Podemos dar-nos conta disso lendo o artigo Pneumatografia ou escrita direta na Revista Espírita de agosto de 1859. Com a explicação, desaparece o maravilhoso, dando lugar a um simples fenômeno que tem sua razão de ser nas leis gerais da Natureza e no que poderia chamar-se a fisiologia dos Espíritos.
Espiritismo e Espiritualismo
Seria certamente estranho erro se pensássemos que o ilustre prelado, em tal circunstância, tenha entendido o Espiritualismo no sentido da manifestação dos Espíritos. O vocábulo é ali empregado na sua verdadeira acepção, e o orador não podia exprimir-se de outra maneira, a menos que se servisse de uma perífrase, porque não existe outro termo para exprimir o mesmo pensamento. Se não tivéssemos indicado a fonte de nossa citação, certamente poderiam pensar que tivesse saído textualmente da boca de um espiritualista americano, a propósito da Doutrina dos Espíritos, igualmente representada pelo Cristianismo, que é a sua mais sublime expressão. Conforme isto, seria possível que um futuro erudito, interpretando à vontade as palavras de Monsenhor Donnet, tentasse demonstrar aos nossos sobrinhos-netos que, no ano de 1860, um cardeal tinha professado publicamente, perante o Senado da França, a manifestação dos Espíritos?
Não vemos no fato uma nova prova da necessidade de ter um vocábulo para cada coisa, a fim de nos entendermos? Quantas intermináveis discussões filosóficas não tivemos por causa do sentido múltiplo das palavras! O inconveniente é mais grave ainda nas traduções, de que os textos bíblicos nos oferecem mais de um exemplo. Se, na língua hebraica, o mesmo vocábulo não tivesse significado dia e período, não nos teríamos enganado sobre o sentido do Gênesis, a propósito da duração da formação da Terra, e o anátema não teria sido lançado, por falta de entendimento, contra a Ciência, quando esta demonstrou que a formação não se poderia ter realizado em seis vezes 24 horas.
Ditados espontâneos e dissertações espíritas
As diferentes ordens de EspíritosTEU AMIGO
Os dois ditados seguintes foram obtidos num pequeno círculo íntimo do bairro Luxemburgo, e nos são enviados por nosso colega Sr. Solichon, que os assistiu. Lamentamos que nossas ocupações ainda não tenham permitido ir a essas reuniões, para as quais tiveram a gentileza de nos convidar. Sentir-nos-emos felizes quando pudermos assisti-las, pois sabemos que um sentimento de verdadeira caridade cristã e de recíproca benevolência as preside.
Remorso e arrependimento
Amai-vos sempre uns aos outros, como irmãos; prestai-vos mútuo auxílio, e que o amor ao próximo não vos seja uma palavra vazia de sentido.
Lembrai-vos de que a caridade é a mais bela das virtudes, e que, de todas, é a mais agradável a Deus, não só dessa caridade que dá um óbolo ao infeliz, mas dessa que se compadece das misérias de nossos irmãos; que vos faz partilhar de suas dores morais, aliviar o fardo que os oprime, a fim de lhes tornar a dor menos viva e a vida mais fácil.
Lembrai-vos de que o arrependimento sincero obtém o perdão de todas as faltas, tão grande é a bondade de Deus. O remorso nada tem em comum com o arrependimento. O remorso, meus irmãos, já é o prelúdio do castigo. O arrependimento, a caridade e a fé vos conduzirão às felicidades reservadas aos bons Espíritos.
Ides ouvir a palavra de um Espírito superior, bem-amado de Deus. Recolheivos e abri o vosso coração às lições que ele vos dará.
UM ANJO GUARDIÃO
Os médiuns
Deus encarregou-me da missão de cumprir junto aos crentes que ele favorece com o mediunato. Quanto mais graças receberem do Altíssimo, mais perigos correm. Esses perigos são tanto maiores, quanto nascem dos próprios favores que Deus lhes concede.
As faculdades de que desfrutam os médiuns lhes atraem elogios dos homens: felicitações, adulação, eis o escolho. Esses mesmos médiuns, que deveriam ter sempre na memória a sua incapacidade primitiva, a esquecem; fazem mais: o que só devem a Deus, atribuem ao seu próprio mérito. Que acontece então? Os bons Espíritos os abandonam; não mais tendo bússola para orientá-los, tornam-se joguetes dos Espíritos enganadores. Quanto mais capazes, mais são levados a considerar sua faculdade um mérito, até que, enfim, para os punir, Deus lhes retira o dom que apenas lhes pode ser fatal.
Nunca seria demais lembrar-vos que vos recomendeis ao vosso anjo guardião, para que vos ajude a vos manter em guarda contra vosso mais cruel inimigo, que é o orgulho. Lembrai-vos de que, sem o apoio do vosso divino Mestre, vós, que tendes a felicidade de servir de intermediários entre os Espíritos e os homens, sereis punidos, tanto mais severamente quanto mais favorecidos, se não tiverdes aproveitado a luz.
Apraz-me crer que esta comunicação, da qual dareis conhecimento à Sociedade, dará frutos, e que todos os médiuns que lá se acham reunidos manter-seão em guarda contra o escolho onde viriam quebrar-se. Esse escolho, já disse a todos, é o orgulho.
JOANA D’ARC Aviso: Temos a satisfação de anunciar aos nossos leitores a reimpressão da Histoire de Jeanne d’Arc, ditada por ela própria. Essa obra aparecerá dentro em pouco, na livraria do Sr. Ledoyen. Voltaremos a falar dela.
Junho
Boletim(SESSÃO PARTICULAR)
(SESSÃO GERAL)
(SESSÃO PARTICULAR)
─ Por que São Luís não se comunicou sexta-feira última através do Sr. Didier, e deixou falar um Espírito enganador?
─ São Luís estava presente, mas não quis falar. Aliás, não reconhecestes que não era ele? É o essencial. Não fostes enganados, desde que reconhecestes a impostura.
─ Com que objetivo não quis falar?
─ Podeis perguntar a ele mesmo. Ele está aqui.
─ São Luís poderia dar-nos o motivo de sua abstenção?
─ Estás contrariado com o que aconteceu, mas deves saber que nada ocorre sem motivo. Por vezes, há coisas cujo objetivo não compreendeis; que à primeira vista vos parecem más, porque sois muito impacientes, mas cuja sabedoria mais tarde reconheceis. Fica pois tranquilo, e não te inquietes por nada. Nós sabemos distinguir os que são sinceros e velamos por eles.
─ Se foi uma lição que nos quisestes dar, eu a compreenderia quando estamos entre nós; mas em presença de estranhos, que lhe reconheceram a má impressão, parece-me que o mal leva o bem de vencida.
─ Tu te enganas vendo as coisas assim. O mal não é o que pensas e eu te asseguro que houve pessoas aos olhos das quais essa espécie de revés foi uma prova da boa-fé de vossa parte. Aliás, por vezes, do mal resulta o bem. Quando vês um pomicultor cortar belos ramos de uma árvore, deploras a perda da verdura, e isto te parece um mal. Mas, uma vez cortados esses ramos parasitas, os frutos vêm mais belos e saborosos. Eis o bem. Então percebes que o pomicultor foi sábio e mais previdente do que supunhas. Do mesmo modo, se se corta um membro de um doente, a perda do membro é um mal; mas, após a amputação, se fica bom, eis o bem, porque talvez lhe tenham salvo a vida. Reflete bem nisto e compreenderás.
─ Isso é muito justo. Mas como é que, apelando aos bons Espíritos e lhes pedindo o afastamento dos impostores, o apelo não é atendido?
─ É atendido, não o duvides. Mas tens certeza de que o apelo venha do fundo do coração de todos os assistentes, ou que não haja alguém que, por um pensamento pouco caridoso e malévolo, senão pelo desejo, atraia maus Espíritos para o vosso meio? Eis por que vos dizemos incessantemente: Sede unidos, bons e benevolentes uns para com os outros. Disse Jesus: Quando estiverdes reunidos em meu nome, estarei entre vós. Para isso, credes que baste pronunciar o seu nome? Não penseis assim e convencei-vos de que Jesus não vai senão onde é chamado por corações puros, junto daqueles que praticam os seus preceitos, porque esses estão verdadeiramente reunidos em seu nome. Não vai aos orgulhosos, nem aos ambiciosos, nem aos hipócritas, nem aos que falam mal do próximo. É destes que diz: Não entrarão no Reino dos Céus.
─ Compreendo que os bons Espíritos se retirem dos que não lhes ouvem os conselhos. Mas se, entre os assistentes, há mal-intencionados, é isto uma razão para punir os outros?
─ Admiro-me de tua insistência. Parece que me expliquei muito claramente para quem queira compreender. É preciso repetir que não deves preocupar-te com essas coisas, que são puerilidades junto ao grande edifício da doutrina que se ergue? Crês que tua casa vá cair porque se desprende uma telha? Duvidas de nosso poder, de nossa benevolência? Não! Então, deixa-nos agir e fica certo de que todo pensamento, bom ou mau, tem seu eco no seio do Eterno.
─ Nada dissestes a propósito da invocação geral que fazemos no começo de cada sessão. Podeis dizer o que pensais?
─ Deveis sempre apelar aos bons Espíritos; a forma, sabeis, é insignificante. O pensamento é tudo. Tu te admiras do que se passou. Mas examinaste bem o rosto dos que te escutam, quando fazes essa invocação? Mais de uma vez não viste o sorriso de sarcasmo em certos lábios? Que Espíritos pensas que trazem essas pessoas? Espíritos que, como elas, se riem das coisas mais sagradas. É por isso que vos digo que não recebais o primeiro que vier; evitai os curiosos e os que não vêm para se instruírem. Cada coisa virá a seu tempo e ninguém pode prejulgar os desígnios de Deus. Em verdade vos digo que os que hoje riem destas coisas, não rirão por muito tempo.
(SESSÃO GERAL)
particulares, por diversos membros da família russa W... Serão publicadas.
O Espiritismo na Inglaterra
Um Espírito falador
O Espírito e o cãozinho
─ Eis-me aqui.
─ Sim.
─ A extrema finura dos sentidos pode levar a adivinhar a presença do Espírito e até a vê-lo.
─ O olfato, sobretudo, e o fluido magnético.
Foi certamente por esse motivo que interferiu espontaneamente na presente evocação.
─ De boa vontade. O fato é perfeitamente verossímil e, consequentemente, natural. Falo em geral, pois não conheço o caso de que tratais. O cão é dotado de uma organização muito particular. Ele compreende o homem: basta isso. Sente-o, segue-o em todas as suas ações com a curiosidade de uma criança; ama-o, e chega mesmo ao ponto de ─ e disto tem-se exemplos para confirmar o que adianto ─ ao ponto, dizia eu, de a ele se dedicar. O cão deve ser ─ não tenho certeza, entendei bem ─ mas o cão deve ser um desses animais vindos de um mundo já adiantado para sustentar o homem em seu sofrimento, servi-lo, guardá-lo. Acabo de falar das qualidades morais que, positivamente, possui o cão. Quanto às suas faculdades sensitivas, são extremamente delicadas. Todos os caçadores conhecem a sutileza do faro do cão. Além dessa qualidade, o cão compreende quase todas as ações do homem; compreende a importância de sua morte. Por que não adivinharia a sua alma e por que, mesmo, não a veria?
O Espírito de um idiota
─ Podeis evocá-lo como se fosse um morto.
─ Sim. Sua alma se liga ao corpo por laços materiais, mas não por laços espirituais. Ela pode sempre desprender-se.
─ Sou um pobre Espírito ligado à terra, como uma ave por um pé.
─ Certamente. Sinto bem o meu cativeiro.
─ Quando meu corpo infeliz repousa, estou um pouco mais livre para me elevar ao Céu, a que aspiro.
─ Sim, pois é uma punição.
─ Oh, sim! Ela é a causa de meu exílio atual.
─ Um jovem libertino ao tempo de Henrique III.
─ Não.
─ Ela não me é nula perante Deus, que a impôs.
─ Não: mais alguns anos e voltarei à minha pátria.
─ Porque eu era um Espírito leviano, Deus me aprisionou.
─ Vejo, entendo, mas meu corpo não compreende nem vê.
─ Nada.
─ As preces são sempre boas e agradáveis a Deus. Na posição deste pobre Espírito, elas não lhe podem servir; servirão mais tarde, pois Deus as deixa de reserva.
Palestras familiares de além-túmulo - Sra. Duret
─ Eis-me aqui.
─ Oh! Muito bem.
─ Não, ainda não, mas sabia que iríeis chamar-me.
─ Responderei o melhor que puder.
─ Sim, de muito boa vontade. Responderei e pedirei a Deus que me esclareça.
─ Isto me é indiferente, desde que seja um bom médium.
─ Oh! Muitas vezes. Há poucos médiuns que não o sejam mais ou menos.
─ Aquilo que se faz em vossa casa é dado igualmente para a instrução da Sociedade. Muitas vezes convém aproveitar os instantes em que o Espírito quer comunicar-se, pois nem sempre as circunstâncias lhe são igualmente favoráveis.
─ Há muitas que conheceis, mas é preciso saberdes que isto nem sempre dele depende. Por vezes ele necessita ser assistido por outros Espíritos, que nem sempre ali se acham no momento.
─ Quero dizer que sempre é possível, quando se queira, preservar-se dos maus Espíritos, e que a primeira condição para isto é não atraí-los pela fraqueza ou pelos defeitos. Quanto vos teria a dizer sobre isto! Ah! Se os médiuns soubessem quanto mal fazem a si próprios quando dão oportunidade aos Espíritos malévolos!
─ Sim; e também no mundo dos vivos.
─ Há muitos. Para começar, tornam-se presa dos maus Espíritos, que deles abusam e os impelem ao mal, excitando todos os defeitos que neles encontram em germe, principalmente o orgulho e a inveja. Depois, Deus os pune, às vezes, por penas na vida.
─ Credes, então, que os maus Espíritos só vêm atacar os médiuns? A mediunidade, ao contrário, é um meio precioso de reconhecê-los e de se premunir contra eles. É o remédio que, em sua bondade, Deus põe ao lado do mal. É o aviso do bom pai que ama os seus filhos e quer preservá-los do perigo. Infelizmente, os que desfrutam desse dom não sabem ou não querem aproveitá-lo. São como o imprudente que se fere com a arma que deve servir para sua defesa.
─ Sou eu mesma que as dou, e vo-lo certifico em nome de Deus. Mas creio que se tivesse sido abandonada a mim mesma, seria incapaz disso. Os pensamentos me vêm de mais alto.
─ Não. Há aqui uma multidão de Espíritos, ante os quais me inclino, e cujos pensamentos parecem irradiar sobre mim.
─ Disso não duvideis. Muitas vezes ele pensa responder por si mesmo, quando é apenas um eco.
─ Eles o fariam se os interrogásseis. Foi a mim que evocastes. Eles querem responder e, então, servem-se de mim para minha própria instrução.
─ A morte não liberta o homem da obsessão dos maus Espíritos. É a figura dos demônios, atormentando as almas sofredoras. Sim, esses Espíritos os perseguem após a morte e lhes causam sofrimentos horríveis, porque o Espírito atormentado se sente num abraço de que não se pode libertar. Ao contrário, o que se libertou da obsessão em vida é forte, e os maus Espíritos o encaram com medo e respeito. Encontraram o seu superior.
─ Não são médicos que faltam, mas os bons médicos são raros. Dá-se o mesmo com os médiuns.
─ As comunicações dos bons Espíritos têm um caráter com o qual não nos podemos enganar, quando nos damos ao trabalho de estudá-las. Quanto ao médium, o melhor seria aquele que jamais tivesse sido enganado, pois isso seria a prova de que só atrai bons Espíritos.
─ Sim, os maus Espíritos podem fazer tentativas, e não triunfam senão pela fraqueza ou pela excessiva confiança do médium que se deixa enganar. Mas isto não dura, e os bons Espíritos fàcilmente vencem, quando há vontade.
─ Sim. Por vezes, ela é dada em alto grau a pessoas viciosas, a fim de ajudar na sua correção. Será que os doentes não precisam mais de remédios que as pessoas sadias? Os maus Espíritos por vezes lhes dão bons conselhos sem o saberem; a isto são levados pelos bons Espíritos. Mas elas não os aproveitam porque, por orgulho, não os tomam para si.
─ Às vezes, médiuns imperfeitos podem ter belas comunicações, que só podem vir de bons Espíritos. Mas, quanto mais sábias e sublimes essas comunicações, mais culpados os médiuns por não aproveitá-las. Oh! Sim. São muito culpados e sofrerão penas cruéis por sua cegueira.
─ Os bons Espíritos apreciam a intenção e, quando julgam útil, podem servir-se de qualquer espécie de médium, segundo o fim em vista. Mas, em geral, as comunicações são tanto mais seguras quanto mais sérias as qualidades do médium.
─ Uns são tão perfeitos quanto o comporta a humanidade terrena. São raros, mas existem: são os preferidos por Deus e se preparam grandes alegrias no mundo dos Espíritos.
─ Eu vo-lo disse: o orgulho, e também a inveja, que é uma decorrência do orgulho e do egoísmo. Deus ama os humildes e castiga os soberbos.
─ Não de maneira absoluta. Mas se num médium reconheceis orgulho, inveja e pouca caridade, tendes muito mais chances de ser enganados.
─ Sim, positivamente.
─ É verdade, sim.
─ Eles são enganados menos vezes que os escreventes, mas igualmente podem sê-lo, pelas falsas aparências, quando não inspirados por Deus. Sob os Faraós, ao tempo de Moisés, os falsos profetas não faziam milagres que enganavam o povo? Só Moisés não se enganava, porque era inspirado por Deus.
─ Sim, como sempre; é impossível ser de outro modo.
─ Começou na agonia.
─ Muito pouco tempo.
─ Cerca de 15 a 18 de vossas horas.
─ Certamente. Não é a mesma para todos os homens. Depende muito do gênero de morte.
─ Absolutamente nenhuma. Deus, que é bom para todas as suas criaturas, quer poupar ao Espírito as angústias desse momento, por isso lhe tira toda lembrança e toda sensação.
─ Fiquei uns instantes nesse estado, depois, pouco a pouco, eu me reconheci.
─ Não sei ao certo, mas durou pouco tempo. Creio que umas duas horas.
─ Não sei. Quase não tinha consciência de mim mesma.
─ Na verdade o acreditei por alguns instantes.
─ Não, absolutamente. A perda da vida não é para ser deplorada.
─ Encontrei-me com Espíritos que me rodeavam e que me ajudavam a sair da perturbação. Foi essa mudança que me chocou.
─ Eu pouco o deixo. Ele me vê, evoca-me, e isto substitui meu pobre corpo.
─ Não imediatamente. Pensei que me evocariam. Não havia muito que os havia deixado e me parecia que os tinha conhecido e que não os via há séculos. Eu era médium e espírita. Todos os Espíritos que eu havia evocado vieram rever-me. Isto me tocou. Se soubésseis como é agradável reencontrar os amigos neste mundo!
─ Oh! Sim.
─ Isto nada tem de que se deva admirar. Eu não era tão adiantada quanto hoje. E depois, a diferença é tão grande entre o mundo corporal e o dos Espíritos, que surpreende sempre.
─ É bem isto. Eu vos disse que não era tão adiantada quanto hoje.
─ São como em toda parte: há boas e más, verdadeiras e falsas. Muitas vezes as pessoas se ocupam de coisas que não são bastante sérias e nem sempre andam bem. Mas não julgam fazer mal. Tentarei corrigi-los.
─ Também vos agradeço por terdes pensado em mim.
Medicina intuitiva
Quanto à terceira questão, não hesito mais em respondê-la afirmativamente.
Uma semente de loucura
Tradição muçulmana
_________________________________________
* Nome árabe da gruta conhecida sob o nome do túmulo de lázaro.
Erro de linguagem de um Espírito
MATHIEU.
Ditados espontâneos e dissertações espíritas
A vaidadeA miséria humana
A tristeza e o pesar
A fantasia
Influência do médium sobre o Espírito
Bibliografia
ALLAN KARDEC
Julho
AvisoBoletim
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 25 de maio.
Por proposta da comissão e após relato verbal, a Sociedade admite como sócios livres:
Sra. E..., de Viena, Áustria.
Assuntos administrativos. A comissão propõe e a Sociedade adota as seguintes proposições:
— Considerando que, nos termos do art. 16 do regulamento, no fim de abril a Sociedade pode dar a conhecer a intenção de retirada de certos membros;
Que se as admissões feitas pela direção e comissão antes dessa época, poderiam recair sobre membros que não continuarão a fazer parte;
Que não seria racional que os que pretendem retirar-se fossem admitidos;
Resolve o seguinte:
1.º — As eleições para a direção e para a comissão serão feitas na primeira sessão de maio. Os membros em exercício continuarão suas funções até essa época.
2.º — A Sociedade, considerando que uma ausência muito prolongada e não prevista dos membros da direção e da comissão pode entravar a marcha dos trabalhos;
Resolve o seguinte:
Os membros da direção e da comissão, ausentes durante três meses sem prévio aviso, serão considerados resignatários, providenciando-se a sua substituição.
Comunicações diversas.
2.º — Outro, pela Sra. Schmidt, sobre a Influência do médium sobre o Espírito, assinado por Alfred de Musset.
3.º — Relato de um caso concernente a duas pessoas, das quais uma é uma pobre moça, e cujas relações atuais são conseqüência das que existiam em sua vida anterior. Circunstâncias aparentemente fortuitas as puseram em relação e elas experimentaram uma simpatia recíproca, revelada por singular coincidência do poder mediúnico. Interrogado sobre certos fatos, um Espírito superior disse que a jovem tinha sido filha da outra em vida anterior, havia sido abandonada e, na presente existência, posta em seu caminho, para lhe dar ocasião de reparar a falta protegendo-a, o que ela está resolvida a fazer, a despeito de sua situação bastante precária, pois vive de seu trabalho.
O fato, que contêm muitos detalhes interessantes, vem em apoio do que sempre tem sido dito sobre certas simpatias, cuja causa remonta a vidas precedentes.
Sem contradita, esse princípio dá uma razão de ser a mais ao sentimento fraterno, que faz uma lei da caridade e da benevolência, porque aperta e multiplica os laços que devem unir a Humanidade.
Estudos.
São Luís completa a comunicação com informes sobre os mundos destinados ao castigo dos Espíritos culpados.
3.º Dois ditados espontâneos, o primeiro pela srta. Huet, sobre a continuação das Memórias de um Espírito; o segundo pela Sra. Lesc..., assinado por Georges, seu Espírito familiar, sobre o exame cri tico que a Sociedade se propõe fazer das comunicações espíritas, O Espírito aprova muito esse gênero de estudo e o considera como um meio de evitar falsas comunicações.
(SEXTA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 1860 — SESSÃO GERAL)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 1.º de junho.
A Sra. Viúva G..., antigo membro titular, não incluída na lista de 30 de abril, em cumprimento do novo regulamento da Sociedade, escreve explicando os motivos de sua abstenção e pede seja reintegrada como associada livre. Conforme parecer da comissão, é admitida nestas condições.
Comunicações diversas.
2.º — Outro, pelo mesmo médium, assinado por Alfred de Musset, intitulado Aspirações de um Espírito.
3.º — O Sr. M..., de Metz, relata um fato interessante e pessoal, sobre a influência que um médium pode exercer sobre outra pessoa, para lhe desenvolver a faculdade mediúnica. Por tal meio ela foi desenvolvida no Sr. M...; mas o que há de particular no caso é que foi uma ação à distância. Estando o médium em Châlons, e o Sr. M... em Metz, combinaram a hora para a prova e o Sr. M... constatou o momento preciso em que o médium o influenciava ou cessava de agir. Ainda mais, descreveu as impressões espirituais que sentia o médium e das quais não podia fazer uma idéia e, por outro lado, o médium escreveu as mesmas palavras traçadas pelo Sr. M...
Ainda mais, houve com o médium um fato muito curioso de escrita direta espontânea, isto é, sem provocação e sem qualquer intenção de sua parte, porque nem pensava em tal, Várias palavras, que não podiam ter outra origem, quando se conhecem as circunstâncias, inopinadamente foram achadas escritas, com manifesta intenção, e adequadas à situação. Tendo tentado nova manifestação, o médium não a conseguiu.
Estudos.
2.º — Evocação de Antoine T..., desaparecido há alguns anos, sem deixar indícios sobre sua sorte. Reconhecida como inexata uma primeira evocação, ele explica o motivo e dá novos detalhes sobre sua pessoa. A investigação mostrará se são mais exatos que os primeiros.
3.º — Evocação do astrólogo Vogt, de Munique, que se suicidou a 4 de maio de 1860. Seu Espírito, pouco desprendido, ainda se acha sob o império das idéias que o preocupavam em vida.
4.º — Dois ditados espontâneos e simultâneos, o primeiro pelo Sr. Didier Filho, sobre a Fatalidade, assinado por Lammenais; o segundo pela Sra. Lesc..., assinado por Dauphine de Girardin, sobre as Mascaradas Humanas.
(SEXTA-FEIRA, 15 DE JUNHO DE 1860 — SESSÃO PARTICULAR)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 8 de junho.
Por proposta da comissão, são recebidos como sócios livres:
O Sr. Conde de N..., de Moscou.
O Sr. P..., proprietário em Paris.
2.º — Leitura de uma evocação particular, feita em casa do Sr. Allan Kardec, do Sr. J... Filho, de Saint-Etienne. Posto que de interesse privado, a evocação apresenta ensinamentos úteis, pela elevação de pensamentos do Espírito chamado, e foi ouvida com vivo interesse.
3.º — Observação apresentada pelo Sr. Allan Kardec a respeito de uma predição que lhe foi submetida por um médium de seu conhecimento. Segundo ela, certos acontecimentos devem ocorrer em data fixa e, como constatação, o Espírito tinha dltQ ao médium que a fizesse assinar por várias pessoas, entre outras o Sr. Allan Kardec, a fim de poder certificar, na ocorrência, a época em que fora feita. Eu me recusei, disse o Sr. Allan Kardec, pelas seguintes considerações: “Já há multa tendência a ver no Espiritismo um meio de adivinhação, o que é contrário ao seu objetivo; quando fatos futuros são anunciados e se realizam, temos sem dúvida, um caso curioso e excepcional, mas seria perigoso considerá-lo como uma regra. Por isso, não quis que meu nome servisse para endossar uma crença que falsearia o Espiritismo, em seu principio e na sua aplicação.”
Estudos.
2.º — Continuação do exame critico das comunicações de Charlet sobre os animais. Será publicado.
3.º — Evocação de um Espírito batedor, que se manifesta ao filho do Sr. N..., membro da Sociedade, por efeitos físicos de certa originalidade. Disse ter sido tambor-mor na banda militar do Vaticano e chamar-se Eugène. Sua linguagem não desmente a qualidade que se atribui.
4.º — Ditado espontâneo pela Sra. Lesc..., sobre o desenvolvimento das faculdades intelectuais, a propósito da evocação de Thilorier, e assinado Georges, Espírito familiar, E de notar-se que muitas vezes esse Espírito apropria suas comunicações às circunstâncias, o que prova que assiste às conversas, mesmo sem ser chamado. O fato produziu-se em várias outras ocasiões, da parte de outros Espíritos.
Outro, pelo Sr. Didier Filho, assinado por Vauvernagues e contendo alguns notáveis pensamentos.
(SEXTA-FEIRA, 22 DE JUNHO DE 1860 — SESSÃO GERAL)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 15 de junho.
Comunicações diversas.
2.º — Relato de um fato natural de mediunidade espontânea, como médium escrevente, apresentado pela Sra. Lub..., membro da Sociedade. A pessoa é uma camponesa de quinze anos e que, sem qualquer conhecimento de Espiritismo, escreve quase diariamente, por vezes páginas inteiras, de maneira absolutamente mecânica. Uma intuição lhe diz que deve ser um Espírito que lhe fala, porque, quando é levada a escrever, toma um lápis dizendo: Vejamos o que ele vai me dizer hoje. Suas comunicações quase sempre se relacionam com episódios da vida privada, quer para ela, quer para pessoas de seu conhecimento e, quase sempre, de extrema justeza, sobre coisas que ela ignora completamente. E provável que, se a faculdade fosse cultivada e bem dirigida, se desenvolveria de modo notável e útil.
Estudos.
2.º — Perguntas sobre os inventores e as descobertas prematuras, a propósito da evocação de Thilorier.
3. — Manifestações físicas produzidas pelo filho do Sr. N..., rapaz de treze anos, de que se falou na última sessão. O Espírito batedor a ele ligado o faz simular, com as mãos e os dedos, com incrível volubilidade, toda sorte de evoluções militares, como cargas de cavalaria, manobras de artilharia, ataques de fortes, etc., tomando todos os objetos a seu alcance, para fingir de armas. Exprime os vários sentimentos que o agitam, como a cólera, a impaciência ou a zombaria, por violentas batidas e gestos de pantomima, muito expressivos. Além disso, nota-se a impassibilidade e a despreocupação do rapaz, enquanto mãos e braços se entregam a essa espécie de ginástica. Torna-se evidente que todos os movimentos independem de sua vontade. Durante o resto da sessão e quando já interrompida a experiência, o Espírito aproveita a ocasião para manifestar, a seu modo, o contentamento ou o mau humor a respeito do que se diz. Numa palavra, vê-se que se apodera dos membros do rapaz e os emprega como seus. Tal gênero de manifestações oferece um curioso assunto para estudo, por sua originalidade, e pode dar a compreender a maneira por que os Espíritos agem sobre certas criaturas.
Interrogado quanto às conseqüências que tais manifestações podem ter sobre o rapaz, São Luis faz advertências cheias de sabedoria e aconselha não as provocar. Além disso, concita a Sociedade a não entrar nessa via de experiências, cujo resultado seria o afastamento dos Espíritos sérios, e a continuar ocupando-se, como fez até agora, em aprofundar as questões importantes.
A frenologia e a fisiognomia
Os fantasmas
Recordação de uma vida anterior
Sociedade, 25 de maio de 1860
─ Atendo ao vosso chamado.
─ Compreendo o vosso desejo, mas no momento seu Espírito não está livre. Ele está ocupado ativamente pelo corpo e numa inquietude moral que o impede de repousar.
─ Está em terra. Mas poderei responder a algumas das vossas perguntas, porque aquela alma foi sempre confiada à minha guarda.
─ É uma intuição muito real. Essa pessoa estava muito bem na Terra, nessa época.
─ Essas lembranças vivas são muito raras. Deve-se um pouco ao gênero de morte que de tal modo o impressionou que está, por assim dizer, encarnado em sua alma. Contudo, muitas outras pessoas tiveram morte tão terrível e não lhes ficou a lembrança. Só raramente Deus o permite.
─ Não.
─ Uns trinta anos.
─ Ele era ligado à casa de Coligny.
─ Foi no cruzamento de Bucy.
─ Não. Ela foi reconstruída.
─ Seu nome não é conhecido na História, pois era simples soldado. Chamavase Gaston Vincent
─ Ainda não.
─ Sim. Naquela época e agora.
Dos animais
Dissertações espontâneas feitas pelo Espírito de Charlet, em Várias sessões da sociedade
CHARLET
Não temais, porém, pois nos limitaremos à Terra.
CHARLET
CHARLET
IV
do que está abaixo do homem seria insensato e uma prova de ignorância ou de completa indiferença.
CHARLET
CHARLET
CHARLET
CHARLET
CHARLET
CHARLET
Exame crítico (Das dissertações de Charlet sobre animais)
─ Sem dúvida. Só falo da vida animal e não da vida vegetal. Deveis compreendê-lo.
Não há inversão na frase? Parece que a proposição é: Vereis que o animal pensa, realmente, desde que vive.
─ Isto é evidente
─ Quanto mais novo era o mundo, mais ele se lembrava. O homem tinha a intuição de uma ordem de seres intermediários, ora mais atrasados que ele, ora mais adiantados. Era o que ele chamava os deuses.
─ Sim.
Teriam eles, para comunicar-se com os animais, uma linguagem articulada, e entre si a do pensamento?
─ Não, não há linguagem articulada, mas uma espécie de magnetismo poderoso que faz curvar-se o animal e o leva a executar os menores desejos e as ordens de seus senhores. O Espírito todo poderoso não pode curvar-se.
─ Sim.
─ Veem através deles e os compreendem perfeitamente.
─ Essa lacuna dos seres é apenas aparente, pois não existe na realidade. Ela provém das raças desaparecidas. (São Luís)
─ Nas esferas superiores o germe surgido da Terra desenvolve-se e jamais se perde. Tornando-vos Espíritos, reencontrareis todos os seres criados e desaparecidos nos cataclismos do vosso globo. (São Luís)
─ E o homem se aperfeiçoa pelos cuidados de quem? Não é pelos de Deus?
Tudo é escala na Natureza.
─ A alma do animal ─ tendes toda razão ─ não se reconhece após a morte; é um conjunto confuso de germes que podem passar para o corpo de tal ou qual animal, conforme o desenvolvimento adquirido. Não é individualizada. Contudo, direi que em certos animais, mesmo em muitos, é individualizada.
─ Sim, mas estabelecei que no entanto há sempre uma escala entre os animais e pensai que há distância entre certas raças. O homem é tanto mais culpado quanto mais poderoso.
─ É sobretudo a Natureza que age no caso. O homem selvagem é o homem da Natureza. Ele conhece o animal intimamente. O homem civilizado o estuda, e o animal se curva diante dele. O homem é sempre o homem frente ao animal, quer seja selvagem, quer civilizado.
─ Apenas isto: os animais têm todas as faculdades que indiquei, mas neles o progresso se realiza pela educação que recebem do homem e não por si mesmos.
Abandonado ao estado selvagem, o animal retoma o tipo que tinha ao sair das mãos do Criador. Submetido ao homem, aperfeiçoa-se. Eis tudo.
que não se detém, relativamente aos animais da Terra, visto que os de Júpiter são física e intelectualmente superiores aos nossos.
─ Cada raça é perfeita em si mesma e não emigra para raças estranhas. Em Júpiter são os mesmos tipos, formando raças distintas, mas não são os Espíritos dos animais mortos.
─ Volta à massa em que cada novo animal toma a porção de inteligência que lhe é necessária. Ora, é precisamente isto que distingue o homem do animal. Nele o Espírito é individualizado e progride por si mesmo e é isso que lhe dá superioridade sobre todos os animais. Eis por que o homem, mesmo selvagem, como fizestes notar, se faz obedecer, mesmo pelos mais inteligentes animais.
17. ─ Dais a história de Balaão como fato positivo. Seriamente, que pensais sobre isto?
─ É uma pura alegoria, ou antes, uma ficção, para castigar o orgulho. Fizeram falar o burro de Balaão, como La Fontaine fez falar muitos outros animais.
Com efeito, o animal é feroz por necessidade, e foi para satisfazer a essa necessidade que a Natureza lhe deu uma organização especial. Se uns devem nutrir-se de carne, é por uma razão providencial e porque era útil à harmonia geral que certos elementos orgânicos fossem absorvidos. O animal é, pois, feroz por constituição e não se conceberia que a queda moral do homem tivesse desenvolvido os dentes caninos do tigre e encurtado os seus intestinos, porque então não haveria razão para que o mesmo não tivesse acontecido com o carneiro. Antes dizemos que, na Terra, sendo o homem pouco adiantado, aqui se encontra com seres inferiores em todos os sentidos, e cujo contato lhe é causa de inquietudes, de sofrimentos e, consequentemente, uma fonte de provas que o auxiliam em seu progresso futuro.
─ Só posso aprová-las. Eu era um pintor e não um literato ou um cientista. Por isso, de vez em quando me deixo arrastar pelo prazer, novo para mim, de escrever belas frases, mesmo em detrimento da verdade. Mas o que dizeis é muito justo e inspirado. No quadro que tracei, bordei certas ideias recebidas, para não chocar nenhuma convicção. A verdade é que as primeiras épocas eram a idade do ferro, muito afastadas das pretensas suavidades. Descobrindo diariamente tesouros acumulados pela bondade de Deus, tanto no espaço quanto na Terra, a civilização levou o homem à conquista da verdadeira terra prometida, que Deus concederá à inteligência e ao trabalho, e que não entregou pronta e acabada nas mãos dos homens crianças, que deviam descobri-la por sua própria inteligência. Aliás, este erro que cometi não poderia ser prejudicial aos olhos da gente esclarecida, que o notaria facilmente. Para os ignorantes passaria desapercebido. Contudo, concordo que errei. Agi levianamente, e isto vos prova até que ponto deveis controlar as comunicações que recebeis.
___________________________________________
* No original é o número XI, que é inexistente. (NT)
seus médiuns.
Estas reflexões nos são sugeridas como um princípio geral, e seria erro ver nelas uma aplicação qualquer. Entre os numerosos escritos publicados sobre o Espiritismo, sem dúvida alguns poderiam dar lugar a uma crítica fundada, mas não os pomos a todos na mesma linha; indicamos um meio de apreciá-los, e cada um fará como entender. Se ainda não decidimos fazer-lhes um exame em nossa Revista é pelo receio de que se equivoquem quanto ao móvel da crítica que poderíamos fazer. Assim, preferimos esperar que o Espiritismo seja melhor conhecido e, sobretudo, melhor compreendido. Então nossa opinião, apoiada em base geralmente admitida, não poderá ser acusada de parcialidade. O que esperamos acontece diariamente, pois vemos que em muitas circunstâncias o julgamento da opinião pública precede o nosso. Assim, nos aplaudimos por nossa reserva.
Bibliografia
ALLAN KARDEC
Agosto
BoletimLeitura da ata e dos trabalhos da sessão de 22 de junho.
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 29 de junho.
Diversas perguntas são feitas sobre a aptidão especial dos médiuns para receber comunicações de tal ou qual Espírito. A resposta é a seguinte: “Um Espírito vem de preferência a uma pessoa cujas ideias simpatizam com as que ele tinha em vida. Há uma concordância de pensamentos entre o Céu e a Terra, ainda maior do que na Terra.”
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 6 de julho.
Trava-se uma conversa sobre a longevidade. O Sr. de Grand-Boulogne, que viveu muito tempo entre os árabes, diz que os exemplos desta natureza não são muito raros entre eles, o que o leva a atribuí-lo à sobriedade. Ele conheceu um com cerca de cento e trinta anos. O Sr. Conde de Z... diz que talvez seja a Sibéria o país onde a longevidade é mais frequente. A sobriedade e o clima sem dúvida têm grande influência na duração da vida. Mas o que sobretudo deve contribuir para isto é a tranquilidade de espírito e a ausência de preocupações morais, que em geral afetam a gente da sociedade civilizada, gastando-a prematuramente. Eis por que se encontra maior quantidade de idosos entre os que vivem mais próximos da Natureza.
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 13 de julho.
Após uma leitura atenta, a Sociedade reconhece na comunicação o cunho de uma incontestável superioridade e nada vê que desminta o caráter de São Luís, de onde conclui que não pode emanar senão de um Espírito elevado.
─ Vou tentar uma prova. Não sei se terei resultado. Em todo caso, não respondo por nada. Indique uma pessoa viva que lhe seja muito simpática.
Tendo o amigo indicado uma jovem senhora que reside numa cidade muito distante e que era conhecida também pelo médico, este lhe disse:
─ Vá passear no jardim e observe o que vai acontecer. Repito que é uma experiência que faço e que pode nada produzir.
Durante o passeio do amigo ele evocou a jovem senhora. Ao cabo de um quarto de hora o amigo voltou e lhe disse:
─ Acabo de ver aquela pessoa. Ela estava vestida de branco, aproximou-se de mim, apertou-me a mão e desapareceu. Mas o que é muito esquisito é que me deixou no dedo este anel. Imediatamente o médico enviou ao pai da moça o seguinte telegrama:
─ Nada me pergunteis. Respondei-me imediatamente e dizei o que fazia vossa filha às três horas e como estava vestida. A resposta foi esta:
─ Às três horas minha filha estava comigo na sala. Ela estava de vestido branco; adormeceu por 15 ou 20 minutos, mas ao despertar notou que não mais tinha o anel que usa sempre.
Travou-se uma discussão sobre o fato, cujos diversos graus de probabilidade e de improbabilidade foram examinados. Interrogado a respeito, São Luís respondeu:
─ O fato da aparição é possível; o do transporte não o é menos, pelo perispírito de uma pessoa viva. Certamente, a Deus tudo é possível, mas ele não permite tais coisas senão muito raramente. Um Espírito desprendido pode fazer esses transportes mais facilmente. Quanto a vos dizer se a coisa é real, eu o ignoro.
São Luís
Concordância espírita e cristã
Ora, Deus não permite que tal perturbação persista e a ordem deve ser inevitavelmente restabelecida.
O saber nada expia, nada resgata, em nada influi sobre a justiça de Deus. A caridade, ao contrário, expia e apazigua. O saber é uma qualidade; a caridade, uma virtude.
Penetrado de tais sentimentos e querendo, na medida de minhas forças, contribuir para a felicidade de meus semelhantes, ao mesmo tempo que busco tornar-me melhor, peço, Sr. presidente, para fazer parte de vossa Sociedade.
De Grand-Boulogne, doutor em Medicina,
Antigo vice-cônsul da França.
O trapeiro da rue Des Noyers
─ Sim. Os fatos são verdadeiros. Apenas a imaginação dos homens aumentouos, por medo ou por ironia. Mas, repito, são verdadeiros. Tais manifestações são provocadas por um Espírito que se diverte um pouco, às custas dos moradores do lugar.
─ Elas sempre são causadas pela presença da pessoa que é atacada. O Espírito perturbador se apega ao habitante do lugar onde se acha e quer fazer-lhe maldades ou fazê-lo mudar-se.
─ É mesmo necessário, porque sem isto o fato não ocorreria. Um Espírito habita seu lugar de predileção; fica inativo até que se apresente ali alguém cuja natureza lhe sirva. Quando aparece essa pessoa, então ele se diverte o quanto pode.
─ Não é bem assim, porque tal aptidão depende de uma disposição física. Contudo, muitas vezes denuncia uma tendência material que seria preferível não se ter, porque quanto mais elevada moralmente for a pessoa, mais atrai para si os bons Espíritos, que necessariamente afastam os maus.
─ Na maioria das vezes esses objetos são colhidos nos próprios lugares. Uma força que vem de um Espírito os lança no espaço e eles caem no lugar designado pelo Espírito. Quando nesses lugares não existem pedras, carvão, etc., podem muito facilmente ser por ele fabricados.
─ Evocai-o, se o quiserdes. Mas é um Espírito inferior, que só dará respostas muito insignificantes.
─ Por que me chamais? Quereis pedradas, hein? Então seria um salve-se quem puder, malgrado o vosso ar de bravura.
─ Aqui talvez não pudesse. Tendes um guarda que vela por vós.
─ Certamente. Encontrei um bom instrumento, e nenhum Espírito douto, sábio e importante para me impedir. Porque sou alegre, às vezes gosto de me divertir.
─ Uma criada.
─ Oh! Sim. Coitada! Ela era a mais apavorada.
─ Eu bem podia encontrar uma, se ela quisesse prestar-se a isto, mas não para manobrar aqui.
─ Sim! Lá, à direita daquele que fala. Ele usa óculos.
─ Eu? Eu não tinha nenhum propósito hostil, mas os homens, que de tudo se apoderam, tirarão sua vantagem.
─ Eu procurava divertir-me, mas vós estudais a coisa e tendes mais um fato para mostrar que nós existimos.
─ São muito comuns. Encontrei-os no pátio e nos jardins vizinhos.
─ Nada criei, nada compus.
─ Teria sido mais difícil, mas, a rigor, a gente mistura matéria e isto faz um todo qualquer.
─ Ah! Isto é mais difícil de dizer. Eu me servi da natureza elétrica daquela
moça, adicionada à minha, menos material. Assim pudemos juntos transportar
aqueles diversos materiais. (Vide a nota que segue à evocação).
começar, dize-nos se morreste há muito tempo?
─ Há muito tempo. Há bem uns cinquenta anos.
─ Não era grande coisa. Catava molambos pelo bairro, e diziam-me tolices, porque gostava muito do licor vermelho do bom Noé. Assim, eu queria enxotá-los a todos.
─ Eu tinha um orientador.
─ O vosso bom rei Luís.
─ Ainda não; ando errante. Pensam tão pouco em mim aí na Terra, que ninguém ora por mim. Assim, não sou ajudado e não trabalho.
─ Jeannet.
─ Antes prazer, porque sois boa gente, alegres, embora um pouco austeros. Tudo bem. Vós me ouvistes e estou contente.
JEANNET
“DEMONCHY”
Palestras familiares de além-túmulo
Thilorier, o físicoEntão o vapor era considerado como um meio de locomoção grosseiro e antiquado.
A esse respeito, lê-se a seguinte notícia na crônica do Patrie de 22 de setembro de 1859. Se Thilorier tivesse achado um motor de potência sem igual e ao lado do qual o vapor não passasse de uma traquinagem, ainda teria de regular a sua força, e três ou quatro vezes os ensaios que ele havia tentado lhe foram funestos. As explosões dos aparelhos tinham coberto de ferimentos o mártir da Ciência e provocado uma surdez quase completa.
Entrementes, pareceu a propósito renovar-se a experiência da condensação do ácido carbônico no Colégio de França. Por imprudência ou acaso funesto, o aparelho quebrou-se, explodiu, feriu gravemente várias pessoas, custou a vida a um ajudante do professor e arrancou um dedo de Thilorier.
Não foi o dedo que ele lamentou, mas o desfavor lançado sobre o novo motor que havia descoberto. O medo apoderou-se de todos os cientistas e eles se recusaram a render-se a todos estes ingênuos argumentos de Thilorier: “Eis que vinte vezes meu aparelho de condensação estoura em minhas mãos e é a primeira que mata alguém! Nunca fez mais do que me ferir!” Só o nome do ácido carbônico afugentava todo o Instituto, sem contar a Sorbonne e o Colégio de França.
Um pouco triste, Thilorier encerrou-se em seu laboratório mais do que habitualmente. Os que o amavam notaram desde logo que profunda mudança se operava em seus hábitos. Passava dias inteiros sem ao menos pensar em pôr o seu gato sobre os joelhos. Andava a grandes passadas e não tocava mais em suas retortas e alambiques. Quando por acaso saía de casa, parava de súbito, no meio da rua, sem atentar para a curiosidade e o espanto que excitava nos transeuntes.
Como era um homem de fisionomia suave e distinta, com bonitos cabelos que começavam a encanecer, e que levava na lapela do sobretudo azul a insígnia da Legião de Honra, olhavam-no sem muita zombaria. Movida pela compaixão, uma jovem o tomou pelo braço um dia, tirou-o do meio da rua e levou para a calçada. Ele nem sonhou em agradecer à sua gentil benfeitora. Passava ao lado dos melhores amigos sem vê-los e sem responder quando lhe dirigiam a palavra. A ideia fixa se havia apoderado dele, a ideia fixa, essa nuança sutil que separa o gênio da loucura.
Um dia, conversando no laboratório com um de seus amigos ele disse:
─ Então, finalmente resolvi o meu problema. Como sabes, há algumas semanas meu aparelho de condensação quebrou-se na Sorbonne...
─ Algumas semanas? interrompi. Mas isto foi há vários anos!
─ Ah! continuou ele sem se desconcertar, então levei tanto tempo para resolver meu problema? Algumas semanas ou alguns anos, o que importa, se afinal de contas tenho a minha solução! Sim, meu amigo, não só uma explosão é impossível, mas, ainda, essa força terrível, eu a domino. Dela faço o que quero. É minha escrava!
Posso empregá-la à vontade para arrastar massas enormes, para dar vida a máquinas gigantescas, ou obrigá-la a brincar, sem os quebrar, com os mais delicados e frágeis dispositivos!
E como eu o encarasse estupefato, gritou rindo:
─ Valha-me Deus, ele duvida do que digo! Mas olha estes planos, estes desenhos; e se não acreditas em teus olhos, escuta-me!
Então, com uma lucidez que não deixava qualquer dúvida, mesmo para um homem estranho aos arcanos da Ciência, explicou os meios de que dispunha para realizar sua obra. Não se lhe podia fazer uma só objeção. Em todos os pontos, sua teoria era irrefutável.
─ Preciso de três dias para fabricar meu aparelho, continuou ele. Quero eu mesmo construí-lo inteiramente com as próprias mãos. Vem ver-me depois de amanhã... E tu, que não me abandonaste, tu que não duvidaste de mim, tu, cuja pena me defendeu, serás o primeiro a gozar de meu sucesso e dele compartilhar.
Assim fui fiel, com efeito.
Quando passei pela portaria, a encarregada me chamou.
─ Ah! Senhor, me disse ela, que grande desgraça, não? Um homem tão bom!
Um homem nascido para a bondade! Morrer tão depressa!
─ Mas, quem?
─ O Sr. Thilorier. Morreu agora mesmo.
Ah! Ela dizia a verdade. Fora atingido de morte súbita, no laboratório, o meu infeliz amigo.
Que aconteceu à sua descoberta? Não foi encontrado um traço dos desenhos que me havia mostrado; suas notas, se as deixou, também se perderam. Teria resolvido o grande problema que o preocupava? Só Deus sabe! Deus, que não lhe tinha permitido transmitir seu pensamento sublime ou louco senão a um profano incapaz de discernir o verdadeiro do falso e, sobretudo, de se lembrar da teoria sobre a qual o inventor a baseava.
Seja como for, hoje a condensação do ácido carbônico não passa de experiência curiosa, que os professores raramente demonstram em seus cursos. Se Thilorier tivesse vivido mais alguns dias, talvez o ácido carbônico tivesse transformado a face do mundo.
SAM.
Thilorier teria ou não achado o que buscava? Em todo o caso, seria interessante saber o que a respeito pensava como Espírito.
1. Evocação.
─ Eis-me muito alegre em vosso meio.
2. ─ Desejamos conversar convosco, porque pensamos lucrar numa conversa com o Espírito de um cientista, como fostes em vida.
─ O Espírito de um cientista, por vezes é mais elevado na Terra do que no Céu. Contudo, quando a Ciência for companheira da probidade, isto será uma garantia da superioridade espírita.
3. ─ Como físico, vos ocupastes especialmente na procura de um motor para substituir o vapor e pensáveis havê-lo encontrado no ácido carbônico condensado. O que pensais disso agora?
─ Minha ideia era de tal modo fixa nesse assunto, que eu havia tido um sonho, na véspera de minha morte ou, para ser mais exato, no momento de minha ressurreição espiritual.
4. ─ Alguns dias antes de morrer pensáveis haver encontrado a solução da dificuldade prática. Achastes realmente esse meio?
─ Digo-vos que a superexcitação da imaginação me havia proporcionado um sonho fantástico, que enunciei desperto. Era, em termos exatos, aquilo a que chamais loucura. O que eu sonhei não era absolutamente aplicável.
5. ─ Estáveis aqui quando foi lida a notícia que vos concerne?
─ Sim.
6. ─ Que pensais dela?
─ Pouca coisa. Eu repouso no seio do meu anjo da guarda, porque minha pobre alma saiu muito chocada de meu corpo miserável.
7. ─ Não obstante, poderíeis responder a algumas perguntas sobre as ciências?
─ Sim. Por um momento, quero mesmo entrar no emaranhado da Ciência.
8. ─ Pensais que um dia a máquina a vapor será substituída por outro motor?
─ Este já é bem aperfeiçoado. Contudo, creio ver no futuro que a inteligência humana achará um meio de simplificá-lo ainda mais.
9. ─ Que pensais do ar comprimido, como propulsor?
─ O ar comprimido é excelente propulsor, mais leve que o vapor e mais econômico. Quando se souber dirigir o seu emprego, terá mais força, portanto mais velocidade.
10. ─ Que pensais agora do ácido carbônico condensado, usado para tal fim?
─ Eu ainda estava muito atrasado. Serão necessárias numerosas experiências, bem como difíceis estudos para chegar a um resultado satisfatório. A Ciência ainda tem tanto a fazer!
11. ─ Dos vários motores de que se ocupam, qual o que, na vossa opinião, triunfará?
─ Agora, o vapor; mais tarde, o ar comprimido.
12. ─ Voltastes a ver Arago?
─ Sim.
13. ─ Conversais sobre as ciências?
─ Algumas vezes temos as faculdades de nossa inteligência voltadas para os estudos humanos. Gostamos muito de assistir às experiências que são feitas. Mas quando se volta ao Céu não se pensa mais nisto. Depois, no momento, como disse, estou repousando.
14. ─ Ainda uma pergunta, por favor, mas muito séria; se não puderdes respondê-la por vós mesmo, tende a bondade de usar a assistência de um Espírito mais competente. Sempre nos disseram que os Espíritos costumam sugerir ideias aos homens e que muitas descobertas têm essa origem. Mas como nem todos os Espíritos sabem tudo e alguns procuram instruir-se, podeis dizer se alguns fazem pesquisas e descobertas na condição de Espíritos?
─ Sim. Quando um Espírito alcançou um grau bem avançado, Deus lhe confia uma missão e o encarrega de ocupar-se de tal ou qual ciência útil aos homens. É então que essa inteligência, obediente a Deus, busca nos segredos da Natureza, que Deus lhe permite entrever, tudo quanto deve aprender para isto. Quando estudou bastante, dirige-se a um homem capaz de apreender aquilo que, por sua vez, pode ensinar. De repente esse homem é obsidiado por um pensamento; só pensa nisso; disso fala a todo instante; sonha dia e noite com a coisa; ouve vozes celestes que lhe falam. Depois, quando tudo está bem desenvolvido em sua cabeça, esse homem anuncia ao mundo uma descoberta ou um aperfeiçoamento. É assim que têm sido inspirados os grandes homens, em sua maioria.
15. ─ Nós vos agradecemos a bondade das respostas e por haverdes deixado por nós, um instante, o vosso repouso.
─ Pedirei a Deus que vele por vós e vos inspire.
NOTA: A Sra. G..., que às vezes vê os Espíritos, descreve as impressões recebidas durante a evocação de Thilorier. Ela viu um Espírito que julga ser o dele.
16. (A São Luís). ─ Teríeis a bondade de dizer se realmente foi o Espírito de Thilorier que a Sra. G... viu?
─ Não é precisamente esse Espírito que essa senhora acaba de ver. Mais tarde seus olhos estarão habituados a distinguir a forma ou perispírito e ela os distinguirá perfeitamente. No momento é uma espécie de miragem.
NOTA: As perguntas complementares que seguem também foram dirigidas a São Luís.
17. ─ Se os autores de descobertas são assistidos por Espíritos que lhes sugerem ideias, como é que alguns homens creem inventar e nada inventam, ou só inventam quimeras?
─ É que são iludidos por Espíritos enganadores que, achando seu cérebro aberto ao erro, deles se apoderam.
18. ─ Como se explica que o Espírito tão frequentemente escolha homens incapazes de levar a termo uma descoberta?
─ São os cérebros desprovidos de previdência humana os mais capazes de receber a perigosa semente do desconhecido. O Espírito não escolhe tal homem por ser incapaz; é o homem que não sabe fazer frutificar a semente que lhe é dada.
19. ─ Mas então é a Ciência que sofre, e isto não explica por que o Espírito não se dirige de preferência a um homem capaz.
─ A Ciência nada sofre, porque o que um esboça um outro termina, e, durante o intervalo, a ideia amadurece.
20. ─ Quando uma descoberta é prematura, obstáculos providenciais podem opor-se à sua divulgação?
─ Nada jamais detém o desenvolvimento de uma ideia útil. Deus não o permitiria. É preciso que ela siga o seu curso.
21. ─ Quando Papin descobriu a força motriz do vapor, numerosos ensaios foram feitos para utilizá-lo e obtiveram-se resultados bastante satisfatórios, mas ficaram no estado de teoria. Como se explica que tão grande descoberta tenha ficado adormecida tanto tempo, desde que se possuíam os seus elementos e não faltavam homens capazes de fecundá-la? Isto foi devido à insuficiência dos conhecimentos ou não era ainda chegado o momento da revolução que ela deveria operar na indústria?
─ Para a comunicação das descobertas que transformam o aspecto exterior das coisas, Deus deixa a ideia amadurecer, como as espigas cujo desenvolvimento o inverno não impede, mas apenas retarda. A ideia deve germinar bastante tempo a fim de nascer quando todos a solicitam. Dá-se o mesmo com as ideias morais, que primeiro germinam e só se implantam quando chegam à maturidade. Por exemplo, neste momento em que o Espiritismo tornou-se uma necessidade, será acolhido como um benefício, porque inutilmente foram tentadas todas as outras filosofias para satisfazer as aspirações do homem.
São Luís
O suicida da rua Quincampoix
A morte foi uma prova para o pai ou para a mãe? Em todo caso, é provável que Deus tenha levado em conta, a favor desse homem, a sua dedicação, e que o suicídio não tivesse para ele as mesmas consequências que outros motivos acarretariam.
(A São Luís) ─ Podeis dizer-nos se podemos evocar o homem de quem acabamos de falar?
─ Sim. Ele ficará muito feliz por isso, porque será um pouco aliviado.
1. Evocação.
2. ─ Oh! Obrigado! Sofro muito, mas... é justo. Contudo, ele me perdoará.
OBSERVAÇÃO: O Espírito escreve com muita dificuldade. Os caracteres são irregulares e muito mal traçados. Depois da palavra mas, ele para, em vão tenta escrever e faz apenas uns traços indecifráveis e pontos. É evidente que foi a palavra
Deus que não pôde escrever.
2. ─ Preenchei a lacuna que deixastes.
─ Sou indigno disto.
3. ─ Dizeis sofrer. Sem dúvida errastes, praticando o suicídio, mas o motivo que vos levou a isto não vos merece alguma indulgência?
─ Minha punição será menos longa, mas a ação não é menos má.
4. ─ Poderíeis descrever-nos a punição que sofreis, dando o máximo de detalhes para a nossa instrução?
─ Sofro duplamente, na alma e no corpo; sofro neste último, embora não mais o possua, como o amputado sofre no membro ausente.
5. ─ Vossa ação teve por único motivo salvar o filho ou fostes levado por outra causa?
─ Só o amor paterno me guiou, mas guiou mal. Por isso minha pena será abreviada.
6. ─ Prevedes o termo dos vossos sofrimentos?
─ Não sei o termo, mas tenho certeza de que o termo existe, o que me é um alívio.
7. ─ Há pouco não pudestes escrever a palavra Deus. Contudo, vimos Espíritos bastante sofredores escrevê-la. Isto faz parte de vossa punição?
─ Eu o poderei, com grandes esforços de arrependimento.
8. ─ Muito bem! Fazei grandes esforços e tentai escrevê-la. Estamos convictos de que se o conseguirdes, isto vos dará alívio.
O Espírito acaba escrevendo, em caracteres irregulares, trêmulos e grandes:
“Deus é muito bom.”
9. ─ Somos gratos por terdes vindo ao nosso apelo e oraremos por vós a Deus, para que sua misericórdia caia sobre vós.
─ Sim, por favor.
10. (A São Luís) ─ Quereis dar-nos vossa apreciação pessoal sobre o ato do Espírito que acabamos de evocar?
─ Esse Espírito sofre justamente, porque perdeu a confiança em Deus, o que é sempre uma falta punível. A punição seria longa e terrível se ele não tivesse, em seu favor, um motivo louvável, qual o de impedir o filho de marchar para a morte. Deus, que vê o fundo dos corações, e que é justo, não o punirá senão segundo as suas obras.
OBSERVAÇÃO: Por sua ação, esse homem talvez tenha impedido a realização do destino do filho. Para começar, não é certo que ele seria morto na guerra e talvez essa carreira lhe fornecesse oportunidade de fazer algo de útil ao seu progresso. Sem dúvida tal consideração não será estranha à severidade do castigo que lhe é infringido. Certamente sua intenção era boa e isto lhe foi levado em conta. A intenção atenua o mal e merece indulgência, mas não impede que aquilo que é mal seja mal. Sem isto, a favor da intenção se poderiam desculpar todos os malefícios e até se poderia matar, sob pretexto de uma boa intenção. Poder-se-ia acreditar, por exemplo, que fosse permitido matar um homem sem esperança de cura, a fim de abreviar os seus sofrimentos? Não, porque agindo assim abreviamos a prova que deve sofrer e lhe fazemos mais mal do que bem. A mãe que mata o filho na crença de que o manda direto para o Céu, será menos culpada porque o fez com boa intenção? Baseados neste sistema justificaríamos todos os crimes que um fanatismo cego produziu nas guerras religiosas.
Variedades
O Prisioneiro de LimogesPerguntas de um Espírita de Sétif ao Sr. Oscar Comettant
“Senhor,
2.º ─ Vistes sonâmbulos a escrever?
3.º ─ Vistes sonâmbulos respondendo a perguntas mentais?
4.º ─ Vistes sonâmbulos respondendo em línguas que desconhecem?
Preciso de um sim ou um não puro e simples a todas estas perguntas. Se for sim, passaremos a outra coisa; se for não, encarrego-me de vos fazer ver, e então podereis explicar-me a coisa à vossa maneira. Recebei, etc.
COURTOIS
Ditados espontâneos e dissertações espíritas
Desenvolvimento das ideiasGeorges (Espírito Familiar)
Mascaradas humanas (Médium, Sra. Costel)
O saber dos Espíritos (Médium, Srta. Huet)
Origens (Médium, Sra. Costel)
O futuro (Médium, Sr. Coll...)
A eletricidade espiritual (Médium, Sr. Didier Filho)
Desenvolvimento sobre a comunicação precedente
─ Farei o que for possível no momento.
─ Eu a explico assim, da maneira mais simples que posso. Para vós o tempo existe, não? Para nós, não existe. Assim defini a eletricidade: “essa nuança entre o tempo e o que não é mais tempo”, porque essa parte do tempo de que outrora vos devíeis servir para vos comunicardes de um a outro extremo do mundo, essa porção do tempo, digo eu, não existe mais. Mais tarde virá essa eletricidade que não será outra coisa senão o pensamento do homem, transpondo o espaço. Com efeito, não é esta a imagem mais surpreendente sobre o finito e o infinito, sobre o pequeno meio e o grande meio? Numa palavra, quero dizer que a eletricidade suprime o tempo.
─ Sim, como progressos médios; outra coisa virá mais tarde; dai aspirações ao homem: a princípio, ele adivinha; depois, vê.
Instrução prática sobre as manifestações espíritas
Setembro
BoletimReunião da comissão.
(SESSÃO PARTICULAR)
Sociedade.
mental.
Dois se manifestam espontaneamente: a Grande Françoise e o Espírito de Castelnaudary, que agradecem aos que oraram por eles.
Reunião da comissão.
Comunicações diversas:
Reunião da comissão.
São Luís responde que o fará de boa vontade e que da próxima vez falará sobre a Inveja, pois a hora está muito avançada para fazê-lo esta noite.
Reunião da comissão.
Luís.
O maravilhoso e o sobrenatural
─ O que é então o maravilhoso em vossa opinião?
─ O que é sobrenatural.
─ O que entendeis por sobrenatural?
─ O que é contrário às leis da Natureza.
─ Então conheceis tão bem essas leis, que vos é possível traçar limites ao poder de Deus? Ora! Então provai que a existência dos Espíritos e suas manifestações são contrárias às leis da Natureza; que isto não é nem pode ser uma dessas leis.
Acompanhai a Doutrina Espírita e vede se esse encadeamento não tem todos os caracteres de uma lei admirável. O pensamento é um dos atributos do Espírito; a possibilidade de agir sobre a matéria, de impressionar os sentidos e, em consequência, de transmitir o seu pensamento resulta, se assim nos podemos exprimir, da sua constituição fisiológica. Portanto, neste fato nada há de sobrenatural, nada de maravilhoso.
— Contudo — dirão — admitis que um Espírito pode erguer uma mesa e mantê-la no espaço, sem ponto de apoio. Isto não é uma derrogação da lei da gravidade?
Aos olhos do vulgo não deveria isto parecer maravilhoso, diabólico? Aquele que, há um século, se tivesse proposto a mandar um telegrama a 500 léguas de distância e a receber a resposta em alguns minutos, teria passado por louco; se o tivesse feito, teriam acreditado estar o diabo às suas ordens, porque, naquela época, só o diabo era capaz de andar tão depressa? Por que, então, um fluido desconhecido não teria a propriedade, em determinadas circunstâncias, de contrabalançar o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? Isto, diga-se de passagem, é uma comparação, mas não uma assimilação, e unicamente para mostrar, por analogia, que o fato não é fisicamente impossível. Ora, foi precisamente quando os cientistas, na observação dessas espécies de fenômenos, quiseram proceder por via de assimilação, que eles se enganaram. Em suma, o fato aí está. Nenhuma negação poderá destruí-lo, pois negar não é provar. Para nós nada há de sobrenatural, eis tudo quanto, a respeito, podemos dizer no momento.
Se o fato for comprovado ─ dirão ─ nós o aceitaremos. Aceitaremos até mesmo a causa que acabais de indicar, de um fluido desconhecido. Mas, que é o que prova a intervenção dos Espíritos? Aí está o maravilhoso, o sobrenatural.
Seria aqui necessária toda uma demonstração fora de contexto e representando aliás uma repetição, porque ela ressalta de todas as outras partes do ensino. Contudo, para resumi-la em poucas palavras, diremos que teoricamente ela se baseia neste princípio: todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Na prática, observando-se que os fenômenos ditos espíritas deram provas de inteligência, deveriam ter sua causa fora da matéria; que essa inteligência não sendo dos assistentes ─ o que é um resultado da experiência ─ deveria estar fora deles; e desdeque o agente não era visto, seria um ser invisível. Foi então que, de observação em observação, chegou-se a reconhecer que esse ser invisível, ao qual se deu o nome de Espírito, não é senão a alma dos que tiveram vida corpórea e que a morte despojou de seu grosseiro envoltório visível, deixando-lhe apenas o envoltório etéreo, invisível em seu estado normal. Eis, pois, o sobrenatural e o maravilhoso reduzidos à sua expressão mais simples. Uma vez constatada a existência dos seres invisíveis, sua ação sobre a matéria resulta da natureza do envoltório fluídico. Esta ação é inteligente, porque morrendo eles perderam apenas o corpo, mas conservaram a inteligência, que é a sua essência. Eis aí a chave de todos os fenômenos erroneamente reputados sobrenaturais. A existência dos Espíritos não é, pois, um sistema preconcebido, uma hipótese imaginada para explicar os fatos. É resultado de observações e consequência natural da existência da alma. Negar esta causa é negar a alma e os seus atributos.
Que essas pessoas que pensam ter condições de dar a esses efeitos inteligentes uma solução mais racional, e sobretudo de explicar todos os fatos, se dignem a fazê-lo, e então se poderá discutir o mérito de cada uma.
Aos olhos dos que consideram a matéria como a única força da Natureza, tudo quanto não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso ou sobrenatural.
História do maravilhoso e do sobrenatural - Por Louis Figuier
Correspondência - Ao Sr. Presidente da sociedade parisiense de estudos espíritas
Dissertações espíritas - Recebidas ou lidas por vários médiuns na sociedade
O sonhoAssim falava ela. Eu a ouvia e sentia o coração fundir-se numa divina ebriez. Eu teria desejado extinguir-me no sopro puro que saía de sua boca.
Sobre os trabalhos da sociedade
Outubro
Resposta do Sr. Allan Kardec à Gazette de LyonProssigamos.
Resposta: Sim.
Resposta: Sim.
A resposta não se fez esperar e, certamente, merece se tome cuidado, por causa de várias obscuridades históricas que ela elimina.
Um jovem operário lionês, a julgar por seu sotaque, quer ser esclarecido sobre um fato maravilhoso.
(N. da Eq. Revisora).
─ Sobre esta questão, senhores, devemos abster-nos, pois seríamos arrastados a outras perguntas científicas que não podemos resolver.
─ Resposta: Sim, e em cento e quarenta anos este mundo não mais existirá.
─ Por que Jesus Cristo disse que sempre haveria pobres?
─ Resposta: Jesus Cristo quis falar dos pobres de Espírito. Para esses, Deus acaba de preparar um globo especial.
Para terminar, aproxima-se uma mulher entre quarenta e cinquenta anos, e pergunta se seu Espírito já foi encarnado e quantas vezes?
Esperamos que tal amostra de uma sessão de espíritas lioneses deva bastar para demonstrar que os Espíritos de Lyon valem bem os de Paris.
Resposta do Sr. Allan Kardec ao Sr. Redator da "gazette de Lyon"
Noutro ponto dizeis: “Outrora a igreja era bastante poderosa para impor silêncio a semelhantes divagações. Talvez ela maltratasse bastante, é verdade, mas sustava o mal. Hoje, desde que a autoridade religiosa é impotente, desde que o bom-senso não tem bastante poder para fazer justiça a tais alucinações, não deveria a outra autoridade intervir neste caso, etc.” Com efeito, ela queimava. É realmente uma lástima que não tenhamos mais fogueiras. Oh! deploráveis efeitos do progresso das luzes!
Provavelmente vós não sabeis também o que são os Espíritos. Os Espíritos são apenas as almas dos que viveram. Almas e Espíritos são uma única e mesma coisa.
Banquete - Oferecido pelos espíritas lioneses ao Sr. Allan Kardec, a 19 de setembro de 1860
Resposta do Sr. Allan KardecA acolhida tão amiga e benevolente que recebo entre vós, desde a minha chegada, seria bastante para me encher de orgulho, se eu não compreendesse que tais testemunhos se dirigem menos à pessoa do que à Doutrina, da qual não passo de um dos mais humildes obreiros. É a consagração de um princípio e me sinto duplamente feliz, porque esse princípio deve um dia assegurar a felicidade do homem e o repouso da Sociedade, quando for bem compreendido, e ainda melhor quando for praticado. Seus adversários só o combatem porque não o compreendem.
Cabe a nós; cabe aos verdadeiros espíritas, àqueles que veem no Espiritismo algo mais do que experiências mais ou menos curiosas, fazê-lo compreendido e propagálo, tanto pregando pelo exemplo quanto pela palavra. O Livro dos Espíritos teve como resultado demonstrar o seu alcance filosófico. Se esse livro tem qualquer mérito, seria presunção minha orgulhar-me disso, porque a doutrina que ele encerra não é criação minha. Toda honra pelo bem que ele fez cabe aos sábios Espíritos que o ditaram e que quiseram servir-se de mim. Posso, pois, ouvir o elogio sem que seja ferida a minha modéstia, e sem que o meu amor-próprio por isso fique exaltado. Se eu desejasse prevalecer-me disto, certamente teria reivindicado a sua concepção, em vez de atribuí-la aos Espíritos; e se se pudesse duvidar da superioridade daqueles que cooperaram, bastaria considerar a influência que ele exerceu em tão pouco tempo, só pelo poder da lógica, e sem qualquer dos meios materiais próprios para superexcitar a curiosidade. Seja como for, senhores, a cordialidade do vosso acolhimento será para mim um poderoso encorajamento na tarefa laboriosa que empreendi e da qual fiz a razão de minha vida, porque me dá a certeza consoladora de que os homens de coração já não são tão raros neste século materialista, como gostam de proclamá-lo. Os sentimentos que fazem nascer em mim esses testemunhos benevolentes são melhor compreendidos do que expressados; e o que lhes dá, aos meus olhos, um valor inestimável, é que não têm por móvel qualquer consideração pessoal. Eu vo-lo agradeço do fundo do coração, em nome do Espiritismo, sobretudo em nome da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que sentir-se-á feliz pelas mostras de simpatia que tendes a bondade de lhe dar, e orgulhosa de contar em Lyon tão grande número de bons e leais confrades. Permiti-me retraçar, nalgumas palavras, as impressões que levo de minha breve passagem entre vós.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi o número de adeptos. Eu bem sabia que Lyon os contava em grande número, mas estava longe de suspeitar fosse tão considerável, pois são contados às centenas e em breve, espero, serão incontáveis. Mas se Lyon se distingue pelo número, não o faz menos pela qualidade, o que é ainda melhor. Por toda parte só encontrei espíritas sinceros, que compreendem a Doutrina sob seu verdadeiro ponto de vista.
Há, senhores, três categorias de adeptos: Os primeiros se limitam a acreditar na realidade das manifestações e, antes de mais nada, buscam os fenômenos. Para esses o Espiritismo é simplesmente uma série de fatos mais ou menos interessantes. Os segundos veem mais do que os fatos. Compreendem o seu alcance filosófico; admiram a moral dele decorrente, mas não a praticam. Para eles, a caridade cristã é uma bela máxima, e eis tudo.
Os terceiros, enfim, não se contentam em admirar a moral: praticam-na e aceitam todas as suas consequências. Bem convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, buscam tirar proveito desses curtos instantes para marchar na via do progresso que lhes traçam os Espíritos, esforçando-se por fazer o bem e reprimir suas inclinações más. Suas relações são sempre seguras, porque suas convicções afastam-nos de todo pensamento do mal. Em tudo a caridade lhes é regra de conduta. Estes são os verdadeiros espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos.
Ora, Senhores! Eu vos digo com satisfação que aqui não encontrei nenhum adepto da primeira categoria. Em parte alguma vi se ocuparem do Espiritismo por mera curiosidade. Em parte alguma vi se servirem das comunicações para assuntos fúteis. Em toda parte o objetivo é sério e as intenções honestas. A crer no que vejo e no que me dizem, há muitos da terceira categoria. Honra, pois, aos espíritas lioneses, por haverem tão largamente penetrado essa via progressiva, sem a qual o Espiritismo não teria objetivo. Tal exemplo não será perdido, e terá suas consequências. Não foi sem razão, bem o vejo, que outro dia os Espíritos me responderam, por um dos vossos mais dedicados médiuns, posto que um dos mais obscuros, quando eu lhes manifestava minha surpresa: “Por que admirar-te? Lyon foi a cidade dos mártires. A fé aqui é viva. Ela fornecerá apóstolos ao Espiritismo. Se Paris é o cérebro, Lyon será o coração.” A coincidência desta resposta com a que vos foi dada precedentemente, e que o Sr. Guillaume acaba de recordar em sua alocução, tem algo de muito significativo.
A rapidez com que a Doutrina se propagou nos últimos tempos, malgrado a oposição que ainda encontra, ou talvez por causa dessa oposição, pode ensejar-nos prever o futuro. Evitemos, pois, por prudência, tudo quanto possa produzir uma impressão degradável. Evitemos, não digo de perder uma causa já assegurada, mas retardar-lhe o desenvolvimento. Sigamos nisto os conselhos dos sábios Espíritos e não esqueçamos que, no mundo, muitos resultados foram comprometidos por excesso de precipitação. Não esqueçamos, tampouco, que nossos inimigos do outro mundo, assim como os deste, podem procurar arrastar-nos por uma via perigosa.
Pedistes-me alguns conselhos e para mim é um prazer vos dar aqueles que a experiência puder sugerir-me. Não passarão, sempre, de uma opinião pessoal, que vos convido a ponderar com a vossa sabedoria e da qual fareis o uso que vos parecer mais adequado, pois não tenho a pretensão de me impor como árbitro absoluto.
Tínheis a intenção de formar uma grande sociedade. A respeito, já vos dei o meu modo de pensar e me limitarei a resumi-lo aqui.
Sabe-se que as melhores comunicações são obtidas em reuniões pouco numerosas, nas quais reina a harmonia e uma comunhão de sentimentos. Ora, quanto maior for o número, tanto mais difícil será a obtenção dessa homogeneidade. Como é impossível que no começo de uma ciência, ainda tão nova, não surgissem algumas divergências na maneira de apreciar certas coisas, dessa divergência infalivelmente nasceria um mal-estar, que poderia conduzir à desunião. Ao contrário, os pequenos grupos serão sempre mais homogêneos. Nos pequenos grupos, todos se conhecem melhor, estão mais em família, e podem ser com melhor critério admitidos aqueles que desejamos. Como, em definitivo, todos tendem para um mesmo fim, podem entender-se perfeitamente e entender-se-ão tanto melhor por não haver aquela suscetibilidade incessante, que é incompatível com o recolhimento e a concentração de espírito. Os maus Espíritos que buscam incessantemente semear a discórdia, irritando suscetibilidades, terão sempre menos domínio num pequeno grupo do que num meio numeroso e heterogêneo. Numa palavra, a unidade de vistas e de sentimento será aí mais fácil de se estabelecer.
A multiplicidade de grupos tem outra vantagem: a de obter uma variedade muito maior de comunicações, pela diversidade de aptidões dos médiuns. Que essas reuniões parciais compartilhem com os outros pequenos grupos o que elas obtêm, cada uma por seu lado, e todas aproveitarão assim os seus mútuos trabalhos. Aliás, chegará o momento em que o número de aderentes não mais permitirá uma reunião única, e o grupo deverá fracionar-se pela força das coisas. Por isso seria melhor fazer imediatamente aquilo que serão obrigados a fazer mais tarde.
Do ponto de vista da propaganda, sem dúvida não é nas grandes reuniões que os neófitos podem colher elementos de convicção, mas na intimidade. Há, pois, um duplo motivo para preferir os pequenos grupos, que se podem multiplicar ao infinito.
Ora, vinte grupos de dez pessoas, por exemplo, inquestionavelmente obterão mais, e farão mais prosélitos do que uma reunião única de duzentas pessoas.
Falei, há pouco, das divergências que podem surgir, e disse que elas não devem criar obstáculos ao perfeito entendimento entre os centros. Com efeito, essas divergências só podem dar-se nos detalhes e não no fundo. O objetivo é o mesmo: o melhoramento moral; o meio é o mesmo: o ensinamento dado pelos Espíritos. Se tal ensino fosse contraditório; se, evidentemente, um devesse ser falso e o outro verdadeiro, notai bem que isto não poderia alterar o objetivo, que é o de conduzir o homem ao bem, para sua maior felicidade presente e futura. Ora, o bem não poderia ter dois pesos e duas medidas. Contudo, do ponto de vista científico ou dogmático, é útil, ou pelo menos interessante, saber quem está certo e quem está errado. Então!
Tendes um critério infalível para apreciá-lo, quer se trate de simples detalhe ou de sistemas radicalmente divergentes. Isto não se aplica somente aos sistemas espíritas, mas a todos os sistemas filosóficos.
Examinai antes o que é mais lógico, o que melhor corresponde às vossas aspirações, que pode melhor atingir o objetivo. O mais verdadeiro será, evidentemente, aquele que explica melhor, que melhor dá a razão de tudo. Se se puder opor a um sistema um único fato em contradição com a sua teoria, é que a teoria é falsa ou incompleta. Examinai a seguir os resultados práticos de cada sistema. A verdade deve estar do lado daquele que produz maior soma de bem; que exerce uma influência mais salutar; que produz mais homens bons e virtuosos; que estimula ao bem pelos motivos mais puros e mais racionais. O objetivo constante a que o homem aspira é a felicidade. A verdade estará do lado do sistema que proporciona maior soma de satisfações morais; numa palavra, que torna as criaturas mais felizes.
Considerando-se que o ensino vem dos Espíritos, os diversos grupos, assim como os homens, se acham sob a influência de certos Espíritos que presidem aos seus trabalhos, ou os dirigem moralmente. Se esses Espíritos não estiverem de acordo, a questão será saber qual deles merece mais confiança. Evidentemente será aquele cuja teoria não pode levantar qualquer objeção séria; numa palavra, aquele que, em todos os pontos, dá mais provas de sua superioridade. Se tudo for bom e racional nesse ensino, pouco importa o nome que tome o Espírito. Neste sentido, a questão de identidade é absolutamente secundária. Se, sob um nome respeitável, o ensino peca em suas qualidades essenciais, podeis seguramente concluir que é um nome apócrifo e que se trata um Espírito impostor ou que se diverte. Regra geral: jamais o nome é uma garantia. A única, a verdadeira garantia de superioridade é o pensamento e a maneira por que este é expresso. Os Espíritos enganadores podem tudo imitar, tudo, menos a verdadeira sabedoria e o verdadeiro sentimento.
Senhores, não é intenção minha dar-vos aqui um curso de Espiritismo, e talvez eu abuse de vossa paciência com todos estes detalhes. Contudo, não posso furtar-me de acrescentar mais algumas palavras.
Acontece muitas vezes que para fazer com que sejam adotadas certas utopias, os Espíritos afetam um falso saber e tentam impô-las retirando do arsenal de palavras técnicas tudo quanto possa fascinar aquele que acredita muito facilmente.
Têm ainda um meio mais eficiente, que é o de aparentar virtudes. Apoiados nas grandes palavras caridade, fraternidade, humildade, esperam obter livre passagem para os mais grosseiros absurdos; e é o que acontece muitas vezes, quando não se está prevenido. É preciso, pois, não se deixar levar pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos quanto dos homens. Ora, confesso que esta é uma das maiores dificuldades. No entanto, nunca se disse que o Espiritismo é uma ciência fácil. Ele tem os seus escolhos, que só pela experiência podem ser evitados. Para não cair na cilada, é necessário, de princípio, guardar-se contra o entusiasmo que cega e contra o orgulho que leva certos médiuns a se julgarem os únicos intérpretes da verdade. É preciso tudo examinar friamente, tudo pesar maduramente, tudo controlar e, se se desconfia do próprio julgamento, o que por vezes é mais prudente, é preciso relatar a outros, seguindo o provérbio de que quatro olhos veem mais do que dois. Um falso amor-próprio ou uma obsessão podem, isoladamente, fazer persistir uma ideia notoriamente falsa e que é repelida pelo bom-senso de cada um. Senhores, não ignoro que tenho aqui muitos inimigos. Isto vos espanta, no entanto, nada é mais verdadeiro. Sim, aqui há quem me ouça com ira; não digo entre vós, graças a Deus!, onde espero jamais ter senão amigos. Refiro-me aos Espíritos enganadores, que não querem que vos dê os meios de desmascará-los, desde que descubro as suas astúcias, pondo-vos em guarda, e lhes tiro o domínio que poderiam ter sobre vós. A tal respeito, senhores, dir-vos-ei que seria erro supor que eles exerçam esse domínio apenas sobre os médiuns. Tende a mais absoluta certeza de que, estando em toda parte, os Espíritos agem incessantemente sobre nós, sem o sabermos, quer sejamos ou não sejamos espíritas ou médiuns. A mediunidade não os atrai; ao contrário, ela dá os meios de conhecer seu inimigo, que se trai sempre.
Sempre, ouvi bem, e que só abusa dos que se deixam abusar.
Isto, senhores, leva-me a completar meu pensamento sobre o que acabo de dizer a propósito das dissidências que poderiam surgir entre os diferentes grupos, por força da diversidade de ensino. Eu vos disse que, malgrado algumas divergências, eles poderiam entender-se e devem entender-se, desde que sejam verdadeiros espíritas. Eu vos dei o meio de controlar o valor das comunicações, que é o meio de apreciar a natureza das influências exercidas sobre cada um. Dado que toda influência boa emana de um bom Espírito; que tudo quanto é mau vem de uma fonte má; que os maus Espíritos são os inimigos da união e da concórdia, o grupo que for assistido pelo Espírito do mal será o que jogará pedras no outro e não lhe estenderá a mão. Quanto a mim, senhores, eu vos olho a todos como irmãos, quer estejais com a verdade, quer em erro. Mas vos declaro, alto e bom som, que estarei de corpo e alma com os que mostrarem mais caridade e mais abnegação. Se houvesse alguns, o que Deus não permita, que entretivessem sentimentos de ódio, de inveja ou de ciúme, eu os lamentaria, porque estariam sob má influência e eu preferiria supor que esses maus pensamentos lhes viessem de um Espírito estranho do que de seu próprio coração. Mas isto só me tornaria suspeita a veracidade das comunicações que pudessem receber, em virtude do princípio de que um Espírito realmente bom somente sugerirá bons sentimentos.
Terminarei, senhores, esta alocução, certamente já bem longa, com algumas considerações sobre as causas que devem assegurar o futuro do Espiritismo. Compreendeis todos, pelo que tendes sob os olhos e pelo que sentis em vós mesmos, que num dia futuro o Espiritismo deve exercer uma imensa influência sobre a estrutura social. Mas o dia em que essa influência será generalizada ainda está longe, sem dúvida. São necessárias gerações para que o homem se despoje do homem velho. Contudo, desde agora, se o bem não pode ser geral, já é individual, e porque esse bem é efetivo, a doutrina que o proporciona é aceita com tanta facilidade. Direi mesmo que com muito entusiasmo, por muitos. Com efeito, abstração feita de sua racionalidade, que filosofia é mais capaz de libertar o pensamento do homem dos laços terrenos e de elevar sua alma para o infinito? Qual a que lhe dá uma ideia mais justa, mais lógica, mais apoiada em provas patentes, de sua natureza e de seu destino? Que seus adversários a substituam por algo de melhor; por uma doutrina mais consoladora que se acomode melhor à razão; que substitua a alegria inefável de saber que os seres que nos foram caros na Terra estão junto a nós, nos veem, nos ouvem, nos falam e nos aconselham; que dê um motivo mais legítimo à resignação; que faça temer menos a morte; que proporcione mais calma nas provas da vida; que substitua, enfim, essa suave quietude experimentada quando se pode dizer: sinto-me melhor. Ante uma doutrina que faça tudo isto melhor, o Espiritismo ensarilhará as armas.
O Espiritismo torna, pois, soberanamente feliz. Com ele, não mais isolamento nem desespero. Ele já poupou muitas faltas, impediu vários crimes, levou a paz a inúmeras famílias, corrigiu muitos desvios. Como será, então, quando os homens forem alimentados por tais ideias! Porque então, vindo o raciocínio, eles se fortalecerão e não mais renegarão sua alma. Sim, o Espiritismo torna feliz e é isto que lhe dá um poder irresistível e assegura o seu futuro triunfo. Os homens querem a felicidade; o Espiritismo a proporciona; eles se atirarão nos braços do Espiritismo. Querem aniquilá-lo? Então deem ao homem uma fonte maior de felicidade e de esperança. Isto quanto aos indivíduos.
Duas outras forças parecem ter receado o seu aparecimento: a autoridade civil e a autoridade religiosa. Por que isso? Porque não o conhecem. Hoje a Igreja começa a ver que nele encontrará poderosa arma para combater a incredulidade; a solução lógica de vários dogmas embaraçosos e, finalmente, que ele já traz de volta aos seus deveres de cristãos bom número de ovelhas desgarradas. Por seu lado, o poder civil começa a ver provas de sua benéfica influência sobre a moralidade das classes laboriosas, às quais essa doutrina inculca, pela convicção, ideias de ordem, de respeito à propriedade, e faz compreender o nada das utopias. Testemunha de metamorfoses morais quase miraculosas, em breve entreverá, na difusão dessas ideias, um alimento mais útil ao pensamento do que as alegrias dos cabarés ou o tumulto da praça pública e, consequentemente, uma salvaguarda para a Sociedade.
Assim, povo, Igreja e poder, um dia vendo nele um dique contra a brutalidade das paixões, uma garantia da ordem e da tranquilidade, uma volta às ideias religiosas que se extinguem, ninguém terá interesse em entravá-lo. Ao contrário, cada um buscará nele um apoio. Aliás, quem poderá deter o curso desse rio de ideias que já rola suas águas benfazejas nos cinco continentes?
Tais são, meus caros confrades, as considerações que desejava submeter-vos. Termino agradecendo novamente vossa benévola acolhida, cuja lembrança estará sempre presente em minha memória. Agradeço igualmente aos bons Espíritos por toda a satisfação que me proporcionaram durante minha viagem, porque, por toda parte onde me detive, encontrei bons e sinceros espíritas e pude constatar, por meus próprios olhos, o imenso desenvolvimento dessas ideias e com que facilidade elas se enraízam. Por toda parte encontrei gente feliz, aflitos consolados, pesares acalmados, ódios apaziguados; por toda parte a confiança e a esperança sucedendo às angústias da dúvida e da incerteza. Ainda uma vez, o Espiritismo é a chave da verdadeira felicidade e aí está o segredo de seu poder irresistível. Então é utopia uma doutrina que faz tais prodígios? Que Deus, na sua bondade, meus caros amigos, se digne vos enviar bons Espíritos para vos assistir nas vossas comunicações, a fim de que vos esclareçam sobre as verdades que estais encarregados de espalhar. Um dia colhereis centuplicados os frutos do bom grão que houverdes semeado.
Que este repasto de amigos, meus mui amados confrades, como nos ágapes antigos, seja o penhor da união entre todos os verdadeiros espíritas!
Levanto um brinde aos espíritas lioneses, tanto em meu nome quanto no da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
ALLAN KARDEC
Sobre o valor das comunicações espíritas (Pelo Sr. Jobard)
merecido e se pagarem o preço equivalente ao sucesso que lhes é dado por acréscimo.
Observações
Dissertações espíritas - Recebidas ou lidas por vários médiuns na sociedade
Formação dos Espíritos (Médium, Sra. Costel)Os espíritos errantes (Médium, Sra. Costel)
O castigo (Médium, Sra. Costel)
Marte (Médium, Sra. Costel)
Júpiter (Médium, Sra. Costel)
Os espíritos puros (Médium, Sra. Costel)
Morada dos bem-aventurados (Médium, Sra. Costel)
A reencarnação (Pelo Sr. de Grand-Boulogne, médium)
O despertar do Espírito (Médium, Sra. Costel)
Progresso dos Espíritos (Médium, Sra. Costel)
A caridade material e a caridade moral (Médium, Mad. de B…)
A eletricidade do pensamento (Médium, Sra. Costel)
A hipocrisia (Médium, Sr. Didier Filho)
Novembro
BoletimLeitura da ata e dos trabalhos da sessão de 24 de agosto.
Com o parecer da comissão, que tomou conhecimento da carta de solicitação, e após relatório verbal, a Sociedade admite como sócio livre o Sr. B..., negociante em Paris.
Comunicações diversas:
1.º ─ O Sr. Allan Kardec relata o resultado da viagem feita no interesse do Espiritismo e se felicita pelo cordial acolhimento recebido por toda parte e, notadamente, em Sens, Mâcon, Lyon e Saint-Étienne. Por toda parte onde esteve, constatou os consideráveis progressos da Doutrina; mas o que, sobretudo, é digno de nota, é que em parte alguma viu fazerem dela uma distração. Por toda parte dela se ocupam de modo sério e compreendem o seu alcance e as consequências futuras. Sem dúvida ainda há muitos oponentes, dos quais os mais encarniçados são interesseiros, mas os trocistas diminuem sensivelmente. Vendo que seus sarcasmos não trazem os brincalhões para o seu lado, e que estes mais favorecem do que entravam o progresso das crenças novas, começam a compreender que nada ganham e gastam suas energias em pura perda e, por isso, se calam. Uma expressão muito característica aparece, por toda parte, na ordem do dia: O Espiritismo está no ar. Por si só, ela pinta bem o estado de coisas. Mas é sobretudo em Lyon que os resultados são mais notáveis. Ali os espíritas são numerosos em todas as classes e, na classe obreira, eles se contam por centenas. A Doutrina Espírita exerceu entre os operários a mais salutar influência do ponto de vista da ordem, da moral e das ideias religiosas. Em resumo, a propagação do Espiritismo marcha com a mais encorajadora rapidez.
O Sr. Allan Kardec lê o discurso pronunciado pelo Sr. Guillaume, no banquete que os espíritas lioneses lhe ofereceram, e a resposta que ele deu.
Reconhecida pelos testemunhos de simpatia que os confrades de Lyon lhe deram na ocasião, a Sociedade lhes vota uma mensagem de agradecimentos, cujo projeto foi submetido à comissão e por esta emendado. A mensagem será transmitida por intermédio do presidente.
O Sr. Allan Kardec viu em Saint-Étienne o Sr. R... e dele ouviu a exposição do sistema que lhe foi ditado por meio do que ele chama escrita inconsciente. Tal sistema será, posteriormente, objeto de um estudo especial.
Além disso, ele dá conta de um caso muito curioso de obsessão física de uma pessoa de Lyon; de um caso de mediunidade visual, do qual foi testemunha, e de um fenômeno de transfiguração ocorrido nas proximidades de Saint-Étienne, com uma mocinha que em certos momentos tomava a aparência completa de seu irmão, falecido há alguns anos.
2.º ─ Relato de um notável caso de identidade espírita, ocorrido num navio da marinha imperial, estacionado nos mares da China. O fato é relatado por um cirurgião da frota, presente à sessão. Todo mundo no navio, desde os marinheiros até o estado-maior, se ocupava de evocações, mas ninguém conhecia os meios de obter comunicações escritas; assim, serviam-se da tiptologia alfabética. Tiveram a ideia de evocar um tenente, falecido há dois anos. Entre outras particularidades, disse ele: “Peço insistentemente que paguem ao capitão a quantia de... (e designa a soma), que eu lhe devo, e lamento não lha ter podido pagar antes de morrer.” Ninguém conhecia tal circunstância. O próprio capitão se havia esquecido, mas verificando suas contas encontrou menção da dívida do tenente, cuja cifra era perfeitamente idêntica à indicada por seu Espírito.
3.º ─ O Sr. de Grand-Boulogne lê uma encantadora poesia dedicada por ele a seu Espírito familiar.
Estudos:
1.º ─ Perguntas dirigidas a São Luís sobre sua aparição a um médium vidente de Lyon, em presença do Sr. Allan Kardec. Ele responde: “Sim. Era eu mesmo. Era dever de minha missão não abandonar o diretor da Sociedade que eu patrocino.”
Outras perguntas sobre a impressão física produzida em certos médiuns escreventes pelos bons ou maus Espíritos.
2.º ─ Evocação do Sr. Ch. de P..., que encontraram afogado, e cuja morte foi considerada um suicídio. Ele desmente tal opinião, contando as causas acidentais que lhe ocasionaram a morte.
3.º ─ Ditado espontâneo, assinado por Lamennais, recebido pelo Sr. D...
SEXTA-FEIRA, 12 DE OUTUBRO DE 1800 (SESSÃO GERAL) Reunião da comissão.
Presidência do Sr. Jobard, de Bruxelas, presidente honorário.
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 5 de outubro.
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de várias comunicações recebidas pela Sra. Schm...: Os Órfãos, assinado por Jules Morin. Outras, assinadas por Alfred de Musset; a rainha de Ouda, por Nicolas.
2.º ─ Leitura de um ditado espontâneo, assinado por São Luís, recebido pelo Sr. Darcol, com vários conselhos aos espíritas.
3.º ─ Carta ao Sr. Allan Kardec, pelo Sr. J..., de Terre-Noire, sobre a impressão penosa que lhe produziu a exposição do sistema do Sr. R...
Estudos:
1.º ─ Evocação de Saul, rei dos Judeus. Declara que não é ele que se comunica com a Srta. B. O Espírito que se manifesta com tal nome havia ensinado no círculo dessa senhorinha um sistema particular cujos pontos principais são: 1.º ─ Os Espíritos são tanto mais esclarecidos quanto mais antiga sua existência terrena, de onde se segue que, por exemplo, São Luís é menos adiantado que ele, porque morreu há menos tempo; 2.º ─ Os Espíritos só se encarnam na Terra, e o número dessas encarnações é de três, nem mais nem menos, o que basta para levá-los do grau mais baixo ao mais alto.
Tendo o Sr. Allan Kardec combatido esta teoria como irracional e desmentida pelos fatos, o Espírito tinha insistido em fazê-lo mudar de ideia. Evocado, não pôde sustentar sua teoria, mas não se considera vencido e pede para ser ouvido em outra sessão íntima e por seu médium habitual.
NOTA: Realizada a sessão alguns dias depois, o Espírito persistiu em dizer-se Saul, rei dos Judeus. Mas, apertado por perguntas, deu provas da mais absoluta ignorância, dizendo, por exemplo, que a encarnação só se dá na Terra, porque esta é o único globo sólido. Em sua opinião, todos os outros planetas são globos fluídicos e não poderiam servir de habitação a seres corpóreos. Quando se lhe contestou a teoria, pelo fenômeno dos eclipses do Sol, sustentou que jamais o Sol foi eclipsado por Mercúrio e Vênus no que, aliás, nem sempre os astrônomos tinham estado de acordo.
Este fato prova, mais uma vez, que os Espíritos estão longe de ter a ciência infusa e quanto é preciso se pôr em guarda contra os sistemas que, por amor próprio, alguns procuram impor, através de algumas bonitas máximas de moral.
Este, a despeito de sua jactância, mostrou o seu ponto fraco com a ridícula teoria dos corpos planetários e demonstrou que, em vida, devia ser menos instruído que o mais atrasado estudante, o que não significa muito, em relação a seu adiantamento. Quando esses Espíritos encontram ouvintes que acolhem suas palavras com uma confiança muito cega, eles se aproveitam disso, mas serão tanto menos encontrados quanto mais nos penetrarmos da certeza de que é preciso submeter todas as comunicações ao severo controle da lógica e da razão. Quando esses Espíritos pseudo-sábios virem que ninguém mais se ilude com os nomes respeitáveis que eles se atribuem, e que não podem impor suas utopias, compreenderão que perdem seu tempo e se calarão.
2.º ─ Evocação do Espírito que se comunica com Sr. R... e que também lhe ditou um sistema completo. Tal estudo será feito posteriormente.
3.º ─ Ditado espontâneo recebido pelo Sr. D... sobre a ciência infusa, assinado por São Luís. Essa comunicação parece ter sido provocada pelos assuntos de que se ocuparam durante a sessão.
4.º ─ Desenho obtido pela Srta. J... e assinado por Ary Scheffer.
5.º ─ Evocação de Nicolas pela Srta. J... Como de hábito ele se manifesta violento, e diz: “Pedir-me calma é pedir que eu não seja eu. Como vedes, ainda queimo. É que o sopro da batalha subiu até mim”.
Interrogado quanto à razão por que se mostrou tão calmo com a Sra. Sch..., responde: Eu tinha tomado um intérprete para não quebrar esta frágil criatura; pude ter belos e bons pensamentos, mas não pude escrevê-los eu mesmo.
Um outro Espírito manifesta-se espontaneamente através da Srta. J... Por sua extrema suavidade, por sua escrita calma, correta e quase moldada, que contrasta de maneira tão notável com a escrita nervosa, angulosa e impaciente de N..., a médium crê reconhecer João Batista, que várias vezes se manifestou dessa maneira. Ele fala da eficácia da prece e lembra as profecias do Apocalipse, que hoje encontram sua aplicação.
SEXTA-FEIRA, 19 DE OUTUBRO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR) Reunião da comissão
Leitura da ata e dos trabalhos da última sessão.
Por indicação da comissão e depois de relatório verbal, são admitidos como sócios livres o Sr. G..., negociante em Paris, e o Sr. D..., funcionário dos correios.
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de uma comunicação recebida pela Sra. Sch..., de seu irmão. É notável pela elevação dos pensamentos e prova a afeição que os Espíritos conservam por aqueles que amaram na Terra.
2.º ─ A Sra. Desl... lê a evocação de uma antiga empregada falecida quando a serviço de sua família. Essa evocação, na qual o Espírito prova o seu apego e os seus bons sentimentos, oferece uma notável particularidade na forma da linguagem, que é, em todos os pontos, semelhante à da gente do campo, e na qual o Espírito conservou até as expressões que lhe eram familiares.
3.º ─ Caso de identidade relativo ao Espírito do Sr. Charles de P..., evocado na sessão de 5 de outubro. A pessoa a quem se havia manifestado em Bordéus, e que o tinha evocado novamente nos primeiros dias deste mês, soube, por seu intermédio, que o haviam chamado na Sociedade, onde tinha confirmado o que lhe dissera a respeito da causa acidental de sua morte. Pouco depois essa pessoa recebeu carta do Sr. Allan Kardec, transmitindo detalhes da evocação feita na Sociedade.
4.º ─ Relato de diversos casos de aparições vaporosas e tangíveis, e de transporte de objetos materiais, ocorridos com o Sr. de St.-G..., presente à sessão, bem como a uma de suas parentas. Esses casos serão objeto de exame ulterior.
Estudos:
1.º ─ Evocação do Espírito que se manifestou visivelmente ao Sr. de St.-G... Ele dá algumas explicações, mas declara que prefere comunicar-se por intermédio de seu médium habitual.
2.º ─ Evocação de um Espírito que toma o nome de Balthazar e se revelou espontaneamente à Srta. H..., mostrando disposições gastronômicas. Esta evocação oferece um grande interesse do ponto de vista do estudo dos Espíritos não desmaterializados, e que conservam os instintos da vida terrena.
3.º ─ Três ditados espontâneos recebidos: o primeiro pelo Sr. Didier filho, sobre o Cristianismo, assinado por Lamennais; o segundo pela Sra. Costel, sobre os Espíritos inferiores, assinado por Delphine de Girardin; o terceiro pela Srta. Huet: o Beijo de Paz, parábola assinada por Channing.
Bibliografia - Carta de um católico sobre o Espiritismo - Pelo o Dr. Grand, antigo vice-cônsul da franca
Parece difícil que, após a leitura desse livrinho, aqueles que os escrúpulos religiosos ainda afastam do Espiritismo não sejam conduzidos a uma apreciação mais sadia do problema. Aliás, há um fato evidente: é que as ideias espíritas marcham com tal rapidez que, sem ser adivinho nem feiticeiro, é possível prever o tempo em que serão tão gerais que, de bom ou de mau grado, ter-se-á que contar com elas. Elas conquistarão foros de cidade, sem haver necessidade da permissão de ninguém; e dentro em pouco reconhecer-se-á, se ainda não se fez, a absoluta impossibilidade de lhe deter o curso. As próprias diatribes lhes dão um impulso extraordinário e não se poderia crer no número de adeptos que, sem o querer, fez o Sr. Louis Figuier com a sua Histoire du merveilleux (História do maravilhoso), na qual pretende tudo explicar pela alucinação, quando, em definitivo, nada explica, porque seu ponto de partida é a negação de toda força fora da Humanidade e sua teoria material não pode resolver todos os casos. As pilhérias do Sr. Oscar Comettant não são argumentos. Ele provocou risos, mas não à custa dos espíritas. O impudente e grosseiro artigo da Gazette de Lyon só fez mal a ela mesma, porque todo mundo o julgou como ele mereceu. Após a leitura da brochura de que falamos, que dirão os que ousam ainda insinuar que os espíritas são ímpios, e que a sua doutrina ameaça a religião? Eles não se apercebem que assim dizendo fariam crer que a religião é vulnerável. Com efeito, ela seria muito vulnerável se uma utopia ─ desde que, segundo eles, isto é utopia ─ pudesse comprometê-la. Não receamos dizer que todos os homens sinceramente religiosos ─ e desta forma entendemos os que o são mais pelo coração do que pelos lábios ─ reconhecerão no Espiritismo uma manifestação divina, cujo objetivo é reavivar a fé que se extingue.
Recomendamos instantemente essa brochura a todos os nossos leitores, e cremos que estes farão uma coisa útil, procurando propagá-la.
Homero
No interesse da conservação e do aperfeiçoamento de sua faculdade, fazemos votos que jamais caiam no engano dos médiuns que se julgam infalíveis. Não há um só que se possa gabar de jamais ter sido enganado. As melhores intenções não garantem sempre, e muitas vezes são uma prova para exercitar o julgamento e a perspicácia. Mas, a respeito dos que têm a infelicidade de se julgarem infalíveis, os Espíritos enganadores são muito hábeis para não deixar de tirar proveito. Fazem o que fazem os homens: exploram todas as fraquezas.
Entre as comunicações que esses senhores nos enviaram, a seguinte, assinada por Homero, sem ter nada de muito saliente relativamente às ideias, pareceu-nos merecer particular atenção, em razão de um fato notável que até certo ponto pode ser considerado como prova de identidade. Esta comunicação foi obtida espontaneamente e sem que o médium absolutamente pensasse no poeta grego. Ela deu lugar a diversas perguntas que também julgamos conveniente publicar.
Um dia o médium escreveu o seguinte, sem saber quem lho ditava:
“Meu Deus! Como são profundos os vossos desígnios e impenetráveis as vossas vistas! Em todos os tempos os homens têm procurado a solução de uma porção de problemas que ainda não foram resolvidos. Eu também procurei durante toda a minha vida, e não consegui resolver o que de todos parece o mais simples: o mal, aguilhão de que vos servis para impelir o homem a fazer o bem por amor. Ainda bem jovem, conheci os maus-tratos que os homens fazem sofrer uns aos outros, sem premeditação, como se o mal para eles fosse um elemento natural, posto não seja assim, desde que todos tendem para o mesmo fim, que é o bem. Estrangulam-se uns aos outros e, ao despertarem, constatam que feriram um irmão! Mas são esses os vossos desígnios e não nos cabe mudá-los. Só temos o mérito ou o demérito de haver resistido mais ou menos à tentação e, como sanção de tudo isto, o castigo ou a recompensa.
“Passei a juventude entre os caniços do Mélès; banhei-me e embalei-me muitas vezes em suas ondas. Por isso, na minha juventude, eu era chamado Melesígeno.”
2. ─ Poderíeis dizer-nos a que devemos a felicidade de vossa visita espontânea, porque ─ e por isso vos pedimos perdão ─ absolutamente não pensávamos em vós neste momento. ─ É porque venho às vossas reuniões, como se vai sempre aos irmãos que têm em vista fazer o bem.
3. ─ Se ousássemos, pediríamos que nos falásseis dos últimos instantes de vossa vida terrena. ─ Oh! meus amigos, Deus permita que não morrais tão infelizes quanto eu! Meu corpo finou-se na última das misérias humanas. A alma fica muito perturbada em tal estado. O despertar é mais difícil, mas também é muito mais belo! Oh! Como Deus é grande! Que ele vos abençoe! Eu o peço do fundo do coração.
4. ─ Os poemas da Ilíada e da Odisseia, que nós temos, são exatamente aqueles que vós compusestes? ─ Não. Eles foram alterados.
5. ─ Várias cidades disputaram a honra de vos ter sido o berço. Poderíeis esclarecer-nos a respeito? ─ Procurai a cidade da Grécia que possuía a casa do cortesão Cleanax. Foi ele que expulsou minha mãe do lugar do meu nascimento, porque ela não quis ser sua amante, e sabereis em que cidade vim à luz. Sim, elas disputaram essa suposta honra, mas não disputavam por me haverem dado hospitalidade. Oh! Eis os pobres humanos. Sempre futilidades; bons pensamentos, nunca!
A respeito disto, faremos outra observação: todo espírita sabe, por menos experimentado que ele seja, que alguma pessoa que soubesse o apelido de Homero e, o tendo evocado, se lhe tivesse pedido para dizê-lo, como prova de identidade, não o teria conseguido. Se as comunicações fossem apenas um reflexo do pensamento, como não diria e Espírito aquilo que sabemos, enquanto ele próprio diz aquilo que ignoramos? É que ele também tem a sua dignidade e a sua susceptibilidade, e quer provar que não está às ordens do primeiro curioso que apareça. Suponhamos que aquele que mais protesta contra o que chama capricho ou má vontade do Espírito, se apresente numa casa declinando o seu nome. Que faria, se o acolhessem e lhe pedissem à queima-roupa que provasse ser ele mesmo? Voltaria as costas. É o que fazem os Espíritos. Isto não quer dizer que se deva crer sob palavra, mas quando se querem provas de identidade, é preciso saber tratá-los tão bem como aos homens. As provas de identidade dadas espontaneamente pelos Espíritos são sempre as melhores.
Se nos estendemos tanto a propósito de um assunto que parece não comportar tantas considerações, é que nos parece útil não perder ocasião de chamar a atenção sobre a parte prática de uma ciência cercada de mais dificuldades do que se pensa, e que muitos julgam possuir porque sabem fazer bater uma mesa ou mover-se um lápis. Aliás, nós nos dirigimos aos que ainda julgam necessitar de conselhos, e não aos que, após alguns meses de estudo, pensam não mais necessitá-los. Se os conselhos que julgamos conveniente dar forem perdidos por alguns, sabemos que não o serão por todos, e que muitos os receberão com prazer.
Palestras familiares de além-túmulo.
Baltazar, o Espírito gastrônomo.
Numa reunião espírita particular apresentou-se espontaneamente um Espírito, sob o nome de Baltazar, e ditou a seguinte frase por meio de batidas:
“Gosto da boa mesa e das mulheres; viva o melão e a lagosta, o café e o licor !” Pareceu-nos que tais disposições de um habitante do outro mundo poderia dar lugar a um estudo sério, do qual poderíamos tirar um ensinamento instrutivo sobre as faculdades e sensações de certos Espíritos. A nosso ver, era um interessante objeto de observação que se apresentava por si mesmo, ou, melhor ainda, que talvez tivesse sido enviado pelos Espíritos elevados, desejosos de nos fornecerem meios de instrução. Seríamos culpados se não o aproveitássemos. É evidente que aquela frase burlesca revela, da parte do Espírito, uma natureza muito especial, cujo estudo pode lançar uma nova luz sobre o que podemos chamar a fisiologia do mundo espírita.
Eis por que a Sociedade julgou dever evocá-lo, não por um motivo fútil, mas na esperança de encontrar um novo assunto para instrução.
Certas pessoas creem que só se pode aprender com o Espírito dos grandes homens. É um erro. Sem dúvida só os Espíritos de escol nos podem dar lições de alta filosofia teórica, mas o conhecimento do estado real do mundo invisível não é para nós menos importante. Pelo estudo de alguns Espíritos, surpreendemos, de certo modo, a natureza em flagrante. É vendo as chagas que podemos encontrar o meio de curá-las. Como nos daríamos conta das penas e dos sofrimentos da vida futura, se não tivéssemos visto Espíritos infelizes? Por eles compreendemos que se pode sofrer muito sem estar no fogo e nas torturas materiais do Inferno, e esta convicção, dada pelo espetáculo da ralé da vida espírita, não é uma das causas que menos contribuíram para atrair partidários à Doutrina.
1. Evocação.
— Meus amigos, eis-me aqui, diante de uma grande mesa… Mas ah! Está vazia!
2. Esta mesa está vazia, é certo; mas quereis dizer-nos de que vos serviria se estivesse carregada de alimentos? Que faríeis deles?
— Sentiria o seu aroma, como outrora lhes saboreava o gosto.
Observação: Esta resposta é todo um ensinamento. Sabemos que os Espíritos têm as nossas sensações e percebem os odores tão bem quanto os sons. Não podendo comer, um Espírito material e sensual se repasta da emanação dos alimentos; saboreia-os pelo olfato, como em vida o fazia pelo paladar. Há, pois, algo de material em seu prazer; mas como, na verdade, há mais desejo do que realidade, este mesmo prazer, aguilhoando os desejos, torna-se um suplício para os Espíritos inferiores, que ainda conservaram as paixões humanas.
3. Falemos muito seriamente, peço-vos. Nosso propósito não é brincar, mas de nos instruirmos. Tende a bondade de responder seriamente às nossas perguntas e, se for necessário, servi-vos da assistência de um Espírito esclarecido. Tendes um corpo fluídico, bem o sabemos. Mas dizei, nesse corpo há um estômago?
— Estômago também fluídico, onde só os aromas podem passar.
4. Quando vedes comidas gostosas, sentis vontade de comer?
— Ah! Comer! Eu não posso mais. Para mim, esses alimentos são o que são as flores para vós: cheirais, mas não comeis. Isto vos contenta. Pois então! Também eu fico contente.
5. Sentis prazer vendo os outros comerem?
— Muito, quando estou perto.
6. Sentis necessidade de comer e beber? Notai que dizemos necessidade; há pouco havíamos dito desejo, o que não é a mesma coisa.
— Necessidade, não; mas desejo, sim, sempre!
7. Esse desejo fica plenamente satisfeito pelo cheiro que aspirais? É a mesma coisa que se realmente comêsseis?
— É como se eu vos perguntasse se a vista de um objeto que desejais ardentemente vos substitui a posse desse objeto.
8. Assim, parece que o desejo que experimentais deve ser um verdadeiro suplício, pois não há prazer real…
— Suplício maior do que pensais. Mas eu procuro atordoar-me, criando-me a ilusão.
9. Vosso estado nos parece muito material. Dizei-nos: dormis algumas vezes?
— Não. Gosto de rodar um pouco por toda parte.
10. O tempo vos parece longo? Por vezes vos aborreceis?
— Não. Eu percorro as feiras e os mercados; vou ver chegar a pescaria e com isto me ocupo muito bem.
11. Que fazíeis quando na Terra? Nota: Alguém diz que sem dúvida era cozinheiro. ─ Apreciador da boa mesa, não glutão. Advogado, filho de gastrônomo, neto de gastrônomo. Meus pais eram fermiers généraux. (Financistas que na antiga monarquia tinham o direito de cobrar impostos, mediante o pagamento de certa quantia fixa ao Tesouro ). Respondendo à reflexão precedente, o Espírito acrescenta:
— “Bem vês que eu não era cozinheiro e que não te convidaria para os meus almoços, pois não sabes comer nem beber.”
12. Há muito tempo que estais morto?
— Morri há uns trinta anos, com oitenta de idade.
13. Vedes outros Espíritos mais felizes do que vós?
— Sim. Vejo alguns cuja felicidade consiste em louvar a Deus. Ainda não conheço isto. Meus pensamentos roçam pela Terra.
14. Compreendeis as causas que os tornam mais felizes do que vós?
— Eu ainda não as aprecio, como aquele que não sabe o que é um bom prato e não o aprecia. Talvez chegue a isso. Adeus. Vou à procura de um jantarzinho muito delicado e muito suculento.
Baltazar.
Observação. Este Espírito é um verdadeiro fenômeno. Ele faz parte dessa classe numerosa de seres invisíveis que não se elevaram em nada acima da condição da Humanidade. Só tem de menos o corpo material, mas as suas ideias são exatamente as mesmas. Este não é um mau Espírito. Ele não tem contra si senão a sensualidade, que, ao mesmo tempo, é para ele um suplício e um gozo. Como Espírito, não é, pois, muito infeliz; é até feliz ao seu modo. Mas Deus sabe o que o espera em nova existência! Uma triste volta poderá fazê-lo bem refletir e desenvolver o senso moral, ainda abafado pela preponderância dos sentidos.
Um espírita ao seu espírito familiar - Estâncias
Enviado da Providência,
Mestre, ensina e aprenderei.
Ainda há pouco eu duvidava,
A dúvida me afligia,
Assim, Deus, mestre adorável,
Antes Pai que criador,
Põe, com ternura inefável,
Cada qual, ó maravilha!
Tem um celeste guardião;
Cada um tem na sua trilha
Doce anjo que me consola!
Irmão bendito entre os véus,
Amo-te, anjo tutelar,
Sou feliz se as mãos nos damos,
Sigo-te, estrela a clarear
A. G.
Relações afetuosas dos Espíritos
São geralmente admiradas as belas comunicações do Espírito que assina Georges. Mas, em razão mesmo da superioridade de que esse Espírito dá provas, várias pessoas viram com surpresa o que diz em sua comunicação O Despertar do Espírito, a propósito das relações de além-túmulo. Ali se lê o seguinte:
“A gente se despoja de todos os preconceitos terrenos. A verdade aparece em toda a sua luz. Nada atenua as faltas. Nada oculta as virtudes. A gente vê a própria alma tão claramente quanto num espelho. A gente procura entre os Espíritos os que foram conhecidos, porque o Espírito se apavora no seu isolamento, mas eles passam sem se deterem. Não há comunicações amistosas entre os Espíritos errantes; até mesmo aqueles que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; essas formas diáfanas deslizam e não se fixam. As comunicações afetuosas são reservadas aos Espíritos superiores.”
O pensamento do reencontro após a morte e da comunicação com os que amamos é uma das mais suaves consolações do Espiritismo, e a ideia de que as almas não possam ter entre si relação de amizade seria pungente, se fosse absoluta; por isso não nos surpreendemos com o sentimento penoso que ela produziu. Se Georges tivesse sido um desses Espíritos vulgares ou sistemáticos, que externam suas próprias ideias sem se inquietarem com sua exatidão ou sua falsidade, não teríamos dado a menor importância. Em razão de sua sabedoria e de sua profundeza habituais, poder-se-ia supor houvesse algo de verdadeiro no fundo dessa teoria, mas que o pensamento não teria sido expresso completamente. Com efeito, é o que resulta das explicações que pedimos. Temos, pois, uma prova a mais de que nada se deve aceitar sem o haver submetido ao controle da razão; e aqui a razão e os fatos nos dizem que tal teoria não poderia ser absoluta.
Se o isolamento fosse uma propriedade inerente à erraticidade, tal estado seria um verdadeiro suplício, tanto mais penoso quanto pode prolongar-se por muitos séculos. Sabemos por experiência que a privação da vista dos que amamos é uma punição para certos Espíritos; mas sabemos, também, que muitos são felizes por se encontrarem; que ao saírem desta vida, os nossos amigos do mundo espírita nos vêm receber e nos ajudam a nos desembaraçarmos das roupagens materiais, e que nada é mais penoso do que não encontrar nenhuma alma benevolente nesse momento solene. Esta consoladora doutrina seria uma quimera? Não, não é possível, porque não é apenas o resultado de um ensino. São as próprias almas, felizes ou sofredoras, que vêm descrever a situação. Sabemos que os Espíritos se reúnem e se entendem para agirem de comum acordo, com mais força em certas ocasiões, tanto para o mal quanto para o bem; que os Espíritos sem os necessários conhecimentos para responder às perguntas que lhes são dirigidas, podem ser assistidos por Espíritos mais esclarecidos; que estes têm por missão ajudar com seus conselhos o adiantamento dos Espíritos mais atrasados; que os Espíritos inferiores agem sob o impulso de outros Espíritos, dos quais são instrumentos; que recebem ordens, proibições ou permissões, circunstâncias essas que não ocorreriam se os Espíritos ficassem entregues a si mesmos. O simples bom-senso nos diz, pois, que a situação de que se falou é relativa e não absoluta; que pode verificar-se para alguns em dadas circunstâncias, mas não poderia ser geral, porque, do contrário, seria o maior obstáculo ao progresso do Espírito e, por isto mesmo, não seria conforme à justiça de Deus, nem à sua bondade. Evidentemente, o Espírito de Georges só encarou uma fase da erraticidade, na qual, para melhor dizer, restringiu a acepção do termo errante a uma certa categoria de Espíritos, em vez de aplicá-la, como nós o fazemos, indistintamente a todos os Espíritos não encarnados.
Pode acontecer, portanto, que dois seres que se amaram não troquem sinais de reconhecimento; que nem mesmo se possam ver e falar, se for uma punição para um deles. Por outro lado, como os Espíritos se reúnem conforme a ordem hierárquica, dois seres que se amaram na Terra podem pertencer a ordens muito diferentes e, por isso mesmo, ficarem separados, até que o menos adiantado alcance o grau do outro. Tal privação pode ser, assim, uma consequência da expiação e das provas terrestres. A nós cabe agir de modo a não merecê-la.
A felicidade dos Espíritos é relativa à sua elevação. Essa felicidade só é completa para os Espíritos depurados, cuja felicidade consiste principalmente no amor que os une. Isto se concebe e é de toda justiça, porque se despojaram de todo egoísmo e de toda influência material, porque somente neles ela é pura, sem segunda intenção e coisa alguma a perturba. Daí se segue que suas comunicações devem ser, por isto mesmo, mais afetuosas e mais expansivas do que entre os Espíritos ainda sob o império das paixões terrenas. É preciso daí concluir que os Espíritos errantes não são forçosamente privados, mas podem ser privados de tais comunicações, se tal for a punição a eles imposta. Como diz Georges em outra passagem: “Esta privação momentânea lhes dá mais ardor para atingirem o momento em que as provas realizadas lhes devolverão o objeto de sua afeição.” Portanto, essa privação não é o estado normal dos Espíritos errantes, mas uma expiação para os que a mereceram, uma das mil e uma vicissitudes que nos esperam na outra vida, quando tivermos desmerecido nesta.
Dissertações espíritas - Recebidas ou lidas por vários médiuns na sociedade
(MÉDIUM. SRA. COSTEL)
Falarei da estranha mudança que se opera no Espírito após a libertação, Ele se evapora dos despojos que abandona, como uma chama se desprende do foco que a produziu; depois se dá uma grande perturbação e essa dúvida estranha: estou morto ou vivo? A ausência das sensações primárias produzidas pelo corpo espanta e imobiliza, por assim dizer. Assim como um homem habituado a um fardo pesado, nossa alma, aliviada de repente, não sabe o que fazer de sua liberdade; depois, o espaço infinito, as maravilhas sem número dos astros, sucedendo-se num ritmo harmonioso, os Espíritos solícitos, flutuando no ar e deslumbrantes de luz sutil que parece atravessá-los, o sentimento da libertação que inunda de súbito, a necessidade de lançar-se também no espaço como pássaros que querem treinar suas asas, tais são as primeiras impressões que todos nós sentimos. Não posso lhe revelar todas as fases desta existência; acrescentarei só, que logo satisfeito com o seu espanto, o espírito ávido quer se lançar e subir mais, às regiões do verdadeiro belo, do verdadeiro bem, e essa aspiração é o tormento dos Espíritos sedentos do infinito. Como a crisálida, esperam despojar-se de sua pele; sentem surgirem asas que os levarão, radiosos, ao azul abençoado. Mas, retidos ainda pelos laços do pecado, devem planar entre o céu e a Terra, não pertencendo nem a um, nem a outra. Que são todas as aspirações terrenas, comparadas ao ardor incrível do ser que entreviu um recanto da eternidade! Assim, sofrei muito para chegardes depurados entre nós. O Espiritismo vos ajudará, pois é uma obra abençoada; ele liga entre si os Espíritos e os vivos, que formam os anéis de uma cadeia invisível subindo até Deus.
(MÉDIUM, SRA. SCHMIDT)
Meus irmãos, amai os órfãos. Se soubésseis quanto é triste ser só e abandonado, sobretudo em tenra idade! Deus permite que haja órfãos para nos induzir a lhes servir de pais. Que divina caridade ajudar uma pobre criaturinha abandonada, evitar que sofra fome e frio, dirigir sua alma, para que não se perca no vicio! Quem estende a mão a uma criança abandonada é agradável a Deus, porque compreende e pratica a sua lei. Pensai ainda que, multas vezes, a criança que socorreis vos tenha sido querida em outra vida. E se vós a pudésseis lembrar, isto não seria caridade, mas dever. Assim, pois, meus amigos, todo ser sofredor é vosso irmão e tem direito à vossa caridade; não essa caridade que fere o coração, essa esmola que queima a mão onde cai, porque os vossos óbolos são, por vezes, muito amargos. Quantas vezes elas seriam recusadas, se nas águas-furtadas não as esperassem a doença e a fome! Dai delicadamente; juntai aos benefícios o mais precioso de todos: uma boa palavra, uma carícia, um sorriso amigo; evitai esse tom de piedade e de proteção, que revolve o ferro no coração que sangra, e pensai que, fazendo o bem, trabalhais por vós e pelos vossos.
Jules Morin
OBSERVAÇÃO: O Espírito que assim assina é completamente desconhecido. Podemos ver pela comunicação acima, e por muitas outras do mesmo gênero, que nem sempre é preciso um nome ilustre para obter belas coisas. É uma puerilidade prender-se ao nome. Deve-se aceitar o bem de qualquer parte que venha; aliás o número de nomes ilustres é muito limitado; o dos Espíritos é infinito. Por que, pois, não os haveria também capazes entre os que não são conhecidos? Fazemos esta reflexão porque há pessoas que julgam nada poder obter de sublime, senão chamando celebridades. A experiência prova o contrário todos os dias, e nos mostra que podemos aprender alguma coisa com todos os Espíritos, se soubermos aproveitar as oportunidades.
(MÉDIUM, SRA. SCHMIDT)
Minha irmã, não me evoques muitas vezes. Isto não me impede de vir ver-te todos os dias. Conheço teus aborrecimentos: tua vida é penosa, eu o sei, mas é preciso sofrer a sorte nem sempre alegre. Contudo, há por vezes um alivio nas penas. Por exemplo, aquele que faz o bem à custa de sua própria felicidade, pode, por si mesmo ou pelos outros, desviar o rigor de mutas provas.
Neste mundo é raro ver-se fazer o bem com essa abnegação. Sem dúvida é difícil, mas não impossível; e os que têm essa sublime virtude são realmente os eleitos do Senhor. Se a gente se desse bem conta dessa pobre peregrinação na Terra, o compreenderia, mas assim não é: os homens se apegam à busca dos bens, como se devessem ficar sempre em seu exílio. Contudo, o bom senso comum, a mais simples lógica demonstram, diariamente, que aqui não passamos de aves de arribação e que os que têm menos penas nas asas são os que chegam mais depressa.
Assim, pois, os que se julgam deserdados, abandonados e esquecidos, alcançarão em breve a margem bendita, onde reinam a justiça e a felicidade. Mas infelizes dos que fizeram mau uso dos bens que nosso Pai lhes confiou. Infeliz, também, o homem aquinhoado com o dom precioso da inteligência, se dela abusou! Acredita-me, Maria, quando se crê em Deus nada existe na Terra que se possa invejar, a não ser a graça de praticar suas leis.
Teu IRMÃO WILHELM
(MÉDIUM, SR. DIDIER FILHO)
O que é preciso observar no Espiritismo é a moral cristã.Desde séculos houve muitas religiões, muitos cismas e muitas pretensas verdades. E tudo quanto foi erguido fora do cristianismo caiu, porque o Espírito Santo não o animava. O Cristo resume o que a moral mais pura, a mais divina, ensina ao homem, no tocante aos seus deveres nesta vida e na outra. A Antigüidade, no que tem de mais sublime, é pobre ante essa moral tão rica e tão fértil. A auréola de Platão empalidece ante a do Cristo e a taça de Sócrates é muito pequena ante o imenso cálice do Filho do Homem. Es tu, ó Sesostris! déspotas do imóvel Egito, quem te pode medir, do alto de tuas pirâmides colossais, com o Cristo nascido numa manjedoura? Es tu, Solon? Es tu, Licurgo, cuja lei bárbara condenava as crianças mal formadas, que vos podeis comparar Àquele que disse face à face com o orgulho “Deixai vir a mim as criancinhas”? Sois vós, pontífices sagrados do piedoso Numa, cuja moral queria a morte viva das vestais culpadas, que vos podeis comparar àquele que disse à adúltera: “Levanta-te mulher, e não peques mais”? Não, não mais com esses mistérios tenebrosos que praticais, ó sacerdotes antigos, nem com esses mistérios cristãos que são a base desta religião sublime, que se chama Cristianismo. Ante elevos inclinais todos, legisladores e sacerdotes humanos; inclinai-vos, porque foi o próprio Deus quem falou pela boca desse ser privilegiado que se chama Cristo.
LAMENNAIS
(MÉDIUM, SRTA. HUET)
Se, por um instante, pudésseis refletir sobre a perda de tempo, mas refletir muito seriamente e calcular o imenso erro que cometeis, veríeis quanto esta hora, este minuto escoado inutilmente e que não podereis recuperar, poderia ser necessário ao vosso bem futuro. Nem todos os tesouros da Terra vo-lo poderiam devolver, E se o passastes mal, um dia sereis obrigado a repará-lo pela expiação, e, talvez, de maneira terrível! Que não daríeis então para recuperar esse tempo perdido! Votos inúteis; pesares supérfluos! Assim, pensai bem nisto, está no vosso interesse futuro e, mesmo, presente. Porque muitas vezes os pesares nos atingem mesmo na Terra. Quando Deus vos pedir contas da existência que vos deu, da missão que tínheis de cumprir, que lhe respondereis? Sereis como o enviado de um soberano que, longe de cumprir as ordens de seu superior, passasse o tempo a divertir-se e absolutamente não se ocupasse do negócio para o qual foi credenciado, Em que responsabilidade não incorreria à sua volta? Aqui sois enviados de Deus e tereis que prestar contas do tempo passado com os vossos irmãos. Eu vos recomendo esta meditação.
Massillon
(MÉDIUM, SRTA. HUET)
Desde que chamais um Espírito, Deus permite que eu venha. Vou dar-vos um bom conselho, principalmente a vós, Sr...
Ocupais-vos sempre dos sábios; é a vossa preocupação. Deixai-os de lado. Que têm eles com as crenças religiosas e, sobretudo, espíritas? Não repeliram em todos os tempos as verdades que se apresentaram? Não rejeitaram todas as invenções, tratando-as de quimeras? Os que anunciaram essas verdades não eram tratados como loucos e, assim, encarcerados; outros metidos nos calabouços da inquisição, outros lapidados ou queimados? Mais tarde a verdade não brilhava menos aos olhos dos sábios surpresos, que a tinham posto embaixo do alqueire. Dirigindo-vos incessantemente a eles, quereis, novo Galileu, sofrer a tortura moral, que é o ridículo, e ser forçado à retratação? Dirigiu-se o Cristo aos Acadêmicos de seu tempo? Não. Pregava a divina moral a todos em geral e ao povo em particular.
Para apóstolos ou propagadores de sua vinda, escolheu pescadores, criaturas de coração simples, muito ignorantes, que não conheciam as leis da Natureza e não sabiam se um milagre as podia contrariar, mas que acreditavam ingenuamente. “Ide, dizia Jesus, e contai o que vistes.”
Jamais fez um milagre que não fosse em favor dos que o pediam com fé e convicção. Recusou-os aos fariseus e aos saduceus, que vinham para o tentar, e chamou-os hipócritas. Dirigi-vos assim também a pessoas inteligentes, dispostas a crer.
Deixai os sábios e os incrédulos.
Aliás, o que é um sábio? Um homem mais instruído do que os outros, porque estudou mais, mas que perdeu o prestigio que tinha antigamente, auréola fatal, que por vezes lhe valia as honras da fogueira. Porque à medida que se desenvolvia a inteligência popular, o seu brilho diminuiu. Hoje, um homem de gênio não mais teme ser acusado de feitiçaria; não é mais o aliado de Satã.
A Humanidade esclarecida aprecia no seu justo valor aquele que trabalha muito e sabe muito; ela sabe colocar no pedestal que lhe convém o homem de gênio que produz belas obras. E sabendo em que consiste a ciência do sábio, não mais o atormenta; como sabe de onde emana o gênio criador, inclina-se perante ele. Mas, por sua vez, quer ter a liberdade de crer naquelas verdades que lhe dão consolação. Não quer que aquele que sabe mais ou menos Química, mais ou menos Retórica, que produz a mais bela ópera, venha entravar as suas crenças, lançando-lhe o ridículo no rosto e tratando suas idéias como loucura. Ela se esquivará desse caminho e silenciosamente continuará na sua trilha. Um dia a verdade envolverá o mundo inteiro, e os que a tinham repelido serão obrigados a reconhecê-la. Eu mesma, que me ocupei do Espiritismo até meu último dia, sempre o pratiquei na intimidade.
Pouco me importa a Academia. Acreditai-me: mais tarde ela virá até vós.
DELPHINE DE GIRARDIN
O homem é um composto de grandeza e de miséria, de ciência e de ignorância. É, na Terra, o verdadeiro representante de Deus, porque sua vasta inteligência abarca o Universo. Soube descobrir uma parte dos segredos da Natureza; sabe servir-se dos elementos; percorre distâncias imensas por meio do vapor; pode conversar com o seu semelhante de um antípoda ao outro, pela eletricidade, que sabe dirigir; seu gênio é imenso; quando sabe depor tudo isto aos pés da Divindade e lhe render homenagem, é quase igual a Deus!
Mas como é pequeno e miserável, quando o orgulho se apossa de seu ser! Não vê a sua miséria; não vê que sua existência, esta vida, que não pode compreender, lhe é arrebatada, às vezesinstantaneamente, apenas pela vontade dessa Divindade que eledesconhece, pois não pode defender-se contra ela; é preciso se cumpra a sua sorte! Ele, que tudo estudou, tudo analisou; ele, que conhece tão bem a marcha dos astros, conhece acaso a força criadora que faz germinar o grão de trigo que lançou à terra? Pode criar uma flor, por mais simples e mais modesta? Não. Ai pára o seu poder. Deveria, então reconhecer um poder muito superior ao seu. A humildade deveria apoderar-se de seu coração e, admirando as obras de Deus, praticaria então um ato de adoração.
SANTA TEREZA
Vou falar-vos da firmeza que deveis ter nos vossos trabalhos espíritas. A propósito vos foi feita uma advertência. Eu vos aconselho a estudá-la de coração, a aplicar-lhe a vossa atenção. Porque, assim como São Paulo, sereis perseguidos, não em carne e osso, mas em espírito. Os incrédulos, fariseus da época, vos censurarão, vos ridicularizarão. Mas nada temais: será uma prova que vos fortificará, se souberdes ofertá-la a Deus; e, mais tarde, vereis vossos esforços coroados de sucesso. Será um grande triunfo para vós à luz da eternidade, sem esquecer que, neste mundo, já é uma consolação, para as pessoas que perderam parentes e amigos, saber que são felizes, que é possível comunicar-se com eles; é uma felicidade. Marchai à frente, pois, cumpri a missão que Deus vos dá, e ela será considerada no dia em que comparecerdes ante o Todo-Poderoso.
CHANNING
(MÉDIUM, SR. R...)
Os inimigos do progresso, da luz e da verdade trabalham na sombra; preparam uma cruzada contra as nossas manifestações; não vos preocupeis com isto. Sois sustentados poderosamente; deixai que se agitem na sua impotência. Contudo, por todos os meios que estão em vossa força, dedicai-vos a combater, a aniquilar a idéia da eternidade das penas, pensamento blasfemo contra a justiça e a bondade de Deus, fonte a mais fecunda da incredulidade, do materialismo e da indiferença que invadiram as massas, desde que sua inteligência começou a se desenvolver. Prestes a se esclarecer, mesmo quando apenas desbastado, bem depressa o Espírito apreendeu a monstruosa injustiça; sua razão a repele e, então, raramente deixa de confundir, no mesmo ostracismo, a pena que revolta e o Deus ao qual ela é atribuída.
Dai os males sem número que se precipitaram sabre vós, e para os quais trazemos o remédio. A tarefa que vos assinalamos vos será tanto mais fácil, quanto as autoridades sobre as quais se apóiam os defensores desta crença têm, todas, se furtado a um pronunciamento formal. Nem os Concílios, nem os Padres da Igreja fecharam essa grave questão. Se, conforme os próprios Evangelhos, e tomando ao pé da letra as palavras emblemáticas do Cristo, ele ameaçou os culpados com um fogo que não se extingue, um fogo eterno, absolutamente nada, em suas palavras, prova que haja condenado os culpados eternamente.
Pobres ovelhas desgarradas, sabei ver o Bom Pastor que vem de longe e que em vez de querer, para sempre, vos banir a todos de sua presença, ele mesmo vem ao vosso encontro para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso exílio voluntário; dirigi vossos passos para a morada paterna. O pai vos abre os braços e está sempre pronto a festejar o vosso retorno à família.
LAMENNAIS
(MÉDIUM, SRA. COSTEL)
Quero falar-te das altas verdades do Espiritismo. Elas estão estreitamente ligadas às da moral, sendo, pois, importante jamais separá-las. Para começar, o ponto que atrai a atenção dos seres inteligentes é a dúvida sobre a própria verdade das comunicações espíritas. A verdade, primeira dignidade da alma, está empenhada neste ponto de partida. Procuremos, então, estabelecê-la.
Não há um meio infalível para distinguir a natureza dos Espíritos, se abdicarmos da razão, da comparação, da reflexão. Estas três faculdades são mais que suficientes para distinguir seguramente os diversos Espíritos, O livre arbítrio é o eixo sobre o qual gira o pivô da inteligência humana; o equilíbrio se romperia, se os Espíritos não tivessem senão que falar para submeter os homens. Então o seu poder igualaria o de Deus. Não pode ser assim. O intercâmbio entre os humanos e os invisíveis parece a escada de Jacob: se permite que uns subam, deixa que outros desçam. E todos agindo uns sobre os outros, sob os olhos de Deus, devem marchar para ele, no mesmo espírito de amor e de inteligente submissão. Apenas abordei superficialmente este assunto e vos aconselho a aprofundá-lo sob todos os seus aspectos.
Lázaro
Scarron
(MÉDIUM, SRTA. HUET)
Meus amigos, fui muito Infeliz na Terra, porque meu Espíritoera igual e por vezes superior ao das pessoas que me cercavam; mas o corpo era inferior. Assim, meu coração era ulcerado pelos sofrimentos morais e pelos males físicos que haviam reduzido o meu envoltório terreno a um estado lastimoso e miserável.
Meu caráter se azedara com as moléstias e as contrariedades que experimentava nas relações com os amigos. Deixei-me arrastar à malignidade mais causticante; eu era alegre e aparentemente sem mágoas; contudo, sofria no mais fundo do coração. E quando estava só, entregue aos secretos pensamentos de minh’alma, gemia por encontrar-me em luta entre o bem e o mal. O mais belo dia de minha existência foi aquele em que meu Espírito separou-se do corpo; em que, leve e iluminado por um ralo divino, lançou-se às esferas celestes. Parecia que eu renascera e a felicidade apoderou-se de meu ser. Enfim, eu repousava.
Mais tarde, a consciência despertou. Reconheci os erros contra o Criador; experimentei o remorso e implorei piedade ao Todo-Poderoso. Desde então, procuro instruir-me no bem; procuro tornar-me útil aos homens e progrido diariamente. Contudo, sinto necessidade de que orem por mim e peço aos crentes fervorosos que em meti favor elevem o pensamento a Deus. Se me evocam, procuro atender sempre e responder às perguntas tanto quanto o posso. Assim se pratica a caridade.
PAUL SCARRON
(MÉDIUM, SRTA. HUET)
Meus bons amigos de adoção. permiti vos diga algumas palavras, como conselhos. Deus me permite vir até vós. Que pena não possa eu comunicar-vos todo o ardor que havia em meu coração e que me animava para o bem! Crede em Deus, autor de todas as coisas; amai-o; sede bons e caridosos. A caridade é a chave do céu. Para vos tomardes bons, pensai algumas vezes na morte; é um pensamento que eleva a alma e a deixa melhor, tornando-a humilde. Porque, o que somos na Terra? Um átomo atirado no espaço; muito pouca coisa no Universo. O homem nada é; faz número. Quando olha à sua frente, quando olha para trás, só vê o infinito; sua vida, por mais longa que seja, é um ponto na eternidade. Pensai, então, em vossa alma, pensai na vida nova que vos espera, pois não podeis duvidar que ela existe, quando mais não fosse, pelos desejos de vossa alma, jamais satisfeitos, o que é uma prova de que eles devem referir-se a um mundo melhor. Até logo.
S.SWETCHINE
(MÉDIUM, SR. DARCOL)
Quando quiserdes receber comunicações de bons Espíritos, importa que vos prepareis para esse favor pelo recolhimento, pelas intenções sãs e pelo desejo de fazer o bem, visando ao progresso geral. Porque, lembrai-vos, o egoísmo é uma causa de retardamento em todo avanço. Lembrai-vos de que se Deus permite que alguns dentre vós recebam o sopro de alguns de seus filhos que, pela sua conduta, souberam merecer a felicidade de compreender sua bondade infinita, é que quer, por solicitação nossa, e à vista de vossas boas intenções, vos dar os meios de avançar no seu caminho. Assim, pois, ó médiuns! tirai proveito dessa faculdade que Deus vos quer conceder. Tende fé na mansuetude do nosso Mestre; tende a caridade sempre em prática; jamais vos canseis de exercer esta sublime virtude, bem como a tolerância. Que as vossas ações estejam sempre em harmonia com a vossa consciência. É um meio certo de centuplicar vossa felicidade nesta vida passageira e de vos preparardes uma existência ainda mil vezes mais suave.
Abstenha-se o médium que, entre vós, não se sentir com forças de perseverar no ensino espírita. Porque, aproveitando a luz que o esclarece, será menos escusável do que só tendo de expiar a própria cegueira.
FRANCISCO DE SALLES
(MÉDIUM, SRA. COSTEL)
Hoje nos ocuparemos da moralidade dos que não a têm, isto é, da honestidade relativa, que se acha nos mais pervertidos corações. O ladrão não rouba o lenço do seu camarada, mesmo quando este tenha dois; o negociante não é careiro para o amigo; o traidor, apesar de tudo é fiel a alguém. Jamais um clarão divino está completamente ausente do coração humano; assim, deve ser conservado com cuidados infinitos, senão desenvolvido. O julgamento estreito e brutal dos homens impede, por sua severidade, muito mais as recuperações do que a prática das más ações. Desenvolvido, o Espiritismo deve ser e será a consolação e a esperança dos corações feridos pela justiça humana. Cheia de sublimes ensinamentos, a religião palra muito alto para os ignorantes. Ela não atinge, como devia, a espessa imaginação do iletrado, que quer ver para crer. Esclarecida pelos médiuns, a crença florescerá no coração ressequido talvez do próprio médium. Assim, é sobretudo ao povo que os verdadeiros espíritas devem dirigir-se, como outrora os apóstolos. Que espalhem a doutrina consoladora; como pioneiros, que se enterrem no pântano da ignorância e do vicio, para desbastar, sanear, preparar o terreno das almas, a fim de que elas possam receber a bela cultura do Cristo.
Georges
(MÉDIUM, SRTA. HUET)
Aproveitais os nossos conselhos e o que vos dizemos diária-mente? Não; muito pouco. Saindo de uma de vossas reuniões, entreteis a curiosidade do fato, discutis o maior ou menor interesseque teve para os assistentes. Mas haverá um só entre vós que se pergunte se pode aplicar a moral, o conselho que acabamos de prescrever, e se tem intenção de o fazer? Pediu, solicitou uma comunicação; obteve-a; isto lhe basta. Volta às suas ocupações diárias, prometendo vir rever um espetáculo tifo interessante; conta os fatos aos seus amigos, a fim de excitar sua curiosidade e somente para provar que os sábios podem ser confundidos; bem poucos o fazem visando a pregar a moral; muitopoucos, mesmo, procuram melhorar-se.
Minha lição é severa. Contudo, não vos quero desencorajar. Trazei sempre a boa vontade, apenas com um pouco mais de bons sentimentos referentes a Deus, e menos desejo de aniquilar os que não querem crer: estes pertencem ao tempo e a Deus.
Marie (Espírito Familiar)
Ó homens! como sois soberbamente orgulhosos! Vossa pretensão é verdadeiramente cômica. Quereis tudo saber e vossa essência se opõe, sabei-o, a esta faculdade de compreensão universal. Não chegareis a conhecer esta maravilhosa Natureza senão pelo trabalho perseverante. Não tereis a alegria de aprofundar esses tesouros e de entrever o infinito de Deus, senão ao vos melhorardes pela caridade, fazendo todas as coisas do ponto de vista do bem para todos, e referindo esta faculdade do bem a Deus, que, na sua generosidade sem igual, vos recompensará além de toda expectativa.
Massilon
O homem é o joguete dos acontecimentos, como, por vezes, se diz. De que acontecimentos se quer falar? Qual seria a sua causa e o seu objetivo? Jamais se viu nisso o dedo de Deus. Esse pensamento vago e materialista, mãe da fatalidade, desgarrou muitos grandes Espíritos e várias inteligências profundas. Sabeis o que disse Balzac: “Não há princípios; só há acontecimentos.” Isto é, segundo ele, o homem não tem livre arbítrio; a fatalidade o toma no berço e o conduz até o túmulo. Monstruosa invenção do Espírito humano! Tal pensamento abate a liberdade; a liberdade, isto é, o progresso, a ascensão da alma humana, demonstração evidente da existência de Deus. Assim o homem se deixaria conduzir e seria escravo de tudo: dos homens e de si mesmo! Ó homem! examina-te. Nasceste para a servidão? Não. Nasceste para a liberdade.
LAMENNAIS
Maria D'Agreda - Fenômeno de bicorporeidade
Maria de Jesus nasceu em Agreda, cidade da Castela, a 2 de abril de 1602, de pais nobres e de virtude exemplar. Ainda muito jovem, tornou-se superiora do convento da Imaculada Conceição de Maria, onde morreu em odor de santidade. Eis o relato que se acha em sua biografia:
“Por maior que seja o nosso desejo de resumir, não podemos deixar de falar aqui do papel inteiramente excepcional de missionária e de apóstolo que Maria d’Agreda exerceu no Novo México. O fato que vamos contar e do qual há provas incontestáveis, provaria por si só quanto eram elevados os dons sobrenaturais com que Deus havia enriquecido a sua humilde serva, e como era ardente o zelo que ela nutria no coração pela salvação do próximo. Nas suas relações íntimas e extraordinárias com Deus, ela recebia uma viva luz, com a ajuda da qual descobria o mundo inteiro, a multidão dos homens que o habitavam, entre os quais os que ainda não haviam entrado no círculo da Igreja e estavam em evidente perigo de perder-se por toda a eternidade. À vista da perda de tantas almas, Maria d’Agreda sentia o coração trespassado e, na sua dor, multiplicava as preces fervorosas. Deus a fez saber que os povos do Novo México apresentavam menos obstáculos que o resto dos homens para a sua conversão e que era especialmente sobre estes que a sua divina misericórdia queria espalhar-se. Tal conhecimento foi um novo aguilhão para o coração caridoso de Maria d’Agreda, e, do mais profundo de sua alma, implorou a clemência divina em favor desse pobre povo. O próprio Deus lhe ordenou que orasse e trabalhasse para tal fim. E ela o fez de maneira tão eficaz que o Senhor, cujas razões são impenetráveis, operou nela e por ela uma das maiores maravilhas que a História pode relatar.
“Um dia, tendo-a o Senhor arrebatado em êxtase, no momento em que orava instantemente pela salvação daquelas almas, Maria d’Agreda sentiu-se de repente transportada para uma região longínqua e desconhecida, sem saber como. Então encontrou-se num clima que não era o de Castela e se sentiu sob os raios de um sol mais ardente que de costume. Ante ela estavam homens de uma raça que jamais tinha encontrado, e Deus lhe ordenava que satisfizesse seus caridosos desejos e pregasse a lei e a fé santa àquele povo. A extática de Agreda obedecia à ordem. Pregava a esses índios em sua língua espanhola e esses pagãos entendiam como se ela lhes falasse em sua língua materna. Seguiam-se conversões em grande número. Voltando do êxtase, esta santa criatura se achava no mesmo lugar em que estava no começo do arrebatamento. Não foi uma só vez que Maria de Jesus desempenhou esse maravilhoso papel de missionária e de apóstolo junto aos habitantes do Novo México. O primeiro êxtase do gênero ocorreu em 1622, mas foi seguido de mais de quinhentos êxtases do mesmo gênero, durante cerca de oito anos. Maria d’Agreda encontrava-se continuamente nessa mesma região para continuar o seu apostolado. Parecia-lhe que o número dos conversos tinha aumentado prodigiosamente e que uma nação inteira, com o rei à frente, estava resolvida a abraçar a fé em Jesus Cristo.
“Ao mesmo tempo ela via, mas a grande distância, os franciscanos espanhóis que trabalhavam na conversão desse novo mundo, mas ignoravam a existência desse povo que ela havia convertido. Tal consideração a levou a aconselhar aos índios que mandassem alguns dentre eles àqueles missionários, para pedir que viessem lhes conceder o batismo. Foi por este meio que a Divina Providência quis dar uma brilhante manifestação do bem que Maria d’Agreda havia feito no Novo México, por sua pregação extática.
“Um dia, os missionários franciscanos que Maria d’Agreda tinha visto em Espírito, mas a uma grande distância, se viram abordados por um bando de índios de uma raça que ainda não tinham encontrado em suas excursões. Eles se anunciavam como enviados de sua nação, pedindo a graça do batismo com grande instância. Surpreendidos com a vista desses índios, e mais admirados ainda pelo pedido que faziam, os missionários procuraram saber a sua causa. Os mensageiros responderam que desde muito tempo uma mulher havia aparecido em sua terra, anunciando a lei de Jesus Cristo. Acrescentaram que essa mulher desaparecia de um momento para o outro, sem que se descobrisse o seu paradeiro; que lhes tinha feito conhecer o verdadeiro Deus e lhes havia aconselhado a irem aos missionários, a fim de obterem para toda a nação a graça do sacramento que resgata os pecados e transforma os homens em filhos de Deus. A surpresa dos missionários cresceu ainda mais quando, interrogando os índios sobre os mistérios da fé, encontraram-nos perfeitamente instruídos de tudo o que é necessário para a salvação. Os missionários tomaram todas as informações possíveis sobre essa mulher, mas tudo quanto os índios puderam dizer foi que jamais tinham visto uma pessoa semelhante. Entretanto, alguns detalhes descritivos da roupa levaram os missionários a suspeitar que ela portasse hábitos de religiosa. Um deles, que tinha consigo o retrato da venerável madre Luíza de Carrion, ainda viva, e cuja santidade era conhecida em toda a Espanha, o mostrou aos índios, pensando que eles talvez pudessem reconhecer alguns traços da mulher-apóstolo. Estes, depois de examinarem o retrato, responderam que a mulher que lhes havia pregado a lei de Jesus Cristo na verdade tinha um véu, como esta do retrato, mas que, pelos traços do rosto, era completamente diferente, sendo mais moça e de uma grande beleza.
“Então alguns missionários partiram com os emissários índios, para recolher entre eles tão abundante colheita. Após alguns dias de viagem, chegaram ao meio da tribo, onde foram recebidos com as mais vivas demonstrações de alegria e reconhecimento. Na viagem constataram que em todos os indivíduos daquela raça a instrução cristã era completa.
“O chefe da nação, objeto de especial solicitude da serva de Deus, quis ser o primeiro a receber a graça do batismo com toda a sua família, e em poucos dias a nação inteira seguiu o seu exemplo.
“Não obstante esses grandes acontecimentos, ignorava-se ainda quem era a serva do Senhor que tinha evangelizado esses povos, e tinha-se uma santa curiosidade e piedosa impaciência por conhecê-la. Sobretudo o Padre Alonzo de Benavides, que era o superior dos missionários franciscanos no Novo México, queria romper o véu do mistério que ainda cobria o nome da mulher-apóstolo e aspirava voltar momentaneamente à Espanha para descobrir o retiro dessa religiosa desconhecida, que prodigiosamente havia cooperado para a salvação de tantas almas. Em 1630 pôde, enfim, seguir para a Espanha, e foi diretamente a Madrid, onde se achava então o Geral de sua ordem. Benavides lhe deu a conhecer o objetivo a que se havia proposto ao decidir sua viagem à Europa. O Geral conhecia Maria de Jesus d’Agreda e, conforme o dever de seu cargo, tivera de examinar a fundo o íntimo dessa religiosa. Conhecia, pois, a sua santidade, tão bem quanto a sublimidade dos caminhos em que Deus a havia posto. Veio-lhe logo o pensamento de que essa mulher privilegiada bem podia ser a mulher-apóstolo de que lhe falava o Padre Benavides, e lhe comunicou suas impressões. Deu-lhe cartas, pelas quais o constituía seu comissário, com ordem a Maria d’Agreda para responder com toda simplicidade às perguntas que julgasse conveniente lhe dirigir. Com tais ordens, o comissário partiu para Agreda.
“A humilde irmã se viu, assim, obrigada a revelar ao missionário tudo quanto sabia com referência ao objeto de sua missão junto a ela. Confusa e ao mesmo tempo dócil, ela relatou a Benavides tudo quanto lhe tinha acontecido em seus êxtases, acrescentando, com franqueza, que estava completamente incerta quanto ao modo pelo qual sua ação tinha podido exercer-se a tão grande distância. Benavides também interrogou-a sobre as particularidades dos lugares que tantas vezes deveria ter visitado e verificou que ela estava bem informada sobre tudo o que se relacionava com o Novo México e os seus habitantes. Ela lhe expôs, nos mínimos detalhes, a topografia dessas regiões e as mencionou servindo-se mesmo dos nomes próprios, como teria feito um viajante depois de vários anos passados nessas regiões. Acrescentou mesmo que tinha visto Benavides várias vezes, bem como seus religiosos, indicando os lugares, os dias, as horas, as circunstâncias, e fornecendo detalhes especiais sobre cada um dos missionários.
“Compreende-se facilmente o alívio de Benavides por ter enfim descoberto a alma privilegiada de que Deus se havia servido para exercer sua ação miraculosa sobre os habitantes do Novo México.
“Antes de deixar a cidade de Agreda, Benavides quis redigir um relato de tudo quanto havia constatado, quer na América, quer em Agreda, nas suas conversas com a serva de Deus. Nessa peça exprimiu sua convicção pessoal tocante à maneira por que a ação de Maria de Jesus se tinha feito sentir nos índios. Ele inclinava-se a crer que a ação tinha sido corporal. Sobre o assunto, a humilde religiosa sempre guardou uma grande reserva. A despeito de mil indícios que levavam Benavides a concluir pelo que já havia concluído, antes dele, o confessor da serva de Deus, indícios que pareciam acusar uma mudança corporal de lugar, Maria d’Agreda sempre persistiu na crença de que tudo se passava em Espírito. Na sua humildade, ela era mesmo fortemente tentada a pensar que o fenômeno fosse simples alucinação, posto que, de sua parte, inocente e involuntária. Mas o seu diretor, que conhecia os fundamentos das coisas, pensava que a religiosa fosse transportada corporalmente, em seus êxtases, aos lugares de seus trabalhos evangélicos. Ele apoiava sua opinião na impressão física que a mudança de clima provocara em Maria d’Agreda na longa série de trabalhos entre os índios, e na opinião de várias pessoas doutas que ele entendera dever consultar em grande segredo. Seja como for, o fato permanece sempre como um dos mais maravilhosos de que já se falou nos anais dos santos e é muito próprio para dar uma ideia verdadeira, não só das comunicações divinas que Maria d’Agreda recebia, mas também de sua candura e de sua amável sinceridade.”
Aviso
Lembramos igualmente que a segunda edição da História de Joana d’Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance Dufaux, está à venda. O seu sucesso não diminuiu. É sempre lida com o mesmo interesse pelas pessoas sérias, partidárias ou não do Espiritismo. Essa História será sempre considerada como uma das mais interessantes e mais completas já publicadas.
Dezembro
Aos assinantes da revista espíritaMalgrado o número considerável de assuntos de que já temos tratado, estamos longe de haver esgotado a série de todos quantos se ligam ao Espiritismo, porque quanto mais se avança nesta ciência, mais se alarga o horizonte. Aqueles que temos por examinar fornecerão material por muito tempo ainda, sem contar os novos. Há muito que os adiamos de propósito, a fim de abordá-los à medida que o estado dos conhecimentos permita compreender melhor o seu alcance. Assim, por exemplo, hoje damos maior espaço às dissertações espíritas espontâneas, porque as instruções que encerram, na maioria, podem ser muito melhor apreciadas do que numa época em que apenas se conheciam os primeiros elementos da ciência. Outrora, teriam sido julgadas apenas do ponto de vista literário, e uma porção de pensamentos úteis e profundos teriam passado despercebidos, porque tratavam de pontos ainda desconhecidos ou mal compreendidos. A diversidade de assuntos não exclui o método, e a desordem é apenas aparente, pois cada coisa tem seu lugar determinado. A variedade acalma o espírito, mas a ordem lógica facilita o entendimento. O que nos esforçamos por evitar é fazer de nossa Revista uma coletânea indigesta. Por certo não temos a pretensão de fazer uma obra perfeita, mas esperamos que pelo menos seja levada em conta a nossa intenção.
NOTA: Aos senhores sócios que não queiram receber a Revista com atraso no ano de 1861, pedimos que renovem sua assinatura antes de 1.º de janeiro próximo.
Boletim
1.º ─ Leitura de uma comunicação recebida pela Sra. M... sobre a seguinte pergunta: Se Deus criou todas as almas semelhantes, como é que de repente há tanta distância entre elas?
2.º ─ Leitura de várias comunicações recebidas pelo Sr. P..., médium de Sens. Uma, assinada por Homero, apresenta um fato notável, que pode ser considerado como uma prova de identidade: a revelação espontânea do nome de Melesigênio, sob o qual Homero era primitivamente designado. O nome era desconhecido pelo médium.
3.º ─ Exame de uma carta do Sr. L..., de Troyes, na qual relata fatos notáveis de manifestações físicas espontâneas ocorridas em 1866 com uma pessoa dessa cidade, e que lembram os de Bergzabern.
4.º ─ Carta do Sr. Dr. Morhéry, relatando diversos fatos singulares de manifestações espontâneas ocorridas em sua presença, com a Srta. Désirée Godu, e que coincidem com a chegada de uma carta do Sr. Allan Kardec.
Estudos:
1.º ─ Perguntas diversas a São Luís.
2.º ─ Evocação do filho do Sr. Morhéry, que diz ter participado das manifestações ocorridas em casa de seu pai.
3.º ─ Ditado espontâneo ao Sr. Alfred Didier, sobre o desespero, assinado por Lamennais.
4.º ─ Perguntas diversas a Lamennais, sobre vários casos particulares de suicídio; sobre as relações dos Espíritos e sobre a identidade de Homero na comunicação de Sens.
1.º ─ Leitura de uma segunda comunicação de Homero, obtida pelo Sr. P..., de Sens, e de diversas perguntas e respostas a propósito desse mesmo assunto.
2.º ─ Desenhos obtidos por um médium de Lyon, notáveis pela originalidade, se não pela execução. Interrogado a respeito, São Luís diz que os desenhos têm o seu valor, porque são mesmo do Espírito, mas não têm significação muito precisa, pois o médium e o Espírito ainda não estão bem identificados um com o outro.
Acrescenta que o médium poderá, com o tempo, tornar-se excelente.
Estudos:
1.º ─ Perguntas a São Luís: 1º ─ sobre a fórmula de confirmação da identidade dos Espíritos; 2.º ─ sobre o papel do homem na moralização dos Espíritos imperfeitos; 3.º ─ sobre a aparição de Espíritos com a forma de chama; 4.º ─ sobre o valor dos desenhos enviados de Lyon; 5.º ─ sobre o transporte de objetos pelos Espíritos, seu erguimento do solo e sua invisibilidade;
2.º ─ Exame da questão de saber se os Espíritos podem operar o transporte de objetos a um recinto fechado e através de obstáculos materiais.
O Sr. L... faz observar que tais questões se ligam aos fenômenos de manifestações físicas, com as quais a Sociedade não deve ocupar-se.
O presidente responde que a pesquisa das causas é um ponto importante, que se liga diretamente ao estudo da ciência e entra no quadro dos trabalhos da Sociedade. Todas as partes da ciência devem ser elucidadas. Uma coisa é ocupar-se dessas pesquisas teóricas, e outra é fazer da produção dos fenômenos objeto exclusivo. Aliás, acrescenta, podemos recorrer a São Luís, rogando-lhe nos diga se considera a discussão que acaba de ocorrer como tempo perdido. São Luís responde: “Estou longe de considerar vossa conversa como inútil.”
3.º ─ Evocação de Charles Nodier. Solicitado a continuar o trabalho começado, ele responde que continuará na próxima vez e lembra a solenidade do dia num belo ditado espontâneo. Atendendo a um pedido, dita uma breve prece alusiva à circunstância.
4.º ─ É feito um apelo geral, sem designação especial, aos Espíritos sofredores que possam estar presentes, convidando-os a se identificarem. O Espírito de um homem altamente colocado, em vida, e falecido há dois anos, apresenta-se espontaneamente e testemunha, por sua linguagem ao mesmo tempo simples e digna, os bons sentimentos de que está agora animado e o pouco caso que faz das grandezas humanas. Responde com complacência e benevolência às perguntas que lhe são feitas.
SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 1860 (SESSÃO GERAL) O Sr. Allan Kardec faz algumas observações sobre o que foi dito na última sessão, relativamente às manifestações físicas. A respeito, lembra a instrução dada por São Luís em novembro de 1858, quanto ao objetivo dos trabalhos da Sociedade. A instrução está assim formulada:
“Zombaram das mesas girantes, porém jamais zombarão da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias. Elas foram o vestíbulo da ciência. É aí que ao entrar devem ser deixados os preconceitos, como se deixa um manto. Não é demais insistir para que façais de vossas reuniões um centro sério. Que alhures façam demonstrações físicas; que alhures vejam; que alhures ouçam, mas que entre vós se compreenda e se ame. Que pensais ser aos olhos dos Espíritos superiores, quando fazeis girar ou erguer-se uma mesa? Escolares. Passará o sábio o seu tempo a recordar o á-bê-cê da Ciência? Ao contrário, vendo que buscais as comunicações sérias, vos consideram como homens sérios em busca da verdade.”[1]
São Luís
Acrescenta o Sr. Allan Kardec: Não está aqui, senhores, um admirável programa, traçado com essa precisão e essa simplicidade de expressão que caracterizam os Espíritos realmente superiores? Que entre vós se compreenda, isto é, que todos devemos aprofundar tudo, para nos darmos conta de tudo; que entre vós se ame, isto é, que a caridade e uma benevolência mútua devem ser o objetivo dos nossos esforços, o laço a nos unir, a fim de mostrar pelo nosso exemplo o verdadeiro objetivo do Espiritismo. Estranhamente nos enganaríamos quanto aos sentimentos da Sociedade, se julgássemos que ela despreza o que se faz alhures. Nada é inútil, e as experiências físicas também têm sua vantagem, que nenhum de nós contesta. Se não nos ocupamos com elas, não é porque tenhamos outra bandeira. Temos nossa especialidade de estudos, como outros têm a sua, mas tudo isto se confunde num objetivo comum: o progresso e a propagação da ciência.
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de ditados espontâneos recebidos fora da Sociedade.
2.º ─ Carta do Sr. L..., de Troyes, relatando fatos ocorridos em sua presença, produzidos pelo Espírito obsessor de que se tratou na última sessão. Esses fatos, que haviam cessado desde 1856, acabam de reproduzir-se em circunstâncias realmente notáveis, que serão objeto de estudo por parte da Sociedade.
Estudos:
1.º ─ Perguntas diversas sobre a obsessão; sobre a possibilidade de reproduzir pelo daguerreótipo a imagem das aparições visíveis e tangíveis; sobre as manifestações físicas do Sr. Squire.
2.º ─ Perguntas sobre o Espírito que se manifesta em Troyes e, notadamente, sobre os efeitos magnéticos produzidos nessa circunstância.
3.º ─ Cinco ditados espontâneos recebidos por quatro médiuns diferentes.
4.º ─ Evocação do Espírito perturbador de Troyes. Esse Espírito revela uma das mais baixas naturezas.
Arte pagã, arte cristã, arte espírita
─ A pintura, a escultura, a arquitetura e a poesia inspiraram-se sucessivamente nas ideias pagãs e nas cristãs. Podeis dizer-nos se depois da arte pagã e da arte cristã haverá algum dia uma arte espírita?
O Espírito respondeu:
─ Fazeis uma pergunta respondida por si mesma. O verme é verme; torna-se bicho da seda, depois borboleta. Que há de mais aéreo, de mais gracioso do que uma borboleta? Então! A arte pagã é o verme; a arte cristã é o casulo; a arte espírita será a borboleta.
Quanto mais se aprofunda o sentido desta graciosa comparação, mais se lhe admira a exatidão. À primeira vista poder-se-ia supor que o Espírito tivesse a intenção de rebaixar a arte cristã, colocando a arte espírita no coroamento do edifício, mas não há nada disto, e basta meditar nesta imagem poética para lhe captar a precisão. Com efeito, o Espiritismo apoia-se essencialmente no Cristianismo. Não vem substituí-lo. Completa-o e veste-o com roupagem brilhante. Nas fraldas do Cristianismo encontram-se os germes do Espiritismo. Se eles se repelissem mutuamente, um renegaria o seu filho, o outro, o seu pai. Comparando o primeiro ao casulo e o segundo à borboleta, o Espírito indica perfeitamente o laço de parentesco que os une. Há mais: a própria imagem pinta o caráter da arte que um inspirou e que o outro inspirará. A arte cristã teve que inspirar-se principalmente nas terríveis provações dos mártires e revestir a severidade de sua origem materna. A arte espírita, representada pela borboleta, inspirar-se-á nos vaporosos e esplêndidos quadros da existência futura desvelada. Ela plenificará de alegria a alma que a arte cristã havia penetrado de admiração e de temor. Será o canto de alegria após a batalha.
O Espiritismo encontra-se inteiramente na teogonia pagã, e a mitologia não passa de um quadro da vida espírita poetizada pela alegoria. Quem não reconheceria o mundo de Júpiter nos Campos Elíseos, com seus habitantes de corpos etéreos; os mundos inferiores no Tártaro; as almas errantes nos manes; os Espíritos protetores da família, nos lares e nos penates; no Lates, o esquecimento do passado, no momento da reencarnação; nas pitonisas, os nossos médiuns videntes e falantes; nos oráculos, as comunicações com o além-túmulo? A Arte necessariamente teve de inspirar-se nessa fonte tão fecunda para a imaginação, mas para elevar-se até o sublime do sentimento, faltava-lhe o sentimento por excelência: a caridade cristã.
Os homens só conheciam a vida material. A Arte procurou, antes de mais nada, a perfeição da forma.
A beleza corporal era, então, a primeira de todas as qualidades. A Arte apegouse a reproduzi-la, a idealizá-la, mas só ao Cristianismo estava destinado ressaltar a beleza da alma sobre a beleza da forma. Assim, a arte cristã, tomando a forma na arte pagã, adicionou-lhe a expressão de um sentimento novo, desconhecido dos Antigos.
Mas, como dissemos, a arte cristã teve que se ressentir da austeridade de sua origem e inspirar-se no sofrimento dos primeiros adeptos; as perseguições impeliram o homem ao isolamento e à reclusão, e a ideia do Inferno à vida ascética. Eis por que a pintura e a escultura são inspiradas, em três quartos dos casos, pelo quadro das torturas físicas e morais; a arquitetura se reveste de um caráter grandioso e sublime, mas sombrio; a música é grave e monótona como uma sentença de morte; a eloquência é mais dogmática do que tocante; a própria beatitude tem um cunho de tédio, de desocupação e de satisfação toda pessoal. Aliás, ela está tão longe de nós, colocada tão alto, que nos parece quase inacessível, e por isso nos toca tão pouco, quando a vemos reproduzida na tela ou no mármore.
O Espiritismo nos mostra o futuro sob uma luz mais ao nosso alcance; a felicidade está mais perto de nós, ao nosso lado, nos próprios seres que nos cercam e com os quais podemos entrar em comunicação; a morada dos eleitos não é mais isolada: há solidariedade incessante entre o Céu e a Terra; a beatitude já não é uma contemplação perpétua, que não passaria de eterna e inútil ociosidade: está numa constante atividade para o bem, sob o próprio olhar de Deus; não está na quietude de um contentamento pessoal, mas no amor recíproco de todas as criaturas chegadas à perfeição. O mau já não é degredado nas fornalhas ardentes, pois o Inferno se acha no próprio coração do culpado, que em si mesmo encontra o seu próprio castigo, mas Deus, em sua bondade infinita, deixando-lhe o caminho do arrependimento, deixa-lhe, ao mesmo tempo, a esperança, essa sublime consolação do infeliz.
Que fecundas fontes de inspiração para a Arte! Que obras primas essas ideias novas podem criar pela reprodução de cenas tão variadas e ao mesmo tempo tão suaves ou pungentes da vida espírita! Quantos assuntos ao mesmo tempo poéticos e palpitantes de interesse no incessante relacionamento dos mortais com os seres de além-túmulo; na presença, junto a nós, dos seres que nos são caros! Não será mais a representação de despojos frios e inanimados. Será a mãe tendo ao seu lado a filha querida, em sua forma etérea e radiosa de felicidade; um filho ouvindo atentamente os conselhos do pai que vela por ele; o ser pelo qual se ora, que vem testemunhar o seu reconhecimento. E, numa outra ordem de ideias, o Espírito do mal insuflando o veneno das paixões; o malvado fugindo do olhar de sua vítima que o perdoa; o isolamento do perverso em meio à multidão que o repele; a perturbação do Espírito, no momento de despertar, e sua surpresa à vista de seu corpo, do qual se admira de estar separado; o Espírito do defunto em meio aos seus ávidos herdeiros e amigos hipócritas; e tantos outros assuntos, tanto mais capazes de impressionar quanto mais de perto tocarem a vida real.
Quer o artista elevar-se acima da esfera terrestre? Encontrará temas não menos atraentes nesses mundos felizes que os Espíritos gostam de descrever, verdadeiros Édens de onde o mal foi banido, e nesses mundos ínfimos, verdadeiros infernos, onde todas as paixões reinam soberanamente.
Sim, repetimos, o Espiritismo abre para a Arte um campo novo, imenso e ainda não explorado, e quando o artista espírita trabalhar com convicção, como trabalharam os artistas cristãos, colherá nessa fonte as mais sublimes inspirações.
Quando dizemos que a arte espírita será um dia uma arte nova, queremos dizer que as ideias e as crenças espíritas darão às produções do gênio um cunho particular, como ocorreu com as ideias e crenças cristãs, e não que os assuntos cristãos caiam em descrédito; longe disto; mas, quando um campo está respigado, o ceifador vai colher alhures, e colherá abundantemente no campo do Espiritismo. Ele já o fez, sem dúvida, mas não de maneira tão especial quanto o fará mais tarde, quando for encorajado e excitado pelo assentimento geral; quando estas ideias estiverem popularizadas, o que não pode tardar, pois os cegos da geração atual diariamente desaparecem da cena, por força das coisas, e a geração nova terá menos preconceitos. A pintura mais de uma vez inspirou-se em ideias deste gênero. A poesia, sobretudo, está cheia delas, mas estão isoladas, perdidas na multidão. Tempo virá em que elas farão surgir obras magistrais, e a arte espírita terá seus Rafael e seus Michelângelo, como a arte pagã teve os seus Apeles e os seus Fídias.
História do maravilhoso (Pelo Sr. Louis Figuier)
Aqui se impõe uma reflexão, cujo alcance a ninguém escapará. Diz-se que nada é tão brutal quanto um fato. Ora, eis um que tem muito valor: é o progresso incrível das ideias espíritas, às quais com certeza nenhuma imprensa, nem pequena nem grande, prestou o seu concurso. Quando ela se dignou falar destes pobres imbecis que julgam ter uma alma, e que essa alma, após a morte, ainda se ocupa dos vivos, não foi senão para gritar anátema! contra eles, e mandá-los aos manicômios, perspectiva pouco encorajadora para o público ignorante do assunto.
O Espiritismo não tocou a trombeta da publicidade; não encheu os jornais de anúncios luxuosos. Como é então que sem ruído, sem brilho, sem o apoio dos que se fazem árbitros da opinião, se infiltra nas massas e, segundo a graciosa expressão de um crítico cujo nome não lembramos, depois de ter infestado as classes esclarecidas, agora penetra nas classes laboriosas? Que nos digam como, sem o emprego dos meios ordinários de propaganda, a segunda edição do Livro dos Espíritos esgotou-se em quatro meses. Diz-se que o povo se entusiasma com as coisas mais ridículas. Seja, mas a gente se entusiasma com o que diverte, uma história, um romance. Ora, o Livro dos Espíritos absolutamente não tem a pretensão de ser divertido. Não será porque a opinião pública encontra nessas crenças algo que desafia a crítica?
O Sr. Figuier achou a solução do problema: é, diz ele, o amor do maravilhoso. E tem razão. Tomemos o vocábulo maravilhoso na acepção que ele lhe empresta, e estaremos de acordo. Em sua opinião, sendo a Natureza apenas material, todo fenômeno extra-material é maravilhoso. Fora da matéria não há salvação. Consequentemente, a alma e tudo quanto lhe atribuem, seu estado após a morte, tudo isto é maravilhoso. Como ele, chamemo-lo maravilhoso. A questão é saber se esse maravilhoso existe ou não. O Sr. Figuier, que não gosta do maravilhoso e só o admite nos contos de Barba-Azul, diz que não. Mas se o Sr. Figuier não faz questão de sobreviver ao seu corpo; se despreza sua alma e a vida futura, nem todos participam de seus gostos e não é preciso que por isto desgoste os outros. Há muita gente para quem a perspectiva do nada tem muito poucos encantos e que espera encontrar lá em cima, ou acolá, pai, mãe, filhos ou amigos. O Sr. Figuier não se prende a isto. Gostos não se discutem.
Instintivamente o homem tem horror à morte, e havemos de convir que o desejo de não morrer para sempre é muito natural. Pode mesmo dizer-se que tal fraqueza é geral. Ora, como sobreviver ao corpo, se não possuirmos esse maravilhoso que se chama alma? Se temos uma alma, ela tem algumas propriedades, pois sem propriedades não seria alguma coisa. Para certas pessoas, infelizmente, não são propriedades químicas, e não se pode metê-la num frasco para ser conservada nos museus de Anatomia, como se conserva um crânio. Nisto, o Grande Obreiro realmente errou, por não havê-la feito mais palpável. Provavelmente ele não pensou no Sr. Figuier.
Seja como for, de duas uma: essa alma, se alma existir, vive ou não vive após a morte do corpo; é algo ou não é nada; não há meio termo. Vive ela para sempre ou por algum tempo? Se deve desaparecer em dado momento, seria o mesmo que se desaparecesse imediatamente; um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, nem por isso o homem teria avançado mais. Se vive, faz algo ou nada faz. Mas como admitir um ser inteligente que nada faz, e isto por toda a Eternidade? Sem ocupação, a existência futura seria muito monótona. Não admitindo que uma coisa acessível aos sentidos possa produzir quaisquer efeitos, o Sr. Figuier é conduzido, em razão de seu ponto de partida, a essa conclusão de que todo efeito deve ter uma causa material. Eis porque ele coloca no domínio do maravilhoso, isto é, da imaginação, todos os efeitos atribuídos à alma e, em consequência, a própria alma, suas propriedades, seus feitos e seus gestos de além-túmulo. Os simples, que fazem a tolice de querer viver após a morte, naturalmente gostam de tudo quanto satisfaça aos seus desejos e confirme as suas esperanças. Eis por que amam o maravilhoso. Até agora se contentavam em dizer-lhes: “Nem tudo morre com o corpo; ficai tranquilos; nós vos damos a palavra de honra.” Sem dúvida era muito confortador, mas uma pequena prova não estragaria o negócio. Ora, eis que o Espiritismo, com seus fenômenos, vem lhes dar esta prova, e eles a aceitam com alegria. Eis todo o segredo de sua rápida propagação. Na realidade, ele dá foros de realidade a uma esperança: a de viver e, melhor que isto, de viver mais feliz. Ao passo que vós, Sr. Figuier, vos esforçais para lhes provar que tudo isto não passa de quimera e ilusão, ele levanta a coragem que vós abateis. Credes que entre os dois a escolha seja duvidosa?
O desejo de reviver após a morte é, pois, no homem, a fonte de seu amor pelo maravilhoso, isto é, por tudo quanto o liga à vida de além-túmulo. Se alguns homens, seduzidos por sofismas, puderam duvidar do futuro, não creiais que tenha sido de caso pensado. Não, porque essa ideia lhes inspira pavor, e é com terror que sondam as profundezas do nada. O Espiritismo acalma as suas inquietudes e dissipa as suas dúvidas. O que era vago, indeciso, incerto, toma uma forma e se torna uma realidade consoladora. Eis porque, nalguns anos, ele fez a volta ao mundo, pois todo o mundo quer viver e todo homem preferirá sempre as doutrinas que o confortam às que o espantam.
Voltemos à obra do Sr. Figuier e digamos logo que seu quarto volume, consagrado às mesas girantes e aos médiuns, em três quartas partes está cheio de histórias que não têm relação com o assunto, de maneira que o principal ali se torna o acessório. Cagliostro e o negócio do colar, que ali figuram não se sabe por quê; a moça elétrica; os caracóis simpáticos, ocupam treze dos dezoito capítulos. É verdade que essas histórias são tratadas com verdadeiro requinte de detalhes e de erudição, que as fará lidas com interesse, deixando-se de lado qualquer opinião espírita. Sendo seu objetivo provar o amor do homem pelo maravilhoso, busca ele todos os contos aos quais em todos os tempos o bom-senso já deu o justo valor, e esforça-se por provar que são absurdos, o que ninguém contesta. Então ele exclama: “Eis o Espiritismo fulminado!” Ouvindo-o, poder-se-á crer que as proezas de Cagliostro e os contos de Hoffmann são artigos de fé para os espíritas, e que os caracóis simpáticos têm toda a sua simpatia.
O Sr. Figuier não rejeita todos os fatos, longe disso. Contrariamente a outros críticos, que tudo negam sistematicamente, o que é mais cômodo, pois isso dispensa qualquer explicação, admite perfeitamente as mesas girantes e os médiuns, mas com larga margem para a trapaça. As senhorinhas Fox, por exemplo, são insignes prestidigitadoras, porque foram escarnecidas por jornalistas americanos pouco galantes. Ele admite até mesmo o magnetismo, como agente material, bem entendido; o poder fascinante da vontade e do olhar; o sonambulismo; a catalepsia; o hipnotismo; todos os fenômenos de Biologia. Que se guarde! Ele vai passar por um iluminado aos olhos de seus confrades. Mas, consequente consigo mesmo, quer tudo reduzir às leis da Física e da Fisiologia. É verdade que cita algumas testemunhas autênticas e das mais honradas em apoio dos fenômenos espíritas, mas se estende com satisfação sobre todas as opiniões contrárias, sobretudo as dos sábios que, como o Sr. Chevreul e outros, buscaram provas na matéria. Tem ele em grande estima a teoria do músculo que range, dos senhores Jobert e comparsas. Sua teoria, como a lanterna mágica da fábula, peca num ponto capital: perde-se num dédalo de explicações que necessitariam, elas próprias, de outras explicações para serem compreendidas. Outro defeito é que a cada passo ela é contraditada por fatos que ele não pode explicar e sobre os quais passa em silêncio, por uma razão muito simples: é que não os conhece. Ele nada viu ou pouco viu por si mesmo. Numa palavra, nada aprofundou de visu, com a sagacidade, a paciência e a independência de ideias do observador consciencioso. Contentou-se com relatos mais ou menos fantásticos encontrados em certas obras que não brilham pela imparcialidade. Não leva em conta os progressos que a ciência fez nos últimos anos, pois a toma em seu começo, no período em que ela avançava tateante; em que cada um trazia uma opinião incerta e prematura, e em que ela estava longe ainda de conhecer todos os fatos, absolutamente como se ele quisesse julgar a Química de hoje pelo que era ao tempo de Nicolas Flamel. Em nossa opinião, ao Sr. Figuier, por mais sábio que seja, falta a primeira qualidade de um crítico ─ a de conhecer a fundo aquilo de que fala, condição ainda mais necessária quando se quer explicá-lo.
Não o acompanharemos em todos os seus raciocínios. Preferimos indicar a sua obra, que todo espírita pode ler sem o menor perigo para as suas convicções. Só citaremos a passagem na qual ele explica sua teoria das mesas girantes, que resume mais ou menos a de todos os outros fenômenos:
“Vem a seguir a teoria que explica os movimentos das mesas girantes pelos Espíritos. Se a mesa girar após um quarto de hora de recolhimento e atenção por parte dos experimentadores, é, dizem, que os Espíritos, bons ou maus, anjos ou demônios, entraram na mesa e a puseram em oscilação. O leitor espera que discutamos tal hipótese? Não pensamos fazê-lo. Se decidíssemos provar, com grandes reforços de argumentos lógicos, que o diabo não entra nos móveis para fazêlos dançar, teríamos também de demonstrar que não são os Espíritos que, introduzidos em nosso corpo, nos fazem agir, falar, sentir, etc.[1] Todos esses fatos são da mesma ordem, e aquele que admite a intervenção do demônio para girar uma mesa, deve recorrer à mesma influência sobrenatural para explicar os atos que ocorrem em virtude de nossa vontade e com auxílio de nossos órgãos. Ninguém jamais quis seriamente atribuir os efeitos da vontade sobre os nossos órgãos, por mais misteriosa que seja a essência desse fenômeno, à ação de um anjo ou de um demônio. É, entretanto, a essa consequência que são levados os que querem ligar a rotação das mesas a uma causa sobre-humana.
“Digamos, para terminar esta curta discussão, que a razão proíbe recorrer a uma causa sobrenatural, sempre que uma causa natural pode bastar. Uma causa natural, normal, fisiológica, pode ser invocada para a explicação do movimento das mesas? Eis toda a questão.
“Ei-nos, pois, levados a expor o que nos parece dar conta do fenômeno estudado nesta última parte de nossa obra.
“A explicação do fato das mesas girantes, considerado na sua maior simplicidade, nos parece ser fornecida por esses fenômenos cujo nome até aqui variou muito, mas cuja natureza, no fundo, é idêntica, tanto que sucessivamente foi chamada hipnotismo com o Dr. Braid; biologismo com o Sr. Philips e sugestão com o Sr. Carpenter. Lembremos que, em consequência da forte tensão cerebral resultante da contemplação mantida por muito tempo, de um objeto imóvel, o cérebro cai num estado particular, que recebeu sucessivamente os nomes de estado magnético, de sono nervoso e de estado biológico, nomes diferentes que designam certas variantes particulares de um estado geralmente idêntico.
“Uma vez chegado a esse estado, quer pelos passes de um magnetizador, como se faz desde Mesmer; quer pela contemplação de um corpo brilhante, como operava Braid, depois imitado pelo Sr. Philips, e como operam ainda os feiticeiros árabes e egípcios; quer simplesmente, enfim, por uma forte contenção moral, de que citamos mais de um exemplo, o indivíduo cai nessa passividade automática que constitui o sono nervoso. Ele perdeu a força de dirigir e controlar a própria vontade e está sob o domínio de uma vontade estranha. Apresentam-lhe um copo d’água, afirmando que é deliciosa bebida, e ele bebe julgando tomar vinho, licor ou leite, conforme a vontade do que se apoderou fortemente de seu ser. Assim, privado do auxílio de seu próprio juízo, o indivíduo fica quase alheio às ações que executa e, voltando ao seu estado natural, perdeu a lembrança dos atos que realizou durante essa estranha e passageira abdicação de seu eu. Ele está sob a influência de sugestões, e isto significa que aceitando, sem poder repeli-la, uma ideia fixa que lhe é imposta por uma vontade externa, age e é forçado a agir sem ideia e sem vontade próprias, por conseguinte, sem consciência. Este sistema levanta uma grande questão de Psicologia, porque o homem assim influenciado perdeu o livre-arbítrio e não tem mais responsabilidade pelas ações que executa. Age determinado por imagens intrusas que lhe obsidiam o cérebro, análogas a essas visões que Cuvier supõe fixas no sensorium da abelha, e que lhe representam as formas e as proporções da célula que o instinto a leva a construir. O princípio das sugestões explica perfeitamente os fenômenos, tão variados e por vezes tão terríveis, das alucinações, e, ao mesmo tempo, mostra o pequeno intervalo que separa o alucinado do monomaníaco. Não será de admirar se num grande número de giradores de mesas, a alucinação sobreviveu à experiência e se transformou em loucura definitiva.
“Este princípio das sugestões, sob a influência do sono nervoso, nos parece fornecer a explicação do fenômeno da rotação das mesas tomado na sua maior simplicidade. Consideremos o que se passa na corrente de pessoas que se entregam a uma experiência do gênero. Tais pessoas estão atentas, preocupadas, fortemente emocionadas com a espera do fenômeno que se deve produzir. Uma grande atenção, um recolhimento completo de espírito lhes é recomendado. À medida que se prolonga a espera e que a contenção moral é por muito tempo entretida pelos experimentadores, seu cérebro se fatiga cada vez mais e as ideias sofrem uma ligeira perturbação. Quando, no inverno de 1860, assistimos em Paris às experiências do Sr. Philips; quando vimos as dez ou doze pessoas às quais ele confiava um disco metálico, com a determinação de olhar fixamente e unicamente esse disco, colocado na palma da mão durante meia hora, não pudemos deixar de ver nessas condições as que são reconhecidas como indispensáveis para a manifestação do estado hipnótico, a imagem fiel do estado em que se encontram as pessoas que silenciosamente formam a cadeia a fim de obter a rotação da mesa. Num, como no outro caso, há uma forte contenção do espírito, uma ideia perseguida com exclusividade durante um tempo considerável. O cérebro humano não pode resistir por muito tempo a essa tensão excessiva, a essa acumulação anormal do influxo nervoso. Das dez ou doze pessoas entregues à experiência, a maioria a abandona, forçadas a renunciar pela fadiga nervosa que experimentam. Somente algumas, uma ou duas, que perseveram, são presas do estado hipnótico ou biológico e então dão lugar aos fenômenos diversos que examinamos no curso desta obra, ao falar do hipnotismo e do estado biológico.
“Nessa reunião de pessoas fixamente ligadas durante vinte minutos ou meia hora, a formar a corrente, com as mãos estendidas sobre a mesa, sem liberdade de, por um instante, distrair a atenção da operação em que tomam parte, o maior número não experimenta qualquer efeito particular. Mas é muito difícil que ao menos uma delas não caia, por um momento, presa do estado hipnótico ou biológico. Esse estado não precisa durar mais que um segundo para que se realize o fenômeno esperado. O elemento da corrente caído nesse meio-sono nervoso, não tendo mais consciência de seus atos e sem outro pensamento senão a ideia fixa da rotação da mesa, imprime inconscientemente o movimento ao móvel. Ele pode, nesse momento, desenvolver uma força muscular relativamente considerável e a mesa se move. Dado esse impulso, realizado esse ato inconsciente, nada mais é preciso. Assim, passageiramente biologizado, o indivíduo pode a seguir voltar ao seu estado ordinário, porque, apenas manifestado esse movimento mecânico na mesa, logo todos os componentes da corrente se levantam e seguem seus movimentos ou, por outras palavras, fazem a mesa marchar, pensando que apenas a acompanham. Quanto ao indivíduo, causa involuntária e inconsciente do fenômeno, como não conserva nenhuma lembrança dos atos executados nesse estado de sono nervoso, ignora o que fez e fica indignado quando o acusam de haver empurrado a mesa. Até suspeita que outros membros da mesa tenham feito uma pilhéria de mau gosto, de que o acusam. Daí as frequentes discussões e mesmo essas disputas sérias a que tantas vezes deu lugar o divertimento das mesas girantes.
“Esta é a explicação que julgamos poder dar, no que concerne ao fato da rotação das mesas, tomado na sua maior simplicidade. Quanto aos movimentos da mesa respondendo a perguntas, os pés que se levantam às ordens e que, pelo número de batidas, respondem às perguntas feitas, o mesmo sistema o explica se admitirmos que, entre os membros da corrente, haja algum no qual o estado de sono nervoso conserve certa duração. Tal indivíduo, hipnotizado malgrado seu, responde às perguntas e às ordens que lhe são dadas, inclinando a mesa ou fazendo-a dar pancadas, conforme o pedido. Voltando depois ao estado natural, esqueceu todos os atos assim realizados, como qualquer indivíduo magnetizado ou hipnotizado perde a lembrança dos atos executados nesse estado. O indivíduo que representa o papel malgrado seu é, pois, uma espécie de dorminhoco acordado; não é absolutamente sui compos; está num estado mental que participa do sonambulismo e da fascinação. Não dorme; está encantado ou fascinado em virtude da forte concentração moral imposta: é um médium. Como este último exercício é de ordem superior ao primeiro, não pode ser obtido em todos os grupos. Para que a mesa responda às perguntas feitas, levantando um de seus pés e dando pancadas, é necessário que os indivíduos que operam tenham praticado seguidamente o fenômeno da mesa girante, e que entre eles se encontre um particularmente apto a cair naquele estado, que nele caia mais depressa pelo hábito e assim permaneça por mais tempo: numa palavra, é preciso um médium experimentado.
“Dir-se-á, porém, que vinte minutos ou meia hora nem sempre são necessários para obter o fenômeno de rotação de um guéridon[2] ou de uma mesa. Muitas vezes, ao cabo de quatro ou cinco minutos, a mesa se põe em movimento. A tal observação responderemos que um magnetizador, quando trabalha com seu sensitivo habitual ou com um sonâmbulo profissional, faz este cair em sonambulismo em um ou dois minutos, sem passes, sem aparelho e pela simples imposição fixa do olhar. É então o hábito que torna o fenômeno mais fácil e rápido. Também os médiuns exercitados podem em pouco tempo chegar a esse estado de meio-sono nervoso, que deve tornar inevitável o fato da rotação da mesa ou o movimento dado por ele ao móvel, conforme o pedido feito.”
Não sabemos como o Sr. Figuier aplicaria a sua teoria aos movimentos que se dão, aos ruídos que se ouvem, ao deslocamento de objetos, sem o contato do médium, sem a participação de sua vontade, contra a sua vontade. Mas há muitas outras coisas que ele não explica. Aliás, aceitando-se mesmo a sua teoria, teríamos um fenômeno fisiológico dos mais extraordinários e bem digno da atenção dos sábios. Por que, então, o desdenharam?
O Sr. Figuier termina o seu Tratado do Maravilhoso por uma curta notícia sobre o Livro dos Espíritos. Julga-o do seu ponto de vista, naturalmente: “A filosofia, diz ele, é obsoleta e a moral adormecedora.” Sem dúvida teria preferido uma moral galhofeira e viva. Mas que fazer? É uma moral para uso da alma; aliás, ela teria sempre uma vantagem: a de fazer dormir. É para ele uma receita em caso de insônia.
[1] Não são Espíritos que nos fazem agir e pensar, mas um Espírito que é a nossa alma. Negar esse espírito é negar e alma; negar a alma é proclamar o materialismo puro. Parece que o Sr. Figuier pensa que, como ele, ninguém crê ter uma alma imortal, ou que ele crê ser todo o mundo.
[2] Espécie de mesa de três pés. (N. R.)
Palestras familiares de além-túmulo
Baltazar, o Espírito gastrônomo.
2.ª Palestra.
Um dos nossos assinantes, ao ler na Revista espírita de novembro a evocação do Espírito que se deu a conhecer pelo nome de Baltazar, julgou reconhecer nele um homem que tinha conhecido pessoalmente, e cuja vida e caráter coincidiam perfeitamente com todos os detalhes referidos. Não duvidava que fosse o mesmo que se havia manifestado sob um nome de fantasia e nos pediu que nos certificássemos em nova evocação. Segundo ele, Baltazar não era outro senão o Sr. G… de la R…, conhecido por suas excentricidades, sua fortuna e seus gostos gastronômicos.
1. Evocação.
— Ah! Eis-me aqui. Mas nunca tendes algo a me oferecer. Decididamente, sois pouco amáveis.
2. Quereis dizer o que vos poderíamos oferecer para vos ser agradáveis?
— Oh! Pouca coisa: um chazinho; um jantarzinho muito fino, eu gostaria mais disso; e estas senhoras, sem contar os senhores aqui presentes, não o rejeitariam, haveis de concordar.
3. Conhecestes um certo Sr. G… de la R…?
— Creio que sois curiosos.
4. Não; não é curiosidade; dizei, por favor, se o conhecestes.
— Então quereis descobrir o meu incógnito.
5. Assim, sois o Sr. G… de la R…?
—Ora! Sim, sem almoço.
6. Não fomos nós que descobrimos o incógnito. Foi um dos vossos amigos aqui presente.
— É um palrador; deveria ter ficado calado.
7. Em que isto vos pode aborrecer?
— Em nada, mas eu preferia não ter sido reconhecido imediatamente. Dá no mesmo. Não esconderei meus gostos por isto. Se soubesses que jantares eu dava, concordarias que eram bons e tinham um valor que não mais se aprecia.
8. Não, eu não sei. Mas falemos mais seriamente, por favor, e ponhamos de lado os jantares e ceias, que nada nos ensinam. Nosso objetivo é de nos instruirmos, e por isso vos pedimos dizer qual o sentimento que vos levou, no dia de vossa festa de formatura como advogado, a fazer vossos colegas jantarem numa sala decorada como uma câmara mortuária?
— Não destacais, no meio de todas as minhas excentricidades de caráter, um fundo de tristeza causado pelos erros da Sociedade, sobretudo pelo orgulho daquela que eu frequentava e da qual fazia parte pelo nascimento e pela fortuna? Eu buscava atordoar meu coração por todas as loucuras imagináveis, e me chamavam louco, extravagante. Pouco me importava. Saindo dessas ceias tão gabadas por sua originalidade, eu corria a praticar uma boa ação que ignoravam, mas para mim dava na mesma: meu coração ficava satisfeito e os homens também. Eles riam de mim ao passo que eu me divertia às custas deles. Que direis dessa ceia em que cada convidado tinha seu esquife às costas! Seus rostos transtornados me divertiam muito. Assim, como vedes, era a loucura aparente unida à tristeza do coração.
9. Qual a vossa opinião atual sobre a Divindade?
— Eu não esperei deixar o corpo para crer em Deus. Acontece apenas que o corpo que tanto amei materializou meu Espírito a tal ponto que lhe será preciso muito tempo para quebrar todos os laços terrenos, todas os laços das paixões que o prendiam à Terra.
Observação. Vê-se que de um assunto aparentemente frívolo se podem tirar ensinamentos úteis. Não existe algo de eminentemente instrutivo nesse Espírito que, conservando no além instintos corporais, reconhece que o abuso das paixões de certo modo materializou o seu Espírito?
A educação de um espírito
Segundo nosso conselho, marido e esposa empreenderam a educação desse Espírito, e devemos dizer que se conduzem admiravelmente e que, se não o conseguirem, nada terão de que se censurar. Extraímos algumas passagens dessas instruções, que damos como modelo no gênero, porque a natureza desse Espírito nelas se desenha de maneira característica.
1. ─ Para que sejas mau assim, é preciso que sofras? ─ Sim, eu sofro, e é isto que me faz ser mau.
Dissertações espíritas - Recebidas ou lidas por vários médiuns na sociedade
Entrada de um culpado no mundo dos Espíritos (Médium, Sra. Costel)Por fim, me acalmaste. Escutei os ensinos que te dão os teus guias. A verdade me penetrou, eu orei e Deus me ouviu. Revelou-se a mim por sua clemência, como se havia revelado pela sua justiça.
Novel
O castigo do egoísta (Médium, Sra. Costel)
I
Eis-me aqui, eu, a infeliz Clara. Que queres que te ensine? Tua resignação e tua esperança são meras palavras para quem sabe que, inumeráveis como os seixos da praia, seus sofrimentos durarão na sequência interminável dos séculos. Dizes que podes suavizá-los. Que palavras sem sentido! Onde achar a coragem, a esperança para tanto? Então, ó cérebro limitado, procura compreender o que é um dia que jamais acaba. É um dia, um ano, um século? Que sei eu? As horas não passam; as estações não variam; eterno e lento como a água que brota do rochedo, esse dia execrado, esse dia maldito pesa sobre mim como uma urna de chumbo... Sofro!... Nada vejo em volta de mim, senão sombras silenciosas e indiferentes... Sofro!
Contudo, sei que acima desta miséria reina Deus, o Pai, o Senhor, aquele para o qual tudo se encaminha. Quero pensar nisto. Quero implorar-lhe ajuda.
Debato-me e arrasto-me como um estropiado que trilha um longo caminho. Não sei que poder me arrasta para ti. Talvez tu sejas a salvação. Eu me afasto de ti um pouco acalmada, um pouco reaquecida, como um velho tiritante animado por um raio de sol. Minh’alma gelada sorve uma vida nova ao aproximar-se de ti.
Clara
II Minha desgraça cresce dia a dia; cresce à medida que o conhecimento da eternidade se desenvolve em mim. Ó miséria! Quanto vos maldigo, horas culpadas, horas de egoísmo e de esquecimento em que, desconhecendo toda caridade, todo devotamento, eu só pensava no meu bem-estar! Sede malditas, convenções humanas! Vãs preocupações dos interesses materiais! Sede malditos, vós que me haveis enceguecido e perdido! Sou roída pelo incessante pesar do tempo escoado. Que direi a ti, que me escutas? Vigia incessantemente sobre ti; ama aos outros mais do que a ti mesma; não te demores nos caminhos do bem-estar; não engordes o teu corpo à custa de tua alma; vigia, como dizia o Salvador a seus discípulos. Não me agradeças por estes conselhos que meu espírito concebe, mas que meu coração jamais ouviu. Como um cão açoitado, o medo me faz rastejar, mas não conheço ainda o puro amor! Sua divina aurora custa muito a romper. Ora por minh’alma, ressequida e tão miserável.
CLARA
III NOTA: Os dois primeiros ditados foram recebidos em casa da médium. Este foi dado espontaneamente na Sociedade, o que explica o sentido da primeira frase.
Venho procurar-te aqui, já que me esqueces. Crês, então, que preces isoladas e o meu nome pronunciado bastarão para acalmar o meu sofrimento? Não, cem vezes não. Tenho rugido de dor; erro sem repouso, sem asilo, sem esperança, sentindo o eterno aguilhão do castigo penetrar minh’alma revoltada. Rio quando escuto os vossos lamentos, quando vos vejo abatidos. Que são as vossas miseráveis penas?! Que são as vossas lágrimas?! Que são os vossos tormentos, que o sono interrompe?! Será que eu durmo? Eu quero, entendes, eu quero que, deixando tuas dissertações filosóficas, te ocupes de mim; que faças com que os outros também de mim se ocupem. Não encontro expressão para pintar a angústia desse tempo que se escoa sem que as horas lhe marquem os períodos. Apenas vejo um fraco raio de esperança, e essa esperança foste tu que me deste. Assim, não me abandones.
Clara
Esse quadro é muito verdadeiro e não está absolutamente carregado. Talvez me perguntem o que fez essa mulher para estar nessa tão miserável situação! Cometeu algum crime horrível? Roubou? Assassinou? Não. Ela nada fez que tivesse merecido a justiça dos homens. Ao contrário, divertia-se com aquilo a que chamais a felicidade terrena: beleza, fortuna, prazeres, adulação. Tudo lhe sorria, nada lhe faltava, e ao vê-la diziam: Que mulher feliz! Invejavam sua sorte. Que fez ela? Foi egoísta; tinha tudo, menos um bom coração. Se não violou a lei dos homens, violou a lei de Deus, porque desconheceu a caridade, a primeira das virtudes. Só amou a si mesma. Agora ninguém a ama. Não deu nada; nada lhe dão. Está isolada, cansada, abandonada, perdida no espaço, onde ninguém pensa nela, ninguém se ocupa com ela. Isto é o seu suplício. Como só buscou os prazeres mundanos e hoje tais prazeres não mais existem, fez-se o vazio em seu redor. Só vê o nada e o nada lhe parece a eternidade. Não sofre torturas físicas; os diabos não vêm atormentá-la, mas isto não é necessário. Ela própria se atormenta, e sofre ainda mais, porque esses diabos seriam ainda seres que pensariam nela. O egoísmo constituiu sua alegria na Terra; ela o perseguiu. Agora é o verme que lhe rói o coração, é o seu verdadeiro demônio.
Ah! Se os homens soubessem quanto pagarão por terem sido egoístas! Entretanto, Deus vo-lo ensina todos os dias, pois se ele envia tantos Espíritos egoístas à Terra, é para que, desde esta vida, eles se castiguem uns aos outros e melhor compreendam, pelo contraste, que a caridade é o único contra-veneno dessa lepra da Humanidade.
Afred de Musset (Médium, Srta. Eugênie)
Como desejo, antes de tudo, vos ser agradável, pergunto de que assunto quereis que eu trate. Se tiverdes um assunto, perguntai. Enfim, senhores, sou sempre o vosso dedicado
ALFRED DE MUSSET ─ Sendo vossa visita imprevista, não temos um assunto preparado. Pedimos, pois, a bondade de tratar de um à vossa escolha. Seja qual for, ficaremos muito reconhecidos.
─ Tendes razão. Sim, porque eu, como Espírito, em particular, bem como todos os Espíritos, em geral, conhecemos melhor as vossas necessidades e podemos escolher as comunicações melhor do que vós mesmos faríeis.
“De que vou tratar? Sinto-me embaraçado em meio a tantos assuntos interessantes. Comecemos por falar dos que desejam ardentemente ser espíritas, mas que parecem recuar ante o que julgam uma apostasia. Falemos, pois, daqueles que recuariam ante a ideia de se acharem em contradição com o Catolicismo. Escutai bem: digo Catolicismo e não Cristianismo.
Temeis renegar a crença dos vossos pais? Erro! Vossos pais, os primeiros, os que fundaram essa religião sublime em sua origem, eram mais espíritas do que vós. Eles pregavam a mesma doutrina que hoje vos ensinam. Assim como faz vossa religião, quem diz Espiritismo diz: caridade, bondade, esquecimento e perdão das injúrias. Como o Catolicismo, ele vos ensina a abnegação de si mesmo. Podeis, pois, consciências timoratas, reuni-los e vir, sem escrúpulos, sentar-vos a esta mesa e conversar com os seres que chorais. Como vossos pais, sede caridosos, bons, compassivos, e no fim da estrada tereis todos o mesmo lugar; no fim do caminho, a balança que pesará as vossas ações terá os mesmos pesos e a obra o mesmo valor. Vinde sem medo, eu vos peço. Vinde, mulheres graciosas, com o coração cheio de ilusões; vinde aqui, e elas serão substituídas por realidades mais belas e mais radiosas. Vinde, esposas de coração duro, que sofreis a vossa aridez, pois aqui está a água que amolece a rocha e estanca a sede. Vinde, mulheres amantes, que em toda a vossa vida aspirais à felicidade; que medis a profundidade do vosso coração e vos desesperais por preenchê-la. Vinde, mulheres de inteligência ávida, vinde. Aqui a Ciência flui pura e clara.Vinde beber nesta fonte que rejuvenesce. E vós, velhos que vos curvais, vinde e rireis diante de toda essa juventude que vos desdenha, porque para vós se abrem as portas do santuário; para vós o nascimento vai recomeçar e trazer a felicidade de vossos primeiros anos. Vinde, e nós vos faremos ver os irmãos que vos estendem os braços e vos esperam. Vinde, pois, todos, porque para todos há consolações.
Vedes que me presto de boa vontade. Disponde de mim, e dar-me-eis prazer.”
Aproveitando a boa vontade do Espírito de Alfred de Musset, foram-lhe dirigidas as seguintes perguntas:
1. ─ Qual será a influência da poesia no Espiritismo?
─ A poesia é o bálsamo que se aplica sobre as chagas. A poesia foi dada aos homens como o maná celeste. Todos os poetas são médiuns que Deus enviou à Terra para regenerar um pouco o seu povo e não o deixar embrutecer-se inteiramente. O que há de mais belo? O que mais fala à alma do que a poesia?
2.º ─ A pintura, a escultura, a arquitetura, a poesia foram, uma por uma, influenciadas pelas ideias pagãs e cristãs. Podeis dizer-nos se depois das artes pagã e cristã haverá um dia a arte espírita?
─ Fazeis uma pergunta que se responde por si mesma: O verme é o verme; torna-se bicho da seda, depois borboleta. Que há de mais aéreo, de mais gracioso que uma borboleta? Então! A arte pagã é o verme; a arte cristã o casulo; a arte espírita será a borboleta.
(A respeito, vide artigo anterior, sobre “A arte pagã, a arte cristã e a arte espírita”).
3.º ─ Qual a influência da mulher no século dezenove?
NOTA: Esta pergunta foi feita por um jovem estranho à Sociedade.
─ Ah! É de progresso. E é um jovem que faz a pergunta. Isto é bonito, e eu mesmo seria muito amador se não me dignasse a responder. Estou certo de que todos aqui também querem ouvir.
A influência da mulher no século dezenove! Acreditais que ela tenha esperado esta época para vos trazer à trela, pobres e fracos homens que sois? Se tentastes rebaixá-la, foi porque a temíeis; se tentastes abafar a sua inteligência, foi porque temestes a sua influência. Só ao seu coração não pudestes opor barreiras. E como o coração é o presente que Deus lhe deu em particular, ele continuou senhor e soberano. Mas eis que a mulher se faz também borboleta; ela quer sair de seu casulo; quer reconquistar seus direitos, que são divinos; como aquela, lança-se na atmosfera e dir-se-ia que respira o ar de seu justo valor. Não penseis que eu as queira transformar em eruditas, letradas, poetisas. Não. Mas eu quero, aqui se quer, no mundo em que habito, que aquela que deve elevar a Humanidade seja digna de seu papel; queremos que aquela que deve formar os homens comece a se conhecer a si própria e, para lhe dar desde tenra idade o amor do belo, do grande, do justo, é necessário que ela possua esse amor num grau superior. É preciso que o compreenda. Se o agente educador por excelência é reduzido ao estado de nulidade, a Sociedade vacila. É o que deveis compreender no século dezenove.
Intuição da vida futura (Médium, Srta. Eugénie)
“Encontro justamente o meu nome; e ele servirá de assinatura antes de haver começado.
“Quero falar-vos a todos, neste momento, e vos provar que sois espiritualistas; por isso, é suficiente dirigir-me ao vosso raciocínio. Que ireis fazer num cemitério a primeiro de novembro, se ele só conserva os despojos dos seres que perdestes? Por que ides perder tempo em levar-lhes, este umas flores, aquele um pensamento de amizade e uma suave lembrança? Por que ides evocar a sua memória, se eles não vivem mais? Por que derramar lágrimas e lhes pedir que as enxuguem ou que vos levem com eles? Respondei, vós todos que dizeis ─ porque os que não dizem em voz alta, pensam baixinho ─ que dizeis: a matéria é a única coisa que existe em nós. Depois de nós, nada. Dizei: não estais em desacordo convosco mesmos? Mas alegrai-vos, pois tendes mais fé do que imaginais. Deus, que vos criou imperfeitos, quis dar-vos confiança, malgrado vosso, e sem quererdes compreender, sem disso terdes consciência, falais a esses seres queridos; pedis que cheirem as flores que lhes ofertais; suplicais amizade e proteção. Mãe! Chamas a tua filha de anjo e lhe pedes preces. Filha, pedes a proteção de tua mãe e os seus conselhos.
Muitos dentre vós dizem: Sinto em meu coração a verdade do que dizeis, mas está em desacordo com o que meus pais me ensinaram, e, espíritos timoratos que sois! vos fechais na vossa ignorância. Agi, pois, sem temor, porque a fé espírita está de acordo com todas as religiões, desde que diz o que todas repetem: Amor, caridade, humildade. Vede que se isto só decorre de vossa hesitação, deveis crer.”
DELPHINE DE GIRARDIN
A reencarnação (Médium, Srta. Eugénie)
“A reencarnação é uma coisa lógica; toca os nossos sentidos. Assim, pois, tratase apenas de refletir, de querer examinar bem ao nosso redor. Basta olhar para dentro de si mesmo para achar as provas da reencarnação. Vede a esta mesa um bom pai de família; tem várias crianças lindas, umas de inteligência notável, outras num estado quase abjeto. De onde essa diferença? O mesmo pai, a mesma mãe, a mesma educação e, contudo, tantos contrastes!
Atentai para as vossas memórias; não encontrais nelas a intuição de fatos dos quais não tendes o menor conhecimento e que, entretanto, se retratam para vós absolutamente como se tivessem existido? Vendo uma pessoa pela primeira vez, não ficais chocados porque vos parece já havê-lo conhecido? Sim, não é? Então! Isto vos prova uma vida anterior, da qual participastes; isso prova que o menino inteligente deve ter percorrido várias existências, e por isso se depurou, e que o outro talvez esteja na primeira; que a pessoa que encontrais talvez vos tenha sido íntima, e que o fato de que vos lembrais vos aconteceu pessoalmente em outra vida. Além disso, para entrar no reino de Deus é preciso que sejais perfeitos. Vejamos! Julgais que vos reste tão pouco a fazer para crer que depois de vossa morte uns três ou quatro meses nas esferas vos bastarão[1]? Não. Não acredito em tanta pretensão. Para adquirir é necessário trabalhar, e a fortuna moral não se lega com a fortuna material. Para vos depurardes, é preciso passar por vários corpos que levam com eles, em cada despojamento, uma parte das vossas impurezas.
“Se refletirdes, não podereis deixar de vos render à evidência.
DELPHINE DE GIRARDIN
[1] Alusão à opinião de algumas pessoas relativamente à vida futura.
O dia dos mortos.
(Médium: Srta. Huet.)
Nota. Na sessão da Sociedade, de 2 de novembro, Charles Nodier, solicitado a continuar o trabalho que começou, responde:
“Permiti, meus caros amigos, que nesta noite vos fale de um outro assunto. Continuarei o trabalho começado, na próxima vez.
“Hoje é uma data que nos é tão pessoalmente consagrada, que não podemos deixar de vos chamar a atenção sobre a morte e sobre as preces reclamadas pela maioria dos que vos precederam. Esta semana é um período de confraternização entre o Céu e a Terra, entre os vivos e os mortos. Deveis ocupar-vos de nós mais particularmente, e de vós também, porque meditando sobre este pensamento, de que brevemente, como para nós, os vivos orarão por vossa alma, deveis tornar-vos melhores. Conforme a maneira por que tiverdes vivido aqui embaixo, sereis recebidos perante Deus. Que é a vida, afinal de contas? Uma curtíssima emigração do Espírito na Terra, tempo, entretanto, em que pode amontoar um tesouro de graças ou preparar-se para cruéis tormentos. Pensai nisto. Pensai no Céu e então a vida, seja qual for a vossa, vos parecerá bem leve.
Charles Nodier.
A propósito de sua comunicação, foram feitas ao Espírito as seguintes perguntas:
1. Hoje os Espíritos são mais numerosos que de hábito nos cemitérios?
— Nesta época voltamos mais espontaneamente junto aos nossos despojos terrenos, porque os vossos pensamentos, as vossas preces, ali estão conosco.
2. Os Espíritos que, nesses dias, vêm aos seus túmulos, junto aos quais ninguém ora, sofrem por se verem abandonados, enquanto outros têm parentes e amigos que lhes trazem uma prova de lembrança?
— Não há pessoas piedosas que oram por todos os mortos em geral? Então! Essas preces se revertem ao Espírito esquecido. Elas são para ele o maná celeste, que tanto caía para o preguiçoso como para o homem ativo. A prece é para o conhecido e para o desconhecido. Deus a reparte igualmente, e os bons Espíritos que delas não mais necessitam as entregam àqueles a quem podem ser necessárias.
3. Sabemos que a fórmula das preces é indiferente; não obstante, muitas pessoas necessitam de uma fórmula para fixar as ideias. Por isso vos agradeceríamos se nos ditásseis uma a propósito. Todos nos associaremos pelo pensamento, para destiná-la aos Espíritos que dela possam necessitar.
— Também o quero.
“Deus, criador do Universo, dignai-vos ter piedade de vossas criaturas; considerai as suas fraquezas; abreviai as suas provações terrenas, se estas estiverem acima de suas forças; apiedai-vos dos sofrimentos daqueles que deixaram a Terra e inspirai-lhes o desejo de progredir para o bem.”
4. Sem dúvida há aqui vários Espíritos aos quais podemos ser úteis. Vamos pedir que se deem a conhecer.
— Que pedido fazeis! Sereis assaltados.
5. Não ficamos absolutamente apavorados. Se não pudermos ouvir a todos, o que dissermos a um servirá para os outros.
— Pois bem! Fazei o que vos ditar o coração.
Tendo sido feito um apelo, sem designação individual, a um dos Espíritos presentes que quisesse comunicar-se para pedir nossa assistência, o de um personagem muito conhecido, falecido há dois anos, manifesta-se e mostra sentimentos muito diversos dos que tinha em vida, e que se estava longe de suspeitar.
Alegoria de Lázaro (Médium, Sr. Alfred Didier)
Mundo do século dezenove, também estás morto. A fé, que é a vida dos povos, extingue-se dia a dia. Em vão alguns crentes quiseram acordar-te de tua agonia. É muito tarde. Lázaro está morto. Só Deus pode salvá-lo.
Então, o Cristo se fez conduzir ao túmulo. Levantaram a pedra do sepulcro; envolto em faixas, o cadáver denotava todo o horror da morte. O Cristo lançou um olhar para o céu, tomou a mão da irmã, e levantando a outra mão para o alto, exclamou: “Lázaro, levanta-te!” Apesar das faixas e a despeito do lençol, Lázaro despertou e levantou-se.
Ó mundo! Tu pareces Lázaro. Nada te pode devolver a vida. Teu materialismo, tuas torpezas, teu ceticismo são outras tantas faixas que envolvem o teu cadáver, e cheiras mal, pois há muito que estás morto. Quem te gritará como a Lázaro: Em nome de Deus, levanta-te? É o Cristo, que obedece ao apelo do Espírito Santo. Século, a voz de Deus se fez ouvir! Estarás mais podre do que Lázaro?
Lamennais
O diabrete familiar (Médium, Sra. Costel)
CHARLES NODIER