Junho
Sociedade parisiense de estudos espíritas - Discurso do Sr. Allan Kardec - Na abertura do ano social, a 1º de Abril de 1862A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas começou seu quinto ano a 10 de abril de 1862 e, temos que convir, jamais o fez sob melhores auspícios. O fato não tem importância apenas do nosso ponto de vista pessoal, mas é característico, sobretudo do ponto de vista da doutrina em geral, porque prova, de modo evidente, a intervenção dos nossos guias espirituais.
Seria supérfluo lembrar a origem modesta da Sociedade, bem como as circunstâncias, de certa forma providenciais, de sua constituição, circunstâncias para as quais um Espírito eminente, então no poder, e que depois voltou ao mundo dos Espíritos, nos disse ter ele próprio contribuído poderosamente.
Vós vos lembrais, senhores, que a Sociedade teve as suas vicissitudes. Havia em seu seio elementos de dissolução, vindos da época em que se recrutava gente muito facilmente, e sua existência chegou, em certo momento, a estar comprometida. Naquele momento eu duvidei de sua utilidade real, não como simples reunião, mas como Sociedade constituída. Fatigado por essas perplexidades, eu estava resolvido a retirar-me. Esperava que, uma vez livre dos entraves semeados em meu caminho, trabalharia melhor na grande obra empreendida. Fui dissuadido de fazê-lo por numerosas comunicações espontâneas que me foram dadas de vários pontos. Entre outras há uma, cuja substância me parece útil vos dar a conhecer, porque os acontecimentos justificaram as previsões. Ela está assim concebida:
“A Sociedade, formada por nós com o teu concurso, é necessária. Queremos que subsista e subsistirá, malgrado a má vontade de alguns, como tu o reconhecerás mais tarde. Quando existe um mal, não se cura sem crise. Assim é do pequeno ao grande; no indivíduo, como nas sociedades; nas sociedades como nos povos; nos povos como o será na Humanidade.
Nossa Sociedade, dizemos, é necessária. Quando deixar de ser, sob a forma atual, transformar-se-á como todas as coisas. Quanto a ti, não podes, não deves retirar-te. Contudo, não pretendemos acorrentar o teu livre-arbítrio. Apenas dizemos que a tua retirada seria um erro que lamentarias um dia, porque entravaria os nossos desígnios.”
Desde então, dois anos se passaram e, como vedes, a Sociedade felizmente saiu daquela crise passageira, cujas peripécias todas me foram assinaladas, e das quais um dos resultados foi dar-nos uma lição de experiência que aproveitamos e que provocou medidas pelas quais nos felicitamos.
Desembaraçada das preocupações inerentes ao seu estado anterior, a Sociedade pôde prosseguir os seus estudos sem entraves. Também os seus progressos foram rápidos e ela cresceu a olhos vistos, não direi numericamente, posto seja mais numerosa do que nunca, mas em importância. Oitenta e sete membros participando das cotizações anuais figuraram na lista do ano findo, sem contar os sócios honorários e correspondentes. Ter-lhe-ia sido fácil dobrar, e mesmo triplicar esse número, se ela visasse receita. Bastava cercar as admissões de menos dificuldades. Ora, longe de diminuir tais dificuldades, ela as aumentou, porque, sendo uma sociedade de estudos, não quis afastar-se dos princípios de sua instituição e porque jamais fez questão de interesses materiais. Não procurando entesourar, era-lhe indiferente ser um pouco mais ou um pouco menos numerosa. Sua preponderância nada tem a ver com o número de sócios. Ela está nas ideias que estuda, elabora e divulga. Ela não faz propaganda ativa; não tem agentes nem emissários; não pede a ninguém que venha a ela e, o que pode parecer extraordinário, é a essa reserva que deve a sua influência.
Vejamos, a respeito disto, qual é o seu raciocínio: Se as ideias espíritas fossem falsas, nada lhes permitiria lançar raízes, porque toda ideia falsa só tem existência passageira. Se são verdadeiras, firmar-se-ão a despeito de tudo, pela convicção, e o pior meio de propagá-las seria o de impô-las, porque toda ideia imposta é suspeita e trai a sua fraqueza. As ideias verdadeiras devem ser aceitas pela razão e pelo bom senso. Onde elas não germinam, é porque não chegou o seu tempo. É preciso esperar e limitar-se a lançar a semente ao vento, porque, mais cedo ou mais tarde, algumas cairão em terreno menos árido.
O número de membros da Sociedade é, assim, uma questão muito secundária, porque hoje, menos que nunca, ela não poderia pretender absorver todos os adeptos.
Seu objetivo, por estudos conscienciosos, feitos sem preconceitos e sem partido, é o de elucidar as várias partes da Ciência Espírita; buscar as causas dos fenômenos e recolher todas as observações de natureza a esclarecer o problema tão importante e tão palpitante de interesse do estado do mundo invisível, de sua ação sobre o mundo visível e das inumeráveis consequências daí decorrentes para a Humanidade.
Por sua posição e pela multiplicidade de suas relações, ela se acha nas mais favoráveis condições para observar bem e bastante. Seu fim é, pois, essencialmente moral e filosófico, mas o que, acima de tudo, deu crédito aos seus trabalhos é a calma e a gravidade que a eles se aplica. É que aí tudo é discutido friamente, sem paixão, como devem fazê-lo as pessoas que de boa-fé procuram esclarecer-se. É porque sabem que ela só se ocupa de coisas sérias; é, enfim, a impressão que os numerosos estrangeiros, por vezes vindos de terras distantes para assisti-los, levaram da ordem e da dignidade de suas sessões.
Assim, a linha que ela seguiu dá os seus frutos. Os princípios que ela professa, baseados em observações conscienciosas, hoje servem de regra à imensa maioria dos espíritas. Vistes caírem, seguidamente, diante da experiência, a maioria dos sistemas nascidos no começo, e são pouquíssimos os que conservam raros partidários. Isto é incontestável. Quais as ideias que crescem e quais as que declinam? É uma questão de fato.
A doutrina da reencarnação foi o mais controvertido dos princípios, e seus adversários nada pouparam para derrubá-la, nem mesmo as injúrias e grosserias, esse argumento supremo daqueles a quem faltam boas razões. Nem por isso ela deixou de fazer o seu caminho, porque se apoia numa lógica inflexível; porque sem essa alavanca chocamo-nos com dificuldades intransponíveis e porque, enfim, nada se achou de mais racional para substituí-la.
Há, entretanto, um sistema que, mais do que nunca, se espalha agora: o sistema diabólico. Na impossibilidade de negar as manifestações, pretende um partido provar que elas são obra exclusiva do diabo. O encarniçamento com que ataca, prova que ele não está muito convencido de suas razões. Os espíritas, de sua parte, não se comovem absolutamente com essa manifestação de forças, que eles deixam que se gastem. Neste momento ele abre fogo em toda a linha: discursos, pequenas brochuras, grossos volumes, artigos de jornais. É um ataque geral para demonstrar o quê? Que os fatos que em nossa opinião testemunham o poder e a bondade de Deus, ao contrário testemunham o poder do diabo, donde resulta que podendo apenas o diabo manifestar-se, ele é mais poderoso do que Deus. Atribuir ao diabo tudo quanto é bom nas comunicações é retirar de Deus o bem para homenagear o diabo. Nós nos julgamos mais respeitosos para com a Divindade. Aliás, como eu já disse, os espíritas pouco se inquietam com esse brado de armas, que terá o efeito de destruir um pouco mais cedo o prestígio de Satã.
Sem o emprego de meios materiais, e embora restrita numericamente, por sua própria vontade, a Sociedade de Paris não deixou de fazer uma propaganda considerável, pela força do exemplo. Prova disto é o número incalculável de grupos espíritas que se formam pelos mesmos processos, isto é, de acordo com os princípios que ela professa; é o número de Sociedades regulares que se organizam e querem colocar-se sob o seu patrocínio. Há grupos em várias cidades da França e do estrangeiro, na Argélia, na Itália, na Áustria, no México, etc. O que fizemos para isso? Fomos à sua procura? Solicitamos? Mandamos emissários ou agentes? Absolutamente. Nossos agentes são as obras.
As ideias espíritas espalham-se numa localidade. A princípio aí encontram um pequeno eco, depois, aos poucos, ganham terreno. Os adeptos sentem necessidade de se reunirem, menos para fazer experiências do que para conversar sobre um assunto que lhes interessa. Daí os milhares de grupos particulares, que podem ser chamados familiares. Destes alguns adquirem maior importância numérica; pedemnos conselhos e assim insensivelmente se forma essa rede, que possui balizas em todos os pontos do globo.
Cabe aqui, senhores, uma observação importante sobre a natureza das relações entre a Sociedade de Paris e as reuniões ou sociedades fundadas sob os seus auspícios, e que seria erro considerar como sucursais. A Sociedade de Paris não tem sobre elas outra autoridade senão a da experiência, mas, como eu disse em outra ocasião, não se imiscui em seus negócios. Seu papel limita-se a conselhos oficiais, quando solicitados. O laço que as une é, pois, puramente moral, baseado na simpatia e na similitude das ideias. Não há qualquer afiliação, qualquer solidariedade material. A única palavra de ordem é a que deve ligar todos os homens: caridade e amor ao próximo, palavra de ordem pacífica e que não levanta suspeitas.
A maior parte dos membros da Sociedade reside em Paris. Entretanto, alguns moram no interior ou no estrangeiro e, posto só compareçam excepcionalmente, alguns jamais vieram a Paris desde a sua fundação, mas têm a honra de ser sócios.
Além dos membros propriamente ditos, ela tem correspondentes, mas seus relatórios, puramente científicos, apenas objetivam mantê-la ao corrente do Movimento Espírita nas diversas localidades e me fornecem documentos para a história do estabelecimento do Espiritismo, material que venho recolhendo.
Entre os adeptos, há os que se distinguem pelo seu zelo, sua abnegação, seu devotamento à causa do Espiritismo; que pagam pessoalmente, não em palavras, mas em atos. A Sociedade sente-se feliz por lhes dar um testemunho de especial simpatia, conferindo-lhe o título de membros honorários.
De dois anos para cá, portanto, a Sociedade cresceu em crédito e importância. Mas, por outro lado, os seus progressos são assinalados pela natureza das comunicações que recebe dos Espíritos. Com efeito, desde algum tempo essas comunicações adquiriram proporções e desenvolvimento que superam sobremaneira nossa expectativa. Já não são, como outrora, pequenos fragmentos de moral banal, mas dissertações, nas quais as mais altas questões de filosofia são tratadas com uma amplitude e uma profundidade que as convertem em verdadeiros discursos. Foi o que observaram, em sua maioria, os leitores da Revista.
Sinto-me feliz em assinalar um outro progresso, no que concerne aos médiuns. Jamais, em nenhuma outra época, vimos tantos participando dos nossos trabalhos, pois chegamos a ter quatorze comunicações na mesma sessão. Contudo, mais precioso do que a quantidade é a qualidade, a julgar pela importância das instruções que nos são dadas.
Nem todos apreciam a mediunidade do mesmo ponto de vista. Uns a avaliam pelo efeito. Para estes, os médiuns velozes são os mais notáveis e os melhores. Nós, que antes de tudo buscamos a instrução, damos mais valor àquilo que satisfaz ao pensamento do que ao que apenas regala os olhos. Assim, preferimos um médium útil, com o qual aprendemos alguma coisa, a um outro admirável, com quem nada aprendemos. Sob esse ponto de vista não temos que nos lastimar e devemos agradecer aos Espíritos por terem cumprido a promessa que fizeram, de não nos deixarem desprovidos. Querendo ampliar o seu círculo de ensino, deviam também multiplicar os instrumentos.
Há, porém, um ponto ainda mais importante, sem o qual tal ensino não teria produzido frutos, ou pouco teria produzido. Sabemos que os Espíritos estão longe de possuir a soberana ciência e que podem enganar-se; que frequentemente emitem suas próprias ideias, justas ou falsas; que os Espíritos superiores querem que o nosso julgamento se exercite em discernir o verdadeiro do falso, aquilo que é racionaldaquilo que é ilógico. É por isso que nada aceitamos de olhos fechados.
Assim, não haveria ensino proveitoso sem discussão. Mas, como discutir comunicações com médiuns que não suportam a menor controvérsia; que se melindram com uma observação crítica, com uma simples observação, e acham mau que não se aplaudam as coisas que recebem, mesmo aquelas inçadas de grosseiras heresias científicas? Essa pretensão estaria deslocada se o que escrevem fosse produto de sua inteligência; é ridícula desde que eles não são mais que instrumentos passivos, pois se assemelham a um ator que ficaria ofuscado se nós achássemos maus os versos que ele deve declamar. Não podendo seu próprio espírito sentir-se ofendido por uma crítica que não o atinge, então é o Espírito comunicante que se magoa e transmite ao médium a sua impressão. Por esse simples fato, o Espírito trai a sua influência, porque quer impor as suas ideias pela fé cega e não pelo raciocínio ou, o que dá no mesmo, porque só ele quer raciocinar. Disso resulta que o médium que se acha em tais disposições está sob o império de um Espírito que merece pouca confiança, pois mostra mais orgulho do que sabedoria. Assim, sabemos que os Espíritos dessa categoria geralmente afastam seus médiuns dos centros onde não são aceitos sem reservas.
Esse capricho, em médiuns assim atingidos, é um grande obstáculo ao estudo. Se só buscássemos o efeito, isso seria sem importância, mas como buscamos a instrução, não podemos deixar de discutir, mesmo com o risco de desagradar os médiuns. Assim, outrora alguns se retiraram, como sabeis, por esse motivo, embora não confessado, e porque não tinham podido impor-se perante a Sociedade como médiuns exclusivos e intérpretes infalíveis das potências celestes. Aos seus olhos, os obsedados são aqueles que não se inclinam diante de suas comunicações. Alguns levam a sua susceptibilidade ao ponto de ofender-se com a prioridade dada à leitura das comunicações recebidas por outros médiuns. Por que uma comunicação é preferida à sua? Compreende-se o mal-estar imposto por tal situação. Felizmente, no interesse da Ciência Espírita, nem todos são assim, e apresso-me em aproveitar a ocasião para, em nome da Sociedade, dirigir agradecimentos àqueles que hoje nos prestam seu concurso com tanto zelo quanto devotamento, sem calcular esforço nem tempo e que, não tomando partido por suas comunicações, são os primeiros a participar da controvérsia que podem suscitar.
Em resumo, senhores, só nos podemos felicitar pelo estado da Sociedade, do ponto de vista moral. Não há quem não tenha observado uma notável diferença no espírito dominante, em relação ao que era no princípio, cuja impressão cada um sente instintivamente, em muitos casos traduzida em fatos positivos. E incontestável que aí reina menos mal-estar e constrangimento, enquanto se faz sentir um sentimento de mútua benevolência. Parece que os Espíritos perturbadores, vendo a sua impotência para semear a desconfiança, tomaram a sábia decisão de afastar-se.
Também só podemos aplaudir a feliz ideia de vários membros de organizar reuniões particulares em seus lares. Elas têm a vantagem de estabelecer relações mais íntimas. Além disso, são locais de encontro para uma porção de pessoas que não podem vir à Sociedade, onde podem ter uma primeira iniciação; onde podem fazer bom número de observações que depois convergem para o centro comum. Enfim, são canteiros para a formação de médiuns.
Agradeço muito sinceramente às pessoas que me honraram, oferecendo a sua direção, o que me era materialmente impossível. Lamento mesmo muito não poder aí estar tanto quanto era meu desejo.
Conheceis minha opinião em relação aos grupos particulares. Assim, faço votos por sua multiplicação na Sociedade ou fora dela, em Paris ou alhures, porque são os agentes mais ativos de propaganda.
Do ponto de vista material, o nosso tesoureiro vos deu conta da situação da Sociedade. Nosso orçamento, bem o sabeis, senhores, é muito simples. O essencial é que haja equilíbrio entre o ativo e o passivo, de vez que não procuramos capitalizar.
Peçamos, pois, aos bons Espíritos que nos assistem e, em particular, ao nosso presidente espiritual, São Luís, que continuem oferecendo-nos sua benevolente proteção, concedida tão visivelmente até hoje, e da qual mais e mais nos esforçaremos para nos tornarmos dignos.
Resta-me, senhores, dar-vos a conhecer uma coisa importante. Quero falar do emprego dos dez mil francos que me foram enviados há cerca de dois anos, por um assinante da Revista Espírita, e que quis manter-se incógnito. Era um donativo a ser empregado no interesse do Espiritismo. Certamente vos lembrais que me foram entregues pessoalmente, sem formalidades e sem documentos, e sem que eu devesse prestar quaisquer contas.
Ao comunicar à Sociedade essa feliz circunstância, declarei, na sessão de 17 de fevereiro de 1860, que não pretendia prevalecer-me da prova de confiança e que, para minha satisfação pessoal, desejava que aquele fundo fosse empregado sob controle, e acrescentei: “Essa soma formará o primeiro fundo de uma caixa especial, sob o nome de Caixa do Espiritismo e que nada em comum terá com os meus negócios pessoais. Será posteriormente aumentada com as somas que lhe vierem de outras fontes e exclusivamente destinada às necessidades da doutrina e ao desenvolvimento das ideias espíritas. Um de meus primeiros cuidados será suprir a falta de material da Sociedade, para a regularidade de seus trabalhos, e a criação de uma biblioteca especial. Pedi a vários colegas que aceitassem o controle dessa caixa e que, em datas que posteriormente serão determinadas, verificassem o útil emprego do fundo”.
Essa comissão, hoje parcialmente dispersa pelas circunstâncias, será completada quando for necessário, e todos os documentos lhe serão entregues. Enquanto se espera e, em vista da absoluta liberdade que me foi concedida, julguei conveniente aplicar essa soma no desenvolvimento da Sociedade, e a vós senhores, julgo dever prestar contas da situação, tanto para desobrigar-me pessoalmente, quanto para vosso esclarecimento. Insisto para que bem se compreenda a impossibilidade material de usar esse fundo em despesas cuja urgência dia a dia mais se acentuam, em vista da extensão dos trabalhos que reclama o Espiritismo.
Como sabeis, senhores, a Sociedade sentia vivamente os inconvenientes de não ter um local adequado para as sessões e onde seus arquivos pudessem estar à mão. Para trabalhos como o nosso, é preciso, de certo modo, um local para isso consagrado, onde nada possa perturbar o recolhimento. Todos deploravam a necessidade em que nos encontrávamos de nos reunirmos num estabelecimento público pouco harmonizado com a seriedade de nossos estudos. Assim, julguei que fazia coisa útil lhe dando os meios de ter um lugar mais conveniente, com o auxílio dos fundos que eu tinha recebido.
Por outro lado, considerando-se que o progresso do Espiritismo traz à minha casa um número crescente de visitantes franceses e estrangeiros, que pode ser calculado em mil e duzentos a mil e quinhentos por ano, era preferível recebê-los na sede da Sociedade, a fim de concentrar aí todos os negócios e todos os documentos concernentes ao Espiritismo.
Quanto ao que me concerne, acrescentarei que entregando-me inteiramente à doutrina, de certo modo, e para evitar perda de tempo, tornava-se necessário que tivesse meu domicílio aí, ou ao menos na vizinhança. Para mim, pessoalmente, isto não seria necessário, pois tenho em casa uma peça que nada me custa, mais agradável, sob todos os pontos de vista, e onde permaneço tanto quanto me permitem as minhas obrigações. Um segundo apartamento teria sido uma despesa inútil e onerosa.
Assim, sem o Espiritismo, eu estaria tranquilamente em casa, na avenida Ségur, e não aqui, obrigado a trabalhar da manhã à noite e muitas vezes da noite à manhã, sem mesmo repousar um pouco, o que às vezes me é muito necessário, pois sabeis que sou sozinho para uma tarefa cuja extensão dificilmente imaginam, e que necessariamente aumenta com o desenvolvimento da doutrina.
Este apartamento reúne as vantagens desejáveis por suas disposições internas e sua situação central. Nada tendo de suntuoso, é muito adequado. Entretanto, sendo os recursos da Sociedade insuficientes para o aluguel, tive que completá-lo com os fundos da doação. Sem isto a Sociedade teria que continuar na situação precária, mesquinha e incômoda em que se achava. Graças a esse suplemento, foi possível dar aos seus trabalhos desenvolvimentos que todos sabem vantajosos e proveitosos para a doutrina. É, pois, o emprego passado e a destinação futura dos fundos da doação que julgo dever comunicar-vos.
O aluguel do apartamento custa 2.500 francos anuais e, com os acessórios, 2.530 francos. As contribuições são de 198 francos, totalizando 2.728. A Sociedade paga, de sua parte, 1.200 francos. Resta uma diferença de 1.528. O contrato foi feito por três, seis ou nove anos, e começou a 1º de abril de 1860. Calculando para seis anos a 1.528 francos, temos 9.168 francos, ao que temos que adicionar a compra de móveis e as despesas de instalação, de 900 francos; para gorjetas e despesas diversas, 80 francos, totalizando 10.148 francos, sem os imprevistos, a pagar com o capital de 10.000 francos.
No fim do contrato, isto é, daqui a quatro anos, haverá um excedente nas despesas. Vedes, senhores, que não há possibilidade de desviar a menor soma, se quisermos chegar ao fim. Que fazer, então? Aquilo que Deus quiser, que quiserem os bons Espíritos, os quais me disseram que não me inquietasse.
Observe-se que se a soma dos gastos com material e instalação é de apenas 900 francos, é que aí foi empregada uma parcela rigorosamente necessária do capital. Se tivéssemos que adquirir todo o mobiliário que aqui se acha, considerando-se apenas as peças de recepção, haveria necessidade de três ou quatro vezes mais, e então a Sociedade, em vez de seis anos de aluguel, teria apenas três. É, pois, o meu mobiliário pessoal que constitui a maior parte e que, devido ao uso, terá recebido um grande desgaste.
Em resumo, a soma de 10.000 francos, que alguns julgavam inesgotável, se acha quase inteiramente absorvida pelo aluguel, que era importante, antes de mais nada, garantir por algum tempo, sem que tivesse sido possível direcionar qualquer parcela para outros fins, principalmente para a compra de obras antigas e modernas, francesas e estrangeiras, necessárias à formação de uma grande biblioteca espírita, como era projeto meu. Só isso não teria custado menos de 3.000 a 4.000 francos.
Disso resulta que todas as despesas além do aluguel, como viagens e uma porção de gastos necessários para o Espiritismo, e que não ficam por menos de 2.000 francos anuais, estão pessoalmente a meu cargo, e essa soma não deixa de pesar num orçamento restrito, que se mantém à custa de ordem, economia e até de privações.
Não creiais, senhores, que eu queira conquistar méritos. Assim fazendo, sei que sirvo a uma causa junto à qual a vida material nada é, e pela qual estou pronto a sacrificar a minha. Talvez um dia eu tenha imitadores. Aliás, estou bem recompensado pelos resultados que obtive. Se uma coisa lamento, é a exiguidade dos meus recursos, que não me permitem fazer mais, pois com suficientes meios de execução bem empregados, com ordem e em coisas realmente úteis, avançaríamos meio século no estabelecimento definitivo da doutrina.
Palestras familiares de além túmulo
SR. SANSON - 2ª PalestraSr. Sanson
Menino Jesus entre os doutores (Ultimo quadro de Ingres)
“O menino Jesus encontrado por seus pais pregando no Templo, entre os doutores. (São Lucas, Natividade).
“Este é o assunto de um quadro inspirado a um dos nossos maiores artistas. Nessa obra do homem se mostra mais que o gênio. Aí se vê brilhar essa luz que Deus dá às almas para esclarecê-las e conduzi-las às regiões celestes.
“Sim, a religião iluminou o artista. Esse clarão foi visível? O trabalhador viu o raio partindo do céu e descendo sobre si? Sob os seus pincéis, teria ele visto divinizar-se a cabeça do Menino-Deus? Ter-se-ia ajoelhado diante dessa criação de inspiração divina e exclamado, como o santo velho Simeão: ‘Senhor, deixareis morrer em paz o vosso servo, segundo a vossa palavra, porque meus olhos viram o Salvador que nos dais agora, e que destinais a ser exposto aos olhos de todos os povos?’
“Sim, o artista pode-se dizer servo do Senhor, pois acaba de executar uma ordem de sua suprema vontade. Deus quis que no tempo em que reina o ceticismo, a multidão parasse diante dessa figura do Salvador! Mais de um coração afastar-se-á levando uma lembrança que o conduzirá aos pés da cruz onde essa Divina Criança deu a vida pela Humanidade, por nós, turba inconsciente.
“Contemplando o quadro de Ingres, a vista se afasta a custo para voltar a essa figura de Jesus, onde há um misto de divindade, de infância e algo da flor; a esse panejamento, a essa túnica de cores claras, jovens, delicadas, lembrando o suave colorido que se balança nas hastes perfumadas.
“Tudo merece ser admirado na obra-prima de Ingres, mas a alma gosta mais de aí contemplar dois tipos adoráveis: Jesus e sua divina Mãe. Ainda uma vez a gente experimenta a necessidade de saudá-la pelas palavras angélicas: ‘Eu vos saúdo, Maria, cheia de graça!’ A gente apenas ousa levantar o olhar artístico para essa nobre figura divinizada, tabernáculo de um Deus, esposa de um homem, virgem pela pureza, mulher predestinada às alegrias do paraíso e às agonias da Terra, entretanto, Ingres compreendeu tudo isso, e a gente não passará diante da Mãe de Jesus sem lhe dizer: ‘Maria, dulcíssima virgem, em nome de vosso filho, rogai por nós!’
“Vós o examinareis um dia. Eu vi as primeiras pinceladas sobre essa tela bendita. Vi surgirem, uma a uma, as figuras, as poses dos doutores; vi o anjo protetor de Ingres, inspirando-o, fazer cair os pergaminhos das mãos de um desses doutores, porque aí, meu Deus, está toda uma revelação! Essa voz de criança destruirá, também, uma a uma, as leis que não são suas.
“Não desejo aqui fazer arte como ex-artista. Sou um Espírito, e a mim somente a arte religiosa me toca. Assim, vi nesses graciosos ornamentos da cepa da vinha a alegoria da vinha de Deus, onde todos os humanos devem saciar-se e, de mim para mim, disse com profunda alegria que Ingres acabara de fazer amadurecer um de seus belos cachos.
“Sim, mestre! Teu Jesus vai falar também diante dos doutores que negam a sua lei, diante dos que a combatem. Mas quando eles se encontrarem sós com a lembrança da Criança divina, ah! Mais de um rasgará o rolo do pergaminho sobre o qual a mão de Jesus escreverá: ‘Erro!’
“Vede, pois, como todos os trabalhadores se reúnem! Uns vêm voluntariamente, por caminhos conhecidos; outros vêm trazidos pela mão de Deus, que vai buscá-los em seus lugares e lhes mostra aonde devem ir; outros ainda, chegam sem saber onde se acham, atraídos pelo encanto que lhes faz semear flores de vida para erguer o altar sobre o qual o menino Jesus ainda hoje vem para muitos, mas que, sob roupagens de cores safirinas, ou sob a túnica do crucificado, é sempre o mesmo, o único Deus.
“DAVID, pintor”
Essa revelação espontânea é tanto mais notável quanto a descrição dada pelo Espírito é de uma exatidão perfeita. Tudo lá está: a cepa da vinha, os pergaminhos caídos ao chão, etc. O quadro está agora exposto na sala do Boulevard dos Italianos, onde fomos vê-lo e, como todo mundo, ficamos em admiração ante essa página sublime, uma das mais belas, sem dúvida, da pintura moderna.
Do ponto de vista da execução, ela é digna do grande artista que, parece-nos, nada fez de superior, a despeito de seus oitenta e três anos. Mas o que a torna uma obra-prima excepcional, é o sentimento que aí domina, a expressão, o pensamento que brota de todas essas figuras, sobre as quais a gente lê a surpresa, a estupefação, a empolgação, a dúvida, a necessidade de negar, a irritação por se ver vencido por uma criança. Tudo isso é tão verdadeiro, tão natural, que a gente se põe a colocar palavras em cada boca.
Quanto à criança, é de uma perfeição que deixa muito para trás tudo quanto foi feito até aqui sobre o mesmo assunto. Não é um orador que fala à sua audiência. Ele nem mesmo olha para ela. Nele a gente adivinha o órgão de uma voz celeste.
Em toda essa concepção, sem dúvida há o gênio, mas há, incontestavelmente, a inspiração. O próprio Sr. Ingres disse que não tinha composto esse quadro em condições ordinárias. Disse tê-lo começado pela arquitetura, o que não é seu costume. Em seguida as personagens vinham, por assim dizer, fixar-se por si mesmas sob o seu pincel, sem premeditação de sua parte. Temos motivos para pensar que esse trabalho se liga a coisas cuja chave teremos mais tarde, mas sobre as quais devemos ainda guardar silêncio, como sobre muitas outras.
SOBRE O QUADRO DO SR. INGRES
(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS, 2 DE MAIO DE 1862) (MÉDIUM: SR. A. DIDIER)
Nós, os Espíritos, aplaudimos as obras espiritualistas, tanto quanto censuramos a glorificação dos sentimentos materialistas e de mau gosto. É uma virtude sentir a beleza moral e a beleza física a esse ponto. É o indício certo de sentimentos harmoniosos no coração e na alma. Quando o sentimento do belo se desenvolve a esse ponto, é raro que o sentimento moral também não se desenvolva.
É um grande exemplo o desse velho de oitenta anos, que numa Sociedade corrompida representa a vitória do Espiritismo, com o gênio sempre moço e sempre puro da fé.
LAMENNAIS
Assim se escreve a história
Conforme tais ditos, nós possuímos milhões. Em nossa casa tudo brilha e nós só pisamos nos mais belos tapetes d’Aubusson. Conheceram-nos pobre em Lyon, mas hoje temos carruagem de quatro cavalos e vivemos em Paris com status de príncipe.
Toda essa fortuna nos vem da Inglaterra, desde quando passamos a nos ocupar do Espiritismo. Pagamos regiamente os nossos agentes do interior. Vendemos por alto preço os manuscritos de nossas obras, sobre as quais ainda mantemos direitos autorais, o que não nos impede de vendê-los a preços exorbitantes, etc.
Eis a resposta que demos à pessoa que nos envia tais detalhes:
“Meu caro senhor, ri muito dos milhões com que tão generosamente me gratifica o Sr. Padre V..., tanto mais quanto estava longe de suspeitar de tanta fortuna. O relatório feito à Sociedade de Paris, antes da recepção de vossa carta, e que vai aqui publicado, infelizmente vem reduzir essa ilusão a uma realidade muito menos dourada.
Aliás, não é a única inexatidão desse relato fantástico. Para começar, jamais morei em Lyon, portanto, não vejo como lá me tivessem conhecido pobre. Quanto à minha equipagem de quatro cavalos, sinto dizer que se reduz aos sendeiros de um fiacre que tomo apenas cinco ou seis vezes por ano, por economia.
É verdade que antes das estradas de ferro fiz muitas viagens em diligências. Certamente fizeram confusão. Mas esqueço que então ainda não se tratava de Espiritismo e que é ao Espiritismo que eu devo, conforme aquele reverendo, a minha imensa fortuna.
Onde, então, pescaram tudo isso, senão no arsenal da calúnia? Isto seria tanto mais verossímil se se pensasse na natureza da população em cujo meio propagam tais rumores. É de convir que se torna necessário ser curto de boas razões para se reduzir a tão ridículos expedientes a fim de desacreditar o Espiritismo.
O Sr. vigário não se dá conta de que seu discurso vai de encontro ao seu objetivo, pois dizer que o Espiritismo me enriquece a tal ponto é confessar que se acha imensamente espalhado, e se ele se espalha é porque agrada. Assim, aquilo que ele queria aplicar contra o homem, volta-se em benefício da doutrina.
Depois disso, façam alguém acreditar que seja uma utopia uma doutrina que em alguns anos dá milhões ao seu propagador! Tal resultado seria um verdadeiro milagre, pois não há exemplo de uma ideia filosófica que jamais tenha sido fonte de dinheiro. Geralmente, com as invenções, come-se o pouco que se tem, e ver-se-á que é mais ou menos o meu caso, se souberem quanto me custa a obra a que me dediquei e à qual sacrifico, além disso, meu tempo, minhas vigílias, meu repouso e minha saúde. Mas eu tenho por princípio ser reservado com aquilo que faço e não gritar de cima dos telhados.
Para ser imparcial, o Sr. vigário deveria ter feito um paralelo com as quantias que as comunidades e os conventos subtraem dos fiéis. O Espiritismo, a seu turno, mede sua influência pelo bem que faz, pelo número de aflitos que consola, e não pelo dinheiro que ajunta.
Com um status principesco, é claro que se precisa de uma mesa elegante. Que diria o Sr. vigário se visse minhas mais suntuosas refeições nas quais recebo os amigos? Achá-las-ia muito magras, ao lado das frugais refeições de certos dignitários da Igreja que as desdenhariam como seu mais austero jejum.
Já que ele ignora, eu lhe direi, para lhe poupar o trabalho das comparações, que o Espiritismo não é nem pode ser um meio de enriquecimento; que ele repudia toda especulação de que pudesse ser objeto; que ele ensina a fazer pouco caso dos bens temporais, a contentar-se com o necessário e não procurar alegrias supérfluas, que não são o caminho do Céu; que se todos os homens fossem espíritas não teriam inveja, nem ciúmes, nem se despojariam uns aos outros; não diriam mal do próximo e não o caluniariam, porque ele ensina esta máxima do Cristo: Não façais a outrem o que não quereis que vos façam. É para pô-la em prática que não escrevo todas as letras do nome do Sr. padre V...
O Espiritismo também ensina que a fortuna é um depósito de que se há de prestar contas, e que o rico será julgado conforme o emprego que dela tiver feito.
Se eu possuísse a que me atribuem, e sobretudo se a devesse ao Espiritismo, seria perjuro aos princípios se a empregasse na satisfação do orgulho e na fruição de prazeres mundanos, em vez de colocá-la a serviço da causa cuja defesa abracei.
Mas, perguntarão, e as vossas obras? Não vendestes caro os manuscritos? Um instante! Isto é invasão de domínio privado, onde não reconheço a ninguém o direito de imiscuir-se. Sempre honrarei os meus negócios, não importa a que preço de sacrifícios e de privações. Nada devo a quem quer que seja, enquanto muitos me devem, sem o que teria mais do que o dobro do que possuo, o que fez com o que em vez de subir os degraus da fortuna, eu desci. Assim, não tenho que dar conta de meus negócios a ninguém, é bom que se diga. Entretanto, para contentar um pouco os curiosos que não têm nada melhor a fazer do que imiscuir-se em negócios que não são de sua conta, direi que se tivesse vendido meus manuscritos, nada teria feito além de usar do direito que tem todo trabalhador de vender o produto de seu trabalho. Mas não vendi nenhum. Alguns até dei, pura e simplesmente, no interesse da causa, e que são vendidos como queiram vendê-los, sem que a mim se destine um tostão.
São vendidos por preço alto apenas manuscritos de obras conhecidas, cujo lucro é garantido por antecipação, mas em parte alguma encontram-se editores tão complacentes que paguem a peso de ouro por obras de lucro hipotético. Nesses casos, eles nem mesmo querem correr o risco da impressão. Ora, sob este ponto de vista, uma obra filosófica tem cem vezes menos valor que certos romances encabeçados por certos nomes.
Para dar uma ideia de meus grandes lucros, direi que a primeira edição de O livro dos Espíritos, que fiz por minha conta e risco, porque não houve editor que dela quisesse encarregar-se, feitas as contas, depois de esgotada a edição, vendidos alguns exemplares e doados outros, rendeu-me cerca de quinhentos francos, o que posso comprovar através de documentos. Não sei que tipo de carruagem poderia ser comprada com isso.
Na impossibilidade em que me encontrei, não possuindo ainda os milhões em questão, de enfrentar os gastos de todas as minhas publicações, e sobretudo de me ocupar com as suas vendas, cedi por algum tempo o direito de publicação, mediante um direito do autor, calculado em uns poucos centavos por volume vendido, de sorte que fiquei totalmente alheio aos detalhes das vendas e das transações que os intermediários possam fazer com as remessas feitas pelos editores aos seus correspondentes, transações de cuja responsabilidade eu declino, obrigado, no que me concerne, a abrir conta nos editores, a um determinado preço por exemplar que retiro, vendo ou dou de presente.
Quanto ao lucro que pode vir da venda de minhas obras, não tenho que dar contas de seu montante, nem do emprego que lhe faço. Certamente assiste-me o direito de gastá-lo como entender. Entretanto, ninguém sabe se tal produto tem uma destinação determinada, da qual não pode ser desviado. É o que saberão mais tarde, porque, se um dia alguém tiver a fantasia de escrever a minha história com os dados acima fornecidos, os fatos deverão ser considerados em sua integridade. Por isto deixarei memórias circunstanciadas sobre todas as minhas relações e todos os meus negócios, sobretudo no que concerne ao Espiritismo, a fim de poupar aos cronistas futuros os equívocos em que muitas vezes caem, ouvindo diz que diz que de criaturas estúrdias, de más línguas e de gente interessada em alterar a verdade, às quais eu deixo o prazer de deblaterar à vontade, para que mais tarde se torne mais evidente a sua má-fé.
Por mim pessoalmente muito pouco me inquietaria se meu nome não estivesse de agora em diante ligado intimamente à história do Espiritismo. Em consequência das minhas relações, naturalmente possuo a respeito os mais numerosos e autênticos documentos que existem. Pude acompanhar a doutrina em todo o seu desenvolvimento e observar-lhe todas as peripécias, bem como lhe prever as consequências.
Para todo homem que estuda esse movimento, a última evidência é que o Espiritismo marcará uma fase da Humanidade. É, pois, necessário que mais tarde se saiba que vicissitudes ele teve de atravessar; que obstáculos encontrou; quais os inimigos que procuraram inutilizá-lo e de que armas se serviram para combatê-lo.
Também importa saber por que meios pôde triunfar, e quais foram as pessoas que por seu zelo, seu devotamento e sua abnegação, contribuíram eficazmente para a sua propagação, pessoas cujos nomes e atos merecem ser assinalados para o reconhecimento da posteridade, e que impus-me o dever de inscrever nas minhas fichas.
Compreende-se que essa história não pode surgir logo, pois o Espiritismo apenas acaba de nascer e as fases mais interessantes de seu estabelecimento ainda não se completaram. Aliás, poderia acontecer que entre os Saulos do Espiritismo de hoje, mais tarde surjam os São Paulos. Esperamos não ter que registrar os Judas.
Tais são, meu caro senhor, as reflexões sugeridas pelos rumores que me chegaram. Se eu as refutei, não o fiz pelos espíritas de vossa cidade, que sabem o que fazer a meu respeito e que puderam julgar-me quando os visitei, se em mim havia gostos e atitudes de grão-senhor. Faço-o, pois, em atenção aos que me não conhecem e que poderiam ser induzidos em erro, por essa maneira mais que leviana de escrever a história. Se o Sr. Padre V... quer apenas dizer a verdade, estou pronto a fornecer-lhe verbalmente todas as explicações necessárias ao seu esclarecimento.
Todo vosso,
ALLAN KARDEC
Sociedade espírita de Viena
Sr. Allan Kardec,
A Sociedade Espírita de Viena encarrega-me de vos comunicar que acaba de nomear-vos seu presidente de honra, e vos pede aceiteis esse título como sinal da alta e respeitosa estima que vos dedica. Desnecessário acrescentar, senhor, que servindo aqui de instrumento, apenas obedeço a um impulso de meu coração que vos é inteiramente dedicado.
Permiti-me, senhor, sem abusar de vosso precioso tempo, acrescentar algumas palavras relativas à nossa Sociedade. Ela acaba de entrar em seu terceiro ano, e posto restrito seja ainda o seu número de associados, posso ter a satisfação de dizer que, no círculo privado em que ainda se acha, pratica proporcionalmente muito bem. Tenho esperança que ao chegar o momento de expandi-la, ela produzirá frutos mais abundantes. É o meu mais vivo desejo.
No ano passado, por ocasião do primeiro aniversário, nosso Espírito protetor me dizia em seu profundo e majestoso laconismo: “Semeaste a boa semente. Eu te abençoo”.
Este ano ele me disse: “Para o ano que vai começar, eis a máxima: Com Deus e para Deus”. No ano passado, foi uma recompensa para o que passou. Este ano, é um encorajamento para o futuro. Assim preparei-me este ano para empregar meios mais diretos para atuar sobre a opinião pública. Para começar, a tradução da vossa excelente brochura não terá deixado de preparar o terreno. Em seguida, pensei na publicação de um jornal em alemão, como meio mais seguro de apressar os resultados.
Não me faltará material, sobretudo se permitirdes por vezes recorrer aos tesouros encerrados na vossa Revista onde sempre, bem entendido, tomarei como dever sagrado indicar a fonte das passagens e artigos que tiver traduzido.
Enfim, para coroar a obra, desejo pôr ao alcance dos alemães o vosso precioso e indispensável O Livro dos Espíritos. Assim, pois, senhor, sem temer importunarvos, pois estou persuadido que todo pensamento do bem corresponde ao vosso próprio pensamento, venho pedir-vos, se ninguém ainda obteve o favor, que me permitais traduzi-lo em língua alemã.
Acabo de vos expor, senhor, os projetos que medito, para, entre nós, dar um impulso maior à propagação do Espiritismo. Ousarei dirigir-me à vossa benévola experiência, para receber alguns salutares conselhos que, tende certeza, senhor, terão grande peso na decisão que eu tomar.
Recebei, senhor, etc.
C. DELHEZ
SOCIEDADE ESPÍRITA, DITA DA CARIDADE, DE VIENA - ÁUSTRIA(SESSÃO DE ANIVERSÁRIO, 18 DE MAIO DE 1862)
Viena, 19 de maio de 1862.
O Presidente,
Entre as que se organizaram ultimamente devemos citar a Sociedade Africana de Estudos Espíritas, de Constantina, que resolveu colocar-se sob o nosso patrocínio e o da Sociedade de Paris, e que já conta com quarenta membros. Teremos ocasião de voltar a falar sobre este assunto com mais detalhes.
À vista desse movimento geral e do incessante crescimento da opinião pública, os adversários do Espiritismo compreenderão, enfim, que todo esforço para detê-lo será inútil, e que o que melhor há para fazer é aceitá-lo, considerando-o, de agora em diante, como um fato consumado. A arma do ridículo esgotou-se em vãos esforços, pois ela é impotente.
A doutrina do diabo, que buscam restaurar neste momento, com uma espécie de encarniçamento, será mais feliz? A resposta está, por completo, no efeito que produz: Ela provoca risos. Para dar resultado fora preciso que dela estivessem convictos os que a propagam. Ora, podemos afirmar com segurança que entre eles muitos não acreditam nisso mais do que nós. É um último golpe cujo resultado será apressar a propagação das ideias novas, a princípio porque as torna conhecidas, despertando a curiosidade, depois porque prova a escassez de argumentos realmente sérios.
Príncipio vital das sociedades espíritas
Senhor,
Na Revista de abril de 1862, vejo uma comunicação assinada por Gérard de Codemberg, na qual há a seguinte passagem:
“Não vos preocupeis com os irmãos que se afastam de vossas crenças. Ao contrário, fazei de modo que não se misturem no rebanho dos verdadeiros crentes, pois são ovelhas sarnentas, e vos deveis guardar contra o contágio”.
A respeito das ovelhas sarnentas, achei tal maneira de ver pouco cristã, ainda menos espírita e completamente fora dessa caridade para com todos que pregam os espíritas. Não ter preocupação com os irmãos que se afastam e guardar-se contra o seu contágio não é o meio de reconquistá-los. Parece-me que, até o presente, nossos bons guias espirituais têm mostrado mais mansuetude. Esse Gérard de Codemberg será um bom Espírito? Se é ele, eu o duvido.
Perdoai-me essa espécie de controle que acabo de fazer, mas há um objetivo sério. Uma de minhas amigas, espírita noviça, acaba de percorrer aquele fascículo e parou nessas poucas linhas, não encontrando a caridade que até agora observou nas comunicações. A respeito, consultei o meu guia, e eis o que ele me respondeu: “Não, minha filha, um Espírito elevado não se serve de tais expressões. Deixai aos Espíritos encarnados a aspereza da linguagem e reconhecei sempre o valor das comunicações pelo valor das palavras e sobretudo pelo valor dos pensamentos. (Segue-se uma comunicação de um Espírito que se supõe ter tomado o lugar de Gérard de Codemberg).
Onde está a verdade? Somente vós podeis sabê-lo.
Recebei, etc.
E. COLLINGNON
Resposta:
Em Gérard de Codemberg nada prova que seja um Espírito muito avançado. A obra que ele publicou, sob o império de evidente obsessão e com o que ele mesmo concorda, o demonstra de sobra.
Por pouco evoluído que fosse, um Espírito não poderia enganar-se a tal ponto quanto ao valor das revelações que obteve em vida, como médium, nem aceitar como sublimes, coisas evidentemente absurdas. Segue-se que seja um mau Espírito? Certamente não. Sua conduta durante a vida e sua linguagem após a morte são prova disso.
Ele está na categoria numerosa dos Espíritos inteligentes, bons, mas não suficientemente elevados para dominarem os Espíritos obsessores que dele abusaram, pois não soube reconhecê-los. Isto no que concerne ao Espírito.
A questão não é saber se é mais ou menos adiantado, mas se o conselho que dá é bom ou mau. Ora, mantenho que não há reunião espírita séria sem homogeneidade. Por toda a parte onde houver divergência de opinião, há a tendência a fazer prevalecer a própria; o desejo de impor suas ideias ou sua vontade, daí as discussões, as dissensões, depois a dissolução. Isto é inevitável e acontece em todas as sociedades, seja qual for o objetivo, onde cada um quer trilhar caminhos diferentes.
O que é necessário nas outras reuniões ainda mais o é nas reuniões espíritas sérias, nas quais a primeira condição é a calma e o recolhimento impossíveis com discussões que provocam perda de tempo em coisas inúteis. É então que os bons Espíritos vão deixando o campo livre aos Espíritos perturbadores. Eis por que os pequenos grupos são preferíveis: a homogeneidade de princípios, de gostos, de caráter e de hábitos, condição essencial da boa harmonia, aí é bem mais fácil de obter que nas grandes assembleias.
O que Gérard de Codemberg chama ovelhas sarnentas não são as pessoas que de boa-fé procuram esclarecer-se quanto às dificuldades da Ciência ou sobre aquilo que não compreendem, por uma discussão pacífica, moderada e comedida, mas as que vêm com ideia preconcebida de oposição sistemática, que a torto e a direito levantam discussões inoportunas, de natureza a perturbarem os trabalhos. Quando o Espírito diz que é preciso afastá-las tem razão, porque a existência da reunião depende disso. Ele também tem razão ao dizer que não há motivo de preocupação, porque a sua opinião pessoal, se falsa, não impedirá que prevaleça a verdade. O sentido dessa expressão é que não deve causar inquietação a sua oposição.
Em segundo lugar, se aquele que tem uma diferente maneira de ver a considera melhor que a dos outros; se ela o satisfaz; se nela se obstina, por que contrariá-lo? O Espiritismo não deve impor-se. Deve ser aceito livremente e de boa vontade. Não quer nenhuma conversão por constrangimento. Aliás, a experiência aí está para provar que não é insistindo que lhe farão mudar de opinião.
Com aquele que de boa-fé procura a luz, é preciso ser todo devotamento; nada se deve poupar: é zelo bem empregado e frutuoso. Com aquele que não a quer ou que pensa tê-la, é perder tempo e semear sobre pedras.
A expressão nenhuma preocupação pode, então, ser entendida no sentido de que não se deve atormentá-lo nem violentar as suas convicções. Agir assim não é faltar à caridade. Esperam trazê-lo a ideias mais sãs? Que o façam em particular, pela persuasão, vá, mas se deve ser uma causa de perturbação para a reunião, conservá-lo não seria dar-lhe provas de caridade, pois que isso de nada lhe adiantaria, ao passo que seria uma falta para com os outros.
O Espírito de Gérard de Codemberg emite claramente, e talvez um pouco cruamente a sua opinião, sem preocupações oratórias, sem dúvida contando com o bom-senso daqueles a quem se dirige para mitigá-la na aplicação, observando o que prescrevem ao mesmo tempo a urbanidade e as conveniências. Mas, salvo a forma da linguagem, o fundo do pensamento é idêntico ao que se acha na comunicação referida a seguir, sob o título O Espiritismo Filosófico, recebida pela mesma pessoa que levantou a questão.
Aí lê-se o seguinte:
“Examinai bem em vosso redor se não há falsos irmãos, curiosos, incrédulos. Se os encontrardes, rogai-lhes com doçura, com caridade, que se retirem. Se resistirem, contentai-vos em orar com fervor para que o Senhor os esclareça e, de outra vez, não os admitais em vossos trabalhos. Não recebais em vosso meio senão os homens simples, que querem buscar a verdade e o progresso”.
Isto é, em outros termos, desembaraçar-se polidamente dos que vos entravam.
Nas reuniões livres, onde se é livre de receber quem se quer, isso é mais fácil que nas sociedades constituídas, onde os sócios são ligados e têm direito a voz e voto. Assim, não deveriam ser tomadas precauções em excesso se não se quisesse ser contrariado.
O sistema dos associados livres adotado pela Sociedade de Paris é o mais próprio a prevenir os inconvenientes, pois só admite os candidatos a título provisório e sem voz ativa nos negócios da Sociedade, durante um período que permite se observe o seu zelo, sua dedicação e seu espírito conciliador.
O essencial é formar um núcleo de fundadores titulares, unidos por uma perfeita comunhão de vistas, de opiniões e de sentimentos e estabelecer regras precisas às quais forçosamente deverão submeter-se aqueles que mais tarde quiserem a ele integrar-se.
A respeito recomendamos os regulamentos da Sociedade de Paris e as instruções que demos a tal respeito. Nosso mais caro desejo é o de vermos reinarem a união e a harmonia entre os grupos e sociedades que se formam de todos os lados. É por isso que consideramos sempre um dever ajudar com conselhos de nossa experiência os que julgarem um dever aproveitá-los.
No momento limitamo-nos a dizer que sem homogeneidade não há união simpática entre os sócios, nem relações afetuosas; sem união não há estabilidade; sem estabilidade não há calma; sem calma, não há trabalho sério, de onde concluímos que a homogeneidade é o princípio vital de toda sociedade ou reunião espírita. É o que disseram com razão Gérard de Codemberg e Bernardin.
Quanto ao Espírito que foi tomado como substituto do primeiro, sua comunicação tem todos os caracteres de uma comunicação apócrifa.
Ensinos e dissertações espíritas
Para começar expliquemo-nos quanto ao exato sentido do vocábulo filosofia. A Filosofia não é a negação das leis estabelecidas da Divindade, da religião. Longe disto. A Filosofia é a busca do que é sábio; do que é o mais exatamente razoável. E o que pode ser mais sábio, mais razoável que o amor e o reconhecimento que se deve ao Criador e, consequentemente, o culto, seja qual for, que pode servir para lhe provar esse reconhecimento e esse amor? A religião, e tudo quanto a isto vos pode levar, é pois, uma filosofia, porque é uma sabedoria do homem que a isso se submete com alegria e docilidade. Isto posto, vejamos o que podeis tirar do Espiritismo, posto em prática seriamente.
Qual o fim para onde tendem todos os homens, em qualquer posição que se achem? O melhoramento de sua posição presente. Ora, para atingir esse objetivo, correm para todos os lados, extraviam-se na maior parte, porque, enceguecidos pelo orgulho e arrastados pela ambição, não veem a rota única que pode conduzir a esse melhoramento. Eles a buscam na satisfação de seu orgulho, de seus instintos brutais, de sua ambição, ao passo que não podem achá-la senão no amor e na submissão devidos ao Criador.
O Espiritismo vem, pois, dizer aos homens: Deixai esses caminhos tenebrosos, cheios de precipícios, cercados de espinhos e urzes e entrai no caminho que leva à felicidade que sonhais. Sede prudentes para serdes felizes. Compreendei, meus amigos, que para os homens, os bens da Terra não passam de emboscadas que devem ser evitadas. São os escolhos de que eles devem afastar-se. Eis por que o Senhor permitiu que se vos deixasse enfim ver a luz desse farol que vos conduzirá ao porto.
As dores e os males que sofreis com impaciência e revolta são o ferro em brasa que o cirurgião aplica sobre a ferida aberta, para que a gangrena não tome todo o corpo.
Vosso corpo, meus amigos, o que é para um espírita? O que ele deve salvar? O que ele deve preservar do contágio? O que ele deve cicatrizar por todos os meios possíveis, senão a chaga que rói o Espírito; a enfermidade que o entrava e o impede de lançar-se radioso para o seu Criador?
Voltai sempre os olhos para este pensamento filosófico, isto é, cheio de sabedoria: Somos uma essência criada pura, mas decaída. Pertencemos a uma pátria onde tudo é pureza. Culpados, fomos exilados por algum tempo, mas só por algum tempo. Empreguemos, pois, todas as forças, todas as nossas energias em diminuir o tempo do exílio. Esforcemo-nos por todos os meios que o Senhor pôs à nossa disposição, para reconquistar essa pátria perdida e abreviar o tempo de ausência. (Ver número de janeiro de 1862: Doutrina dos anjos decaídos).
Compreendei que vossa sorte futura está em vossas mãos; que a duração das vossas provas depende inteiramente de vós; que o mártir tem sempre direito à palma, e que para ser mártir não se trata de ser, como os primeiros cristãos, pasto das feras. Sede mártires de vós mesmos. Quebrai, destruí em vós próprios todos os instintos carnais que se revoltam contra o Espírito. Estudai com cuidado as vossas inclinações, os vossos gostos, as vossas ideias. Desconfiai de tudo quanto a vossa consciência reprova. Por mais baixo que ela vos fale, ─ porque pode, às vezes, ser repelida, ─ por mais baixo que ela vos fale, essa voz do vosso protetor vos dirá que eviteis aquilo que vos pode prejudicar.
Em todas as épocas a voz do vosso anjo de guarda vos falou, mas quantos ficaram surdos! Hoje, meus amigos, o Espiritismo vem explicar-vos a causa dessa voz íntima. Ele vem falar-vos positivamente, mostrar-vos, fazer-vos tocar com o dedo aquilo que podeis esperar se a escutardes docilmente; aquilo que deveis temer se a rejeitardes.
Eis, meus amigos, para o homem em geral, o lado filosófico: ensinar-vos a buscardes a vossa própria salvação.
Meus filhos, não procureis, como fazem os ignorantes, distrações materiais, satisfação à curiosidade. Não vades, sob o menor pretexto, chamar a vós, Espíritos dos quais não tendes a menor necessidade. Contentai-vos com vos entregardes sempre aos cuidados e ao amor de vossos guias espirituais. Eles jamais vos faltarão.
Quando, reunidos num objetivo comum, o melhoramento de vossa Humanidade, elevardes o coração ao Senhor, que seja para lhe pedir suas bênçãos e a assistência dos bons Espíritos, aos quais vos confiou.
Examinai bem em redor de vós se não há falsos irmãos, curiosos, incrédulos. Se os encontrardes, rogai-lhes com doçura, com caridade, que se retirem. Se resistirem, contentai-vos em orar com fervor para que o Senhor os esclareça e, de outra vez, não os admitais em vossos trabalhos. Não recebais em vosso meio senão os homens simples, que querem buscar a verdade e o progresso.
Quando estiverdes certos de vossos irmãos que se acham reunidos em presença do Senhor, chamai os vossos guias e pedi-lhes instruções. Eles vo-las darão sempre, na medida das vossas necessidades e da vossa compreensão. Mas não busqueis satisfazer à curiosidade da maioria, dos que pedem evocações. Eles quase sempre saem menos convencidos e mais inclinados à zombaria.
Que aqueles que desejam evocar os parentes e amigos, não o façam jamais senão com um objetivo de utilidade e de caridade. É um ato sério, muito sério, chamar os Espíritos que erram em redor de vós. Se não trouxerdes a fé e o recolhimento necessários, os Espíritos maus tomarão o lugar daqueles que esperais; enganar-vos-ão, vos farão cair em erros profundos e vos arrastarão por vezes a quedas terríveis!
Não esqueçais, pois, meus amigos, que o Espiritismo, sob o ponto de vista religioso, é apenas a confirmação do Cristianismo, porque o Cristianismo entra inteirinho nestas palavras: Amar ao Senhor sobre todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo.
Sob o ponto de vista filosófico, é a linha de conduta reta e sábia que vos deve conduzir à felicidade que todos ambicionais, e essa linha vos é traçada partindo de um ponto seguro, demonstrado: a imortalidade da alma, para chegar a outro ponto que ninguém pode negar: Deus!
Eis, meus amigos, o que vos tenho a dizer por hoje. Em breve continuaremos as nossas conversas íntimas.
BERNARDIN
Um Espírita apócrifo na Rússia