Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Santo Agostinho acusado de Cretinismo

Sob o título de Cretinismo, a Vedette de Limbourg, jornal de Tongres, na Bélgica de 1º de setembro de 1866, contém o artigo seguinte, reproduzido pela Gazette de Huy:

“Um livro dado como prêmio num pensionato de religiosas, caiu em nossas mãos. Abrimo-lo e o acaso nos fez ler, entre outras curiosas passagens, a seguinte, que nos parece muito digna de ser posta aos olhos do leitor. Trata do papel desempenhado pelos anjos. Quem quer que o percorra certamente não deixará de perguntar como é possível que uma obra contendo semelhantes absurdos possa achar um editor! Em nossa opinião, quem imprime semelhantes asneiras é tão culpado quanto aquele que as escreve. Sim, não tememos afirmá-lo, autor e impressor devem ser diplomados mestres em cretinismo por ousarem lançar semelhantes desafios à razão, à Ciência, que dizemos! ao mais vulgar bom-senso. Eis a passagem de que se trata:

“Segundo Santo Agostinho, o mundo visível é governado por criaturas invisíveis, por puros Espíritos e há anjos que presidem cada coisa visível, todas as espécies de criaturas que estão no mundo, quer sejam elas animadas, quer inanimadas.

“Os céus e os astros têm seus anjos motores, as águas têm um anjo particular, como é referido no Apocalipse; o ar tem os seus anjos, que governam os ventos, como se vê no mesmo livro, que nos ensina ainda que o elemento do fogo também tem os seus. Os reinos têm os seus anjos; as províncias também têm os que as guardam, como se vê na Gênese, porque os anjos que apareceram a Jacob eram os guardas das províncias por onde ele passava, etc.”

“Pode-se julgar por esta prova o gênero de leitura que faz a juventude educada nos conventos. É possível conceber ─ permitam a expressão ─ qualquer coisa de mais profundamente estúpida?

“Para encher a medida, o editor faz preceder a obra de uma advertência, onde se podem ler estas linhas: ‘Em seu livro, que não convém menos aos eclesiásticos do que aos leigos, o autor emprega uma força de raciocínio e de estilo que aclara e submete o espírito; de sua pena flui uma unção que penetra e ganha o coração. É a obra de um homem profundamente versado na espiritualidade.’

“Nós dizemos: é a obra de um homem tornado louco pelo ascetismo, muito mais a lamentar que a censurar.”

Até agora Santo Agostinho tinha sido respeitado até mesmo por aqueles que não partilham de suas crenças. A despeito dos erros manifestos devidos ao estado dos conhecimentos científicos de seu tempo, ele é universalmente considerado como um dos gênios, uma das glórias da Humanidade, e eis que com uma penada um obscuro escritor, um desses jovens que se julgam a luz do mundo, atira lama sobre esse renome secular e pronuncia contra ele, na sua alta razão, a acusação de cretinismo, tudo isto porque Santo Agostinho acreditava em criaturas invisíveis, em puros Espíritos presidindo a todas as coisas visíveis. Por conta disto, quantos cretinos não há entre os mais estimados literatos contemporâneos! Não ficaríamos surpreendidos de ver um dia acusarem de cretinismo Chateaubriand, Lamartine, Victor Hugo, George Sand e tantos outros.

Eis a escola que aspira a regenerar a Sociedade pelo materialismo. Assim, pretende ela que a Humanidade volte à demência. Mas podemos ficar tranquilos, porque seu reino, se algum dia chegar, será de curta duração. Ele percebe muito bem sua fraqueza contra a opinião geral que a repele, razão pela qual se agita com uma espécie de frenesi.

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