Correspondência
Carta do Sr. Jaubert
“Rogo-vos, meu caro Sr. Kardec, inserir a carta seguinte no mais próximo número da vossa Revista. Certamente sou pouca coisa, mas, enfim, tenho a minha apreciação e a imponho à vossa modéstia. Por outro lado, quando se trava a batalha, quero provar que estou sempre na ativa, com minhas dragonas de lã.”
JAUBERT.
Sem a obrigação que nos é imposta, em termos tão precisos, compreender-se-ão os motivos que nos teriam impedido de publicar esta carta. Nós nos teríamos contentado em conservá-la como um honroso e precioso documento e juntá-la às numerosas causas de satisfação moral que nos vêm sustentar e encorajar em nosso rude labor e compensar as tribulações inseparáveis de nossa tarefa. Mas, por outro lado, deixando de lado a questão pessoal, neste tempo de violências contra o Espiritismo, os exemplos de coragem de opinião são tanto mais influentes quanto de mais alto eles partem. E útil que a voz dos homens de coração, daqueles que, por seu caráter, suas luzes e sua posição impõem o respeito e a confiança, se faça ouvir; e se ela não puder dominar os clamores, tais protestos não ficarão perdidos nem no presente, nem no futuro.
Carcassone, 12 de dezembro de 1865.
Senhor e caro mestre,
Não quero deixar morrer o ano de 1865 sem lhe dar graça por todo o bem que ele fez ao Espiritismo. Nós lhe devemos a Pluralidade das Existências da Alma, por André Pezzani; a Pluralidade dos Mundos Habitados, por Camille Flammarion, dois gêmeos que apenas nascem e marcham em passos tão grandes no mundo filosófico.
Nós lhe devemos um livro, pequeno em páginas, grande nos pensamentos; a simplicidade nervosa de seu estilo disputa com a severidade de sua lógica. Ele contém em germe a teologia do futuro; tem a calma da força e a força da verdade. Eu queria que o volume com o título O Céu e Inferno fosse editado aos milhões de exemplares. Perdoai-me este elogio: eu vivi muito para ser entusiasta e aborreço a adulação.
O ano de 1865 nos dá Espírita, novela fantástica. A literatura se decide a fazer uma invasão em nosso domínio. O autor não tirou do Espiritismo todos os ensinamentos que ele encerra. Põe em destaque a ideia capital, essencial: a demonstração da alma imortal pelos fenômenos. Os quadros do pintor me pareceram deslumbrantes. Não posso resistir ao prazer de uma citação.
“Espírita, a amante ignorada, na Terra, de Guy de Malivert, acaba de morrer. Ela mesma descreve suas primeiras sensações.
“O instinto da Natureza ainda lutava contra a destruição, logo, porém, cessou essa luta inútil, e, num fraco suspiro, minha alma exalou-se de meus lábios.
“Palavras humanas não podem descrever a sensação de uma alma que, liberta de sua prisão corporal, passa desta vida à outra, do tempo à eternidade e do finito ao infinito. Meu corpo imóvel e já revestido dessa brancura sem brilho, entregue à morte, pairava sobre seu caixão fúnebre, cercado de religiosas em prece, e dele eu estava tão destacada quanto pode estar a borboleta da crisálida, casca vazia, despojo informe, para abrir suas jovens asas à luz desconhecida e subitamente revelada. A uma intermitência de sombra profunda havia sucedido um deslumbramento de esplendor, um alargamento de horizonte, um desaparecimento de todo limite e de todo obstáculo, que me embriagava de um júbilo indizível. Explosões de sentidos novos me faziam compreender os mistérios impenetráveis ao pensamento e aos órgãos terrenos. Desembaraçada dessa argila submetida às leis da gravidade, que me tornavam pesada pouco antes, eu me lançava com uma celeridade louca no éter insondável. As distâncias não existiam mais para mim e meu simples desejo me tornava presente onde eu queria estar. Eu traçava grandes círculos, num voo mais rápido que a luz, através do azul vago do espaço, como para tomar posse da imensidade, cruzando-me com enxames de almas e de Espíritos.”
E a tela se desenrola sempre mais esplêndida. Ignoro se, no fundo da alma, o Sr. Théophile Gautier é espírita; mas, com certeza, ele serve aos materialistas, aos descrentes, a bebida salutar em taças de ouro magnificamente cinzeladas.
Eu bendigo ainda o ano de 1865 pelas grossas cóleras que ele encerrava em seus flancos. Ninguém se engane com isto: Os Irmãos Davenport são menos causa do que pretexto para a cruzada. Soldados todos uniformes contra nós apontaram os seus canhões raiados. Então o que provaram? A força e a resistência da cidade sitiada. Conheço um jornal do Sul, muito difundido, muito estimado, e a justo título, que há muito tempo enterra pobremente o Espiritismo uma vez por mês. Consequentemente, o Espiritismo ressuscita pelo menos doze vezes por ano. Vereis que eles o tornarão imortal à força de matálo.
Agora não tenho mais senão os meus augúrios de ano novo. Meus primeiros votos são para vós, senhor e caro mestre, pela vossa felicidade, pela vossa obra tão valentemente empreendida e tão dignamente continuada.
Faço votos pela união íntima de todos os espíritas. Vi, com pesar, algumas nuvens leves caindo em nosso horizonte. Quem nos amará se não nos sabemos amar? Como dizeis muito bem no último número de vossa Revista: “Quem quer que creia na existência e na sobrevivência das almas, ou na possibilidade de relações entre os homens e o mundo espiritual, é espírita.” Que esta definição fique, e sobre este terreno sólido estaremos sempre de acordo. E agora, se detalhes da doutrina, mesmo importantes, por vezes nos dividem, discutamo-los, não como fratricidas, mas como homens que só têm um objetivo: o triunfo da razão e, pela razão, a busca do verdadeiro e do belo, o progresso da ciência, a felicidade da Humanidade.
Ficam os meus mais ardentes votos, os mais sinceros. Eu os dirijo a todos aqueles que se dizem nossos inimigos: Que Deus os ilumine!
Adeus, senhor. Recebei, para vós e para todos os nossos irmãos de Paris, a renovada certeza de meus sentimentos afetuosos e de minha distinta consideração.
T. JAUBERT, Vice-Presidente do Tribunal.
Qualquer comentário sobre esta carta seria supérfluo. Acrescentaremos apenas uma palavra, é que homens como o Sr. Jaubert honram a bandeira que carregam. Sua apreciação tão judiciosa sobre a obra do Sr. Théophile Gautier nos dispensa do relato que nos propúnhamos dela fazer este mês. Voltaremos a falar sobre ela no próximo número.