Maóme e o Islamismo
(2º Artigo - vide o nº de agosto de 1866)
Foi em Medina que Maomé mandou construir a primeira mesquita, na qual trabalhou com as próprias mãos e organizou um culto regular. Aí pregou pela primeira vez em 623. Todas as medidas tomadas por ele testemunhavam a sua solicitude e a sua previdência: “Um traço característico, ao mesmo tempo, do homem e do seu tempo”, diz o Sr. Barthélemy Saint-Hilaire, “é a escolha feita por Maomé de três poetas de Medina, oficialmente encarregados de defendê-lo contra as sátiras dos poetas de Meca. Provavelmente não era porque nele o amor-próprio fosse mais excitável do que convinha, mas, numa nação espirituosa e viva, esses ataques tinham uma repercussão análoga à que, em nossos dias, podem ter os jornais, e eles eram muito perigosos”.
Dissemos que Maomé foi constrangido a fazer-se guerreiro. Com efeito, ele absolutamente não tinha o humor belicoso como o havia provado nos primeiros cinquenta anos de sua existência. Ora, decorridos apenas dois anos de sua residência em Medina, e os coraicitas de Meca, coligados com as outras tribos hostis, vieram sitiar a cidade. Maomé teve que se defender, e a partir de então começou para ele um período guerreiro que durou dez anos, durante o qual se mostrou, sobretudo, um tático hábil. Num povo em que a guerra era o estado normal; que só conhecia o direito da força, ao chefe da nova religião era necessário o prestígio da vitória para firmar a sua autoridade, mesmo sobre os seus partidários. A persuasão tinha pouco domínio sobre essas populações ignorantes e turbulentas; uma mansuetude exagerada teria sido tomada como fraqueza. Em seu pensamento, o Deus forte não podia manifestar-se senão por um homem forte, e o Cristo, com a sua inalterável doçura, teria fracassado nessas regiões.
Portanto, Maomé foi guerreiro pela força das circunstâncias, muito mais do que por seu caráter, e terá sempre o mérito de não ter sido o provocador. Uma vez iniciada a luta, ele tinha que vencer ou morrer; só com essa condição poderia ser aceito como o enviado de Deus; era preciso que os seus inimigos fossem destroçados para se convencerem da superioridade de seu Deus sobre os ídolos que eles adoravam. Com exceção de um dos primeiros combates, no qual ele foi ferido e os muçulmanos derrotados, em 625, suas armas foram constantemente vitoriosas e no espaço de alguns anos ele submeteu a Arábia inteira à sua lei. Quando ele viu sua autoridade consolidada e a idolatria destruída, entrou triunfalmente em Meca, após dez anos de exílio, seguido por aproximadamente cem mil peregrinos, e aí realizou a célebre peregrinação dita do adeus, cujos ritos os muçulmanos conservaram escrupulosamente. Ele morreu no mesmo ano, dois meses depois de seu regresso a Medina, a 8 de junho de 632, com sessenta e dois anos de idade.
Temos que julgar Maomé pela história autêntica e imparcial, e não segundo as lendas ridículas que a ignorância e o fanatismo espalharam por sua conta, ou segundo as descrições feitas pelos que tinham interesse em desacreditá-lo, apresentando-o como um ambicioso sanguinário e cruel. Também não se deve considerá-lo responsável pelos excessos de seus sucessores que quiseram conquistar o mundo para a fé muçulmana de espada em punho. Sem dúvida houve grandes manchas no último período de sua vida; ele pode ser censurado por ter abusado, em algumas circunstâncias, do direito de vencedor e de nem sempre ter agido com toda a moderação desejável. Entretanto, ao lado de alguns atos que a nossa civilização reprova, é preciso dizer, em seu favor, que muitíssimas vezes ele se mostrou muito mais humano e clemente para com os inimigos do que vingativo, e que muitas vezes deu provas de verdadeira grandeza de alma. É forçoso reconhecer, também, que mesmo em meio aos seus sucessos e quando havia chegado ao topo de sua glória, até o seu último dia limitou-se a seu papel de profeta, sem jamais usurpar uma autoridade temporal despótica. Ele não se fez rei nem potentado, e jamais, na sua vida privada, se maculou com qualquer ato de fria barbárie, nem de baixa cupidez. Sempre viveu com simplicidade, sem fausto e sem luxo, mostrando-se bom e benevolente para com todos. Isto é da história.
Se nos reportarmos ao tempo e ao meio em que ele vivia; se considerarmos sobretudo as perseguições de que ele e os seus foram vítimas, o encarniçamento dos seus inimigos e os atos de barbárie que estes cometeram contra os seus partidários, é lícito nos admiremos que na ebriez de sua vitória por vezes ele tenha feito uso de represálias?
Podemos censurá-lo por ter implantado sua religião a ferro e fogo no meio de um povo bárbaro que o combatia, quando a Bíblia registra, como fatos gloriosos para a fé, carnificinas de tamanha atrocidade que somos tentados a tomar como lendas? Quando, mil anos depois dele, nas regiões civilizadas do ocidente, cristãos que tinham por guia a sublime lei do Cristo, atirando-se sobre vítimas pacificas, extinguiam as heresias pelas fogueiras, pelas torturas, pelos massacres e em ondas de sangue?
Se o papel guerreiro de Maomé lhe foi uma necessidade, e se esse papel pode escusá-lo de certos atos políticos, o mesmo não se dá em relação a outros aspectos. Até a idade de cinquenta anos e enquanto viveu sua primeira esposa Khadidja, quinze anos mais velha do que ele, seus costumes foram irreprocháveis, mas a partir de então suas paixões não conheceram freio, e foi incontestavelmente para justificar o abuso que delas fez que ele consagrou a poligamia na sua religião. Foi o seu mais grave erro, porque foi uma barreira que ele interpôs entre o Islamismo e o mundo civilizado. Assim, sua religião, após doze séculos, não pôde transpor os limites de certas raças. É, também, o lado pelo qual o seu fundador mais se rebaixa aos nossos olhos. Os homens de gênio perdem sempre o seu prestígio quando se deixam dominar pela matéria; ao contrário, crescem tanto mais quanto mais se elevam acima das fraquezas da Humanidade.
Contudo, o desregramento dos costumes era tal na época de Maomé, que uma reforma radical era muito difícil em homens habituados a se entregar às suas paixões com uma brutalidade bestial. Portanto, podemos dizer que regulamentando a poligamia ele pôs limites à desordem e conteve abusos mais graves. Mas nem por isso a poligamia deixará de ser o verme roedor do Islamismo, porque é contrária às leis da Natureza. Pela igualdade numérica dos sexos, a própria Natureza traçou os limites das uniões. Permitindo quatro mulheres legítimas, Maomé não pensou que, para que sua lei abrangesse a universalidade dos homens, era preciso que o sexo feminino fosse ao menos quatro vezes mais numeroso que o masculino.
Malgrado as suas imperfeições, o Islamismo não deixou de ser um grande benefício para a época em que apareceu e para o país onde surgiu, porque fundou o culto da unidade de Deus sobre as ruínas da idolatria. Era a única religião possível para esses povos bárbaros, aos quais não era razoável pedir grandes sacrifícios de suas ideias e costumes. Era-lhes necessário algo de simples como a Natureza, em cujo meio viviam. A religião cristã tinha muitas sutilezas metafísicas; assim, todas as tentativas feitas durante cinco séculos para implantá-la nessas regiões tinham falhado fragorosamente; o próprio Judaísmo, muito questionador, tinha feito poucos prosélitos entre os árabes, embora os judeus propriamente ditos aí fossem bastante numerosos. Superior aos de sua raça, Maomé tinha compreendido os homens de seu tempo; para arrancá-los da baixeza em que os mantinham grosseiras crenças rebaixadas a um estúpido fetichismo, ele lhes deu uma religião apropriada às suas necessidades e ao seu caráter. Essa religião era a mais simples de todas: “Crença num Deus único, onipotente, eterno, infinito, onipresente, clemente e misericordioso, criador dos céus, dos anjos e da Terra, pai do homem, sobre o qual vela e cumula de bens; remunerador e vingador numa outra vida, onde nos espera para nos recompensar ou castigar, conforme os nossos méritos; que vê nossas ações mais secretas e preside o destino de suas criaturas que ele não abandona um só instante, nem neste mundo nem no outro; submissão a mais humilde e confiança absoluta em sua vontade santa”, eis os dogmas.
Quanto ao culto, consiste na prece repetida cinco vezes por dia, nos jejuns e nas mortificações do mês de ramadã e em certas práticas, das quais diversas tinham um fim higiênico, mas de que Maomé fez uma obrigação religiosa, tais como as abluções diárias, a abstenção do vinho, das bebidas inebriantes, da carne de certos animais, que os fiéis consideram um caso de consciência observar nos mais minuciosos detalhes. A sexta-feira foi adotada como o dia santo da semana e Meca indicada como o ponto para o qual todo muçulmano deve voltar-se ao orar. O serviço público nas mesquitas consiste na prece em comum, sermões, leitura e explicação do Alcorão. A circuncisão não foi instituída por Maomé, mas por ele conservada; era praticada entre os árabes desde tempos imemoriais. A proibição de reproduzir pela pintura ou escultura qualquer ser vivo, homens e animais, foi feita visando destruir a idolatria e impedir que ela se revigorasse. Enfim, a peregrinação a Meca, que todo fiel deve realizar pelo menos uma vez na vida, é um ato religioso; entretanto, ele tinha um outro objetivo nessa época, um objetivo político, o de aproximar, por um laço fraternal, as diversas tribos inimigas, reunindo-as num comum sentimento de piedade num mesmo lugar consagrado.
Do ponto de vista histórico, a religião muçulmana admite o Antigo Testamento por inteiro, até Jesus Cristo, inclusive, que ela reconhece como profeta. Segundo Maomé, Moisés e Jesus eram enviados de Deus para ensinar a verdade aos homens; como a lei do Sinai, o Evangelho é a palavra de Deus, mas os cristãos alteraram o seu sentido. Ele declara, em termos explícitos, que não traz nem crenças novas nem culto novo, mas que vem restabelecer o culto do Deus único professado por Abraão. Não fala senão respeitosamente dos patriarcas e dos profetas que o precederam: Moisés, David, Isaías, Ezequiel e Jesus Cristo; do Pentateuco, dos Salmos e do Evangelho. São os livros que precederam e prepararam o Alcorão. Longe de ocultar esses empréstimos, gaba-se disso, e a grandeza deles é o fundamento da sua. Pode-se julgar de seus sentimentos e do caráter de suas instruções pelo fragmento seguinte do último discurso que pronunciou em Meca quando da peregrinação do adeus, pouco tempo antes de sua morte, e conservado na obra de Ibn-Ishâc e de Ibn-lshâm:
“Ó povos! Escutai minhas palavras, pois não sei se no próximo ano poderei encontrar-me convosco neste lugar. Sede humanos e justos entre vós. Que a vida e a propriedade de cada um sejam invioláveis e sagradas para os outros; que aquele que recebeu um depósito o devolva fielmente àquele que o confiou. Aparecereis diante do vosso Senhor e ele vos pedirá contas de vossas ações. Tratai bem as mulheres; elas são vossas auxiliares e nada podem por si sós. Vós as tomastes como um bem que Deus vos confiou e delas tomastes posse por palavras divinas.
“Ó povos! Escutai minhas palavras e fixai-as em vosso Espírito. Eu vos revelei tudo; deixo-vos uma lei que vos preservará para sempre do erro, se a ela ficardes ligados fielmente, uma lei clara e positiva, o livro de Deus e o exemplo de seu profeta.
“Ó povos! Escutai minhas palavras e fixai-as em vosso Espírito. Sabei que todo muçulmano é o irmão do outro; que todos os muçulmanos são irmãos entre si, que sois todos iguais entre vós e que sois apenas uma família de irmãos. Guardai-vos da injustiça; ninguém deve cometê-la em detrimento de seu irmão: ela arrastará à vossa perdição eterna.
“Ó Deus! Desempenhei minha mensagem e terminei minha missão?
“A multidão que o rodeava respondeu: Sim, tu a cumpriste.
“E Maomé exclamou: Ó Deus, digna-te receber este testemunho!”
Eis agora o julgamento de Maomé e da influência de sua doutrina, feito por um de seus historiógrafos, o Sr. G. Weil, em sua obra alemã intitulada Mohammet der Prophet, às páginas 400 e seguintes:
“A doutrina de Deus e dos santos destinos do homem pregada por Maomé num país que estava entregue à mais brutal idolatria e que tinha uma pálida ideia da imortalidade da alma, tanto mais nos deve reconciliar com ele, a despeito de suas fraquezas e de seus erros, quanto sua vida particular não podia exercer sobre os seus aderentes nenhuma influência perniciosa. Longe de se dar jamais por modelo, ele queria sempre que o olhassem como um ser privilegiado, a quem Deus permitia pôr-se acima da lei comum, e de fato ele foi cada vez mais considerado sob esse aspecto especial.
“Seríamos injustos e cegos se não reconhecêssemos que seu povo lhe deve ainda outra coisa de verdadeiro e de bom. Ele reuniu numa só grande nação que fraternalmente crê em Deus, as inumeráveis tribos árabes, até então inimigas entre si. Em lugar do mais violento arbítrio, do direito da força e da luta individual, ele estabeleceu um direito inquebrantável que, malgrado suas imperfeições, constitui a base de todas as leis do Islamismo. Ele limitou a vingança de sangue que antes dele se estendia até aos parentes mais afastados e a limitou àquele que os juízes reconhecessem como assassino. Prestou relevantes serviços sobretudo ao belo sexo, não só protegendo as filhas contra o atroz costume que muitas vezes permitiam que fossem imoladas por seus pais, mas, além disso, protegendo as mulheres contra os parentes de seus maridos que as herdavam como coisas materiais, e protegendo-as contra os maus tratos dos homens. Restringiu a poligamia, não permitindo aos crentes senão quatro esposas legítimas, em vez de dez, como era usual, sobretudo em Medina. Sem ter emancipado inteiramente os escravos, foi bom e útil para eles de várias maneiras. Para os pobres, não só recomendou sempre a beneficência para com eles, mas estabeleceu formalmente um imposto em seu favor e lhes concedeu uma parte especial no espólio e no tributo. Proibindo o jogo, o vinho e todas as bebidas inebriantes, preveniu muitos vícios, muitos excessos, muitas querelas e muita desordem.
“Embora não consideremos Maomé como um verdadeiro profeta, porque empregou para propagar sua religião meios violentos e impuros e porque ele próprio foi muito fraco para se submeter à lei comum e porque se dizia o selo dos profetas, declarando que Deus sempre podia substituir o que ele havia dado por algo de melhor, não obstante ele tem o mérito de ter feito penetrar as mais belas doutrinas do Velho e do Novo Testamento num povo que não era esclarecido por nenhum raio da fé e sob este ponto de vista deve parecer, mesmo aos olhos não maometanos, como um enviado de Deus.”
Como complemento deste estudo, citaremos algumas passagens textuais do Alcorão, tiradas da tradução de Savary:
Em nome do Deus clemente e misericordioso. ─ Louvor a Deus, soberano dos mundos. ─ A misericórdia é a sua partilha. ─ Ele é o rei no dia do juízo. ─ Nós te adoramos, Senhor, e imploramos a tua assistência. ─ Dirige-nos no caminho da salvação, ─ no caminho dos que cumulaste com os teus benefícios; ─ dos que não mereceram a tua cólera e se preservaram do erro. (Introdução, Surata 1).
Ó mortais, adorai o Senhor que vos criou, vós e os vossos pais, a fim de que o temais; que vos deu a terra por leito e o céu por teto; que fez descer a chuva dos céus para produzir todos os frutos de que vos alimentais. Não deis sócio ao Altíssimo; vós o sabeis. (Surata II, v. 19 e 20).
Por que não credes em Deus? Estáveis mortos, ele vos deu a vida; ele extinguirá vossos dias e lhes reacenderá o facho. Voltareis a ele. ─ Ele criou para vosso refúgio tudo o que há sobre a Terra. Voltando depois seu olhar para o firmamento, formou os sete céus. Sua ciência abarca o Universo. (Surata II, v. 26 e 27).
O Oriente e o Ocidente pertencem a Deus; para qualquer lugar que se voltem vossos olhos, reconhecereis a sua face. Ele enche o Universo com a sua imensidade e com a sua ciência. ─ Ele formou a Terra e os céus. Quer ele produzir qualquer obra? Ele diz: “Seja feita”, e a obra é feita. ─ Os ignorantes dizem: “Se Deus não nos fala e se tu não nos fazes ver um milagre, nós não cremos.” Assim falavam seus pais; seus corações são semelhantes. Fizemos brilhar muitos prodígios para os que têm fé. (Surata II, v. 109 a 112).
Deus não exigirá de cada um de nós senão conforme as suas forças. Cada um terá em seu favor as boas obras e contra si o mal que houver feito. Senhor, não nos castigues por faltas cometidas por esquecimento. Perdoa os nossos pecados; não nos imponhas o fardo que nossos pais carregaram. Não nos carregues além de nossas forças. Faze brilhar para os teus servos o perdão e a indulgência. Tem compaixão de nós; és o nosso socorro. Ajuda-nos contra as nações infiéis. (Surata, II, v. 286).
Ó Deus, rei supremo, dás e tiras à vontade as coroas e o poder. Elevas e rebaixas os humanos à tua vontade; o bem está em tuas mãos: tu és o onipotente. ─ Mudas o dia em noite e a noite em dia. Fazes sair a vida do seio da morte e a morte do seio da vida. Derramas teus tesouros infinitos sobre quem te apraz. (Surata III, v. 25 e 26).
Ignorais quantos povos fizemos desaparecer da face da Terra? Nós lhes havíamos dado um império mais estável que o vosso. Mandávamos as nuvens derramarem a chuva sobre os seus campos; aí fazíamos correrem os rios. Só os seus crimes causaram a sua ruína. Nós os substituímos por outras nações. (Surata VI, v. 6).
É a Deus que deveis o sono da noite e o despertar da manhã. Ele sabe o que fazeis durante o dia. Ele vos deixa realizar o curso da vida. Reaparecereis diante dele e ele vos mostrará vossas obras. ─ Ele domina os seus servos. Ele vos dá como guardas, anjos encarregados de terminar vossos dias no momento prescrito. Eles executam cuidadosamente a ordem do Céu. ─ Voltareis em seguida diante do Deus da verdade. Não é a ele que cabe julgar? Ele é o mais exato dos juízes. ─ Quem vos livra das tribulações da terra e dos mares, quando, invocando-o em público ou no íntimo do coração exclamais: “Senhor, se de nós afastas estes males, nós te seremos reconhecidos?” ─ É Deus que deles vos livra. É sua bondade que vos alivia da pena que vos oprime; e depois voltais à idolatria. (Surata VI, v. 60 a 64)
Todos os segredos são desvelados aos seus olhos; é grande o Altíssimo. ─ Aquele que fala em segredo; aquele que fala em público; aquele que se envolve nas sombras da noite e aquele que aparece à luz do dia lhe são igualmente conhecidos. ─ É ele que faz brilhar o raio aos vossos olhos para vos inspirar o medo e a esperança. É ele que eleva as nuvens carregadas de chuva. ─ O trovão celebra seus louvores. Os anjos tremem em sua presença. Ele lança o raio e este fere as vítimas marcadas. Os homens discutem sobre Deus, mas ele é o forte e o poderoso. ─ Ele é a verdadeira invocação. Os que imploram a outros deuses não serão exalçados; eles se assemelham ao viajante que, premido pela sede, estende a mão para a água que não pode alcançar. A invocação dos infiéis se perde na noite do erro. (Surata XIII, v. 10 a 15).
Jamais digas: “Farei isto amanhã”, sem acrescentar: “se for a vontade de Deus”. Eleva a ele o teu pensamento quando tiveres esquecido alguma coisa e diz: “Talvez ele me esclareça e me faça conhecer a verdade.” (Surata XVIII, v. 23).
Se as ondas do mar se transformassem em tinta para descrever os louvores do Senhor, esgotar-se-iam antes de haver celebrado todas as suas maravilhas. Um outro oceano semelhante ainda não bastaria. (Surata XVIII, v. 109).
Aquele que busca a verdadeira grandeza a encontra em Deus, fonte de todas as perfeições. Os discursos virtuosos sobem ao seu trono. Ele exalta as boas obras; ele pune rigorosamente o celerado que trama perfídias.
Não, o céu jamais anula o decreto que ele pronunciou. ─ Eles não percorreram a Terra? Eles não viram que ela foi o fim deplorável dos povos que antes deles marcharam no caminho da iniquidade? Esses povos eram mais fortes e mais poderosos do que eles. Mas nada nos céus e na Terra pode opor-se as vontades do Altíssimo. A ciência e a força são seus atributos. ─ Se Deus punisse os homens desde o instante em que se tomam culpados, não restaria nenhum ser animado na Terra. Ele difere os castigos até o termo marcado. ─ Quando chega o tempo, ele distingue as ações de seus servidores. (Surata XXXV, v. 11 e 41 a 45).
Estas citações bastam para mostrar o profundo sentimento de piedade que animava Maomé e a ideia grande e sublime que ele fazia de Deus. O Cristianismo poderia reivindicar esse quadro.
Maomé não ensinou o dogma da fatalidade absoluta, como pensam geralmente. Essa crença, de que estão imbuídos os muçulmanos, e que paralisa sua iniciativa em muitas circunstâncias, não passa de uma falsa interpretação e de uma falsa aplicação do princípio da submissão à vontade de Deus levada além dos limites racionais; eles não compreendem que tal submissão não exclui o exercício das faculdades do homem, e lhes falta como corretivo a máxima: “Ajuda-te, e o céu te ajudará.” As passagens seguintes tratam de pontos particulares da doutrina.
Deus tem um filho, dizem os cristãos. Longe dele esta blasfêmia! Tudo o que está no céu e na Terra lhe pertence. Todos os seres obedecem à sua voz. (Surata II, v. 110).
Ó vós que recebestes as escrituras, não ultrapasseis os limites da fé; não digais de Deus senão a verdade. Jesus é filho de Maria, enviado do Altíssimo e o seu Verbo. Ele o fez descer ao seio de Maria; ele é o seu sopro. Crede em Deus e em seus apóstolos, mas não digais que há uma trindade em Deus. Ele é uno; esta crença vos será mais segura. Longe de ter um filho, ele governa sozinho o Céu e a Terra; ele se basta a si mesmo. ─ O Messias não corará por ser o servo de Deus, assim como os anjos que rodeiam o seu trono e lhe obedecem. (Surata IV, v. 169, 170).
Aqueles que sustentam a trindade de Deus são blasfemos; não há senão um Deus. Se eles não mudarem de crença, um doloroso suplício será o preço de sua impiedade. (Surata V, v. 77).
Os judeus dizem que Ozaï é o filho de Deus. Os cristãos dizem o mesmo do Messias. Eles falam como os infiéis que os precederam. O céu punirá suas blasfêmias. ─ Eles chamam senhores aos seus pontífices, seus monges, e o Messias filho de Maria. Mas lhes é recomendado servir a um só Deus: não há outro. Anátema sobre os que eles associam ao seu culto. (Surata IX, 30, 31).
Deus não tem filhos; ele não partilha o império com outro Deus. Se assim fosse, cada um deles quereria apropriar-se de sua criação e elevar-se acima de seu rival. Louvor ao Altíssimo! Longe dele essas blasfêmias! (Surata XXII, v. 93).
Declara, ó Maomé, o que o céu te revelou. ─ A assembleia dos gênios, tendo escutado a leitura do Alcorão, exclamou: “Eis uma doutrina maravilhosa. ─ Ela conduz à verdadeira fé. Nós cremos nela e não damos um igual a Deus. ─ Glória à sua Majestade suprema! Deus não tem esposa; ele não gerou.” (Surata LXXII, v. l a 4).
Dizei: “Cremos em Deus, no livro que nos foi enviado, no que foi revelado a Abraão, Ismael, Isaac, Jacob e às doze tribos. Cremos na doutrina de Moisés, de Jesus e dos profetas; não fazemos nenhuma diferença entre eles e somos muçulmanos.” (Surata II, v. 130).
Não há Deus senão o Deus vivo e eterno. ─ Ele te enviou o livro que encerra a verdade, para confirmar a verdade das Escrituras que o precederam. Antes dele, fez descer o Pentateuco e o Evangelho, para servirem de guias aos homens; ele enviou o Alcorão dos céus. ─ Os que negarem a doutrina divina só devem esperar suplícios; Deus é poderoso e a vingança está em suas mãos. (Surata III, v. 1, 2, 3).
Há os que dizem: “Juramos a Deus não crer em nenhum profeta, a menos que a oferenda que ele apresenta não seja confirmada pelo fogo do Céu.” ─ Responde-lhes: “Tínheis profetas antes de mim; eles operaram milagres e aquele mesmo de que falais. Por que então manchastes as vossas mãos com seu sangue, se dizeis a verdade?” ─ Se eles negam a tua missão, trataram do mesmo modo os apóstolos que te precederam, embora fossem dotados do dom dos milagres e tivessem trazido o livro que esclarece (o Evangelho) e o livro dos salmos. (Surata III, v. 179 a 181).
Nós te inspiramos, assim como inspiramos Noé, os profetas, Abraão, Ismael, Isaac, Jacob, as tribos, Jesus, Job, Jonas, Aarão e Salomão. Nós demos os salmos de Davi. (Surata IV, v. 161).
Em muitas outras passagens Maomé fala no mesmo sentido e com o mesmo respeito dos profetas, de Jesus e do Evangelho, mas é evidente que se equivocou quanto ao sentido ligado à Trindade e a qualidade de filho de Deus, que ele toma ao pé da letra. Se esse mistério é incompreensível para tantos cristãos, e se entre estes provocou tantos comentários e controvérsias, não é de admirar que Maomé não o tenha compreendido. Nas três pessoas da Trindade ele viu três deuses e não um só Deus e três pessoas distintas; no filho de Deus ele viu uma procriação. Ora, a ideia que ele fazia do Ser Supremo era tão grande que a menor paridade entre Deus e um ser qualquer e a ideia de que pudesse partilhar o seu poder lhe parecia uma blasfêmia. Não se tendo Jesus jamais apresentado como Deus e não tendo falado da Trindade, esses dogmas lhe pareceram uma derrogação das próprias palavras do Cristo. Ele viu em Jesus e no Evangelho a confirmação do princípio da unidade de Deus, objetivo que ele próprio buscava. Eis por que os tinha em grande estima, ao passo que acusava os cristãos por se haverem afastado desse ensinamento, fracionando Deus e deificando o seu messias. Assim, ele se diz enviado após Jesus para reconduzir os homens à unidade pura da divindade. Toda a parte dogmática do Alcorão repousa nesse princípio que ele repete a cada passo.
Tendo o Islamismo as suas raízes no Antigo e no Novo Testamento, é uma derivação deles. Podemos considerá-lo como uma das numerosas seitas nascidas das dissidências que surgiram desde a origem do Cristianismo devidas à natureza do Cristo, com a diferença que o Islamismo, formado fora do Cristianismo, sobreviveu à maioria dessas seitas e conta hoje com cem milhões de sectários.
Maomé vinha combater a qualquer custo, na sua própria nação, a crença em vários deuses, para aí estabelecer o culto abandonado do Deus único de Abraão e de Moisés. O anátema que ele lançou sobre os infiéis e os ímpios tinha por objetivo principalmente a grosseira idolatria professada pelos da sua raça, mas de contragolpe feria os cristãos. É essa a causa do desprezo dos muçulmanos por tudo quanto leva o nome de cristão, malgrado seu respeito por Jesus e pelo Evangelho. Esse desprezo transformou-se em ódio sob a influência do fanatismo alimentado e estimulado por seus sacerdotes. Digamos, também, que por seu lado, os cristãos não estão isentos de censuras e que eles próprios alimentaram esse antagonismo por suas próprias agressões.
Embora censurando os cristãos, Maomé não tinha por eles sentimentos hostis e no próprio Alcorão ele recomenda habilidade para com eles, mas o fanatismo os englobou na proscrição geral dos idólatras e dos infiéis cuja presença não deve manchar os santuários do Islamismo, razão pela qual a entrada nas mesquitas, em Meca e nos lugares santos, lhes é interdita. Deu-se o mesmo em relação aos judeus, e se Maomé os castigou rudemente em Medina, foi por se haverem coligado contra ele. Aliás, em parte alguma no Alcorão se encontra o extermínio dos judeus e dos cristãos erigida em dever, como geralmente se pensa. Seria, pois, injusto imputar-lhe os males causados pelo zelo ininteligente e os excessos de seus sucessores.
Nós te inspiramos para que abraçasses a religião de Abraão, que reconhece a unidade de Deus e que só adora a sua majestade suprema. ─ Emprega a voz da sabedoria e a força de persuasão para chamar os homens a Deus. Combates com as armas da eloquência. Deus conhece perfeitamente os que estão transviados e os que marcham sob o estandarte da fé. (Surata XVI, v. 124 e 126).
Se eles te acusarem de impostura, responde-lhes: “Tenho por mim as minhas obras; que as vossas falem em vosso favor. Não sereis responsáveis pelo que faço, e sou inocente do que fazeis. (Surata X, v. 42).
Quando se cumprirão tuas ameaças? perguntam os infiéis; marca-nos um termo, se és verdadeiro. Responde-lhes: “Os tesouros e as vinganças celestes não estão em minhas mãos; só Deus é o seu dispensador. Cada nação tem o seu termo fixado; ela não poderia apressá-lo nem retardá-lo um instante.” (Surata X, v. 49, 50).
Se negam a tua doutrina, sabe que os profetas vindos antes de ti sofreram a mesma sorte, embora os milagres, a tradição e o livro que esclarece (o Evangelho) atestem a verdade de sua missão. (Surata XXXV, v. 23).
A cegueira dos infiéis te surpreende e eles riem de tua admiração. ─ Em vão queres instruí-los; seu coração rejeita a instrução. ─ Se eles vissem milagres, zombariam; ─ atribuí-los-iam à magia. (Surata XXXVII, v. 12 a 15).
Estas não são ordens de um Deus sanguinário que ordena o extermínio. Maomé não se faz o executor de sua justiça; seu papel é o de instruir; só a Deus cabe castigar ou recompensar neste e no outro mundo. O último parágrafo parece escrito para os espíritas de nossos dias, pois os homens são os mesmos, sempre e por toda a parte.
Fazei preces, dai esmolas; o bem que fizerdes encontrareis junto a Deus, pois ele vê as vossas ações. (Surata II, v. 104).
Para ser justificado não basta virar o rosto para o oriente e para o ocidente; ainda é preciso crer em Deus, no juízo final, nos anjos, no Alcorão, nos profetas. É preciso, por amor a Deus, socorrer o próximo, os órfãos, os pobres, os viajantes, os cativos e aqueles que pedem. É preciso fazer as preces, guardar as promessas, suportar pacientemente a adversidade e os males da guerra. Tais são os deveres dos verdadeiros crentes. (Surata II, v. 172).
Uma palavra honesta e o perdão das ofensas são preferíveis à esmola que fosse consequência da injustiça. Deus é rico e clemente. (Surata II, v. 265).
Se vosso devedor tem dificuldade em vos pagar, concedei-lhe tempo; ou se quiserdes fazer melhor, perdoai-lhe a dívida. Se soubésseis! (Surata II, v. 280).
A vingança deve ser proporcional à injúria, mas o homem generoso que perdoa tem sua recompensa assegurada junto a Deus, que odeia a violência. (Surata XLII, v. 38).
Combatei vossos inimigos na guerra empreendida pela religião, mas não ataqueis primeiro. Deus odeia os agressores. (Surata II, v. 186).
Certamente os muçulmanos, os judeus, os cristãos e os sabeístas, que creem em Deus e no juízo final, e que fizerem o bem, receberão a recompensa de suas mãos; eles estarão isentos do medo e dos suplícios. (Surata V, v. 73).
Não façais violência aos homens por causa de sua fé. O caminho da salvação é bem distinto do caminho do erro. Aquele que abjurar o culto dos ídolos pela religião santa terá conquistado uma coluna inabalável. O Senhor sabe e ouve tudo. (Surata II, v. 257).
Não discutais com os judeus e os cristãos senão em termos honestos e moderados. Entre eles confundi os ímpios. Dizei: “Nós cremos no livro que nos foi revelado e em vossas escrituras. Nosso Deus e o vosso são apenas um. Nós somos muçulmanos.” (Surata XXIX, v. 45).
Os Cristãos serão julgados segundo o Evangelho. Aqueles que os julgarem de outro modo serão prevaricadores. (Surata V, v. 51).
Nós demos o Pentateuco a Moisés. É à sua luz que deve marchar o povo hebreu. Não duvides de encontrar no céu o guia dos israelitas. (Surata XXXII, v. 23).
Se os judeus tivessem fé e temor ao Senhor, nós apagaríamos os seus pecados; introduzi-los-íamos no jardim das delícias. A observação do Pentateuco, do Evangelho e dos preceitos divinos proporcionar-lhes-ia o gozo de todos os bens. Há entre eles os que seguem o bom caminho, mas em maioria são ímpios. (Surata V, v. 70).
Dize aos judeus e aos cristãos: “Terminemos nossas diferenças; não admitamos senão um Deus e não lhe demos um igual; que nenhum de nós tenha outro Senhor senão ele.” Se recusarem obedecer, dize-lhes: “Pelo menos dareis testemunho que, quanto a nós, nós somos crentes. (Surata III, v. 57).
Eis certas máximas de caridade e de tolerância que gostaríamos de ver em todos os corações cristãos!
Nós te enviamos a um povo que outros povos precederam, para que lhe ensines as nossas revelações. Eles não creem nos misericordiosos. Dizei-lhes: “Ele é o meu Senhor; não há Deus senão ele. Pus minha confiança em sua bondade. Eu aparecerei diante de seu tribunal.” (Surata XIII, v. 29).
Trouxemos aos homens um livro no qual brilha a ciência que deve esclarecer os fiéis e lhes proporcionar a misericórdia divina. ─ Esperam eles a realização do Alcorão? No dia em que ele for cumprido, os que tiverem vivido no esquecimento de suas máximas, dirão: “Os ministros do Senhor nos pregavam a verdade. Onde encontraremos agora intercessores? Que esperança temos de voltar à Terra para nos corrigirmos? Eles perderam sua alma e suas ilusões se desvaneceram. (Surata VII, v. 50, 51).
O vocábulo voltar implica a ideia de já ter vindo, isto é, de ter vivido antes da existência atual. Maomé a expressa muito bem quando diz: “Reapareceis diante dele e ele vos mostrará as vossas obras. Voltareis ante o Deus de Verdade.” É o fundo da doutrina da preexistência da alma, ao passo que, segundo a Igreja, a alma é criada no nascimento de cada corpo. A pluralidade das existências terrenas não está indicada no Alcorão de maneira tão explícita quanto no Evangelho, entretanto, a ideia de reviver na Terra entrou no pensamento de Maomé, pois tal seria, segundo ele, o desejo dos culpados de se corrigir. Assim ele compreendeu que seria útil poder recomeçar uma nova existência.
Quando lhes perguntamos: Credes no que Deus enviou do céu? Eles respondem: “Cremos nas Escrituras que recebemos.” E rejeitam o livro verdadeiro que veio depois para pôr o selo em seus livros sagrados. Dizei-lhes: “Por que matastes os profetas se tínheis fé?” (Surata II, v. 85).
Maomé não é o pai de nenhum de vós. Ele é o enviado de Deus e o selo dos profetas. A ciência de Deus é infinita. (Surata XXXIII, v. 40).
Considerando-se como o selo dos profetas, Maomé anuncia que é o último, a conclusão, porque disse toda a verdade; depois dele não virão outros. Eis um artigo de fé entre os muçulmanos. Do ponto de vista exclusivamente religioso, ele caiu no erro de todas as religiões, que se julgam inamovíveis, mesmo contra o progresso das ciências, mas para ele era quase uma necessidade, a fim de afirmar a autoridade de sua palavra num povo que ele teve tanto trabalho para converter à sua fé. Do ponto de vista social era um erro, porque sendo o Alcorão uma legislação civil e religiosa, ele pôs um ponto de estagnação no progresso. Tal a causa que tornou, e tornará ainda por muito tempo os povos muçulmanos estacionários e refratários às inovações e às reformas que não se acham no Alcorão. É um exemplo do inconveniente que há em confundir o que deve ser distinto. Maomé não levou em conta o progresso humano. É um erro comum a quase todos os reformadores religiosos. Por outro lado, havia não só que reformar a fé, mas o caráter, os usos, os hábitos sociais de seus povos; era-lhe necessário apoiar suas reformas na autoridade da religião, como o fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A dificuldade era grande, sem dúvida; contudo ele deixa uma porta aberta à interpretação e às modificações, dizendo que “Deus sempre pode substituir o que deu por algo de melhor”.
Interdito vos é desposar vossas mães, vossas filhas, vossas irmãs, vossas tias paternas e maternas, vossas sobrinhas, vossas amas, vossas irmãs de leite, as mães de vossas esposas, as filhas confiadas à vossa tutela e filhas de mulheres com as quais tenhais coabitado. Também não desposeis as filhas dos vossos filhos que tiverdes gerado, nem duas irmãs. É-vos proibido desposar mulheres casadas, exceto as que tiverem caído em vossas mãos como escravas. (Surata IV, v. 27 e seguintes).
Estas prescrições podem dar uma ideia da imoralidade desses povos. Para ser obrigado a proibir tais abusos, era preciso que eles existissem.
Esposas do Profeta, ficai no interior de vossas casas. Não vos adorneis faustosamente, como nos dias da idolatria. Fazei preces e dai esmolas. Obedecei a Deus e ao seu apóstolo. Ele quer afastar o vício dos vossos corações. Sois da família do profeta e deveis ser puras. ─ Zeid repudiou a sua esposa. Nós te unimos com ela, para que os fiéis tenham a liberdade de desposar as mulheres de seus filhos adotivos, após o repúdio. O preceito divino deve ter sua execução. ─ Ó profeta, a ti é permitido desposar as mulheres que tiveres adotado, as escravas que Deus fez caírem em tuas mãos, as filhas de teus tios e de tuas tias que fugiram contigo, e toda mulher fiel que te der seu coração. É um privilégio que te concedemos. ─ Não aumentarás o atual número de tuas esposas; não poderás trocá-las por outras cuja beleza te haja tocado. Mas a frequentação de tuas mulheres escravas te é sempre permitida. Deus tudo observa. (Surata XXXIII, v. 37, 49, 52).
É aqui que Maomé realmente desce do pedestal no qual ele havia subido. Lamentamos vê-lo cair tão baixo depois de se haver elevado tanto, e fazer Deus intervir para justificar os privilégios que ele a si próprio concedia para a satisfação de suas paixões. Ele permitia aos crentes quatro esposas legítimas, enquanto ele próprio tinha treze. O legislador deve ser o primeiro a cumprir as leis que faz. É uma mancha indelével que ele lançou sobre si e sobre o Islamismo.
Esforçai-vos por merecer a indulgência do Senhor e a posse do paraíso, cuja extensão iguala os céus e a Terra, morada preparada para os justos, ─ para aqueles que dão esmola na prosperidade e na adversidade, e que, senhores dos movimentos de sua cólera, sabem perdoar os seus semelhantes. Deus ama a beneficência. (Surata III, v. 127, 128).
Deus prometeu aos fiéis que houverem praticado a virtude a entrada nos jardins onde os rios correm. Eles aí morarão eternamente. As promessas do Senhor são verdadeiras. Que de mais infalível que sua palavra? (Surata IV, v. 121).
Eles habitarão eternamente a morada que Deus lhes preparou, os jardins de delícias regados pelos rios, lugares onde reinará a suprema beatitude. (Surata IX v. 90).
Os jardins e as fontes serão a partilha dos que temem o Senhor. Eles entrarão com a paz e a segurança. ─ Tiraremos a inveja de seus corações. Eles repousarão em leitos e terão uns para com os outros uma benevolência fraterna. ─ A fadiga não se aproximará da morada das delícias. Sua posse não lhes será tirada. (Surata XV, v. 45 a 48).
Os jardins do Éden serão a habitação dos justos. Braceletes de ouro ornados de pérolas e roupas de seda formarão sua indumentária. ─ Louvor a Deus, exclamarão eles; ele afastou de nós o sofrimento; é misericordioso e compassivo. ─ Ele introduziunos no palácio eterno, morada de sua magnificência. Nem a fadiga nem a dor se aproximam deste asilo. (Surata XXXV, v. 30, 31, 32).
Os habitantes do paraíso beberão a largos sorvos na taça da felicidade. ─ Deitados em leitos de seda, repousarão junto às suas esposas, em sombras deliciosas. ─ Eles encontrarão todos os frutos. Todos os seus desejos serão satisfeitos. (Surata XXXVI, v. 55, 56, 57).
Os verdadeiros servos de Deus terão um alimento escolhido, ─ frutos deliciosos, e serão servidos com honra. ─ Os jardins das delícias serão seu asilo. ─ Cheios de mútua benevolência, eles repousarão em poltronas. ─ Ser-lhes-ão oferecidas taças de uma água pura, límpida e de um gosto delicioso ─ que não lhes obscurecerá a razão e não os embriagará. ─ Perto deles estarão virgens de olhar modesto, grandes olhos negros e cuja tez terá a cor dos ovos de avestruz. (Surata XXXVII, v. 30 a 47).
Dir-se-á aos crentes que tiverem professado o Islamismo: Entrai no jardim das delícias, vós e vossas esposas; abri vossos corações à alegria. ─ Dar-lhes-ão a beber em taças de ouro. O coração encontrará nessa morada tudo quanto pode desejar, o olho tudo quanto pode encantá-lo e esses prazeres serão eternos. ─ Eis o paraíso que vossas obras vos proporcionaram. ─ Alimentai-vos dos frutos que ali crescem em abundância. (Surata XLIII, v. 69 a 72).
Eis aí o famoso paraíso de Maomé, do qual tanto zombaram, e que certamente não procuraremos justificar. Apenas diremos que estava em harmonia com os costumes desses povos e que devia agradá-los muito mais que a perspectiva de um estado puramente espiritual, por mais esplêndido que fosse, porque eles eram muito apegados à matéria para compreendê-lo e apreciarem seu valor. Era-lhes preciso algo de mais substancial e pode-se dizer que eles foram servidos a contento. Sem dúvida notar-se-á que os rios, as fontes, os frutos abundantes e as sombras aí representam um grande papel, porque representam o que falta aos habitantes do deserto. Leitos macios e roupas de seda, para pessoas habituadas a dormir no chão vestidas ou cobertas com pele de camelo, também deviam ter grande atrativo. Por mais ridículo que isto nos pareça, pensemos no meio em que vivia Maomé e não o censuremos muito, pois com o auxílio deste atrativo, ele soube tirar um povo da barbárie e dele fazer uma grande nação.
Em próximo artigo examinaremos como o Islamismo poderá ligar-se à grande família da Humanidade civilizada.