Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Introdução ao estudo dos fluidos espirituais

I


Os fluidos espirituais representam um importante papel em todos os fenômenos espíritas, ou melhor, são o princípio desses fenômenos. Até agora nos limitávamos a dizer que tal efeito é o resultado de uma ação fluídica, mas esse dado geral, suficiente no início, não o é mais quando queremos investigar os detalhes. Sabiamente os Espíritos limitaram seu ensinamento, no princípio; mais tarde, chamaram a atenção para a grave questão dos fluidos, e não foi num centro único que a abordaram. Foi praticamente em todos.

Mas os Espíritos não nos vêm trazer esta ciência, como nenhuma outra, já pronta. Eles nos põem no caminho, fornecem-nos os materiais e a nós cabe estudá-los, observá-los, analisá-los, coordená-los e pôlos em prática. Foi o que eles fizeram para a constituição da doutrina, e agiram da mesma maneira em relação aos fluidos. Sabemos que em mil lugares diferentes eles esboçaram o seu estudo; em toda parte encontramos alguns fatos, algumas explicações, uma teoria parcial, uma ideia, mas em parte alguma um completo trabalho de conjunto. Por que isto? Impossibilidade da parte deles? Certamente não, porque o que teriam podido fazer como homens, com mais forte razão podem fazer como Espíritos. Mas, como dissemos, é que por motivo nenhum eles vêm libertar-nos do trabalho da inteligência, sem o qual as nossas forças, ficando inativas, estiolar-se-iam, porque acharíamos mais cômodo que eles trabalhassem por nós.

Assim, o trabalho é deixado ao homem, no entanto, sendo limitados a sua inteligência, sua vida e seu tempo, a nenhum é dado elaborar tudo o que é necessário para a constituição de uma ciência. Eis por que não há uma só que seja, em todas as suas peças, obra de um só homem; nenhuma descoberta que o seu primeiro inventor tenha levado à perfeição. A cada edifício intelectual, vários homens e diversas gerações trouxeram seu contingente de pesquisas e de observações.

Assim também com a questão que nos ocupa, cujas diversas partes foram tratadas separadamente, depois coligidas num corpo metódico, quando puderam ser reunidos materiais suficientes. Esta parte da ciência espírita se mostra, desde já, não como uma concepção individual sistemática, de um homem ou de um Espírito, mas como o produto de observações múltiplas, que haurem sua autoridade da concordância entre elas existente.

Pelo motivo que acabamos de exprimir, não poderíamos pretender que esta seja a última palavra. Como temos dito, os Espíritos graduam os seus ensinos e os proporcionam à soma e à maturidade das ideias adquiridas. Não podemos duvidar, portanto, que mais tarde eles ponham novas observações no caminho. Mas, desde agora, há elementos suficientes para formar um corpo que ulteriormente e gradualmente será completado.

O encadeamento dos fatos nos obriga a tomar nosso ponto de partida de mais alto, a fim de proceder do conhecido para o desconhecido.


II


Tudo se liga na obra da criação. Outrora consideravam-se os três reinos como inteiramente independentes entre si, e teriam rido de quem pretendesse encontrar uma correlação entre o mineral e o vegetal, entre o vegetal e o animal. Uma observação atenta fez desaparecer a solução de continuidade, e provou que todos os corpos formam uma cadeia ininterrupta, de tal sorte que os três reinos não subsistem, na realidade, senão pelos caracteres gerais mais marcantes; mas, nos seus limites respectivos, eles se confundem, a ponto de se hesitar em determinar onde um termina e o outro começa, e em qual deles certos seres devem ser colocados. Tais são, por exemplo, os zoófitos, ou animais plantas, assim chamados porque eles têm, ao mesmo tempo, características de animal e de planta.

O mesmo acontece no que concerne à composição dos corpos. Durante muito tempo os quatro elementos serviram de base às ciências naturais, mas eles caíram ante as descobertas da química moderna, que reconheceu um número indeterminado de corpos simples. A química nos mostra todos os corpos da Natureza formados desse elementos combinados em diversas proporções. É da infinita variedade dessas proporções que nascem as inumeráveis propriedades dos diferentes corpos. É assim, por exemplo, que uma molécula de gás oxigênio e duas de gás hidrogênio, combinadas, formam água. Na sua transformação em água, o oxigênio e o hidrogênio perdem suas qualidades próprias; a bem dizer, não há mais oxigênio nem hidrogênio, mas água. Decompondo a água, encontram-se novamente os dois gases, nas mesmas proporções. Se, em vez de uma molécula de oxigênio houver duas, isto é, duas de cada gás, não será mais água, mas um líquido muito corrosivo. Bastou, pois, uma simples mudança na proporção de um dos elementos para transformar uma substância salutar em outra venenosa. Por uma operação inversa, se os elementos de uma substância deletéria, como, por exemplo, o arsênico, forem simplesmente combinados em outras proporções, sem adição ou subtração de nenhuma outra substância, ela tornar-se-á inofensiva, ou mesmo salutar. Há mais: várias moléculas reunidas, de um mesmo elemento, gozarão de propriedades diferentes, conforme o modo de agregação e as condições do meio onde se encontram. O ozônio, recentemente descoberto no ar atmosférico, é um exemplo disso. Reconheceu-se que essa substância não passa de oxigênio, um dos principais constituintes do ar, num estado particular que lhe dá propriedades distintas das do oxigênio propriamente dito. O ar não deixa de ser formado de oxigênio e de azoto, mas suas qualidades variam conforme contenha maior ou menor quantidade de oxigênio no estado de ozônio.

Estas observações, que parecem estranhas ao nosso assunto, não obstante a ele se ligam de maneira direta, como veremos mais tarde. Elas são, além disto, essenciais como pontos de comparação.

Essas composições e decomposições se obtêm artificialmente e em pequenas doses nos laboratórios, mas se operam em grande escala e espontaneamente no grande laboratório da Natureza. Sob a influência do calor, da luz, da eletricidade, da umidade, um corpo se decompõe, seus elementos se separam, outras combinações se operam e novos corpos se formam. Assim, a mesma molécula de oxigênio, por exemplo, que faz parte do nosso corpo, após a destruição deste, entra na composição de um mineral, de uma planta, ou de um corpo animado. Em nosso corpo atual acham-se, pois, as mesmas parcelas de matéria que foram partes constituintes de uma imensidade de outros corpos.

Citemos um exemplo para tornar a coisa mais clara.

Um pequeno grão é posto na terra, nasce, cresce e torna-se uma grande árvore que anualmente dá folhas, flores e frutos. Quer dizer que essa árvore se achava inteirinha no grão? Certamente não, porque ela contém uma quantidade de matéria muito mais considerável. Então, de onde lhe veio essa matéria? Dos líquidos, dos sais, dos gases que a planta tirou da terra e do ar, que se infiltraram em sua haste e pouco a pouco aumentaram de volume. Mas nem na terra nem no ar encontram-se madeira, folhas, flores e frutos. É que esses mesmos líquidos, sais e gases, no ato de absorção, se decompuseram; seus elementos sofreram novas combinações que os transformaram em seiva, lenho, casca, folhas, flores, frutos, essências odoríferas voláteis, etc. Essas mesmas partes, por sua vez, vão destruir-se e decompor-se; seus elementos vão misturar-se de novo na terra e no ar; recompor as substâncias necessárias à frutificação; ser reabsorvidos, decompostos e mais uma vez transformados em seiva, lenho, casca, etc. Numa palavra, a matéria não sofre aumento nem diminuição; ela se transforma, e por força dessas transformações sucessivas, a proporção das diversas substâncias é sempre em quantidade suficiente para as necessidades da Natureza. Suponhamos, por exemplo, que uma dada quantidade de água seja decomposta, no fenômeno da vegetação, para fornecer o oxigênio e o hidrogênio necessários à formação das diversas partes da planta; é uma quantidade de água que existe a menos na massa; mas essas partes da planta, quando de sua decomposição, vão libertar o oxigênio e o hidrogênio que elas encerravam, e esses gases, combinando-se entre si, vão formar uma nova quantidade de água equivalente à que havia desaparecido.

Um fato que é oportuno assinalar aqui, é que o homem, que pode operar artificialmente as composições e decomposições que se operam espontaneamente na Natureza, é impotente para reconstituir o menor corpo organizado, ainda que fosse um talo de erva ou uma folha morta. Depois de ter decomposto um mineral, pode recompô-lo em todas as suas peças, como era antes; mas quando separou os elementos de uma parcela de matéria vegetal ou animal, não pode reconstituí-la e, com mais forte razão, dar-lhe vida. Seu poder para na matéria inerte: o princípio da vida está na mão de Deus.

A maioria dos corpos simples são chamados ponderáveis, porque é possível achar o seu peso, e esse peso está na razão da soma de moléculas contidas num dado volume. Outros são ditos imponderáveis, porque para nós não têm peso e, seja qual for a quantidade em que se acumulem num outro corpo, não aumentam o peso desse. Tais são: o calórico, a luz, a eletricidade, o fluido magnético ou do ímã. Este último não passa de uma variedade da eletricidade. Embora imponderáveis, nem por isto esses fluidos deixam de ter um poder muito grande. O calórico divide os corpos mais duros, os reduz a vapor e dá aos líquidos evaporados uma irresistível força de expansão. O choque elétrico quebra árvores e pedras, curva barras de ferro, funde os metais, transporta para longe enormes massas. O magnetismo dá ao ferro um poder de atração capaz de sustentar pesos consideráveis. A luz não possui esse gênero de força, mas exerce uma ação química sobre a maioria dos corpos, e sob sua influência operam-se incessantemente composições e decomposições. Sem a luz, os vegetais e os animais se estiolam e os frutos não têm sabor nem cor.


III


Todos os corpos da Natureza, minerais, vegetais, animais, animados ou inanimados, sólidos, líquidos ou gasosos, são formados dos mesmos elementos, combinados de maneira a produzir a infinita variedade dos diferentes corpos. Hoje a Ciência vai mais longe; suas investigações pouco a pouco a conduzem à grande lei da unidade. Agora é geralmente admitido que os corpos reputados simples não passam de modificações, de transformações de um elemento único, princípio universal designado sob os nomes de éter, fluido cósmico ou fluido universal, de tal sorte que, segundo o modo de agregação das moléculas desse fluido, e sob a influência de circunstâncias particulares, ele adquire propriedades especiais que constituem os corpos simples. Esses corpos simples, combinados entre si em diversas proporções, formam, como dissemos, a inumerável variedade de corpos compostos. Segundo essa opinião, o calórico, a luz, a eletricidade e o magnetismo não passariam de modificações do fluido primitivo universal. Assim, esse fluido que, segundo toda probabilidade, é imponderável, seria ao mesmo tempo o princípio dos fluidos imponderáveis e dos corpos ponderáveis.

A Química nos faz penetrar na constituição íntima dos corpos, mas, experimentalmente, não vai além dos corpos considerados simples. Seus meios de análise são impotentes para isolar o elemento primitivo e determinar a sua essência. Ora, entre esse elemento em sua pureza absoluta e o ponto onde param as investigações da Ciência, o intervalo é imenso. Raciocinando por analogia, chega-se à conclusão que entre esse dois pontos extremos, esse fluido deve sofrer modificações que escapam aos nossos instrumentos e aos nossos sentidos materiais. É nesse campo novo, até aqui fechado à exploração, que vamos tentar penetrar.


IV


Até agora só tínhamos ideias muito incompletas sobre o mundo espiritual ou invisível. Imaginávamos os Espíritos como seres fora da Humanidade; os anjos também eram criaturas à parte, de uma natureza mais perfeita. Quanto ao estado das almas após a morte, os conhecimentos não eram mais positivos. A opinião mais geral, deles fazia seres abstratos, dispersos na imensidade e não tendo mais relações com os vivos, a não ser que, segundo a doutrina da Igreja, estivessem na beatitude do Céu ou nas trevas do inferno. Além disto, parando as observações da Ciência na matéria tangível, disso resulta, entre o mundo corporal e o mundo espiritual, um abismo que parecia excluir toda reaproximação. É esse abismo que novas observações e o estudo de fenômenos ainda pouco conhecidos vem encher, pelo menos em parte.

Para começar, o Espiritismo nos ensina que os Espíritos são as almas dos homens que viveram na Terra; que elas progridem sem cessar, e que os anjos são essas mesmas almas ou Espíritos chegados a um estado de perfeição que os aproxima da Divindade.

Em segundo lugar, ele nos ensina que as almas passam alternativamente do estado de encarnação ao de erraticidade; que neste último estado elas constituem a população invisível do globo, ao qual ficam ligadas, até que tenham adquirido o desenvolvimento intelectual e moral que comporta a natureza deste globo, depois do que o deixam, passando a um mundo mais adiantado.

Pela morte do corpo, a Humanidade corporal fornece almas ou Espíritos ao mundo espiritual; pelos nascimentos, o mundo espiritual alimenta o mundo corporal; há, pois, transmutação incessante de um no outro. Esta relação constante os torna solidários, pois são os mesmos seres que entram no nosso mundo e dele saem alternativamente. Eis um primeiro traço de união, um ponto de contato, que já diminui a distância que parecia separar o mundo visível do mundo invisível.

A natureza íntima da alma, isto é, do princípio inteligente, fonte do pensamento, escapa completamente às nossas investigações. Mas sabemos agora que a alma é revestida de um envoltório ou corpo fluídico que dela faz, após a morte do corpo material, como antes, um ser distinto, circunscrito e individual. A alma é o princípio inteligente considerado isoladamente; é a força atuante e pensante, que não podemos conceber isolada da matéria senão como uma abstração. Revestida de seu envoltório fluídico, ou perispírito, a alma constitui o ser chamado Espírito, como quando está revestida do envoltório corporal, constitui o homem. Ora, embora no estado de Espírito ela goze de propriedades e de faculdades especiais, não cessou de pertencer à Humanidade. Os Espíritos são, pois, seres semelhantes a nós, pois cada um de nós torna-se Espírito após a morte do corpo, e cada Espírito torna-se homem pelo nascimento.

Esse envoltório não é a alma, pois não pensa; é apenas uma vestimenta. Sem a alma, o perispírito, assim como o corpo, é uma matéria inerte privada de vida e de sensações. Dizemos matéria porque, com efeito, o perispírito, embora de uma natureza etérea e sutil, não é menos matéria do que os fluidos imponderáveis e, ademais, matéria da mesma natureza e da mesma origem que a mais grosseira matéria tangível, como logo veremos.

A alma não se reveste do perispírito apenas no estado de Espírito; ela é inseparável desse envoltório, que a segue tanto na encarnação quanto na erraticidade. Na encarnação, ele é o laço que a une ao envoltório corporal, o intermediário com cujo auxílio ela age sobre os órgãos e percebe as sensações das coisas exteriores. Durante a vida, o fluido perispiritual identifica-se com o corpo, cujas partes todas penetra; com a morte, dele se desprende; privado da vida, o corpo se dissolve, mas o perispírito, sempre unido à alma, isto é, ao princípio vivificante, não perece; a alma, em vez de dois envoltórios, conserva apenas um: o mais leve, o que está mais em harmonia com o seu estado espiritual.

Embora esses princípios sejam elementares para os espíritas, era útil lembrá-los para a compreensão das explicações subsequentes e a ligação das ideias.


V


Algumas pessoas contestaram a utilidade do envoltório perispiritual da alma e, em consequência, a sua existência. Dizem que a alma não precisa de intermediário para agir sobre o corpo; e, uma vez separada do corpo, ele é um acessório supérfluo.

A isto respondemos, para começar, que o perispírito não é uma criação imaginária, uma hipótese inventada para chegar a uma solução; sua existência é um fato constatado pela observação. Quanto à sua utilidade, durante a vida ou após a morte, é preciso admitir que, considerando-se que ele existe, é que serve para alguma coisa. Os que contestam a sua utilidade são como um indivíduo que não compreendendo as funções de certas engrenagens num mecanismo, concluíssem que elas só servem para desnecessariamente complicar a máquina. Ele não vê que se a menor peça fosse suprimida, tudo ficaria desorganizado. Quantas coisas, no grande mecanismo da Natureza, parecem inúteis aos olhos do ignorante, e mesmo de certos cientistas que de boa-fé julgam que se tivessem sido encarregados da construção do Universo tê-lo-iam feito bem melhor!

O perispírito é uma das mais importantes engrenagens da economia. A Ciência o observou nalguns de seus efeitos e alternativamente o tem designado sob os nomes de fluido vital, fluido ou influxo nervoso, fluido magnético, eletricidade animal, etc., sem se dar precisa conta de sua natureza e de suas propriedades, e, ainda menos, de sua origem. Como envoltório do Espírito após a morte, ele foi suspeitado desde a mais alta Antiguidade. Todas as teogonias atribuem aos seres do mundo invisível um corpo fluídico. São Paulo diz em termos precisos que nós renascemos com um corpo espiritual (1ª Epístola aos Coríntios, Cap. XV, versículos 35 a 44 e 50).

Dá-se o mesmo com todas as grandes verdades baseadas nas leis da Natureza, e das quais, em todas as épocas, os homens de gênio tiveram a intuição. É assim que, desde antes de nossa era, notáveis filósofos tinham suspeitado da redondeza da Terra e seu movimento de rotação, o que nada tira ao mérito de Copérnico e de Galileu, mesmo supondo que estes últimos tenham aproveitado as ideias de seus predecessores. Graças a seus trabalhos, o que não passava de opinião individual, uma teoria incompleta e sem provas, desconhecida das massas, tornou-se uma verdade científica, prática e popular.

A doutrina do perispírito está no mesmo caso. O Espiritismo não foi o primeiro a descobri-lo. Mas, assim como Copérnico para o movimento da Terra, ele o estudou, demonstrou, analisou, definiu e dela tirou fecundos resultados. Sem os estudos modernos mais completos, esta grande verdade, como muitas outras, ainda estaria no estado de letra morta.


VI


O perispírito é o traço de união que liga o mundo espiritual ao mundo corporal. O Espiritismo no-los mostra em relação tão íntima e tão constante, que de um ao outro a transição é quase imperceptível. Ora, assim como na Natureza o reino vegetal se liga ao reino animal por seres semivegetais ou semianimais, o estado corporal se liga ao estado espiritual não só pelo princípio inteligente, que é o mesmo, mas também pelo envoltório fluídico, ao mesmo tempo semimaterial e semiespiritual, desse mesmo princípio. Durante a vida terrena, o ser corporal e o ser espiritual estão confundidos e agem de acordo; a morte do corpo apenas os separa. A ligação desses dois estados é tamanha, e eles reagem um sobre o outro com tanta força, que dia virá em que será reconhecido que o estudo da história natural do homem não poderá ser completo sem o estudo do envoltório perispiritual, isto é, sem pôr um pé no domínio do mundo invisível.

Tal aproximação é ainda maior quando se observa a origem, a natureza, a formação e as propriedades do perispírito, observação que decorre naturalmente do estudo dos fluidos.

VII

É sabido que todas as matérias animais têm como princípios constituintes o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono, combinados em diferentes proporções. Ora, como dissemos, esses mesmos corpos simples têm um princípio único, que é o fluido cósmico universal. Por suas diversas combinações eles formam todas as variedades de substâncias que compõem o corpo humano, o único de que aqui falamos, embora ocorra o mesmo em relação aos animais e às plantas. Disto resulta que o corpo humano, na realidade, não passa de uma espécie de concentração, de condensação, ou, se quiserem, de uma solidificação de gás carbônico. Com efeito, suponhamos a desagregação completa de todas as moléculas do corpo, e reencontraremos o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono; em outros termos, o corpo será volatilizado. Esses quatro elementos, voltando ao seu estado primitivo, por uma nova e mais completa decomposição, se os nossos meios de análise o permitissem, dariam o fluido cósmico. Esse fluido, sendo o princípio de toda matéria, é ele mesmo matéria, embora num completo estado de eterização.

Um fenômeno análogo se passa na formação do corpo fluídico ou perispírito: é, igualmente, uma condensação do fluido cósmico em redor do foco de inteligência, ou alma. Mas aqui a transformação molecular opera-se diferentemente, porque o fluido conserva sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas. O corpo perispiritual e o corpo humano têm, pois, sua fonte no mesmo fluido; um e outro são matéria, embora sob dois estados diferentes. Assim, tivemos razão em dizer que o perispírito é da mesma natureza e da mesma origem que a mais grosseira matéria. Como se vê, nada há de sobrenatural, porque ele se liga, por seu princípio, às coisas da Natureza, das quais não passa de uma variedade.

Sendo o fluido universal o princípio de todos os corpos da Natureza, animados e inanimados e, por consequência, da terra, das pedras, Moisés estava certo quando disse: “Deus formou o corpo do homem do limo da terra”. Isto não quer dizer que Deus tomou um pouco de terra, a petrificou e com ela modelou o corpo do homem, como se modela uma estátua com barro, como acreditam os que tomam ao pé da letra as palavras bíblicas, mas que o corpo era formado dos mesmos princípios ou elementos que o limo da terra, ou que tinham servido para formar o limo da terra.

Moisés acrescenta: “E lhe deu uma alma vivente, feita à sua semelhança”. Assim, ele faz uma distinção entre a alma e o corpo; indica que ela é de natureza diferente, que ela não é matéria, mas espiritual e imaterial como Deus. Ele diz: “uma alma vivente” para especificar que só nela está o princípio de vida, ao passo que o corpo, formado de matéria, por si mesmo não vive. As palavras: à sua semelhança implicam uma similitude e não uma identidade. Se Moisés tivesse olhado a alma como uma porção da Divindade, ele teria dito: “Deus o anima dando-lhe uma alma tirada da sua própria substância”, como disse que o corpo tinha sido tirado da terra.

Estas reflexões são uma resposta às pessoas que acusam o Espiritismo de materializar a alma porque ele lhe dá um envoltório semimaterial.


VIII


No estado normal, o perispírito é invisível aos nossos olhos e impalpável ao nosso tato, como o são uma infinidade de fluidos e de gases. Contudo, a invisibilidade, a impalpabilidade, e mesmo a imponderabilidade do fluido perispiritual não são absolutas. É por isso que dizemos no estado normal. Em certos casos ele sofre talvez uma condensação maior, ou uma modificação molecular de natureza especial que o torna momentaneamente visível ou tangível. É assim que se produzem as aparições. Sem que haja aparição, muitas pessoas sentem a impressão fluídica dos Espíritos pela sensação do tato, o que é o indício de uma natureza material.

De qualquer maneira pela qual se opere a modificação atômica do fluido, não há coesão como nos corpos materiais; a aparência se forma e se dissipa instantaneamente, o que explica as aparições e as desaparições súbitas. Sendo as aparições o produto de um fluido material invisível, tornado visível por força de uma mudança momentânea na sua constituição molecular, não são mais sobrenaturais que os vapores que alternadamente se tornam visíveis ou invisíveis pela condensação ou pela rarefação. Citamos o vapor como ponto de comparação, sem pretender que haja similitude de causa e de efeito.


IX


Algumas pessoas criticaram a qualificação de semimaterial dada ao perispírito, dizendo que uma coisa é matéria ou não o é. Admitindo que a expressão seja imprópria, seria preciso adotá-la, em falta de um termo especial para exprimir esse estado particular da matéria. Se existisse um mais apropriado à coisa, os críticos deveriam tê-lo indicado. O perispírito é matéria, como acabamos de ver, filosoficamente falando, e por sua essência íntima; ninguém poderia contestá-lo; mas ele não tem as propriedades da matéria tangível, tal como se concebe vulgarmente; ele não pode ser submetido à análise química, porque, embora tenha o mesmo princípio que a carne e o mármore e possa tomar as suas aparências, na realidade não é nem carne nem mármore. Por sua natureza etérea ele tem, ao mesmo tempo, a aparência da materialidade por sua substância, e a da espiritualidade por sua impalpabilidade, e a palavra semimaterial não é mais ridícula do que semiduplo e tantas outras, porque também pode-se dizer que uma coisa é dupla ou não é.


X


Como princípio elementar universal, o fluido cósmico oferece dois estados distintos: o de eterização ou de imponderabilidade, que podemos considerar como o estado normal primitivo, e o de materialização ou de ponderabilidade, que não é, de certo modo, senão consecutivo. O ponto intermediário é o da transformação do fluido em matéria tangível. No entanto, também aí não há transição brusca, porque podemos considerar os nossos fluidos imponderáveis como um termo médio entre os dois estados.

Cada um desses dois estados necessariamente dá lugar a fenômenos especiais. Ao segundo pertencem os do mundo visível, e ao primeiro os do mundo invisível. Uns, chamados fenômenos materiais, são do campo da Ciência propriamente dita; os outros, qualificados de fenômenos espirituais, porque se ligam à existência dos Espíritos, são da alçada do Espiritismo. Mas há entre eles tão numerosos pontos de contato, que servem para mútuo esclarecimento e, como dissemos, o estudo de uns não poderia ser completo sem o estudo dos outros. É à explicação desses últimos que conduz o estudo dos fluidos, assunto sobre o qual futuramente faremos um trabalho especial.

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