O Céu e o Inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo

Allan Kardec

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8. Durante muito tempo, foi essa a crença sobre esse ponto. Hoje, diz-se*: “Deus, que é a bondade e a santidade por essência, não os criara maus e malfazejos. Sua mão paterna, que gosta de espalhar sobre todas as suas obras um reflexo de suas perfeições infinitas, cumulara-os dos dons mais magníficos. Às qualidades sobre-eminentes de sua natureza, ela acrescentara a generosidade de sua graça; ela os fizera em tudo semelhantes aos Espíritos sublimes que estão na glória e na felicidade; repartidos em todas as suas ordens e misturados em todas as suas fileiras, eles tinham o mesmo fim e os mesmos destinos; seu chefe foi o mais belo arcanjo. Eles poderiam ter, também, merecido ser confirmados para sempre na justiça e admitidos a gozar eternamente da bem-aventurança dos céus. Este último favor teria sido o auge de todos os outros favores de que eram objeto; mas ele devia ser o preço de sua docilidade, e eles se tornaram indignos dele; perderam-no por uma revolta audaciosa e insensata.”

“Qual foi o obstáculo à sua perseverança? Que verdade eles ignoraram? Que ato de fé e de adoração recusaram a Deus? A Igreja e os anais da história santa não o dizem de uma maneira positiva; mas parece certo que eles não aquiesceram nem à mediação do Filho de Deus para eles mesmos, nem à exaltação da natureza humana em Jesus Cristo.

“O Verbo divino, pelo qual todas as coisas foram feitas, é também o único mediador e salvador, no céu e na terra. O fim sobrenatural não foi dado aos anjos e aos homens a não ser em previsão de sua encarnação e de seus méritos; pois não há nenhuma proporção entre as obras dos Espíritos mais eminentes e essa recompensa, que não é senão o próprio Deus; nenhuma criatura poderia ter aí chegado sem essa intervenção maravilhosa e sublime de caridade. Ora, para preencher a distância infinita que separa a essência divina das obras de suas mãos, era preciso que ele reunisse em sua pessoa os dois extremos, e que associasse à sua divindade a natureza do anjo ou a do homem; e ele fez a escolha da natureza humana.

“Esse desígnio, concebido desde a eternidade, foi manifestado aos anjos antes de seu cumprimento; O Homem-Deus foi-lhes mostrado no futuro como Aquele que devia confirmá-los em graça e introduzi-los na glória, com a condição de que eles o adorariam na terra durante sua missão, e no céu pelos séculos dos séculos. Revelação inesperada, visão deslumbrante para os corações generosos e reconhecidos, mas mistério profundo, opressivo para os Espíritos soberbos! Esse fim sobrenatural, esse peso imenso de glória que lhes era proposto não seria portanto unicamente a recompensa de seus méritos pessoais! Jamais poderiam atribuir a si mesmos os títulos e a possessão! Um mediador entre eles e Deus, que injúria feita à sua dignidade! A preferência gratuita concedida à natureza humana, que injustiça! que prejuízo a seus direitos! Essa humanidade, que lhes é tão inferior, vê-lo-ão um dia, deificada por sua união com o Verbo, e sentada à direita de Deus, num trono resplandecente? Consentirão em lhe oferecer eternamente suas homenagens e suas adorações?

“Lúcifer e a terça parte dos anjos sucumbiram a esses pensamentos de orgulho e de ciúme. São Miguel, e com ele a maioria exclamaram: Quem é semelhante a Deus? Ele é o senhor de seus dons e o soberano Senhor de todas as coisas. Glória a Deus e ao Cordeiro que será imolado pela salvação do mundo! Mas o chefe dos rebeldes, esquecendo-se de que devia a seu Criador sua nobreza e suas prerrogativas, escutou apenas sua temeridade, e disse: ‘Sou eu que subirei ao céu; estabelecerei minha morada acima dos astros; sentar-me-ei na montanha da aliança, nos flancos do Aquilão; dominarei as nuvens mais altas, e serei semelhante ao Altíssimo.’ Os que partilhavam seus sentimentos acolheram suas palavras com um murmúrio de aprovação; e eles se encontravam em todas as ordens da hierarquia; mas sua multidão não os colocou ao abrigo do castigo.”


* As citações seguintes são extraídas da pastoral de Monsenhor Cardeal Gousset, cardeal-arcebispo de Reims, para a quaresma de 1865. Em razão do mérito pessoal e da posição do autor, pode-se considerá-las como a última expressão da Igreja sobre a doutrina dos demônios.

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