Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Mangin, o charlatão

Todo mundo conheceu esse vendedor de lápis que, num carro ricamente ornado, com um capacete brilhante e uma roupa estranha, por muitos anos foi uma das celebridades das ruas de Paris. Não era um charlatão vulgar, e os que o conheceram pessoalmente eram unânimes em lhe reconhecer uma inteligência pouco comum, uma certa elevação do pensamento e qualidades morais acima de sua profissão nômade. Ele morreu no ano passado, e desde então várias vezes comunicou-se espontaneamente com um dos nossos médiuns. Segundo o caráter que lhe reconheciam, não será de admirar o verniz filosófico que se encontra em suas comunicações.


O lápis

(Paris, 20 de dezembro de 1866 - Grupo do Sr. Desliens - Médium, Sr. Bertrand)



O lápis é a palavra do pensamento. Sem o lápis o pensamento fica mudo e incompreendido para os vossos sentidos grosseiros. O lápis é a alma ofensiva e defensiva do pensamento; é a mão que fala e se defende.

O lápis!... e sobretudo o lápis Mangin!... Oh! perdão... eis que me torno egoísta!... Mas por que não poderia eu, como outrora, fazer o elogio dos meus lápis? Eles não são bons?... Tendes algo a reclamar deles? Ah! Se eu ainda estivesse em meu veículo francês, com meu costume romano... acreditaríeis em mim... Eu sabia fazer tão bem minha propaganda e o pobre bobo julgava ser branco o que era preto, apenas porque Mangin, o célebre charlatão, o havia dito!... Eu disse charlatão... Não, é preciso dizer propagandista... Vamos, charlatães! Desatai os cordões de vossa bolsa; comprai esses soberbos lápis, mais negros que a tinta e duros como pedra... Acorrei, acorrei, a venda vai terminar!... Ah! O que digo, então?... Eu creio, palavra, que me engano de papel e que acabo muito mal, depois de ter começado bem...

Vós todos, armados de lápis, sentados ao redor dessa mesa, ide dizer e provai aos jornalistas orgulhosos que Mangin não está morto. Ide dizer aos que esqueceram minha mercadoria, porque eu não estava mais lá para fazê-los acreditar em suas admiráveis qualidades. Ide dizer a todo mundo que ainda vivo e que se estou morto, é para viver melhor...

Ah! senhores jornalistas, zombaríeis de mim, contudo, se em vez de me considerardes como um charlatão a escamotear o dinheiro do povo, me tivésseis estudado mais atentamente e filosoficamente, teríeis reconhecido um ser com reminiscências de seu passado. Teríeis compreendido o porquê de meu gosto por este costume de guerreiro romano, o porquê desse amor pelas arengas em praça pública. Então sem dúvida teríeis dito que eu tinha sido soldado ou general romano, e não vos teríeis enganado.

Vamos! Vamos! Então, comprai lápis e usai-os. Mas servi-vos deles utilmente, não como eu para perorar sem motivo, mas para propagar essa bela doutrina que muitos dentre vós não seguis senão de muito longe.

Armai-vos, pois, de vossos lápis, e abri uma larga estrada neste mundo de incredulidade. Fazei tocar com o dedo, a todos estes São Tomé incrédulos, as sublimes verdades do Espiritismo, que um dia farão que todos os homens sejam irmãos.

MANGIN.


O papel



(Grupo do Sr. Delanne, 14 de janeiro de 1867 - Médium, Sr. Bertrand)



Falei de lápis e de charlatanismo, mas ainda não falei do papel. É que sem dúvida eu reservava esse assunto para esta noite.

Ah! Como eu queria ser papel; não quando ele se avilta a fazer o mal, mas, ao contrário, quando preenche seu verdadeiro papel, que é o de fazer o bem! Com efeito, o papel é o instrumento que, em concerto com o lápis, aqui e ali semeia os nobres pensamentos do espírito. O papel é o livro aberto onde cada um pode colher com o olhar os conselhos úteis à sua viagem terrena!...

Ah! Como eu gostaria de ser papel, a fim de desenvolver, como ele, a função de moralizador e de instrutor, dando a cada um o encorajamento necessário para suportar com bravura os males que tantas vezes são causa de vergonhosas fraquezas!...

Ah! Se eu fosse papel, aboliria todas as leis egoísticas e tirânicas, para não deixar brilharem senão as que proclamam a igualdade. Só queria falar de amor e de caridade. Queria que todos fossem humildes e bons; que o mau se tornasse melhor; que o orgulhoso se tornasse humilde; que o pobre se tornasse rico; que a igualdade enfim surgisse e que ela fosse, em todas as bocas, a expressão da verdade, e não a esperança de ocultar o egoísmo e a tirania que todos possuem no coração.

Se eu fosse papel, eu queria ser branco para a inocência e verde para aquele que não tem esperança de alívio para os seus males. Eu queria ser ouro nas mãos do pobre, felicidade nas mãos do aflito, bálsamo nas do doente. Eu queria ser o perdão de todas as ofensas. Eu não condenaria, não maldiria, não lançaria anátemas; eu não criticaria com malevolência; eu nada diria que pudesse prejudicar alguém. Enfim, eu faria o que fazeis: queria apenas ensinar o bem e falar dessa bela doutrina que vos reúne a todos e sob todas as formas. Eu professaria sempre esta sublime máxima: Amai-vos uns aos outros.

Aquele que gostaria de voltar à Terra, não charlatão, não para vender apenas lápis, mas para a isso acrescentar a venda de papel, e que diria a todos: O lápis não pode ser útil sem o papel e o papel não pode dispensar o lápis.

MANGIN.

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