Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Robinson Crusoé espírita

Quem suspeitaria que o inocente livro de Robinson fosse marcado pelos princípios do Espiritismo, e que a juventude, em cujas mãos o põem sem desconfiança, poderia aí colher a doutrina malsã da existência dos Espíritos? Nós mesmo ainda o ignoraríamos, se um dos nossos assinantes não nos tivesse assinalado as passagens seguintes, que se acham nas edições completas, mas não nas edições abreviadas.

Esta obra, na qual se viram aventuras curiosas, próprias para divertir as crianças, é marcada por uma alta filosofia moral e um profundo sentimento religioso.

Lê-se na página 161 (edição ilustrada por Granville):

“Esses pensamentos me inspiraram uma tristeza que durou muito tempo, mas, enfim, eles tomaram outra direção: senti quanto devia de reconhecimento ao Céu, que me havia impedido de enfrentar um perigo cuja existência eu ignorava. O caso fez nascer em mim uma reflexão, que me tinha vindo mais de uma vez, desde que havia reconhecido quanto, em todos os perigos da vida, a Providência mostra sua bondade por disposições cuja finalidade não compreendemos. Com efeito, muitas vezes saímos dos maiores perigos por vias maravilhosas; por vezes um impulso secreto nos determina de repente, num momento de grave incerteza, a tomar tal caminho em vez de outro que nos teria conduzido à nossa perda.

“Adotei como lei jamais resistir a essas vozes misteriosas que nos convidam a tomar tal partido, a fazer ou não fazer tal coisa, embora nenhuma razão apoie esse impulso secreto. Eu poderia citar mais de um exemplo em que a deferencia em semelhantes avisos teve pleno sucesso, sobretudo na última parte de minha estada nessa ilha infeliz, sem contar muitas outras ocasiões que me devem ter escapado e às quais teria prestado atenção, se desde logo meus olhos se tivessem aberto para esse ponto. Mas nunca é demasiado tarde para ser prudente, e aconselho a todos os homens refletidos, cuja existência, como a minha, esteja submetida a acidentes extraordinários, e mesmo a vicissitudes mais comuns, a jamais negligenciarem esses avisos íntimos da Providência, seja qual for a inteligência invisível que no-los transmita.

Na página 284:

“Muitas vezes tinha ouvido pessoas sensatas dizerem que tudo o que se conta dos fantasmas e das aparições se explica pela força da imaginação; que jamais um Espírito apareceu a alguém; mas que, pensando assiduamente nos que perdemos, eles de tal modo se tornam presentes ao pensamento, que, em certas circunstâncias, julgamos vê-los, falar-lhes, ouvir suas respostas, e que tudo isto não passa de uma ilusão, uma sombra, uma lembrança.

“Por mim, não posso dizer se atualmente existem aparições verdadeiras, espectros, pessoas mortas que vêm errar pelo mundo, ou se as histórias que contam sobre tais fatos se fundamentam apenas em visões de cérebros doentios, de imaginação exaltadas e desordenadas; mas sei que a minha chegou a tal ponto de excitação, lançou-me a tal excesso de vapores fantásticos, ou não importa que nome lhe queiram dar, que por vezes julgava estar em minha ilha, em meu velho castelo no meio da mata; via meu Espanhol, o pai de Sexta-Feira, e os marinheiros condenados que eu tinha deixado nessas paragens; julgava mesmo conversar com eles e, embora bem desperto, olhava-os fixamente, como se estivessem em minha frente. Isto aconteceu muitas vezes, a ponto de me amedrontar. Uma vez, em meu sono, primeiro o Espanhol e depois o velho selvagem me contaram, em termos tão naturais e tão enérgicos as maldades de três marinheiros piratas, que era deveras surpreendente. Disseram-me como esses homens perversos tinham tentado assassinar os espanhóis e a seguir haviam queimado todas as suas provisões, com o fito de fazê-los morrer de fome. E este fato, que então eu não podia saber, e que era verdadeiro, me foi mostrado tão claramente por minha imaginação, que fiquei convencido de sua veracidade. Acreditei também na continuação desse sonho. Escutei as queixas do Espanhol com profunda emoção; determinei que os três culpados viessem à minha presença e os condenei à forca. Ver-se-á, em seu lugar, o que havia de exato no sonho. Mas como tais fatos me foram revelados? Por que secreta comunicação dos Espíritos invisíveis me foram eles trazidos? É o que não posso explicar. Nem tudo era literalmente verdadeiro, mas os pontos principais estavam de acordo com a realidade, e a conduta infame desses três celerados endurecidos tinha ido além do que se poderia supor.

Meu sonho a esse respeito tinha muita semelhança com os fatos. Além disso eu quis, quando me encontrava na ilha, puni-los muito severamente, e se tivesse mandado enforcá-los, teria sido legitimado pelas leis divinas e humanas.”

Na página 289:

“Nada demonstra mais claramente a realidade de uma vida futura e de um mundo invisível que o concurso de causas secundárias com certas ideias que formamos anteriormente, sem ter recebido nem dado a seu respeito qualquer comunicação humana.”

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