Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Tom, o cego, músico natural

Lemos no Spiritual Magazine, de Londres:

“A celebridade de Tom, o Cego, que há pouco fez o seu aparecimento em Londres, já se tinha espalhado aqui, e há alguns anos um artigo no jornal All the year round tinha descrito suas notáveis faculdades e a sensação que elas haviam produzido na América. A maneira pela qual as faculdades se desenvolveram nesse negro, escravo e cego, ignorante e totalmente iletrado; como, menino ainda, um dia surpreendido pelos sons da música na casa de seu senhor, correu sem cerimônia a sentar-se ao piano, reproduzindo nota por nota o que acabava de ser tocado, rindo e se contorcendo de alegria ao ver o novo mundo de prazeres que acabava de descobrir, tudo isto foi tão frequentemente repetido, que julgo inútil mencioná-lo mais uma vez. Mas um fato significativo e interessante me foi contado por um amigo, que foi o primeiro a testemunhar e apreciar a faculdade de Tom. Um dia tocaram uma peça de Haendel para ele. Imediatamente Tom a repetiu corretamente e, ao terminar, esfregou as mãos com uma expressão de indefinível alegria, exclamando: “Eu o vejo, é um velho com uma grande peruca; ele tocou primeiro e eu depois.” É incontestável que Tom tinha visto Haendel e o tinha ouvido tocar.

“Tom exibiu-se várias vezes em público, e a maneira que executa os trechos mais difíceis quase faria duvidar de sua enfermidade. Ele repete sem falha, no piano, e necessariamente de memória, tudo quanto tocam para ele, quer sonatas clássicas antigas, quer fantasias modernas. Ora, gostaríamos de ver quem poderia aprender desta maneira as variações de Thalberg com os olhos fechados, como ele faz.

“Este fato surpreendente de um cego, ignorante, desprovido de qualquer instrução, mostrando um talento que outros são incapazes de adquirir com todas as vantagens do estudo, provavelmente será explicado por muitos, segundo a maneira ordinária de encarar estas coisas, dizendo: ‘É um gênio e uma organização excepcional.’ Mas só o Espiritismo pode dar a chave desse fenômeno de maneira compreensível e racional.”

As reflexões que fizemos a propósito da menina de Toulon, naturalmente se aplicam a Tom, o Cego. Tom deve ter sido um grande músico, ao qual basta ouvir para lembrar-se do que sabia. O que torna o fenômeno mais extraordinário é que se apresenta num negro, escravo e cego, tríplice causa que se opunha à cultura de suas aptidões nativas e a despeito das quais se manifestaram na primeira ocasião favorável, como um germe aos raios do sol. Ora, como a raça negra em geral, e sobretudo no estado de escravidão, não brilha pela cultura das artes, há que concluir que o Espírito de Tom não pertence a essa raça, mas que nela se encarnou como expiação ou como meio providencial de reabilitação dessa raça na opinião, mostrando de que ela é capaz.

Muito foi dito e escrito contra a escravidão e o preconceito da cor. Tudo quanto foi dito é justo e moral, mas não passa de uma tese filosófica. A lei da pluralidade das existências e da reencarnação vem a isto acrescentar a irrefutável sanção de uma lei da Natureza que consagra a fraternidade de todos os homens. Tom, o escravo nascido e aclamado na América, é um protesto vivo contra os preconceitos que ainda reinam nesse país. (Ver a Revista de abril de 1862: Perfectibilidade da raça negra. Frenologia espiritualista).

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