Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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O Sr. Bispo de Argel publicou, a 18 de agosto último, uma brochura dirigida aos senhores curas de sua diocese, sob o título de Carta circular e pastoral sobre a superstição dita Espiritismo. Citamos as passagens seguintes, acompanhadas de observações.

“...Tínhamos pensado em adicionar modesta página a estes luminosos anais, empalidecendo, das alturas do bom-senso e da fé, como o merece ser, o Espiritismo que, renovado da mais velha e mais grosseira idolatria, vem abater-se sobre a Argélia. Pobre colônia! Após tão cruéis provas, ainda lhe era necessária uma deste gênero!”

Pobre colônia! Com efeito, não seria ela muito mais próspera se, em vez de tolerar e proteger a religião dos indígenas, se tivessem transformado suas mesquitas e sinagogas em igrejas, e se não tivessem detido o zelo do proselitismo! É verdade que a guerra santa, guerra de extermínio como a das cruzadas, duraria ainda, se centenas de milhares de soldados tivessem perecido e se talvez tivéssemos sido forçados a abandoná-la. Mas, que é isto quando se trata da vitória da fé! Ora, eis aqui um outro flagelo: o Espiritismo que vem, em nome do Evangelho, proclamar a fraternidade entre os diferentes cultos e cimentar a união, inscrevendo em sua bandeira: Fora da caridade não há salvação.



“Mas considerações diversas, senhor cura, nos detiveram até hoje. De início, hesitávamos em revelar essa vergonha nova, adicionada a tantas misérias exploradas, com amarga ironia, pelos inimigos de nossa cara e nobre Argélia. Por outro lado, sabemos que o Espiritismo quase não penetrou entre nós senão em certas cidades, onde os desocupados se contam em maior número; onde a curiosidade, incessantemente excitada, se repasta avidamente de tudo quanto se apresenta com caráter de novidade; onde a necessidade de brilhar e de se distinguir da multidão nem sempre é estranha, mesmo às inteligências de maior ou menor alcance, ao passo que o maior número de nossas pequenas cidades e do nosso campo ignoram, e por certo nada têm a perder com isto, até o nome bizarro e pretensioso de Espiritismo. Enfim, pensamos que tais práticas jamais são destinadas a uma vida longa, porque a desilusão logo vem para os escândalos de imaginação, que morrem quase sempre de sua própria vergonha. Assim aconteceu com as charlatanices de Cagliostro e de Mesmer; assim o furor das mesas girantes acalmou-se, sem deixar após si mais que o ridículo de seus arrastamentos e de suas lembranças”.

Se o próprio nome do Espiritismo é desconhecido no maior número das pequenas cidades e nos campos da Argélia, a carta circular do Sr. Bispo de Argel, espalhada em profusão, é um excelente meio de torná-lo conhecido, despertando a curiosidade que, por certo, não será detida pelo medo do diabo. Tal foi o efeito bem verificado de todos os sermões pregados contra o Espiritismo que, de notória publicidade, contribuíram poderosamente para multiplicar os seus adeptos.

A circular do Sr. Bispo de Argel terá efeito contrário? É mais que duvidoso. Lembramo-nos sempre desta palavra profética, tão bem realizada, de um Espírito a quem perguntávamos, há dois anos, por que meio o Espiritismo penetraria nos campos. Ele nos respondeu:

─ Pelos padres.

─ Voluntária ou involuntariamente?

─ A princípio, involuntariamente. Mais tarde, voluntariamente.

Lembraremo-nos ainda que, quando de nossa primeira viagem a Lyon, em 1860, os espíritas ali eram apenas algumas centenas. Naquele mesmo ano um sermão virulento foi pregado contra eles e nos escreveram: “Mais dois ou três sermões como esse e em breve seremos decuplicados.” Ora, os sermões não têm faltado naquela cidade, como se sabe, e o que todos sabem, também, é que no ano seguinte havia cinco a seis mil espíritas, e que a partir do terceiro ano, contavam-se mais de trinta mil. Pobre cidade lionesa! O que se sabe, ainda, é que o maior número de adeptos se encontra entre os operários, que nesta doutrina encontraram forças para suportar pacientemente as rudes provas que atravessaram, sem buscar na violência e na espoliação o necessário que lhes faltava. É que hoje oram e creem na justiça de Deus, já que não creem na dos homens; é que compreendem a palavra de Jesus: “Meu reino não é deste mundo.”

Dizei por que, com a vossa doutrina das penas eternas, que preconizais como um freio indispensável, jamais impedistes qualquer excesso, enquanto que a máxima “Fora da caridade não há salvação” é onipotente! Praza aos céus que jamais tenhais necessidade de vos colocardes sob sua égide! Mas se Deus ainda vos reservar dias nefastos, lembrai-vos que aqueles a quem negastes a esmola do pão, porque eles eram espíritas, serão os primeiros a repartir convosco seu pedaço de pão, porque compreendem estas palavras: “Perdoai aos vossos inimigos e fazei o bem aos que vos perseguem.”

Mas, então, o que tem o Espiritismo de tão temível, se ele não se ocupa senão dos desocupados de algumas cidades? Se tais práticas não estão nunca destinadas a uma vida longa? Se ele deve ter a sorte de Cagliostro, de Mesmer e das mesas girantes? Pelo que toca a Cagliostro, é preciso deixá-lo fora de questão, visto que o Espiritismo sempre lhe negou solidariedade, malgrado a persistência de alguns adversários em ligar o seu nome ao do Espiritismo, como fizeram com todos os charlatães e malabaristas.

Quanto a Mesmer, é preciso estar muito pouco ao corrente do que está acontecendo para ignorar que o magnetismo está mais espalhado do que nunca, e que é hoje professado por notabilidades científicas.

É verdade que atualmente pouco se ocupam das mesas girantes, mas força é convir que fizeram um belo caminho, pois foram o ponto de partida desta doutrina que causa tanta insônia e esses senhores. Elas foram o á-bê-cê do Espiritismo. Se, pois, delas não mais se ocupam, é que ninguém mais vai deletrear quando já sabe ler. Elas cresceram tanto que não mais as reconheceis.

Depois de ter falado de sua viagem à França, que teve pleno sucesso, acrescenta o Sr. Bispo de Argel:

“Nossa primeira e incessante ocupação ao voltar era publicar uma instrução pastoral contra a superstição em geral e, em particular, contra a do Espiritismo, pois o Evangelho segundo Renan só nos preocupou durante oito dias.”

Eis uma singular confissão, força é convir. A obra do Sr. Renan, que sapa o edifício por sua base, e que teve tão grande repercussão, não preocupou Sua Grandeza senão durante oito dias, ao passo que o Espiritismo lhe absorve toda a atenção. “Chego a toda a pressa”, diz ele, e posto abatido das fadigas de uma longa viagem, sem ter repouso, subo à brecha. Temos um novo e rude adversário no Sr. Renan, mas isto nos inquieta pouco. Marchemos direto contra o Espiritismo, pois é o mais urgente.” É uma grande honra para o Espiritismo, pois significa reconhecer que ele é muito mais temível, e ele não pode ser temível senão com a condição de ser lógico. Se ele não tiver qualquer base séria, como pretende o Sr. Bispo, para que esse desencadeamento de forças? Quem já viu dar tiros de canhão numa mosca que voa? Quanto mais violentos os meios de ataque, mais exaltam a sua importância. Eis por que não nos lastimamos.

“Soubemos, e disto não duvidamos, que verdadeiros cristãos, católicos sinceros, imaginaram poder associar Jesus Cristo e Belial, os mandamentos da Igreja com os processos do Espiritismo.”

É um pouco tarde para vos aperceberdes, pois há três anos o Espiritismo foi implantado e prospera na Argélia, onde não vai mal. Além disto, a brochura do Sr. Leblanc de Prébois, publicada em nome e para a defesa da Igreja, vos deve ter informado que atualmente há na França, segundo os seus cálculos, vinte milhões de espíritas, isto é, a metade da população, e que em pouco tempo a outra metade será ganha. Ora, a Argélia faz parte da França.

Diz a circular, dirigindo-se aos curas da diocese:

“Se em suas paróquias houver espíritas, seja de que condição forem, em geral os infiéis, as mulheres vaidosas, os cabeças ocas, formando sempre o grosso dos cortejos supersticiosos, que o sacerdote não hesite em lhes declarar que não há qualquer transação possível entre o Catolicismo e o Espiritismo; que, em suas experiências, não pode haver senão uma destas três coisas: charlatanismo da parte de uns; alucinação da parte de outros ou, o que é pior, uma intervenção diabólica.”

Se não há transação possível, pior para os católicos do que para os espíritas, porque se o Espiritismo ganha terreno diariamente, façam o que fizerem para detêlo, e o que fará o Catolicismo quando se realizar a previsão do Sr. Leblanc Prébois? Se ele põe todos os espíritas para fora da Igreja, quem ficará lá dentro? Mas esta não é a questão do momento. Ela virá a seu tempo e lugar. O último trecho da frase tem grande alcance da parte de um homem como o Sr. Bispo de Argel, que deve pesar o sentido de todas as suas palavras. Segundo ele, não pode haver no Espiritismo senão uma destas três coisas: charlatanismo, alucinação ou, o que é pior, intervenção diabólica. Notai que não são as três coisas juntas, mas apenas uma das três é possível. O reverendo não parece estar certo de qual delas, considerando-se que a intervenção diabólica é a pior. Ora, se é charlatanismo e alucinação, não é nada de sério, e não há intervenção do diabo. Se é obra do diabo, é algo de positivo e, então, não há nem charlatanismo nem alucinação. Na primeira hipótese, é preciso convir que fazer tanto barulho por uma simples charlatanaria ou uma ilusão é bater-se contra moinhos de vento, papel pouco digno da gravidade da Igreja; no segundo é reconhecer ao diabo um poder maior que o da Igreja, ou à Igreja uma enorme fraqueza, porque ela não pode impedir o diabo de agir, como não pôde, a despeito de todos os exorcismos, dele livrar os possessos de Morzine.

“Nós lá estávamos, senhor cura, em nosso labor apostólico, quando recebemos numerosos artigos de jornais, brochuras, livros e notadamente um discurso (do Pe. Nampon) no qual, salvo as ideias gerais, encontramos muito claramente e facilmente exposto, tudo quanto íamos dizer a seguir, a propósito do Espiritismo. Como não gostamos de refazer, desnecessariamente, o que julgamos bem feito, aconselhamovos a adquirir algumas dessas obras, e pelo menos um exemplar desse discurso, que vos esclarecerá suficientemente quanto aos processos, a doutrina e as consequências do Espiritismo.”

Estamos encantados de saber que a obra do Pe. Nampon é julgada pelos príncipes dos padres uma obra bem feita, depois da qual não há nada melhor a fazer. É uma tranquilidade para os espíritas saber que o Rev. Padre esgotou todos os argumentos e que nada pode ser acrescentado. Ora, como esses argumentos, longe de deter o avanço do Espiritismo, lhe recrutaram partidários, cabe aos seus antagonistas mostrar-se satisfeitos com o preço.

Quanto a esclarecer suficientemente os senhores curas sobre a doutrina, não pensamos que textos alterados e truncados, como aqueles que o Pe. Nampon usou sem cerimônia, como o demonstramos na Revista de junho último, sejam próprios a lhes dar uma ideia bem exata do Espiritismo. É preciso ser muito parco de boas razões para usar semelhantes meios, que desacreditam a causa de quem deles se serve.

“Antes de qualquer coisa, não seria deplorável encontrar na Argélia cristãos sérios que hesitassem em pronunciar-se energicamente contra o Espiritismo, uns sob o pretexto de que nele há alguma coisa de verdadeiro, e outros porque viram materialistas convictos voltarem à crença na outra vida através do Espiritismo? Ilógica ingenuidade dos dois lados!

Assim, haver reconduzido à crença em Deus e na vida futura os materialistas convictos não significa nada? Por isso o Espiritismo não deixa de ser uma coisa má. Entretanto, Jesus disse que uma árvore má não pode dar bons frutos. Dar a fé a quem não a tem é um mau fruto? Se não pudestes reconduzir esses incrédulos convictos e o Espiritismo o conseguiu, qual a melhor das duas árvores? É evidente que sem o Espiritismo esses materialistas endurecidos teriam continuado materialistas.

Considerando-se que o Sr. Bispo quer à fina força destruir o Espiritismo, que reconduz as almas a Deus, é que aos seus olhos, essas almas, não tendo sido reconduzidas pela Igreja, é preferível que morram na incredulidade. Isto nos lembra aquelas palavras pronunciadas do púlpito de uma cidadezinha: “Prefiro que os incrédulos fiquem fora da Igreja do que voltarem à Igreja pelo Espiritismo.” Estas não são bem as palavras do Cristo, que disse: “Misericórdia quero e não sacrifício.” E esta outra, pronunciada alhures: “Prefiro ver os operários saindo bêbados do cabaré do que sabê-los espíritas.” Isto é demência. Não ficaríamos surpresos se um acesso de raiva contra o Espiritismo produzisse uma verdadeira loucura.

“Se, malgrado a voz da consciência, homens educados nos princípios do Cristianismo, tendo-os infelizmente esquecido, negado de coração e combatido em seus livros, tentando praticar esses princípios e admitindo uma imortalidade da alma, um purgatório e um inferno completamente diferentes da imortalidade da alma, do purgatório e do inferno dos Evangelhos, tiverem ganho, pelo Espiritismo, algo pela fé e para sua salvação, que cristão poderia imaginar-se nessa situação, considerando-se que eles apenas puseram no lugar as mais sacrílegas blasfêmias da crença!”

Em que o purgatório dos espíritas difere do purgatório dos Evangelhos, já que os Evangelhos nada dizem sobre ele? Dele falam tão pouco que os protestantes, que seguem a letra do Evangelho, não o admitem.

Quanto ao inferno, o Evangelho está longe de aí haver colocado as caldeiras ferventes que nele coloca o Catolicismo e de ter dito, como nos ensinaram na infância, e como pregaram há três ou quatro anos em Montpellier, que “Os anjos tiram as tampas dessas caldeiras, para que os eleitos se repastem com a visão dos sofrimentos dos danados.” Eis um lado original da beatitude dos bem-aventurados. Não sabíamos que Jesus havia dito uma palavra a respeito disso. O Espiritismo, na verdade, não admite tais coisas. Se isto é um motivo de reprovação, então, que ele seja reprovado!

“Far-se-lhes-á compreender igualmente que é a renovação das teorias pagãs caídas no desprezo dos sábios, antes mesmo do aparecimento do Evangelho; que introduzindo a metempsicose, ou a transmigração das almas, o Espiritismo mata a individualidade pessoal e reduz a nada a responsabilidade moral; que destruindo a ideia do purgatório e do inferno eternamente pessoal, ele abre caminho a todas as desordens, a todas as imoralidades.”

Se algo foi tomado às velhas teorias pagãs, foi certamente o quadro das torturas do inferno. Aliás, não vemos claramente como, depois de havermos admitido qualquer tipo de purgatório, neguemos a ideia do purgatório. Quanto à metempsicose dos Antigos, longe de tê-la introduzido, o Espiritismo a combateu sempre e lhe demonstrou a impossibilidade. Quando, então, cessarão de fazer o Espiritismo dizer o contrário do que diz? A pluralidade das existências, que ele admite, não como um sistema, mas como uma lei da Natureza provada pelos fatos, daquela difere essencialmente. Ora, contra uma lei da Natureza, que é essencialmente obra de Deus, não há sistema que possa prevalecer, nem anátemas que a possam anular, assim como não anularam o movimento da Terra e os períodos da criação.

A pluralidade das existências, o renascimento, se quiserem, é uma condição inerente à natureza humana, como a de dormir, e necessária ao progresso da alma. É sempre desagradável para uma religião, quando esta se obstina em ficar na retaguarda dos conhecimentos adquiridos, porque chega um momento em que, ultrapassada pela onda irresistível das ideias, ela perde o crédito e a influência sobre todos os homens instruídos. Julgar-se comprometida pelas ideias novas é confessar a fragilidade de seu ponto de apoio. É pior ainda quando se alarma ante o que chama de utopia. É uma coisa curiosa, realmente, ver os adversários do Espiritismo esgrimindo para dizer que ele é um sonho vazio sem importância nem vitalidade, e sem cessar gritando: fogo!

Segundo a máxima: “A árvore se conhece pelo fruto”, a melhor maneira de julgar as coisas é estudar os seus efeitos. Se, pois, como pretendem, a negação do inferno eternamente pessoal abre caminho a todas as desordens e a todas as imoralidades, segue-se que: 1.º ─ A crença nesse inferno abre caminho a todas as virtudes; 2.º ─ Quem quer que se entregue a atos imorais, não teme as penas eternas, e se não as teme é porque nelas não crê. Ora, quem deve nele crer melhor do que os que as ensinam? Quem deve estar mais penetrado desse medo, mais impressionado pelo quadro dos tormentos sem fim do que aqueles que noite e dia são embalados nessa crença?

Onde essa crença e esse medo deveriam estar em sua força máxima? Onde deveria haver mais contenção e moralidade, senão no próprio centro da catolicidade? Se todos os que professam esse dogma e dele fazem a condição de salvação estivessem isentos de reproches, certamente suas palavras teriam mais peso, mas quando se veem tão escandalosas desordens entre aqueles mesmos que pregam o medo do inferno, é forçoso concluir que não acreditam no que pregam. Como esperam persuadir os que se inclinam à dúvida? Eles matam o dogma por seu próprio exagero e pelo seu exemplo.

Julgado por seus frutos, o dogma das penas eternas não os dá bons, prova de que a árvore é má, e entre esses maus frutos há que colocar o imenso número de incrédulos que ele faz diariamente. A Igreja nele se pendura como numa corda de salvação, mas a corda está tão gasta, que em breve deixará o barco à deriva.

Se algum dia a Igreja devesse periclitar, seria pelo absolutismo de seus dogmas do inferno, das penas eternas e da supremacia que ela confere ao diabo neste mundo. Se não se pode ser católico sem acreditar nesse inferno e na danação eterna, é preciso convir que o número dos verdadeiros católicos é hoje muito reduzido, e mais de um Pai da Igreja pode ser considerado como manchado de heresia.

“Não será inútil acrescentar, senhor cura, que a paz das famílias é gravemente perturbada pela prática do Espiritismo; que um grande número de cabeças por ele já perderam o senso e que as casas de alienados da América, Inglaterra e França regurgitam, desde já, com suas numerosas vítimas, de tal sorte que se o Espiritismo propagasse suas conquistas, seria necessário mudar o nome dos sanatórios para hospícios.”

Se o Sr. Bispo de Argel tivesse colhido seus ensinamentos alhures que não em fontes interesseiras, teria sabido o que são esses supostos loucos, e não se teria rendido ao eco de uma história inventada de má-fé e da qual ressalta o ridículo do próprio exagero. Um primeiro jornal falou de quatro casos, ao que se dizia, constatados num hospício; outro jornal, citando o primeiro, elevou o número para quarenta; um terceiro, citando o segundo, elevou-o para quatrocentos, e acrescentou que vão aumentar o hospício, e todos os jornais hostis repetem à vontade essa história. Depois o Sr. Bispo de Argel, levado por seu zelo, retomando-a, sem demolir o edifício, ainda a amplia, dizendo que as casas de alienados da França, da Inglaterra e da América regurgitam de vítimas da nova doutrina. Coisa curiosa! Ele cita a Inglaterra, um dos países onde o Espiritismo é menos difundido e onde certamente há menos adeptos do que na Itália, na Espanha e na Rússia.

Que uma brochura efêmera e inexpressiva; que um jornal pouco preocupado com a fonte das notícias que publica asseverem um fato aventuroso por necessidade da causa, nada é de admirar, posto já não seja moral, mas um documento episcopal, com caráter oficial, só deveria conter coisas de uma autenticidade de tal modo verificada que deveria isentar-se até de suspeita de inexatidão, ainda que involuntária.

Quanto à paz das famílias, perturbada pela prática do Espiritismo, não conhecemos senão aqueles casos em que mulheres, enganadas por seus confessores, foram incitadas a abandonar o teto conjugal para se subtraírem às influências demoníacas trazidas por seus maridos espíritas.

Em compensação, são numerosos os exemplos de famílias outrora separadas, cujos membros se reaproximaram depois dos conselhos de seus Espíritos protetores e sob a influência da doutrina que, a exemplo de Jesus, prega a união, a concórdia, a doçura, a tolerância, o esquecimento das injúrias, a indulgência para com as imperfeições alheias, e traz a paz onde reinava a cizânia.

Ainda aqui é o caso de dizer que se julga a árvore por seus frutos. É um fato constatado que, quando há divisão das famílias, a cisão parte sempre do lado da intolerância religiosa.

A carta pastoral termina pela seguinte ordenação:

“Por estas causas, e invocado o Espírito Santo, temos ordenado e ordenamos o que segue:

“Art. 1º ─ A prática do Espiritismo ou invocação dos mortos é interdita a todos e a cada um na diocese de Argel.

“Art. 2º ─ Os confessores recusarão a absolvição a quem quer que não renuncie a toda participação, quer como médium, quer como adepto, ou como simples testemunha às sessões privadas ou públicas ou, enfim, a uma operação qualquer de Espiritismo.

“Art. 3º ─ Em todas as cidades da Argélia e nas paróquias rurais onde o Espiritismo se introduziu com algum brilho, os senhores curas lerão publicamente esta carta do púlpito, no primeiro domingo após o seu recebimento. Aliás, por toda parte será ela comunicada em particular, conforme as necessidades.

“Dada em Argel, a 18 de agosto de 1863.”

É a primeira ordenação lançada com o fito de interditar oficialmente o Espiritismo numa localidade. Ela é de 18 de agosto de 1863. Essa data ficará marcada nos anais do Espiritismo, como a de 9 de outubro de 1861, dia para sempre memorável do auto de fé de Barcelona, ordenado pelo bispo daquela cidade. Como os ataques, as críticas e os sermões não produziram efeito satisfatório, quiseram dar um golpe pela excomunhão oficial. Vejamos se o objetivo será melhor atingido.

Pelo primeiro artigo, a ordenação é dirigida a todos e a cada um na diocese de Argel, isto é, a proibição de ocupar-se do Espiritismo é feita a todos os indivíduos, sem exceção. Mas a população não é apenas de católicos fervorosos. Sem falar dos judeus, dos protestantes e dos muçulmanos, ela compreende todos os materialistas, panteístas, incrédulos, livres-pensadores, cépticos e indiferentes, cujo número é incalculável. Eles figuram no contingente nominal do Catolicismo porque nasceram e foram batizados nessa religião, mas, na realidade, eles próprios saíram da Igreja. Nestes termos, o Sr. Renan e tantos outros figuram na população católica. Assim, a ordenação não alcança todos os indivíduos que não estejam na estrita ortodoxia. O mesmo acontecerá em toda parte onde for feita semelhante proibição. Sendo, pois, materialmente impossível que uma proibição dessa natureza, venha de onde vier, atinja todo mundo, para um que dele for afastado, haverá cem que continuarão dele se ocupando.

Depois, eles põem de lado os Espíritos que vêm sem serem chamados, mesmo junto àqueles que foram proibidos de recebê-los; que falam aos que não querem escutar; que passam através das paredes quando lhes fecham as portas. Aí está a maior dificuldade, para a qual falta um artigo na ordenação acima.

Essa ordenação não atinge senão os católicos fervorosos. Ora, nós temos repetido muitas vezes que o Espiritismo vem dar a fé aos que em nada creem ou que estão em dúvida. Aos que têm uma fé bem estabelecida e aos quais basta essa fé, ele diz: “Guardai-a”, e não procura dela desviá-los.

Ele a ninguém diz: “Deixai vossa crença para vir a mim”, pois ele tem bastante a colher no campo dos incrédulos.

Assim, a proibição não pode atingir aqueles aos quais o Espiritismo se dirige, e só atinge aqueles a quem ele não se dirige. Jesus disse: “Não são os que têm saúde que necessitam de médico”. Se estes últimos vêm a ele, sem que ele os busque, é que nele encontram consolações e certezas que não encontram alhures, e neste caso desprezarão a proibição.

Há cerca de três meses foi dada esta ordenação, e já podemos apreciar os seus efeitos. Desde o seu aparecimento, mais de vinte cartas nos foram mandadas da Argélia, todas confirmando os resultados previstos.

No próximo número, veremos o que está acontecendo.

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