Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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Se alguém persistisse em acreditar na influência dos conhecimentos pessoais do médium na produção dos versos coroados pela Academia de Toulouse, já o mesmo não se daria com as coisas que lhe fossem materialmente impossíveis de conhecer. Entre mil, o fato seguinte é uma resposta peremptória à objeção. Tiramo-lo de uma segunda carta do Sr. Sab . Diz ele:

“A 4 de maio, tendo partido a delegação de Bordeaux, fiquei mais um dia em Toulouse, e numa visita ao Sr. Jaubert, ele propôs uma experiência que aceitei com prazer, pois jamais o tinha visto operar. Uma pesada mesa de quatro pés se achava em seu quarto. Colocamo-nos um em frente ao outro e, após diversas evoluções da mesa, que obedecia ao seu comando, quando ela voltou à posição normal ele me pediu que mentalmente evocasse um Espírito. Eis as perguntas feitas por ele e as respostas dadas pelo Espírito.


1. ─ Poderíeis declarar o vosso sexo? ─ Feminino. (Era verdade).

2. ─ Com que idade deixastes a Terra? — Aos 22 anos. (Também era verdade).

3. ─ Qual o vosso prenome? Quando o Espírito havia indicado seis letras, formando Félici, o Sr. Jaubert pensou acertar e disse: “Deve ser Félicie ou Félicité. Sem responder à sua observação, pedi que continuasse. O Espírito indicou a. Eu estava comovido e o médium temeu uma mistificação. Certificado do assunto, tendo dito que o nome era mesmo Félicia, ele continuou.

4. ─ Qual o vosso grau de parentesco com o Sr. Sab ? ─ Eu era sua esposa.

A isto o Sr. Jaubert se julgou bem mistificado, pois sabia que minha esposa ainda era viva. Não nego que eu estava muito contente. Eu acabava de apalpar, se assim se pode dizer, a alma de minha cara Félicia. Então expliquei ao Sr. Jaubert ─ o que ele ignorava, que eu era viúvo e casado há apenas alguns meses com a irmã do Espírito que acabara de nos dar uma prova irrecusável da manifestação da alma. Ele estava tão feliz quanto eu com tal resultado, posto que, disse-me, obtinha fatos dessa natureza ante os quais deverá render-se, de bom grado ou de mau grado, a mais absoluta incredu lidade. A quem me disser: “Isto é impossível”, responderei com o Sr. Jaubert: “Isto existe, incrédulos! Procurai de boa-fé, e encontrareis.”

Por nossa vez, diremos a esses senhores que eles têm em bom conceito os incrédulos absolutos, crendo que se renderão à evidência. Há os que nasceram incrédulos e morrerão incrédulos, não que não pudessem crer, mas porque não querem crer. Ora, não há pior cego que aquele que não quer ver. Ultimamente dizia um sábio oficial a um dos nossos amigos que lhe falava desses fenômenos: ─ Não acreditarei jamais que uma mesa possa mover-se e levantar-se, a não ser pelos músculos do operador. ─ Mas se vísseis uma mesa manter-se no espaço sem contato e sem ponto de apoio, que diríeis? ─ Também não acreditaria, porque EU SEI que é impossível.

Crede, pois, que todos os Espíritos batedores de Carcassone e do mundo inteiro não chegarão jamais a vencer essas incredulidades absolutas e preconcebidas. O que há de melhor a fazer é deixá-los tranquilos. Quando, entre mil pessoas, novecentas e noventa acreditarem, o que não tardará muito, o que farão as dez restantes? Como agora, eles ainda dirão que só eles têm bom-senso, e que é preciso prender com os loucos os noventa e nove por cento da população. Deixemo-lhes, pois, essa inocente satisfação, e prossigamos nosso caminho sem nos inquietarmos com os retardatários.

A expressão eu sei que é impossível” nos traz à lembrança uma anedota: Um embaixador holandês, discutindo com o rei de Sião acerca de particularidades da Holanda, sobre as quais o príncipe se informava, entre outras coisas lhe disse que nesse país a água de tal modo endurecia na estação mais fria do ano, que os homens andavam sobre ela e que assim endurecida ela suportaria elefantes, se os houvesse. A isso respondeu o rei: “Senhor embaixador, até aqui acreditei nas coisas extraordinárias que me contastes, porque vos tinha como um homem honrado e probo, mas agora estou certo de que mentis.” Não é o equivalente a “eu sei que é impossível?

O fato acima relatado nada prova, dirão certos negadores, porque se o médium ignorava a coisa, o Sr. Sab a conhecia perfeitamente. É então o seu pensamento que se reproduzia. Assim, seria o pensamento do que não era médium que se refletia na mesa, tê-la-ia agitado de modo inteligente para fazê-la bater as pancadas indicadoras das letras que conformavam seu pensamento, e isto sem a sua vontade, sem a participação de suas mãos? Singular propriedade do pensamento! Só este fenômeno, admitida a vossa teoria, não seria prodigioso e digno de atenção? Por que, então, desdenhá-lo? Absorvei-vos na composição de um grão de areia; calculais cuidadosamente as proporções de seus elementos e só tendes desdém para uma manifestação tão estranha do pensamento! Se um novo raio do espectro solar se separar, logo estudareis as suas propriedades, sua ação química, calculareis seu ângulo de reflexão e seu poder refringente. Um raio do pensamento se isola, agita a matéria, reflete-se como a luz e isto não vos chama a atenção! Então dizeis: “De que adianta nos ocuparmos com isto? É apenas o pensamento!”

Mas, com essa teoria, como explicareis os numerosos fatos das revelações, quer pela tiptologia, quer pela escrita, de coisas completamente ignoradas por todos os assistentes, e cuja exatidão foi constatada, entre outros o de Simon Louvet, relatado na Revue de março de 1863? Do pensamento de quem tal comunicação poderia ser reflexo, se foi necessário recorrer a um jornal de seis anos antes para verificá-lo? É mais simples admitir que tivesse sido o pensamento do jornalista que o do Espírito de Simon Louvet? Então tendes muito medo de serdes forçado a concordar que a alma sobrevive ao corpo! E a ideia de ser aniquilado após a morte vos sorri mais que a de reviver em condições mais felizes e de reencontrar, no mundo dos Espíritos, as afeições deixadas na Terra! Se vos comprazeis na doce quietude de acabar para sempre no fundo da cova e de adormecer no seio da podridão do corpo, que mal vos fazem os que pensam o contrário, e por que persegui-los como inimigos do gênero humano? Na proporção da vossa crença, buscais fazer-lhes o mal; na medida da sua, eles não vo-lo fazem, mesmo que sem isso talvez se sentissem vingados de vossas injúrias. Eis a condenação das consequências sociais de vossas doutrinas.

Não nos recusamos a crer, dizem alguns dentre vós, mas não podemos ver, porque nos recusam até a entrada nas reuniões onde nos poderíamos convencer, e onde só se admitem pessoas convencidas. A entrada às reuniões vos é recusada por uma razão muito simples: É que não quereis fazer o necessário para vos esclarecerdes, nem seguir o caminho que vos é indicado. É que vindes às reuniões não para estudar fria e seriamente, mas com um sentimento hostil, com o pensamento de fazer aí prevalecerem vossas ideias preconcebidas, e que na maior parte do tempo para ali trazeis a perturbação. É que sem o respeito ao caráter privado, posto que não secreto, das reuniões, procurais aí penetrar pela astúcia, para satisfazer uma curiosidade inútil e para buscar assunto para o sarcasmo e muitas vezes para logo desnaturar o que tiverdes visto. Tais são os motivos de vossa exclusão, que nunca seria por demais rigorosa, porque sois nocivos a uns e sem utilidade para vós. Os que quiserem instruir-se conscientemente devem prová-lo por uma boa vontade paciente e perseverante, e os meios não lhes faltarão. Mas não se poderia ver tal boa vontade no desejo de submeter a coisa às suas exigências, em vez de, eles próprios, submeterem-se às exigências da coisa. Dito isto, deixemos os negadores em paz, esperando chegue a hora em que possam ver a luz.

A primeira resposta dada pelo Espírito de Félicia, para certas pessoas poderia parecer uma contradição. Ela diz que é do sexo feminino, e sabe-se que os Espíritos não têm sexo. É certo que não têm sexo, mas sabe-se que para se fazerem reconhecer se apresentam sob a forma que os conhecemos em vida. Para seu antigo marido, Félicia continua sendo mulher. Ela não podia, pois, apresentar-se a ele sob outro aspecto, pois lhe teria perturbado a lembrança. Há mais: quando este entrar no mundo dos Espíritos, encontrá-la-á como era na Terra, do contrário não a reconheceria. Mas pouco a pouco apagam-se os caracteres puramente físicos, para deixar que subsistam os essencialmente morais. É assim que a mãe encontra seu filho em tenra idade, posto na verdade não mais seja criança. Acrescentemos ainda que os caracteres materiais são tanto mais persistentes quanto menos desmaterializados os Espíritos, isto é, menos elevados na hierarquia dos seres. Depurando-se, os traços da materialidade desaparecem à medida que o pensamento se desliga da matéria. Eis por que os Espíritos inferiores, ainda presos à Terra, são, no mundo invisível, mais ou menos o que eram em vida, com os mesmos gostos e inclinações.

Sobre este capítulo faremos uma última observação. É sobre a qualificação de batedor, dada erradamente, em nossa opinião, ao Espírito que se comunica com o Sr. Jaubert. Tal qualificação não convém, como dissemos alhures, senão aos Espíritos que chamaríamos batedores de profissão e que pertencem sempre, pela pouca elevação das ideias e conhecimentos, às categorias inferiores. Assim não seria com esse, que prova, ao mesmo tempo, a superioridade de suas qualidades morais e intelectuais. Para ele, a tiptologia não é um divertimento. É um meio de transmissão do pensamento, do qual se serve por não ter encontrado no médium a faculdade necessária ao emprego de outro. Seu objetivo é sério, ao passo que o dos Espíritos batedores propriamente ditos é quase sempre fútil, quando não malévola. À qualificação de Espírito batedor, desde que pode ser tomada em mau sentido, preferimos a de Espírito tiptor, termo que se refere à linguagem tiptológica.

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