Senhor cura,
Admirai-vos que depois de dois anos não tenha respondido à vossa brochura contra o Espiritismo. Enganai-vos, pois desde a sua aparição tenho tratado, em vários artigos em minha Revista, da maioria das questões que levantais. Bem sei que teríeis desejado uma resposta pessoal, uma contra-brochura; que tivesse tomado vossos argumentos, um a um, para vos dar o prazer da réplica. Ora, eu cometi o erro irreparável de nem mesmo vos citar, mas tenho certeza que a vossa modéstia não considera isto um crime. Reparo hoje esta omissão, mas não penseis que seja para convosco entreter uma polêmica; não, limito-me a algumas reflexões simples e a vos explicar os meus motivos.
Para começar, dir-vos-ei que se não respondi diretamente à vossa brochura, foi porque anunciastes que ela deveria enterrar-nos vivos. Quis esperar o acontecimento e constato com prazer que não estamos mortos; que até o Espiritismo está um pouco mais vivaz que antes; que o número das sociedades se multiplica em todos os países; que em toda parte onde pregaram contra ele, cresceu o número de adeptos; que tal crescimento está na razão da violência dos ataques. Não são hipóteses, mas fatos autênticos que, na minha posição e pela extensão de minhas relações, estou melhor do que ninguém em condições de verificar. Além disto constato que os indigentes aos quais os padres zelosos tinham proibido de receber dádivas de pão dos espíritas caridosos, porque era o pão do diabo, não morreram por havê-lo comido; que os padeiros, aos quais tinham dito para não recebê-los, porque o diabo lhos roubaria, não perderam um só; que os industriais aos quais, sempre por zelo evangélico, quiseram cortar os víveres, roubando-lhes as suas práticas, acharam uma compensação nos novos fregueses, que lhes valeram o aumento do número de adeptos. Não duvido que desaproveis esta maneira de atacar o Espiritismo, mas os fatos, nem por isso, deixam de ser os fatos. Convireis que tais meios não são muito próprios a trazer de volta à religião os que dela se afastam. O medo pode deter momentaneamente, mas é um laço frágil, que se parte no primeiro momento; os únicos laços sólidos são os do coração, cimentados pela convicção. Ora, a convicção não se impõe pela força.
Sabeis, senhor cura, que a vossa brochura foi seguida de grande número de outras. Sobre muitas a vossa tem um mérito, o da perfeita urbanidade. Vós nos quereis matar polidamente e vos sou grato, mas em toda parte os argumentos são os mesmos, enunciados mais ou menos polidamente e em francês mais ou menos correto. Para refutá-los todos, artigo por artigo, teria tido que me repetir sem cessar, e, francamente, tenho coisas mais importantes a fazer. Isto, aliás, não tem utilidade, e ireis compreendê-lo.
Sou um homem positivo, sem entusiasmo, que tudo julga friamente; raciocino de acordo com os fatos e digo: Considerando-se que os espíritas são mais numerosos do que nunca, a despeito da brochura do padre Marouzeau e de todas as outras, a despeito de todos os sermões e mandamentos, é que os argumentos aí apresentados não persuadiram as massas, mas tiveram efeito contrário. Ora, julgar o valor da causa por seus efeitos, creio que é lógica elementar. Assim, para que refutá-los? Se eles nos servem em vez de prejudicar-nos, devemos evitar opor-lhes obstáculos. Vejo as coisas de um ponto de vista diverso do vosso, senhor padre. Como um general que observa o movimento da batalha, julgo a força dos golpes, não o ruído que fazem, mas o efeito que produzem. É o conjunto que vejo. Ora, o conjunto é satisfatório, eis tudo o que é preciso. Assim, as respostas individuais não teriam utilidade.
Quando trato de maneira geral as questões levantadas por algum adversário, não é para convencê-lo, pois isto não me preocupa, absolutamente, e ainda menos para fazê-lo renunciar à sua crença, que respeito quando sincera. É unicamente para a instrução dos espíritas, e porque encontro um ponto a desenvolver ou esclarecer. Refuto os princípios e não os indivíduos, porque os princípios ficam e os indivíduos desaparecem. É por isto que pouco me inquieto com personalidades que amanhã talvez não mais existam e das quais não mais se fale, seja qual for a importância que se dão.
Vejo muito mais o futuro que o presente; o conjunto e as coisas importantes mais que os fatos isolados e secundários. Reconduzir ao bem é, aos nossos olhos, a verdadeira conversão. Um homem arrancado às suas más inclinações e reconduzido a Deus e à caridade para com todos pelo Espiritismo é para nós a mais útil vitória; é a que nos causa a maior alegria, e agradecemos a Deus por no-la dar tantas vezes.
Para nós, a mais honrosa vitória não está em afastar um indivíduo deste ou daquele culto, de tal ou qual crença, pela violência ou pelo medo, mas em desviá-lo do mal pela persuasão. Nós apreciamos todas as convicções sinceras e não as obtidas pela força ou que apenas são aparentes.
É assim, por exemplo, que, em vossa brochura, perguntais quais os milagres que o Espiritismo pode invocar em seu favor. Respondi a essa questão pela Revista de fevereiro de 1862, no artigo intitulado O Espiritismo é provado pelos milagres? E, no mesmo golpe, respondi a todos os que fizeram a mesma pergunta.
Pedis milagres do Espiritismo, mas haverá um maior que sua incrível propagação, a despeito de tudo e contra tudo, malgrado os ataques de que é objeto; malgrado sobretudo os golpes tão terríveis que lhe haveis assestado? Não está aí um fato da vontade de Deus? “Não, direis vós, é a vontade do diabo.” Então concordais que a vontade do diabo é mais poderosa que a de Deus, e que é mais forte que a Igreja, pois a Igreja não pode detê-la. Mas este não é o único milagre que faz o Espiritismo. Ele os faz todos os dias, trazendo os incrédulos a Deus e convertendo ao bem os que se dão ao mal, dando-lhes a força de vencer as paixões más.
─ Vós lhe pedis milagres! Mas o fato relatado acima, do jovem A... não é um?
Por que não o fez a religião, deixando que o fizesse o Espiritismo, isto é, o diabo?
─ Não está aí o que se chama um milagre.
─ Mas a Igreja não qualifica certas conversões de miraculosas?
─ Sim, mas são conversões de heréticos à fé católica.
─ De sorte que a conversão do mal ao bem, em vossa opinião, não é um milagre. Preferiríeis um sinal material: a liquefação do sangue de São Januário; a cabeça de uma estátua que se move numa igreja; uma aparição no céu, como a cruz de Migné. O Espiritismo não faz estas espécies de milagres. Os únicos aos quais liga um preço infinito e uma glória, são as transformações morais que opera.
Senhor Padre, o tempo me pressiona e o espaço me falta. De outra vez direi ainda algumas palavras que vos poderão servir para a nova obra que preparais e que deve aniquilar para sempre o Espiritismo e os espíritas. A essa desejo melhor sorte que à primeira. Algumas passagens deste número talvez vos possam esclarecer quanto às dificuldades que tereis de superar para vencer.
Recebei, etc.
ALLAN KARDEC