Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Para o teu livro
(Sociedade de Paris, 11 de maio de 1866 - Médium: Sr. V...)


Em breve, criança, tu irás deixar

O teto humilde que te viu nascer,

Para o mundo correr e enfrentar

Os seus perigos e talvez morrer,

Sem haver alcançado o teu destino.

Antes de fugir do nosso lado,

Escuta, como outrora, ó meu menino,

A voz que te guiou no teu passado.

Ai de mim! meu filho, em teu caminho,

Muitas vezes a sarça orgulhosa

Rasgará as tuas brancas mãos,

E o seu venenoso espinho

Fará coxear o teu pé atingido

Mais de uma vez, na tua estrada.

Não importa! Longe daqui será preciso

Seguir a estrela que te ilumina,

E marchar sempre à frente;

Não ter saudades da pátria,

Da aldeia, do lar ausente,

E morrer sem chorar tua vida,

Se tinhas que perdê-la um dia,

Pregando a todos como doutrina

A fé, a caridade e o amor,

Únicos deveres de tua lei divina;

Por toda parte o orgulho extirpando,

Como o falso saber e o egoísmo,

Que se estendem qual mortalha

Sobre o berço do Espiritismo;

Repetindo o que a voz

De todos esses mundos invisíveis por vezes parece revelar-te

Em murmúrios indizíveis;

Lamentando um século grosseiro,

Que junta insulto e injúria

Quando te chama feiticeiro

Ou simples ledor da sorte;

Perdoando-lhe o seu desprezo;

Tentando pela prece

Pôr os seus muitos amigos

Sob tua santa e humilde bandeira.

Eu disse: Parte, meu filho! Adeus!

Difícil e pesada é a tua tarefa.

Mas crê e espera em teu Deus.

Ele a fará mais fácil.

Um Espírito Poeta.


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Na sessão seguinte, de 18 de maio, o mesmo médium escreveu espontaneamente o seguinte:

“Resposta a uma crítica a meus versos “Para o teu Livro”, feita um pouco levianamente, sexta-feira última, por um desconhecido que aqui não vejo esta noite.”


“Num bosque misterioso,

Oculto pela folhagem nascente

De verde lilás, todos os anos

Ouvia-se, na primavera,

Uma graciosa cotovia

Cantar sua linda cançoneta.

Os pássaros do bosque vizinho

Vinham, cada manhã,

Colocar-se perto dela, em silêncio,

Para melhor escutar a cadência

Que sua pura voz soltava,Desferia, perolava, modulava

Com uma graça infinita.

A multidão encantada, deslumbrada,

Aplaudia a diva

Quando por acaso chegou

Um jovem melro de negra plumagem

E pôs-se a assobiar de raiva

A monótona cançãoQue admiravam sem razão.

Súbito a cotovia parou,

Sorriu e disse ao desmancha prazer:

Vós que assobiais tão bem, deveis bem cantar.

Não se podia, belo melro, um dia vos escutar?

Sem responder o melro foi fugindo.

Por quê? Adivinhai-o... Boa noite! Eu vos deixo.


ALFRED DE MUSSET.

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