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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866 > Outubro
Outubro
Os tempos são chegados
Os tempos marcados por Deus são chegados, dizem-nos de todos os lados, nos quais grandes acontecimentos vão realizar-se, para a regeneração da Humanidade. Em que sentido devem ser entendidas essas palavras proféticas?
Para os incrédulos elas não têm qualquer importância. Aos seus olhos não passam de expressão de uma crença pueril sem fundamento. Para a maioria dos crentes, elas têm algo de místico e de sobrenatural que lhes parece precursor do desmoronamento das leis da Natureza. Estas duas interpretações são igualmente errôneas: a primeira, porque implica a negação da Providência e porque os fatos realizados provam a verdade dessas palavras; a segunda, porque elas não anunciam a perturbação das leis da Natureza, mas a sua realização.
Procuremos, pois, o sentido mais racional.
Tudo é harmonia na obra da criação; tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores nem nas maiores coisas. Então, para começar, devemos afastar toda ideia de capricho, inconciliável com a sabedoria divina; em segundo lugar, se nossa época está marcada para a realização de certas coisas, é que elas têm sua razão de ser na marcha geral do conjunto.
Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Ele progride fisicamente pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois progressos se seguem e marcham paralelamente, porque a perfeição da habitação está em relação com o habitante. Fisicamente, o globo sofreu transformações, constatadas pela Ciência, e que paulatinamente o tornaram habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados; moralmente, a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que se opera o melhoramento do globo, sob o império das forças materiais, os homens a isso contribuem pelos esforços da inteligência. Eles saneiam regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e a terra mais produtiva.
Esse duplo progresso se realiza de duas maneiras: uma lenta, gradual e imperceptível; a outra por mudanças mais bruscas, em cada uma das quais se opera um movimento ascensional mais rápido, que marca, por caracteres distintos, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados nos detalhes ao livre-arbítrio dos homens, são de certo modo fatais em seu conjunto, porque submetidos a leis, como os que se operam na germinação, no crescimento e na maturação das plantas, visto que o objetivo da Humanidade é o progresso, não obstante a marcha retardatária de algumas individualidades. Eis por que o movimento progressivo é algumas vezes parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, outras vezes geral. O progresso da Humanidade se efetua, pois, em virtude de uma lei. Ora, como todas as leis da Natureza são a obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo quanto seja efeito dessas leis, é resultado da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Então, quando a Humanidade está madura para transpor um degrau, podemos dizer que os tempos marcados por Deus são chegados, como podemos dizer também que em tal estação eles chegaram para a maturação dos frutos e para a colheita.
Considerando-se que o movimento progressivo da Humanidade é inevitável porque está em a Natureza, não se segue que Deus a isso seja indiferente, e que depois de haver estabelecido leis, ele tenha entrado em inércia, deixando as coisas irem por si mesmas. Suas leis são eternas e imutáveis, sem dúvida, mas porque sua própria vontade é eterna e constante, e seu pensamento anima todas as coisas sem interrupção; porque seu pensamento, que tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém tudo na harmonia, se esse pensamento deixasse de agir um só instante, o Universo seria como um relógio sem o balancim regulador. Assim, Deus vela incessantemente pela execução de suas leis, e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros encarregados dos detalhes, segundo as atribuições compatíveis com seu grau de adiantamento.
O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável conduzido por um número não menos incomensurável de inteligências; um imenso governo em que cada ser inteligente tem seu quinhão de ação sob o olhar do soberano Senhor cuja vontade única mantém a unidade por toda parte. Sob o império desse vasto poder regulador, tudo se move, tudo funciona numa ordem perfeita. Aquilo que nos parecem perturbações, são os movimentos parciais e isolados que só nos parecem irregulares porque nossa visão é circunscrita. Se pudéssemos abarcar o seu conjunto, veríamos que essas irregularidades são apenas aparentes e que elas estão em harmonia com o todo.
A previsão dos movimentos progressivos da Humanidade nada tem de surpreendente para os seres desmaterializados, que veem o fim para onde tendem todas as coisas, alguns dos quais possuem o pensamento direto de Deus e julgam, pelos movimentos parciais, o tempo no qual poderá realizar-se um movimento geral, como julgamos previamente o tempo necessário para uma árvore dar frutos, e como os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico pelo tempo que falta para um astro completar sua revolução.
Mas todos os que anunciam tais fenômenos, os autores de almanaques que predizem os eclipses e as marés, certamente não são, eles próprios, capazes de fazer os necessários cálculos. Eles são simples repetidores. Assim, há Espíritos secundários, cujo olhar é limitado, e que apenas repetem o que aos Espíritos superiores aprouve lhes revelar.
Até hoje a Humanidade realizou incontestáveis progressos. Por sua inteligência, os homens chegaram a resultados que jamais haviam atingido em termos de Ciências, Artes e bem-estar material. Resta-lhes ainda um grandioso resultado a atingir: fazer reinar entre si a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral. Eles não podiam fazê-lo com suas crenças, nem com suas instituições caducas, restos de outros tempos, boas numa certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que comportavam, seriam hoje uma estagnação. Assim acontece com um menino, cujas motivações do período infantil são impotentes quando chega a idade madura. Já não é mais apenas o desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a elevação do sentimento, e para tanto é preciso destruir tudo quanto poderia neles superexcitar o egoísmo e o orgulho.
É esse o período em que doravante eles vão entrar, e que marcará uma das principais fases da Humanidade. Essa fase que se elabora neste momento é o complemento necessário da etapa precedente, como a idade viril é o complemento da mocidade. Ela podia, pois, ser prevista e predita por antecipação, e é por isto que dizemos que os tempos marcados por Deus são chegados.
Neste tempo não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a um país, a um povo, a uma raça. É um movimento universal que se opera em termos de progresso moral.
Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer, e os homens que a ela mais se opõem, nela trabalham malgrado seu. A geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, achar-se-á animada de ideias e sentimentos completamente diversos dos sentimentos que animam a geração presente, que se afasta a passos de gigante. O velho mundo morrerá e viverá na História, como hoje os tempos medievais, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.
Ademais, cada um sabe que a ordem atual das coisas deixa a desejar. Depois de ter, de certo modo, esgotado o bem-estar material, que é produto da inteligência, chega-se a compreender que o complemento desse bem-estar não pode estar senão no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem contudo poder ainda defini-lo claramente: é o efeito do trabalho íntimo que se opera para a regeneração; têm-se desejos e aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.
Mas uma mudança tão radical quanto a que se elabora não pode realizar-se sem comoção; há lutas inevitáveis entre as ideias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso e de revés. Entretanto, como as ideias novas são as do progresso, e o progresso está nas leis da Natureza, elas não podem deixar de superar as ideias retrógradas. Desse conflito nascerão, forçosamente, perturbações temporárias, até que o terreno seja varrido dos obstáculos que se opõem à edificação do novo edifício social. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não de cataclismos ou de catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais eram consequência do período de formação da Terra; hoje não são mais as entranhas da Terra que se agitam, são as da Humanidade.
A Humanidade é um ser coletivo, no qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, com a diferença que umas se realizam de ano a ano e as outras de século em século. Acompanhando-as em sua evolução através dos tempos, ver-se-á a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia particular.
Ao lado dos movimentos parciais, há um movimento geral que dá impulso à Humanidade inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de adiantamento. Tal seria uma família composta de vários filhos, dos quais o caçula está no berço e o mais velho com dez anos, por exemplo. Em dez anos o mais velho terá vinte e será um homem, enquanto o mais novo terá apenas dez, e embora mais crescido será ainda uma criança, mas, no devido tempo, tornar-se-á homem. É assim que acontece com as diversas frações da Humanidade: os mais jovens avançam, mas não poderiam atingir de um salto o nível dos mais velhos.
Tornando-se adulta, a Humanidade tem novas necessidades, aspirações mais amplas, mais elevadas. Ela compreende o vazio das ideias com que foi embalada, a insuficiência de suas instituições para a sua felicidade, e não mais encontra nesse estado das coisas as satisfações legítimas a que se sente chamada, por isso sacode os cueiros e se atira, impulsionada por uma força irresistível, na direção de plagas desconhecidas, em busca de novos horizontes menos limitados. E é no momento em que se encontra muito sufocada em sua esfera material, quando a vida intelectual transborda, quando se expande o sentimento da espiritualidade, que certos homens, pretensos filósofos, esperam encher o vazio com as doutrinas do niilismo e do materialismo! Estranha aberração! Esses mesmos homens que pretendem levála adiante, esforçam-se por contê-la no círculo estreito da matéria, de onde ela aspira sair; obstam-lhe a visão da vida infinita e lhe dizem, mostrando-lhe o sepulcro: Nec plus ultra.
A marcha progressiva da Humanidade opera-se de duas maneiras, como dissemos: uma gradual, lenta, imperceptível, se considerarmos as épocas menos remotas, o que se traduz por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos, e que não percebemos senão com o tempo, como as alterações que as correntes de água provocam na superfície do globo; a outra, por um movimento relativamente brusco, rápido, semelhante ao de uma torrente rompendo seus diques, que lhe faz transpor em alguns anos o espaço que teria levado séculos a percorrer. É então um cataclismo moral que em poucos instantes devora as instituições do passado e ao qual sucede uma nova ordem de coisas que se estabelece pouco a pouco, à medida que a calma se restabelece e se torna definitiva.
Para aquele que vive tempo suficiente para abarcar os dois aspectos da nova fase, parece que um mundo novo saiu das ruínas do antigo; o caráter, os costumes, os usos, tudo é mudado. É que, com efeito, homens novos, ou melhor, regenerados, surgiram. As ideias sustentadas pela geração que se extingue deram lugar a ideias novas, na geração que se ergue.
É a um desses períodos de transformação ou, se quiserem, de crescimento moral, que chegou a Humanidade. Da adolescência ela passa à idade viril. O passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; ela não mais pode ser conduzida pelos mesmos meios; não mais se permite ilusões e artifícios. A razão amadurecida requer alimentos mais substanciais. O presente é efêmero; ela sente que seu destino é mais vasto e que a vida corporal é demasiadamente restrita para contê-la inteira. É por isso que ela mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de aí descobrir o mistério de sua existência e nele colher uma segurança consoladora.
Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o circunscreva à produção de alguns fenômenos, compreende que ele abre à Humanidade um novo caminho e lhe desdobra os horizontes do infinito. Iniciando-o nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual quanto no estado corporal. O homem já não caminha cegamente. Ele sabe de onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe mostra em sua realidade, livre dos preconceitos da ignorância e da superstição; não é mais uma esperança, é uma verdade palpável, para ele tão certa quanto a sucessão dos dias e das noites. Ele sabe que o seu ser não está limitado a alguns instantes de uma existência cuja duração está submetida ao capricho do acaso; que a vida espiritual não é interrompida pela morte; que ele já viveu e viverá novamente, e que de tudo o que adquire em perfeição pelo trabalho nada fica perdido; encontra nas existências anteriores a razão do que ele é hoje, e do que hoje ele se faz, pode concluir o que será um dia.
Com o pensamento que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização são limitadas à vida presente, que nada fomos e nada seremos, que interesse tem para o homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam melhor governados, mais felizes, mais esclarecidos, melhores uns para com os outros? Considerando-se que disso ele não tira nenhum proveito, esse progresso para ele não é perdido? De que lhe serve trabalhar pelos que virão depois, se jamais deverá conhecê-los; se serão seres novos que logo mais também eles entrarão no nada? Sob o império da negação do futuro individual, tudo se reduz, forçosamente, às mesquinhas proporções do momento e da personalidade.
Mas, ao contrário, que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade de seu ser espiritual! Que força, que coragem não adquire contra as vicissitudes da vida material! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador que essa lei, segundo a qual a vida espiritual e a vida corporal não são senão dois modos de existência que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo e consolador que a ideia dos seres progredindo sem cessar, a princípio através das gerações de um mesmo mundo e, a seguir, de mundo em mundo, até a perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm, assim, um objetivo, porque, trabalhando para todos, trabalha-se para si, e vice-versa, de sorte que nem o progresso individual, nem o progresso geral jamais são estéreis, porquanto beneficiam tanto as gerações quanto as individualidades futuras, que não são outra coisa senão as individualidades passadas que atingiram um mais alto grau de adiantamento.
A vida espiritual é a vida normal e eterna do Espírito e a encarnação não é senão uma forma temporária de sua existência. Salvo a vestimenta exterior, há, pois, identidade entre os encarnados e os desencarnados; são as mesmas individualidades sob dois aspectos diferentes, ora pertencendo ao mundo visível, ora ao mundo invisível, encontrando-se ora num, ora noutro, concorrendo num e noutro para o mesmo objetivo, por meios apropriados à sua situação.
Dessa lei decorre a da perpetuidade das relações entre os seres. A morte não os separa e não põe um termo às suas relações de simpatia, nem aos seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um e de cada um para todos; daí, também, a fraternidade. Os homens não viverão felizes na Terra senão quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus corações e em seus costumes, porque então a eles sujeitarão suas leis e instituições. Será este um dos principais resultados da transformação que se opera.
Mas como conciliar os deveres da solidariedade e da fraternidade com a crença que a morte torna os homens para sempre estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das relações que liga todos os seres, o Espiritismo funda esse duplo princípio sobre as próprias leis da Natureza. Disto faz não só um dever, mas uma necessidade. Pela da pluralidade das existências, o homem se liga ao que está feito e ao que será feito, aos homens do passado e aos do futuro; ele não mais pode dizer que nada tem de comum com os que morrem, pois uns e outros encontram-se incessantemente, neste e no outro mundo, para subirem juntos a escada do progresso e se prestarem mútuo apoio. A fraternidade não mais está circunscrita a alguns indivíduos que o acaso reúne durante a duração efêmera de uma vida; é perpétua como a vida do Espírito, universal como a Humanidade, que constitui uma grande família cujos membros são todos solidários reciprocamente, seja qual for a época em que tenham vivido.
Tais são as ideias que ressaltam do Espiritismo, e que ele suscitará entre todos os homens quando estiver universalmente difundido, compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo, a fraternidade, sinônimo da caridade pregada pelo Cristo, já não é uma palavra vã; ela tem a sua razão de ser. Do sentimento de fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres sociais de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça. Destes dois sentimentos bem compreendidos sairão, forçosamente, as mais proveitosas instituições para o bem-estar de todos.
A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas não haverá fraternidade real, sólida e efetiva se não for apoiada em base inabalável, e essa base é a fé, não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e pelos quais os povos se atiram pedras, porque, anatematizandose, eles entretêm o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que todo mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não dele, olhar-seão como filhos de um mesmo pai e dar-se-ão as mãos. Esta é a fé que o Espiritismo dá e que será, de agora em diante, o pivô em torno do qual mover-se-á o gênero humano, sejam quais forem as maneiras de o adorar e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas das quais não tem que se ocupar. Apenas desta fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres. Sem ela, o direito é o que é dado pela força; o dever, um código humano imposto por constrangimento. Sem ela, o que é o homem? Um pouco de matéria que se dissolve, um ser efêmero que apenas passa. Sem ela o próprio gênio não é senão uma centelha que brilha um instante para extinguir-se para sempre, e certamente nisto não há motivo para reabilitá-lo a seus próprios olhos. Com tal pensamento, onde estão realmente os direitos e os deveres? Qual o objetivo do progresso? Somente esta fé faz o homem sentir sua dignidade pela perpetuidade e pela progressão de seu ser, não em um futuro mesquinho e circunscrito à sua personalidade, mas grandiosa e esplêndida; seu pensamento o eleva acima da Terra; ele se sente crescer, pensando que tem seu papel no Universo; que esse Universo é o seu domínio que um dia ele poderá percorrer, e que a morte não o transformará numa nulidade ou num ser inútil a si e aos outros.
O progresso intelectual realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas ele sozinho é impotente para regenerá-la; enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em proveito de suas paixões e de seus interesses pessoais, motivo pelo qual os aplica ao aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e de destruí-los.
Só o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens na Terra, pondo um freio nas paixões más; só ele pode fazer reinar a concórdia entre eles, a paz e a fraternidade. É ele que destruirá as barreiras dos povos; que fará caírem os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas, ensinando aos homens a se olharem como irmãos chamados a se ajudarem mutuamente e não a viver uns às custas dos outros. É ainda o progresso moral, aqui secundado pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens na mesma crença, estabelecida sobre as verdades eternas, não sujeitas a discussões, e por isto mesmo aceita por todos. A unidade de crença será o mais poderoso laço, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, em todos os tempos quebrada pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo, inimigos que é preciso afugentar, combater, exterminar, em vez de irmãos que é preciso amar.
Um tal estado de coisas supõe uma radical mudança no sentimento das massas, um progresso geral que não poderia realizar-se senão saindo do círculo das ideias estreitas e terra a terra que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade por esse caminho, mas a Humanidade, ainda muito jovem, ficou surda, e seus ensinamentos foram como a boa semente que caiu sobre a pedra.
Hoje ela está madura para lançar suas vistas para mais alto do que o fez, a fim de assimilar ideias mais amplas e compreender o que não havia compreendido.
A geração que desaparece levará consigo seus preconceitos e seus erros; a geração que surge, fortalecida numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais sãs, imprimirá ao mundo o movimento ascensional no sentido do progresso moral que deve marcar a nova fase da Humanidade.
Essa fase se já revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, pelas ideias grandes e generosas que vêm à luz e que começam a encontrar eco. É assim que vemos serem fundadas muitas instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e por iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais diariamente se impregnam de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se abrandam e os povos começam a olhar-se como membros de uma grande família. Pela uniformidade e facilidade dos meios de transporte, eles suprimem as barreiras que os dividiam em todas as partes do mundo, reúnem-se em comissões universais para torneios pacíficos da inteligência. Mas falta para essas reformas uma base para se desenvolverem, para se completarem e se consolidarem, uma predisposição moral mais geral para frutificarem e se fazerem aceitas pelas massas. Isto não é menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que será realizado em mais vasta escala, à medida que o tempo se tornar propício.
Um sinal não menos característico do período em que entramos é a reação evidente que se opera nas ideias espiritualistas. Uma repulsa instintiva se manifesta contra as ideias materialistas, cujos representantes se tornam menos numerosos e menos absolutos. O espírito de incredulidade que se havia apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas, e que havia feito com que elas rejeitassem, juntamente com a forma, o próprio fundo de qualquer crença, parece ter sido um sono, ao sair do qual se experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde se fez o vazio, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio, uma esperança.
Nesse grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo inventado por uma crítica trocista, mas o Espiritismo filosófico, tal qual o compreende quem se dê ao trabalho de procurar a amêndoa dentro da casca. Pela prova que ele traz das verdades fundamentais, ele enche o vazio que a incredulidade engendra nas ideias e nas crenças; pela certeza que ele dá num futuro conforme à justiça de Deus, e que a mais severa razão pode admitir, ele tempera os amargores da vida e conjura os funestos efeitos do desespero.
Dando a conhecer novas leis da Natureza, ele dá a chave de fenômenos incompreendidos e de problemas até agora insolúveis e mata, ao mesmo tempo, a incredulidade e a superstição. Para ele não há sobrenatural nem maravilhoso; tudo se realiza no mundo em virtude de leis imutáveis. Longe de substituir um exclusivismo por outro, coloca-se como campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para todos os homens de bem e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de chegar, pelos próprios esforços, pela expiação e pela reparação, à perfeição que, só ela, conduz à suprema felicidade. Em vez de desencorajar o fraco, encorajao, mostrando-lhe o fim que pode atingir.
Ele não diz: Fora do Espiritismo não há salvação, mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação, princípio de união, de tolerância, que ligará os homens num sentimento comum de fraternidade, em vez de dividi-los em seitas inimigas. Por este outro princípio: Não há fé inabalável senão a que pode olhar a razão face a face em todas as idades da Humanidade, ele destrói o império da fé cega que aniquila a razão e da obediência passiva que embrutece; emancipa a inteligência do homem e levanta o seu moral.
Consequente consigo mesmo, ele não se impõe; diz o que é, o que quer, o que dá, e espera que a ele venham livremente, voluntariamente; quer ser aceito pela razão e não pela força. Ele respeita todas as crenças sinceras e não combate senão a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia, que são as chagas da Sociedade e os mais sérios obstáculos ao progresso moral; mas não lança o anátema a ninguém, nem mesmo aos seus inimigos, porque está convencido que o caminho do bem está aberto aos mais imperfeitos, os quais, mais cedo ou mais tarde nele entrarão.
Se supusermos a maioria dos homens imbuídos desses sentimentos, facilmente poderemos imaginar
as modificações que trarão às relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para todas as crenças, tal será a sua divisa. É o objetivo a que, evidentemente, tende a Humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que se dê conta dos meios de realizá-los; ela tenta, tateia, mas é detida pelas resistências ativas ou pela força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São essas resistências que devem ser vencidas, e isto será a obra da nova geração. Quem acompanhar o curso atual das coisas reconhecerá que tudo parece predestinado a lhe abrir o caminho. Ela terá a seu favor o duplo poder do número e das ideias, além da experiência do passado.
Assim, a nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que tiver chegado. Caminhando o Espiritismo em busca do mesmo objetivo e realizando os seus planos, encontrar-se-á com ela no mesmo terreno, onde não serão concorrentes, mas colaboradores, prestando-se mútuo apoio. Os homens de progresso encontrarão nas ideias espíritas uma poderosa alavanca, e o Espiritismo encontrará nos homens novos, espíritos absolutamente dispostos a acolhê-lo. Nesse estado de coisas, que poderão fazer os que quiserem criar obstáculos?
Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a maturidade da Humanidade que faz dessa renovação uma necessidade. Por seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplidão de suas vistas, pela generalidade das questões que abarca, o Espiritismo está, mais que qualquer outra doutrina, apto a secundar o movimento regenerador. É por isto que é seu contemporâneo. Ele veio no momento em que podia ser útil, porque também para ele os tempos são chegados. Mais cedo ele teria encontrado obstáculos intransponíveis; inevitavelmente teria sucumbido, porque os homens, satisfeitos com o que tinham, ainda não experimentavam a necessidade daquilo que ele traz. Hoje, nascido com o movimento das ideias que fermentam, ele encontra o terreno preparado para recebê-lo. Cansados da dúvida e da incerteza, apavorados com o abismo que se abre à sua frente, os espíritos o acolhem como uma tábua de salvação e uma suprema consolação.
Dizendo que a Humanidade está madura para a regeneração, isto não quer dizer que todos os indivíduos estejam no mesmo grau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão brotar; então eles se mostrarão mais adiantados do que se pensava, e seguirão com entusiasmo o impulso da maioria.
Há, entretanto, os que são fundamentalmente refratários, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente jamais se ligarão, pelo menos nesta existência, uns de boa-fé, por convicção; outros por interesse. Aqueles cujos interesses materiais estão ligados ao presente estado de coisas e que não estão suficientemente adiantados para deles libertar-se, aos quais o bem geral sensibiliza menos que o de sua pessoa, não podem ver sem apreensão o menor movimento reformador; a verdade é para eles uma questão secundária, ou melhor, a verdade está toda inteira no que não lhes causa nenhuma perturbação; todas as ideias progressistas são aos seus olhos ideias subversivas e é por isso que lhes votam um ódio implacável e lhes fazem uma guerra encarniçada. Muito inteligentes para não verem no Espiritismo um auxiliar dessas ideias e os elementos da transformação que temem, porque não se sentem à sua altura, eles se esforçam para abatê-lo; se o julgassem sem valor e sem autoridade, com ele não se preocupariam. Em outro momento já dissemos que “Quanto maior é uma ideia, mais adversários encontra, e pode medir-se a sua importância pela violência dos ataques de que ela é objeto.”
O número dos retardatários sem dúvida ainda é grande, mas o que podem eles fazer contra a onda que cresce, senão jogar pedras contra ela? Essa onda é a geração que surge, ao passo que eles desaparecem com a geração que diariamente vai se extinguindo a largos passos. Até lá eles defenderão o terreno palmo a palmo. Há, pois, uma luta inevitável, mas desigual, porque é a do passado decrépito que cai aos pedaços, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a vontade de Deus, pois os tempos marcados para eles são chegados.
Nota: As reflexões que precedem são o desenvolvimento das instruções dadas pelos Espíritos sobre o mesmo assunto, num grande número de comunicações, a nós e a outras pessoas. A que publicamos a seguir é o resumo de várias conversas que tivemos, através de dois dos nossos médiuns habituais, em estado de sonambulismo extático, e que, ao despertar, não conservam nenhuma lembrança. Coordenamos metodicamente as ideias, a fim de lhes dar uma melhor sequência, eliminando todos os detalhes e acessórios supérfluos. Os pensamentos foram reproduzidos com muita exatidão, e as palavras são também tão textuais quanto foi possível recolhê-las pela audição.
Para os incrédulos elas não têm qualquer importância. Aos seus olhos não passam de expressão de uma crença pueril sem fundamento. Para a maioria dos crentes, elas têm algo de místico e de sobrenatural que lhes parece precursor do desmoronamento das leis da Natureza. Estas duas interpretações são igualmente errôneas: a primeira, porque implica a negação da Providência e porque os fatos realizados provam a verdade dessas palavras; a segunda, porque elas não anunciam a perturbação das leis da Natureza, mas a sua realização.
Procuremos, pois, o sentido mais racional.
Tudo é harmonia na obra da criação; tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores nem nas maiores coisas. Então, para começar, devemos afastar toda ideia de capricho, inconciliável com a sabedoria divina; em segundo lugar, se nossa época está marcada para a realização de certas coisas, é que elas têm sua razão de ser na marcha geral do conjunto.
Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Ele progride fisicamente pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois progressos se seguem e marcham paralelamente, porque a perfeição da habitação está em relação com o habitante. Fisicamente, o globo sofreu transformações, constatadas pela Ciência, e que paulatinamente o tornaram habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados; moralmente, a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que se opera o melhoramento do globo, sob o império das forças materiais, os homens a isso contribuem pelos esforços da inteligência. Eles saneiam regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e a terra mais produtiva.
Esse duplo progresso se realiza de duas maneiras: uma lenta, gradual e imperceptível; a outra por mudanças mais bruscas, em cada uma das quais se opera um movimento ascensional mais rápido, que marca, por caracteres distintos, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados nos detalhes ao livre-arbítrio dos homens, são de certo modo fatais em seu conjunto, porque submetidos a leis, como os que se operam na germinação, no crescimento e na maturação das plantas, visto que o objetivo da Humanidade é o progresso, não obstante a marcha retardatária de algumas individualidades. Eis por que o movimento progressivo é algumas vezes parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, outras vezes geral. O progresso da Humanidade se efetua, pois, em virtude de uma lei. Ora, como todas as leis da Natureza são a obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo quanto seja efeito dessas leis, é resultado da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Então, quando a Humanidade está madura para transpor um degrau, podemos dizer que os tempos marcados por Deus são chegados, como podemos dizer também que em tal estação eles chegaram para a maturação dos frutos e para a colheita.
Considerando-se que o movimento progressivo da Humanidade é inevitável porque está em a Natureza, não se segue que Deus a isso seja indiferente, e que depois de haver estabelecido leis, ele tenha entrado em inércia, deixando as coisas irem por si mesmas. Suas leis são eternas e imutáveis, sem dúvida, mas porque sua própria vontade é eterna e constante, e seu pensamento anima todas as coisas sem interrupção; porque seu pensamento, que tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém tudo na harmonia, se esse pensamento deixasse de agir um só instante, o Universo seria como um relógio sem o balancim regulador. Assim, Deus vela incessantemente pela execução de suas leis, e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros encarregados dos detalhes, segundo as atribuições compatíveis com seu grau de adiantamento.
O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável conduzido por um número não menos incomensurável de inteligências; um imenso governo em que cada ser inteligente tem seu quinhão de ação sob o olhar do soberano Senhor cuja vontade única mantém a unidade por toda parte. Sob o império desse vasto poder regulador, tudo se move, tudo funciona numa ordem perfeita. Aquilo que nos parecem perturbações, são os movimentos parciais e isolados que só nos parecem irregulares porque nossa visão é circunscrita. Se pudéssemos abarcar o seu conjunto, veríamos que essas irregularidades são apenas aparentes e que elas estão em harmonia com o todo.
A previsão dos movimentos progressivos da Humanidade nada tem de surpreendente para os seres desmaterializados, que veem o fim para onde tendem todas as coisas, alguns dos quais possuem o pensamento direto de Deus e julgam, pelos movimentos parciais, o tempo no qual poderá realizar-se um movimento geral, como julgamos previamente o tempo necessário para uma árvore dar frutos, e como os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico pelo tempo que falta para um astro completar sua revolução.
Mas todos os que anunciam tais fenômenos, os autores de almanaques que predizem os eclipses e as marés, certamente não são, eles próprios, capazes de fazer os necessários cálculos. Eles são simples repetidores. Assim, há Espíritos secundários, cujo olhar é limitado, e que apenas repetem o que aos Espíritos superiores aprouve lhes revelar.
Até hoje a Humanidade realizou incontestáveis progressos. Por sua inteligência, os homens chegaram a resultados que jamais haviam atingido em termos de Ciências, Artes e bem-estar material. Resta-lhes ainda um grandioso resultado a atingir: fazer reinar entre si a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral. Eles não podiam fazê-lo com suas crenças, nem com suas instituições caducas, restos de outros tempos, boas numa certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que comportavam, seriam hoje uma estagnação. Assim acontece com um menino, cujas motivações do período infantil são impotentes quando chega a idade madura. Já não é mais apenas o desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a elevação do sentimento, e para tanto é preciso destruir tudo quanto poderia neles superexcitar o egoísmo e o orgulho.
É esse o período em que doravante eles vão entrar, e que marcará uma das principais fases da Humanidade. Essa fase que se elabora neste momento é o complemento necessário da etapa precedente, como a idade viril é o complemento da mocidade. Ela podia, pois, ser prevista e predita por antecipação, e é por isto que dizemos que os tempos marcados por Deus são chegados.
Neste tempo não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a um país, a um povo, a uma raça. É um movimento universal que se opera em termos de progresso moral.
Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer, e os homens que a ela mais se opõem, nela trabalham malgrado seu. A geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, achar-se-á animada de ideias e sentimentos completamente diversos dos sentimentos que animam a geração presente, que se afasta a passos de gigante. O velho mundo morrerá e viverá na História, como hoje os tempos medievais, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.
Ademais, cada um sabe que a ordem atual das coisas deixa a desejar. Depois de ter, de certo modo, esgotado o bem-estar material, que é produto da inteligência, chega-se a compreender que o complemento desse bem-estar não pode estar senão no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem contudo poder ainda defini-lo claramente: é o efeito do trabalho íntimo que se opera para a regeneração; têm-se desejos e aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.
Mas uma mudança tão radical quanto a que se elabora não pode realizar-se sem comoção; há lutas inevitáveis entre as ideias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso e de revés. Entretanto, como as ideias novas são as do progresso, e o progresso está nas leis da Natureza, elas não podem deixar de superar as ideias retrógradas. Desse conflito nascerão, forçosamente, perturbações temporárias, até que o terreno seja varrido dos obstáculos que se opõem à edificação do novo edifício social. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não de cataclismos ou de catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais eram consequência do período de formação da Terra; hoje não são mais as entranhas da Terra que se agitam, são as da Humanidade.
A Humanidade é um ser coletivo, no qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, com a diferença que umas se realizam de ano a ano e as outras de século em século. Acompanhando-as em sua evolução através dos tempos, ver-se-á a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia particular.
Ao lado dos movimentos parciais, há um movimento geral que dá impulso à Humanidade inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de adiantamento. Tal seria uma família composta de vários filhos, dos quais o caçula está no berço e o mais velho com dez anos, por exemplo. Em dez anos o mais velho terá vinte e será um homem, enquanto o mais novo terá apenas dez, e embora mais crescido será ainda uma criança, mas, no devido tempo, tornar-se-á homem. É assim que acontece com as diversas frações da Humanidade: os mais jovens avançam, mas não poderiam atingir de um salto o nível dos mais velhos.
Tornando-se adulta, a Humanidade tem novas necessidades, aspirações mais amplas, mais elevadas. Ela compreende o vazio das ideias com que foi embalada, a insuficiência de suas instituições para a sua felicidade, e não mais encontra nesse estado das coisas as satisfações legítimas a que se sente chamada, por isso sacode os cueiros e se atira, impulsionada por uma força irresistível, na direção de plagas desconhecidas, em busca de novos horizontes menos limitados. E é no momento em que se encontra muito sufocada em sua esfera material, quando a vida intelectual transborda, quando se expande o sentimento da espiritualidade, que certos homens, pretensos filósofos, esperam encher o vazio com as doutrinas do niilismo e do materialismo! Estranha aberração! Esses mesmos homens que pretendem levála adiante, esforçam-se por contê-la no círculo estreito da matéria, de onde ela aspira sair; obstam-lhe a visão da vida infinita e lhe dizem, mostrando-lhe o sepulcro: Nec plus ultra.
A marcha progressiva da Humanidade opera-se de duas maneiras, como dissemos: uma gradual, lenta, imperceptível, se considerarmos as épocas menos remotas, o que se traduz por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos, e que não percebemos senão com o tempo, como as alterações que as correntes de água provocam na superfície do globo; a outra, por um movimento relativamente brusco, rápido, semelhante ao de uma torrente rompendo seus diques, que lhe faz transpor em alguns anos o espaço que teria levado séculos a percorrer. É então um cataclismo moral que em poucos instantes devora as instituições do passado e ao qual sucede uma nova ordem de coisas que se estabelece pouco a pouco, à medida que a calma se restabelece e se torna definitiva.
Para aquele que vive tempo suficiente para abarcar os dois aspectos da nova fase, parece que um mundo novo saiu das ruínas do antigo; o caráter, os costumes, os usos, tudo é mudado. É que, com efeito, homens novos, ou melhor, regenerados, surgiram. As ideias sustentadas pela geração que se extingue deram lugar a ideias novas, na geração que se ergue.
É a um desses períodos de transformação ou, se quiserem, de crescimento moral, que chegou a Humanidade. Da adolescência ela passa à idade viril. O passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; ela não mais pode ser conduzida pelos mesmos meios; não mais se permite ilusões e artifícios. A razão amadurecida requer alimentos mais substanciais. O presente é efêmero; ela sente que seu destino é mais vasto e que a vida corporal é demasiadamente restrita para contê-la inteira. É por isso que ela mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de aí descobrir o mistério de sua existência e nele colher uma segurança consoladora.
Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o circunscreva à produção de alguns fenômenos, compreende que ele abre à Humanidade um novo caminho e lhe desdobra os horizontes do infinito. Iniciando-o nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual quanto no estado corporal. O homem já não caminha cegamente. Ele sabe de onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe mostra em sua realidade, livre dos preconceitos da ignorância e da superstição; não é mais uma esperança, é uma verdade palpável, para ele tão certa quanto a sucessão dos dias e das noites. Ele sabe que o seu ser não está limitado a alguns instantes de uma existência cuja duração está submetida ao capricho do acaso; que a vida espiritual não é interrompida pela morte; que ele já viveu e viverá novamente, e que de tudo o que adquire em perfeição pelo trabalho nada fica perdido; encontra nas existências anteriores a razão do que ele é hoje, e do que hoje ele se faz, pode concluir o que será um dia.
Com o pensamento que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização são limitadas à vida presente, que nada fomos e nada seremos, que interesse tem para o homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam melhor governados, mais felizes, mais esclarecidos, melhores uns para com os outros? Considerando-se que disso ele não tira nenhum proveito, esse progresso para ele não é perdido? De que lhe serve trabalhar pelos que virão depois, se jamais deverá conhecê-los; se serão seres novos que logo mais também eles entrarão no nada? Sob o império da negação do futuro individual, tudo se reduz, forçosamente, às mesquinhas proporções do momento e da personalidade.
Mas, ao contrário, que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade de seu ser espiritual! Que força, que coragem não adquire contra as vicissitudes da vida material! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador que essa lei, segundo a qual a vida espiritual e a vida corporal não são senão dois modos de existência que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo e consolador que a ideia dos seres progredindo sem cessar, a princípio através das gerações de um mesmo mundo e, a seguir, de mundo em mundo, até a perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm, assim, um objetivo, porque, trabalhando para todos, trabalha-se para si, e vice-versa, de sorte que nem o progresso individual, nem o progresso geral jamais são estéreis, porquanto beneficiam tanto as gerações quanto as individualidades futuras, que não são outra coisa senão as individualidades passadas que atingiram um mais alto grau de adiantamento.
A vida espiritual é a vida normal e eterna do Espírito e a encarnação não é senão uma forma temporária de sua existência. Salvo a vestimenta exterior, há, pois, identidade entre os encarnados e os desencarnados; são as mesmas individualidades sob dois aspectos diferentes, ora pertencendo ao mundo visível, ora ao mundo invisível, encontrando-se ora num, ora noutro, concorrendo num e noutro para o mesmo objetivo, por meios apropriados à sua situação.
Dessa lei decorre a da perpetuidade das relações entre os seres. A morte não os separa e não põe um termo às suas relações de simpatia, nem aos seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um e de cada um para todos; daí, também, a fraternidade. Os homens não viverão felizes na Terra senão quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus corações e em seus costumes, porque então a eles sujeitarão suas leis e instituições. Será este um dos principais resultados da transformação que se opera.
Mas como conciliar os deveres da solidariedade e da fraternidade com a crença que a morte torna os homens para sempre estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das relações que liga todos os seres, o Espiritismo funda esse duplo princípio sobre as próprias leis da Natureza. Disto faz não só um dever, mas uma necessidade. Pela da pluralidade das existências, o homem se liga ao que está feito e ao que será feito, aos homens do passado e aos do futuro; ele não mais pode dizer que nada tem de comum com os que morrem, pois uns e outros encontram-se incessantemente, neste e no outro mundo, para subirem juntos a escada do progresso e se prestarem mútuo apoio. A fraternidade não mais está circunscrita a alguns indivíduos que o acaso reúne durante a duração efêmera de uma vida; é perpétua como a vida do Espírito, universal como a Humanidade, que constitui uma grande família cujos membros são todos solidários reciprocamente, seja qual for a época em que tenham vivido.
Tais são as ideias que ressaltam do Espiritismo, e que ele suscitará entre todos os homens quando estiver universalmente difundido, compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo, a fraternidade, sinônimo da caridade pregada pelo Cristo, já não é uma palavra vã; ela tem a sua razão de ser. Do sentimento de fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres sociais de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça. Destes dois sentimentos bem compreendidos sairão, forçosamente, as mais proveitosas instituições para o bem-estar de todos.
A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas não haverá fraternidade real, sólida e efetiva se não for apoiada em base inabalável, e essa base é a fé, não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e pelos quais os povos se atiram pedras, porque, anatematizandose, eles entretêm o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que todo mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não dele, olhar-seão como filhos de um mesmo pai e dar-se-ão as mãos. Esta é a fé que o Espiritismo dá e que será, de agora em diante, o pivô em torno do qual mover-se-á o gênero humano, sejam quais forem as maneiras de o adorar e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas das quais não tem que se ocupar. Apenas desta fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres. Sem ela, o direito é o que é dado pela força; o dever, um código humano imposto por constrangimento. Sem ela, o que é o homem? Um pouco de matéria que se dissolve, um ser efêmero que apenas passa. Sem ela o próprio gênio não é senão uma centelha que brilha um instante para extinguir-se para sempre, e certamente nisto não há motivo para reabilitá-lo a seus próprios olhos. Com tal pensamento, onde estão realmente os direitos e os deveres? Qual o objetivo do progresso? Somente esta fé faz o homem sentir sua dignidade pela perpetuidade e pela progressão de seu ser, não em um futuro mesquinho e circunscrito à sua personalidade, mas grandiosa e esplêndida; seu pensamento o eleva acima da Terra; ele se sente crescer, pensando que tem seu papel no Universo; que esse Universo é o seu domínio que um dia ele poderá percorrer, e que a morte não o transformará numa nulidade ou num ser inútil a si e aos outros.
O progresso intelectual realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas ele sozinho é impotente para regenerá-la; enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em proveito de suas paixões e de seus interesses pessoais, motivo pelo qual os aplica ao aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e de destruí-los.
Só o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens na Terra, pondo um freio nas paixões más; só ele pode fazer reinar a concórdia entre eles, a paz e a fraternidade. É ele que destruirá as barreiras dos povos; que fará caírem os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas, ensinando aos homens a se olharem como irmãos chamados a se ajudarem mutuamente e não a viver uns às custas dos outros. É ainda o progresso moral, aqui secundado pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens na mesma crença, estabelecida sobre as verdades eternas, não sujeitas a discussões, e por isto mesmo aceita por todos. A unidade de crença será o mais poderoso laço, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, em todos os tempos quebrada pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo, inimigos que é preciso afugentar, combater, exterminar, em vez de irmãos que é preciso amar.
Um tal estado de coisas supõe uma radical mudança no sentimento das massas, um progresso geral que não poderia realizar-se senão saindo do círculo das ideias estreitas e terra a terra que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade por esse caminho, mas a Humanidade, ainda muito jovem, ficou surda, e seus ensinamentos foram como a boa semente que caiu sobre a pedra.
Hoje ela está madura para lançar suas vistas para mais alto do que o fez, a fim de assimilar ideias mais amplas e compreender o que não havia compreendido.
A geração que desaparece levará consigo seus preconceitos e seus erros; a geração que surge, fortalecida numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais sãs, imprimirá ao mundo o movimento ascensional no sentido do progresso moral que deve marcar a nova fase da Humanidade.
Essa fase se já revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, pelas ideias grandes e generosas que vêm à luz e que começam a encontrar eco. É assim que vemos serem fundadas muitas instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e por iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais diariamente se impregnam de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se abrandam e os povos começam a olhar-se como membros de uma grande família. Pela uniformidade e facilidade dos meios de transporte, eles suprimem as barreiras que os dividiam em todas as partes do mundo, reúnem-se em comissões universais para torneios pacíficos da inteligência. Mas falta para essas reformas uma base para se desenvolverem, para se completarem e se consolidarem, uma predisposição moral mais geral para frutificarem e se fazerem aceitas pelas massas. Isto não é menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que será realizado em mais vasta escala, à medida que o tempo se tornar propício.
Um sinal não menos característico do período em que entramos é a reação evidente que se opera nas ideias espiritualistas. Uma repulsa instintiva se manifesta contra as ideias materialistas, cujos representantes se tornam menos numerosos e menos absolutos. O espírito de incredulidade que se havia apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas, e que havia feito com que elas rejeitassem, juntamente com a forma, o próprio fundo de qualquer crença, parece ter sido um sono, ao sair do qual se experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde se fez o vazio, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio, uma esperança.
Nesse grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo inventado por uma crítica trocista, mas o Espiritismo filosófico, tal qual o compreende quem se dê ao trabalho de procurar a amêndoa dentro da casca. Pela prova que ele traz das verdades fundamentais, ele enche o vazio que a incredulidade engendra nas ideias e nas crenças; pela certeza que ele dá num futuro conforme à justiça de Deus, e que a mais severa razão pode admitir, ele tempera os amargores da vida e conjura os funestos efeitos do desespero.
Dando a conhecer novas leis da Natureza, ele dá a chave de fenômenos incompreendidos e de problemas até agora insolúveis e mata, ao mesmo tempo, a incredulidade e a superstição. Para ele não há sobrenatural nem maravilhoso; tudo se realiza no mundo em virtude de leis imutáveis. Longe de substituir um exclusivismo por outro, coloca-se como campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para todos os homens de bem e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de chegar, pelos próprios esforços, pela expiação e pela reparação, à perfeição que, só ela, conduz à suprema felicidade. Em vez de desencorajar o fraco, encorajao, mostrando-lhe o fim que pode atingir.
Ele não diz: Fora do Espiritismo não há salvação, mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação, princípio de união, de tolerância, que ligará os homens num sentimento comum de fraternidade, em vez de dividi-los em seitas inimigas. Por este outro princípio: Não há fé inabalável senão a que pode olhar a razão face a face em todas as idades da Humanidade, ele destrói o império da fé cega que aniquila a razão e da obediência passiva que embrutece; emancipa a inteligência do homem e levanta o seu moral.
Consequente consigo mesmo, ele não se impõe; diz o que é, o que quer, o que dá, e espera que a ele venham livremente, voluntariamente; quer ser aceito pela razão e não pela força. Ele respeita todas as crenças sinceras e não combate senão a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia, que são as chagas da Sociedade e os mais sérios obstáculos ao progresso moral; mas não lança o anátema a ninguém, nem mesmo aos seus inimigos, porque está convencido que o caminho do bem está aberto aos mais imperfeitos, os quais, mais cedo ou mais tarde nele entrarão.
Se supusermos a maioria dos homens imbuídos desses sentimentos, facilmente poderemos imaginar
as modificações que trarão às relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para todas as crenças, tal será a sua divisa. É o objetivo a que, evidentemente, tende a Humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que se dê conta dos meios de realizá-los; ela tenta, tateia, mas é detida pelas resistências ativas ou pela força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São essas resistências que devem ser vencidas, e isto será a obra da nova geração. Quem acompanhar o curso atual das coisas reconhecerá que tudo parece predestinado a lhe abrir o caminho. Ela terá a seu favor o duplo poder do número e das ideias, além da experiência do passado.
Assim, a nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que tiver chegado. Caminhando o Espiritismo em busca do mesmo objetivo e realizando os seus planos, encontrar-se-á com ela no mesmo terreno, onde não serão concorrentes, mas colaboradores, prestando-se mútuo apoio. Os homens de progresso encontrarão nas ideias espíritas uma poderosa alavanca, e o Espiritismo encontrará nos homens novos, espíritos absolutamente dispostos a acolhê-lo. Nesse estado de coisas, que poderão fazer os que quiserem criar obstáculos?
Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a maturidade da Humanidade que faz dessa renovação uma necessidade. Por seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplidão de suas vistas, pela generalidade das questões que abarca, o Espiritismo está, mais que qualquer outra doutrina, apto a secundar o movimento regenerador. É por isto que é seu contemporâneo. Ele veio no momento em que podia ser útil, porque também para ele os tempos são chegados. Mais cedo ele teria encontrado obstáculos intransponíveis; inevitavelmente teria sucumbido, porque os homens, satisfeitos com o que tinham, ainda não experimentavam a necessidade daquilo que ele traz. Hoje, nascido com o movimento das ideias que fermentam, ele encontra o terreno preparado para recebê-lo. Cansados da dúvida e da incerteza, apavorados com o abismo que se abre à sua frente, os espíritos o acolhem como uma tábua de salvação e uma suprema consolação.
Dizendo que a Humanidade está madura para a regeneração, isto não quer dizer que todos os indivíduos estejam no mesmo grau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão brotar; então eles se mostrarão mais adiantados do que se pensava, e seguirão com entusiasmo o impulso da maioria.
Há, entretanto, os que são fundamentalmente refratários, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente jamais se ligarão, pelo menos nesta existência, uns de boa-fé, por convicção; outros por interesse. Aqueles cujos interesses materiais estão ligados ao presente estado de coisas e que não estão suficientemente adiantados para deles libertar-se, aos quais o bem geral sensibiliza menos que o de sua pessoa, não podem ver sem apreensão o menor movimento reformador; a verdade é para eles uma questão secundária, ou melhor, a verdade está toda inteira no que não lhes causa nenhuma perturbação; todas as ideias progressistas são aos seus olhos ideias subversivas e é por isso que lhes votam um ódio implacável e lhes fazem uma guerra encarniçada. Muito inteligentes para não verem no Espiritismo um auxiliar dessas ideias e os elementos da transformação que temem, porque não se sentem à sua altura, eles se esforçam para abatê-lo; se o julgassem sem valor e sem autoridade, com ele não se preocupariam. Em outro momento já dissemos que “Quanto maior é uma ideia, mais adversários encontra, e pode medir-se a sua importância pela violência dos ataques de que ela é objeto.”
O número dos retardatários sem dúvida ainda é grande, mas o que podem eles fazer contra a onda que cresce, senão jogar pedras contra ela? Essa onda é a geração que surge, ao passo que eles desaparecem com a geração que diariamente vai se extinguindo a largos passos. Até lá eles defenderão o terreno palmo a palmo. Há, pois, uma luta inevitável, mas desigual, porque é a do passado decrépito que cai aos pedaços, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a vontade de Deus, pois os tempos marcados para eles são chegados.
Nota: As reflexões que precedem são o desenvolvimento das instruções dadas pelos Espíritos sobre o mesmo assunto, num grande número de comunicações, a nós e a outras pessoas. A que publicamos a seguir é o resumo de várias conversas que tivemos, através de dois dos nossos médiuns habituais, em estado de sonambulismo extático, e que, ao despertar, não conservam nenhuma lembrança. Coordenamos metodicamente as ideias, a fim de lhes dar uma melhor sequência, eliminando todos os detalhes e acessórios supérfluos. Os pensamentos foram reproduzidos com muita exatidão, e as palavras são também tão textuais quanto foi possível recolhê-las pela audição.
Instruções dos Espíritos sobre a regeneração da humanidade
(Paris, abril de 1866 - Médiuns: Srs. M e T em sonambulismo)
Os acontecimentos se precipitam com rapidez, por isto não vos dizemos mais, como outrora: “Os tempos estão próximos”; agora dizemos: “Os tempos estão chegados.”
Por estas palavras não entendais um novo dilúvio, nem um cataclismo, nem um desabamento geral. Convulsões parciais do globo ocorreram em todas as épocas e ainda se produzem, pois se devem à sua constituição, mas não são sinais dos tempos.
Entretanto, tudo quanto está predito no Evangelho deve realizar-se e se realiza neste momento, como reconhecereis mais tarde. Mas não tomeis os sinais anunciados senão como figuras, cujo espírito, e não a letra, deve ser apreendido. Todas as escrituras encerram grandes verdades sob o véu da alegoria e é porque os comentadores se apegaram à letra que se confundiram. Faltou-lhes a chave para que compreendessem o verdadeiro sentido. Essa chave está nas descobertas da Ciência e nas leis do mundo invisível que o Espiritismo vem revelar-vos. De agora em diante, com o auxílio desses novos conhecimentos, o que era obscuro torna-se claro e inteligível.
Tudo segue a ordem natural das coisas, e as leis imutáveis de Deus não serão perturbadas. Assim, não vereis milagres nem prodígios, nem nada de sobrenatural, no sentido vulgar ligado a estas palavras.
Não olheis para o céu a fim de aí buscar sinais precursores, pois não os vereis, e aqueles que vo-los anunciam vos enganarão, mas olhai em torno de vós, entre os homens, e aí os encontrareis.
Não sentis um vento que sopra na Terra e agita todos os Espíritos? O mundo está à espera e como que tomado por um vago pressentimento à aproximação da tempestade.
Não acrediteis, entretanto, no fim do mundo material; a Terra progrediu desde a sua transformação; ela deve continuar progredindo, e não ser destruída. Mas a Humanidade chegou a um de seus períodos de transformação, e a Terra vai elevar-se na hierarquia dos mundos.
Não é, pois, o fim do mundo material que se prepara, mas o fim do mundo moral; é o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do egoísmo, do orgulho, do fanatismo que se esboroa. Cada dia leva consigo alguns fragmentos. Tudo acabará para ele com a geração que se vai e a geração nova erguerá o novo edifício que as gerações seguintes consolidarão e completarão.
De mundo de expiação, a Terra está chamada a tornar-se um dia um mundo feliz, e nela habitar será uma recompensa, em vez de ser uma punição. O reinado do bem aí deve suceder o do mal.
Para que os homens sejam felizes na Terra, é necessário que ela seja povoada somente por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o bem. Como já chegou esse tempo, uma grande emigração se realiza neste momento, entre os que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal e que não são tocados pelo bem, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque aí trariam novamente a perturbação e a confusão e seriam um obstáculo ao progresso. Eles irão expiar seu endurecimento nos mundos inferiores, para onde levarão os conhecimentos adquiridos, e terão por missão promover o progresso desses mundos. Serão substituídos na Terra por Espíritos melhores, que farão reinar entre eles a justiça, a paz, a fraternidade.
A Terra, já o dissemos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá gradualmente, e a nova a sucederá, sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas. Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito, com uma única diferença, mas essa diferença é capital: Uma parte dos Espíritos que aí encarnavam não mais encarnarão. Numa criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e votado ao mal que ali encarnaria, será um Espírito mais adiantado e dedicado ao bem. Trata-se, pois, muito menos de uma nova geração corporal que de uma nova geração de Espíritos. Assim, aqueles que esperavam ver a transformação operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos ficarão decepcionados.
A época atual é de transição. Confundem-se os elementos das duas gerações. Colocados em ponto intermediário, vós assistis à partida de uma e à chegada da outra, e cada um já está marcado no mundo pelos caracteres que lhe são próprios.
As duas gerações que sucedem uma à outra têm ideias e pontos de vista diametralmente opostos. Pela natureza das disposições morais, mas sobretudo das disposições intuitivas e inatas, é fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.
A nova geração, que deve estabelecer a era de progresso moral, distingue-se por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, aliadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é sinal indubitável de um certo grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, já tendo progredido, estão predispostos a assimilar todas as ideias progressistas e aptos a secundar o movimento regenerador.
Ao contrário, o que distingue os Espíritos atrasados é, para começar, a revolta contra Deus pela negação da Providência e de todo poder superior à Humanidade; depois, a propensão instintiva às paixões degradantes, aos sentimentos do egoísmo, do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim a predominância do apego a tudo o que é material.
São esses os vícios de que a Terra deve ser expurgada pelo afastamento dos que recusam emendar-
se, porque eles são incompatíveis com o reino da fraternidade e porque os homens de bem sofrerão sempre com o seu contato. A Terra deles ficará livre e os homens marcharão sem entraves para o futuro melhor, que lhes está reservado aqui embaixo, como prêmio aos seus esforços e à sua perseverança, enquanto esperam que uma depuração ainda mais completa lhes abra a entrada dos mundos superiores.
Por essa emigração de Espíritos não se deve entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra e relegados a mundos inferiores. Ao contrário, muitos aqui voltarão, porque muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; neles a casca era pior que o cerne. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos preconceitos do mundo corporal, a maioria deles verá as coisas de maneira completamente diferente do que quando vivos, do que tendes numerosos exemplos. Nisto são ajudados pelos Espíritos benevolentes que por eles se interessam e que se esforçam em esclarecê-los e mostrar-lhes o falso caminho que seguiram. Por vossas preces e exortações, vós mesmos podeis contribuir para seu melhoramento, porque há solidariedade perpétua entre vivos e mortos.
Aqueles poderão, pois, voltar, com o que serão felizes, pois isto será uma recompensa. Que importa o que tiverem sido ou feito, se estão animados de melhores sentimentos! Longe de serem hostis à Sociedade e ao progresso, eles serão auxiliares úteis, porque pertencerão à nova geração.
Não haverá, assim, exclusão definitiva senão para os Espíritos fundamentalmente rebeldes, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais do que a ignorância, tornam surdos à voz do bem e da razão. Mas esses mesmos não estão votados a uma inferioridade perpétua, e dia virá em que repudiarão o seu passado e abrirão os olhos à luz. Orai, pois, por esses endurecidos, a fim de que se emendem enquanto ainda há tempo, pois aproxima-se o dia da expiação.
Infelizmente, a maioria deles, desconhecendo a voz de Deus, persistirá em sua cegueira, e sua resistência marcará o fim de seu reino por lutas terríveis. Em seu desvario, eles próprios correrão para a sua perda; darão impulso à destruição, que gerará uma multidão de flagelos e calamidades, de sorte que, sem o querer, apressarão a chegada da era da renovação.
E como se a destruição não marchasse bastante depressa, ver-se-ão os suicídios multiplicando-se numa proporção incrível, até entre as crianças. A loucura jamais terá ferido um maior número de homens que antes da morte serão riscados do número dos vivos. São estes os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isto realizar-se-á pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que em nada sejam derrogadas as leis da Natureza.
Contudo, através da nuvem sombria que vos envolve e em cujo seio ruge a tempestade, observai que já surgem os primeiros raios da era nova! A fraternidade lança os seus fundamentos em todos os pontos do globo e os povos se estendem as mãos; a barbárie adquire hábitos familiares ao contato da civilização; os preconceitos de raça e de seita, que fizeram correr rios de sangue, se extinguem; o fanatismo e a intolerância perdem terreno, enquanto a liberdade de consciência penetra os costumes e torna-se um direito. Por toda parte fermentam as ideias; vê-se o mal e experimentam-se os remédios, mas muitos andam sem bússola e se tresmalham nas utopias. O mundo está num imenso trabalho de parto que durará um século. Nesse trabalho, ainda confuso, vê-se, entretanto, dominar uma tendência para um objetivo: o da unidade e da uniformidade que predispõem à fraternização.
São ainda sinais dos tempos. Mas, enquanto os outros são os da agonia do passado, estes últimos são os primeiros vagidos da criança que nasce, os precursores da aurora que o próximo século verá levantarse, porque então a nova geração estará em toda a sua força. Tanto a fisionomia do século dezenove difere da do século dezoito, sob certos pontos de vista, quanto a do século vinte será diferente da do dezenove, sob outros pontos de vista.
Um dos caracteres distintivos da nova geração será a fé inata, não a fé exclusiva e cega que divide os homens, mas a fé raciocinada, que esclarece e fortalece, que os une e os confunde num comum sentimento de amor a Deus e ao próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os últimos vestígios da incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao progresso moral e social.
O Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque arruína os dois maiores obstáculos que a ela se opõem: a incredulidade e o fanatismo. Ele dá uma fé sólida e esclarecida; ele desenvolve todos os sentimentos e todas as ideias que correspondem às vistas da nova geração, e é por isso que ele é inato e existe em estado de intuição no coração de seus representantes. A era nova vê-lo-á, pois, crescer e prosperar pela própria força das coisas. Ele constituirá a base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as instituições.
Mas, daqui até lá, quantas lutas terá ainda que sustentar contra os seus dois maiores inimigos, a incredulidade e o fanatismo que, coisa bizarra, se dão as mãos para abatê-lo! Eles pressentem o seu futuro e a sua própria ruína, por isso o temem, pois já o veem plantar sobre as ruínas do velho mundo egoísta, a bandeira que deve unir todos os povos. Na divina máxima: Fora da caridade não há salvação, leem sua própria condenação, porque é o símbolo da nova aliança fraterna proclamada pelo Cristo[1]. Ela se lhes mostra como as palavras fatais do festim de Baltazar. Entretanto, eles deveriam bendizer essa máxima, porque ela os resguarda de todas as represálias daqueles que eles perseguem. Mas não, uma força cega os constrange a rejeitar a única coisa que poderia salvá-los!
O que poderão eles contra o ascendente da opinião que os repudia? O Espiritismo sairá triunfante da luta, não duvideis, porque ele está nas leis da Natureza, e é, por isto mesmo, imperecível. Vede por intermédio de que multidão de meios a ideia se expande e penetra em toda parte. Crede, mesmo, que esses meios não são fortuitos, mas providenciais, pois aquilo que à primeira vista parece que deveria prejudicálo é precisamente o que propicia a sua propagação.
Em breve ele verá surgirem campeões altamente situados entre os homens mais considerados e mais acreditados, que o apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo, e imporão silêncio aos seus detratores, porque esses não ousarão tratá-los de loucos. Esses homens o estudam em silêncio e mostrarse-ão quando chegar o momento propício. Até lá, é útil que se mantenham à distância.
Em breve também vereis as artes aí haurirem ideias, como numa fonte fecunda, e traduzirem seus pensamentos e os horizontes que descobrem, através da pintura, da música, da poesia e da literatura. Já vos foi dito que haveria um dia uma arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande verdade, porque os maiores gênios nele se inspirarão.
Em breve vereis os seus primeiros esboços, e mais tarde ele ocupará o lugar que lhe cabe.
Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens de coração e devotamento. Não temais os obstáculos, pois nenhum poderá entravar os desígnios da Providência. Trabalhai sem desânimo e agradecei a Deus por vos haver colocado na vanguarda da nova falange. É um posto de honra que vós mesmos pedistes, e do qual vos deveis tornar dignos pela vossa coragem, perseverança e devotamento. Felizes os que sucumbirem nesta luta contra a força; mas, no mundo dos Espíritos, a vergonha será para os que sucumbirem pela fraqueza ou pela pusilanimidade. Aliás, as lutas são necessárias para fortalecer a alma; o contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem. Sem as lutas que estimulam as faculdades, o Espírito deixar-se-ia arrastar por uma despreocupação funesta ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos desenvolvem as forças físicas e a inteligência; as lutas contra o mal desenvolvem as forças morais.
OBSERVAÇÕES:
1ª ─ A maneira pela qual se opera a transformação é muito simples e, como se vê, é toda moral e em nada se afasta das leis da Natureza. Por que, então, os incrédulos rejeitam essas ideias, se elas nada têm de sobrenatural? É que, segundo eles, a lei de vitalidade cessa com a morte do corpo, ao passo que para nós ela prossegue sem interrupção; eles restringem sua ação e nós a estendemos. Eis por que dizemos que os fenômenos da vida espiritual não saem das leis da Natureza. Para eles o sobrenatural começa onde acaba a apreciação pelos sentidos.
2ª ─ Quer os Espíritos da nova geração sejam novos Espíritos melhores, ou os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o mesmo. Desde que eles tragam melhores disposições, é sempre uma renovação. Os Espíritos encarnados formam assim duas categorias, conforme suas disposições naturais: a dos Espíritos retardatários que partem e a dos Espíritos progressistas que chegam. O estado dos costumes e da Sociedade estará, pois, num povo, numa raça ou no mundo inteiro, na razão do estado da categoria que tiver a preponderância.
Para simplificar a questão, seja dado um povo, num grau qualquer de adiantamento, composto de vinte milhões de almas, por exemplo. Sendo a renovação dos Espíritos feita na mesma proporção das extinções, isoladas ou em massa, necessariamente houve um momento em que a geração dos Espíritos retardatários ultrapassava em número a dos Espíritos progressistas que eram apenas raros representantes sem influência, e cujos esforços para fazer predominar o bem e as ideias progressistas seriam neutralizadas. Ora, partindo uns e chegando outros, após um dado tempo, as duas forças se equilibram e sua influência se contrabalança. Mais tarde, os recém-chegados são maioria e sua influência torna-se preponderante, embora ainda entravada pela dos primeiros; estes, continuando a diminuir enquanto os outros se multiplicam, acabarão por desaparecer; chegará então um momento em que a influência da nova geração será exclusiva.
Nós assistimos a essa transformação, ao conflito que resulta da luta das ideias contrárias que tentam implantar-se. Umas marcham com a bandeira do passado, outras com a do futuro. Se examinarmos o estado atual do mundo, reconheceremos que, tomada em conjunto, a Humanidade terrena ainda está longe do ponto intermediário em que as forças se equilibrarão; que os povos, considerados isoladamente, estão a uma grande distância uns dos outros, nessa escada; que alguns atingiram esse ponto, mas nenhum ainda o ultrapassou. Aliás, a distância que os separa dos pontos extremos está longe de ser igual em duração, e uma vez transposto o limite, o novo caminho será percorrido com mais rapidez, porquanto uma porção de circunstâncias virão aplainá-lo.
Assim se realiza a transformação da Humanidade. Sem a emigração, isto é, sem a partida dos Espíritos retardatários que não devem voltar, ou que não devem voltar senão depois de se haverem melhorado, a Humanidade terrena nem por isto ficará indefinidamente estacionária, porque os Espíritos mais atrasados por sua vez progridem; mas teriam sido necessários séculos, talvez milhares de anos, para atingir o resultado que meio século bastará para realizar.
Uma comparação vulgar dará a compreender ainda melhor o que ocorre em tal circunstância. Suponhamos um regimento composto, em sua grande maioria, de homens turbulentos e indisciplinados. Eles provocarão incessantes desordens que a severidade da lei penal muitas vezes terá dificuldade em reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque são mais numerosos; eles se sustentam, encorajam-se e se estimulam pelo exemplo. Os poucos bons não têm influência; seus conselhos são desprezados; eles são escarnecidos e maltratados pelos outros e sofrem com esse contato. Não é esta a imagem da Sociedade atual?
Suponhamos que tais homens sejam retirados do regimento, um a um, dez a dez, cem a cem, e substituídos por número igual de bons soldados, mesmo pelos que tiverem sido expulsos mas que se tenham corrigido. Ao cabo de algum tempo teremos ainda o mesmo regimento, mas transformado; a boa ordem nele terá substituído a desordem. Assim será com a Humanidade regenerada.
As grandes partidas coletivas não têm como objetivo apenas ativar as saídas, mas também transformar mais rapidamente o espírito da massa, desembaraçando-a das más influências, e de imprimir maior ascendente às ideias novas.
É porque muitos, malgrado suas imperfeições, estão maduros para essa transformação, que muitos partem a fim de se retemperar numa fonte mais pura. Se tivessem ficado no mesmo meio e sob as mesmas influências, teriam persistido em suas opiniões e sua maneira de ver as coisas. Uma estada no mundo dos Espíritos basta para lhes abrir os olhos, porque aí veem o que não podiam ver na Terra. O incrédulo, o fanático, o absolutista poderão, assim, voltar com ideias inatas de fé, de tolerância e de liberdade. Por sua vez, encontrarão as coisas mudadas e serão submetidos ao ascendente do novo meio onde nascerem. Em vez de fazer oposição às ideias novas, serão seus auxiliares.
A regeneração da Humanidade, portanto, absolutamente não necessita de uma renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais, e essa modificação se opera na intimidade de todos aqueles que a isto estejam predispostos, quando subtraídos à influência perniciosa do mundo. Aqueles que vêm não são sempre outros Espíritos, mas muitas vezes os mesmos Espíritos, pensando e sentindo diversamente.
Quando essa transformação para melhor é isolada e individual, ela passa despercebida, e não tem influência ostensiva no mundo. O efeito é diferente quando se opera simultaneamente em grandes massas, e porque então, conforme as proporções, em uma geração, as ideias de um povo ou de uma raça poderão ser profundamente modificadas.
É o que notamos quase sempre depois dos grandes abalos que dizimam populações. Os flagelos destruidores destroem o corpo mas não atingem o Espírito. Eles ativam o movimento de vai-e-vem entre o mundo corporal e o mundo espiritual e, em consequência, o movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados.
É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve determinar o remanejamento da Humanidade. A multiplicidade das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque elas devem apressar o surgimento dos novos germes. São as folhas de outono que caem, e às quais sucederão novas folhas, cheias de vida, pois a Humanidade tem as suas estações, assim como os indivíduos têm as suas faixas etárias. As folhas mortas da Humanidade caem, levadas pela ventania, mas para renascer mais vivazes, sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.
Para o materialista, os flagelos destruidores são calamidades sem compensação, sem resultados úteis, pois que, segundo ele, elas aniquilam os seres sem retorno. Mas para aquele que sabe que a morte destrói apenas o envoltório, eles não têm as mesmas consequências e não causam o menor pavor, porque ele compreende o seu objetivo e sabe também que os homens não perdem mais morrendo em conjunto do que isoladamente, porque, de um ou de outro modo, é preciso lá chegar.
Os incrédulos rirão destas coisas e as tratarão como quimeras. Mas, digam o que disserem, não escaparão à lei comum. Eles cairão como os outros, quando chegar a sua vez, e então, o que lhes acontecerá? Nada, dizem eles, entretanto, a despeito de si mesmos, um dia eles serão forçados a abrir os olhos.
NOTA: A comunicação seguinte nos foi endereçada durante a viagem que acabamos de fazer, por um dos nossos queridos protetores invisíveis. Embora tenha um caráter pessoal, ela tem tudo a ver com a grande questão que acabamos de tratar, que ela confirma. Por esse motivo, julgamos oportuno colocá-la aqui, porquanto as pessoas perseguidas por suas crenças espíritas, nela encontrarão úteis encorajamentos.“Paris, lº de setembro de 1866.
“Já faz bastante tempo que não marco minha presença em vossas reuniões dando uma comunicação assinada com o meu nome. Não julgueis, caro mestre, que seja por indiferença ou esquecimento, mas eu não via necessidade de manifestar-me e deixava a outros mais dignos o encargo de vos dar instruções úteis. Entretanto, aí estava e seguia com o maior interesse os progressos desta cara doutrina à qual devo a felicidade e a calma dos últimos anos de minha vida. Eu aí estava, e o meu bom amigo Sr. T... vos deu mais de uma vez essa certeza durante suas horas de sono e de êxtase. Ele inveja minha felicidade e também aspira vir para o mundo que habito agora, quando o contempla brilhando no céu estrelado e remete o seu pensamento às suas rudes provas.
“Eu também as tive muito penosas. Graças ao Espiritismo eu as suportei sem me lastimar e as bendigo agora, pois lhes devo o meu adiantamento. Que ele tenha paciência; dizei-lhe que ele virá para cá um dia, mas que antes deve voltar à Terra, para vos ajudar na conclusão de vossa tarefa. Mas então, como tudo estará mudado! Julgar-vos-eis ambos num mundo novo.
“Meu amigo, enquanto puderdes, repousai o espírito e o cérebro fatigados pelo trabalho; reuni forças materiais, porque em breve muito tereis que gastar. Os acontecimentos, que de agora em diante vão suceder-se com rapidez, vos chamarão à estacada. Sede firme de corpo e de espírito, a fim de estar em condições de lutar com proveito. Então será preciso lutar sem descanso. Mas, como já vos disseram, não estareis só para carregar o fardo; auxiliares sérios mostrar-se-ão, no devido tempo. Escutai, pois, os conselhos do bom doutor Demeure e guardai-vos de toda fadiga inútil ou prematura. Aliás, aí estaremos para vos aconselhar e vos advertir.
“Desconfiai dos dois partidos extremos que agitam o Espiritismo, quer para restringi-lo ao passado, quer para precipitar seu avanço. Temperai os ardores prejudiciais e não vos deixeis arrastar pelas tergiversações dos tímidos ou, o que é mais perigoso, mas que infelizmente é muito verdadeiro, pelas sugestões dos emissários inimigos.
“Marchai com passo firme e seguro, como fizestes até aqui, sem vos inquietar com o que digam à direita ou à esquerda, seguindo a inspiração dos vossos guias e da vossa razão, e não vos arriscareis a deixar a carruagem do Espiritismo sair dos trilhos. Muitos empurram esse invejado carro para precipitar sua queda. Cegos e presunçosos! Ele passará, a despeito dos obstáculos, e não deixará no abismo senão os seus inimigos e os invejosos desconcertados por terem servido ao seu triunfo.
“Os fenômenos já surgem e vão surgir de todos os lados, sob os mais variados aspectos. Mediunidade curadora, doenças incompreensíveis, efeitos físicos inexplicáveis pela Ciência, tudo se reunirá num futuro próximo, para assegurar nossa vitória definitiva, para a qual concorrerão novos defensores.
“Mas quantas lutas ainda será necessário sustentar, e também quantas vítimas! não sangrentas, sem dúvida, mas feridas em seus interesses e em suas afeições. Mais de um desfalecerá ao peso das inimizades desencadeadas contra tudo o que carrega o nome de espírita. Ditosos, porém, aqueles que tiverem mantido sua firmeza na adversidade! Por isto eles serão bem recompensados, mesmo aqui embaixo, materialmente. As perseguições são as provações da sinceridade de sua fé, de sua coragem e de sua perseverança. A confiança que houverem posto em Deus não será vã. Todos os sofrimentos, todos os vexames, todas as humilhações que tiverem suportado pela causa serão valores dos quais nenhum será perdido. Os bons Espíritos velam por eles e os contam e saberão bem separar os devotamentos sinceros das dedicações fictícias. Se a roda da fortuna os trai momentaneamente e os lança no pó, em breve os erguerá mais alto que nunca, dando-lhes a consideração pública e destruindo os obstáculos amontoados em seu caminho. Mais tarde alegrar-se-ão por terem pago seu tributo à causa, e quanto maior for esse tributo, mais bela será a sua parte.
“Nestes tempos de provas, ser-vos-á necessário prodigalizar a todos a vossa força e a vossa firmeza. A todos serão necessários também encorajamento e conselhos. Também será necessário fechar os olhos às defecções dos mornos e dos covardes. De vossa parte, também tereis muito a perdoar...
“Mas eu paro aqui, porque se posso tecer-vos conjeturas acerta do conjunto dos acontecimentos, nada me é permitido precisar. Tudo quanto posso dizer-vos é que não sucumbiremos na luta. Podem cercar a verdade com as trevas do erro, mas é impossível abafá-la. Sua chama é imortal e brilhará mais cedo ou mais tarde.
“VIÚVA F...”
NOTA: Adiamos para o próximo número a continuação do nosso estudo sobre Maomé e o Islamismo, porque, pelo encadeamento das ideias e para a compreensão das deduções, era útil que ele fosse precedido pelo artigo acima.
[1] Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XV.
Por estas palavras não entendais um novo dilúvio, nem um cataclismo, nem um desabamento geral. Convulsões parciais do globo ocorreram em todas as épocas e ainda se produzem, pois se devem à sua constituição, mas não são sinais dos tempos.
Entretanto, tudo quanto está predito no Evangelho deve realizar-se e se realiza neste momento, como reconhecereis mais tarde. Mas não tomeis os sinais anunciados senão como figuras, cujo espírito, e não a letra, deve ser apreendido. Todas as escrituras encerram grandes verdades sob o véu da alegoria e é porque os comentadores se apegaram à letra que se confundiram. Faltou-lhes a chave para que compreendessem o verdadeiro sentido. Essa chave está nas descobertas da Ciência e nas leis do mundo invisível que o Espiritismo vem revelar-vos. De agora em diante, com o auxílio desses novos conhecimentos, o que era obscuro torna-se claro e inteligível.
Tudo segue a ordem natural das coisas, e as leis imutáveis de Deus não serão perturbadas. Assim, não vereis milagres nem prodígios, nem nada de sobrenatural, no sentido vulgar ligado a estas palavras.
Não olheis para o céu a fim de aí buscar sinais precursores, pois não os vereis, e aqueles que vo-los anunciam vos enganarão, mas olhai em torno de vós, entre os homens, e aí os encontrareis.
Não sentis um vento que sopra na Terra e agita todos os Espíritos? O mundo está à espera e como que tomado por um vago pressentimento à aproximação da tempestade.
Não acrediteis, entretanto, no fim do mundo material; a Terra progrediu desde a sua transformação; ela deve continuar progredindo, e não ser destruída. Mas a Humanidade chegou a um de seus períodos de transformação, e a Terra vai elevar-se na hierarquia dos mundos.
Não é, pois, o fim do mundo material que se prepara, mas o fim do mundo moral; é o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do egoísmo, do orgulho, do fanatismo que se esboroa. Cada dia leva consigo alguns fragmentos. Tudo acabará para ele com a geração que se vai e a geração nova erguerá o novo edifício que as gerações seguintes consolidarão e completarão.
De mundo de expiação, a Terra está chamada a tornar-se um dia um mundo feliz, e nela habitar será uma recompensa, em vez de ser uma punição. O reinado do bem aí deve suceder o do mal.
Para que os homens sejam felizes na Terra, é necessário que ela seja povoada somente por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o bem. Como já chegou esse tempo, uma grande emigração se realiza neste momento, entre os que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal e que não são tocados pelo bem, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque aí trariam novamente a perturbação e a confusão e seriam um obstáculo ao progresso. Eles irão expiar seu endurecimento nos mundos inferiores, para onde levarão os conhecimentos adquiridos, e terão por missão promover o progresso desses mundos. Serão substituídos na Terra por Espíritos melhores, que farão reinar entre eles a justiça, a paz, a fraternidade.
A Terra, já o dissemos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá gradualmente, e a nova a sucederá, sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas. Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito, com uma única diferença, mas essa diferença é capital: Uma parte dos Espíritos que aí encarnavam não mais encarnarão. Numa criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e votado ao mal que ali encarnaria, será um Espírito mais adiantado e dedicado ao bem. Trata-se, pois, muito menos de uma nova geração corporal que de uma nova geração de Espíritos. Assim, aqueles que esperavam ver a transformação operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos ficarão decepcionados.
A época atual é de transição. Confundem-se os elementos das duas gerações. Colocados em ponto intermediário, vós assistis à partida de uma e à chegada da outra, e cada um já está marcado no mundo pelos caracteres que lhe são próprios.
As duas gerações que sucedem uma à outra têm ideias e pontos de vista diametralmente opostos. Pela natureza das disposições morais, mas sobretudo das disposições intuitivas e inatas, é fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.
A nova geração, que deve estabelecer a era de progresso moral, distingue-se por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, aliadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é sinal indubitável de um certo grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, já tendo progredido, estão predispostos a assimilar todas as ideias progressistas e aptos a secundar o movimento regenerador.
Ao contrário, o que distingue os Espíritos atrasados é, para começar, a revolta contra Deus pela negação da Providência e de todo poder superior à Humanidade; depois, a propensão instintiva às paixões degradantes, aos sentimentos do egoísmo, do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim a predominância do apego a tudo o que é material.
São esses os vícios de que a Terra deve ser expurgada pelo afastamento dos que recusam emendar-
se, porque eles são incompatíveis com o reino da fraternidade e porque os homens de bem sofrerão sempre com o seu contato. A Terra deles ficará livre e os homens marcharão sem entraves para o futuro melhor, que lhes está reservado aqui embaixo, como prêmio aos seus esforços e à sua perseverança, enquanto esperam que uma depuração ainda mais completa lhes abra a entrada dos mundos superiores.
Por essa emigração de Espíritos não se deve entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra e relegados a mundos inferiores. Ao contrário, muitos aqui voltarão, porque muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; neles a casca era pior que o cerne. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos preconceitos do mundo corporal, a maioria deles verá as coisas de maneira completamente diferente do que quando vivos, do que tendes numerosos exemplos. Nisto são ajudados pelos Espíritos benevolentes que por eles se interessam e que se esforçam em esclarecê-los e mostrar-lhes o falso caminho que seguiram. Por vossas preces e exortações, vós mesmos podeis contribuir para seu melhoramento, porque há solidariedade perpétua entre vivos e mortos.
Aqueles poderão, pois, voltar, com o que serão felizes, pois isto será uma recompensa. Que importa o que tiverem sido ou feito, se estão animados de melhores sentimentos! Longe de serem hostis à Sociedade e ao progresso, eles serão auxiliares úteis, porque pertencerão à nova geração.
Não haverá, assim, exclusão definitiva senão para os Espíritos fundamentalmente rebeldes, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais do que a ignorância, tornam surdos à voz do bem e da razão. Mas esses mesmos não estão votados a uma inferioridade perpétua, e dia virá em que repudiarão o seu passado e abrirão os olhos à luz. Orai, pois, por esses endurecidos, a fim de que se emendem enquanto ainda há tempo, pois aproxima-se o dia da expiação.
Infelizmente, a maioria deles, desconhecendo a voz de Deus, persistirá em sua cegueira, e sua resistência marcará o fim de seu reino por lutas terríveis. Em seu desvario, eles próprios correrão para a sua perda; darão impulso à destruição, que gerará uma multidão de flagelos e calamidades, de sorte que, sem o querer, apressarão a chegada da era da renovação.
E como se a destruição não marchasse bastante depressa, ver-se-ão os suicídios multiplicando-se numa proporção incrível, até entre as crianças. A loucura jamais terá ferido um maior número de homens que antes da morte serão riscados do número dos vivos. São estes os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isto realizar-se-á pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que em nada sejam derrogadas as leis da Natureza.
Contudo, através da nuvem sombria que vos envolve e em cujo seio ruge a tempestade, observai que já surgem os primeiros raios da era nova! A fraternidade lança os seus fundamentos em todos os pontos do globo e os povos se estendem as mãos; a barbárie adquire hábitos familiares ao contato da civilização; os preconceitos de raça e de seita, que fizeram correr rios de sangue, se extinguem; o fanatismo e a intolerância perdem terreno, enquanto a liberdade de consciência penetra os costumes e torna-se um direito. Por toda parte fermentam as ideias; vê-se o mal e experimentam-se os remédios, mas muitos andam sem bússola e se tresmalham nas utopias. O mundo está num imenso trabalho de parto que durará um século. Nesse trabalho, ainda confuso, vê-se, entretanto, dominar uma tendência para um objetivo: o da unidade e da uniformidade que predispõem à fraternização.
São ainda sinais dos tempos. Mas, enquanto os outros são os da agonia do passado, estes últimos são os primeiros vagidos da criança que nasce, os precursores da aurora que o próximo século verá levantarse, porque então a nova geração estará em toda a sua força. Tanto a fisionomia do século dezenove difere da do século dezoito, sob certos pontos de vista, quanto a do século vinte será diferente da do dezenove, sob outros pontos de vista.
Um dos caracteres distintivos da nova geração será a fé inata, não a fé exclusiva e cega que divide os homens, mas a fé raciocinada, que esclarece e fortalece, que os une e os confunde num comum sentimento de amor a Deus e ao próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os últimos vestígios da incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao progresso moral e social.
O Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque arruína os dois maiores obstáculos que a ela se opõem: a incredulidade e o fanatismo. Ele dá uma fé sólida e esclarecida; ele desenvolve todos os sentimentos e todas as ideias que correspondem às vistas da nova geração, e é por isso que ele é inato e existe em estado de intuição no coração de seus representantes. A era nova vê-lo-á, pois, crescer e prosperar pela própria força das coisas. Ele constituirá a base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as instituições.
Mas, daqui até lá, quantas lutas terá ainda que sustentar contra os seus dois maiores inimigos, a incredulidade e o fanatismo que, coisa bizarra, se dão as mãos para abatê-lo! Eles pressentem o seu futuro e a sua própria ruína, por isso o temem, pois já o veem plantar sobre as ruínas do velho mundo egoísta, a bandeira que deve unir todos os povos. Na divina máxima: Fora da caridade não há salvação, leem sua própria condenação, porque é o símbolo da nova aliança fraterna proclamada pelo Cristo[1]. Ela se lhes mostra como as palavras fatais do festim de Baltazar. Entretanto, eles deveriam bendizer essa máxima, porque ela os resguarda de todas as represálias daqueles que eles perseguem. Mas não, uma força cega os constrange a rejeitar a única coisa que poderia salvá-los!
O que poderão eles contra o ascendente da opinião que os repudia? O Espiritismo sairá triunfante da luta, não duvideis, porque ele está nas leis da Natureza, e é, por isto mesmo, imperecível. Vede por intermédio de que multidão de meios a ideia se expande e penetra em toda parte. Crede, mesmo, que esses meios não são fortuitos, mas providenciais, pois aquilo que à primeira vista parece que deveria prejudicálo é precisamente o que propicia a sua propagação.
Em breve ele verá surgirem campeões altamente situados entre os homens mais considerados e mais acreditados, que o apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo, e imporão silêncio aos seus detratores, porque esses não ousarão tratá-los de loucos. Esses homens o estudam em silêncio e mostrarse-ão quando chegar o momento propício. Até lá, é útil que se mantenham à distância.
Em breve também vereis as artes aí haurirem ideias, como numa fonte fecunda, e traduzirem seus pensamentos e os horizontes que descobrem, através da pintura, da música, da poesia e da literatura. Já vos foi dito que haveria um dia uma arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande verdade, porque os maiores gênios nele se inspirarão.
Em breve vereis os seus primeiros esboços, e mais tarde ele ocupará o lugar que lhe cabe.
Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens de coração e devotamento. Não temais os obstáculos, pois nenhum poderá entravar os desígnios da Providência. Trabalhai sem desânimo e agradecei a Deus por vos haver colocado na vanguarda da nova falange. É um posto de honra que vós mesmos pedistes, e do qual vos deveis tornar dignos pela vossa coragem, perseverança e devotamento. Felizes os que sucumbirem nesta luta contra a força; mas, no mundo dos Espíritos, a vergonha será para os que sucumbirem pela fraqueza ou pela pusilanimidade. Aliás, as lutas são necessárias para fortalecer a alma; o contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem. Sem as lutas que estimulam as faculdades, o Espírito deixar-se-ia arrastar por uma despreocupação funesta ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos desenvolvem as forças físicas e a inteligência; as lutas contra o mal desenvolvem as forças morais.
OBSERVAÇÕES:
1ª ─ A maneira pela qual se opera a transformação é muito simples e, como se vê, é toda moral e em nada se afasta das leis da Natureza. Por que, então, os incrédulos rejeitam essas ideias, se elas nada têm de sobrenatural? É que, segundo eles, a lei de vitalidade cessa com a morte do corpo, ao passo que para nós ela prossegue sem interrupção; eles restringem sua ação e nós a estendemos. Eis por que dizemos que os fenômenos da vida espiritual não saem das leis da Natureza. Para eles o sobrenatural começa onde acaba a apreciação pelos sentidos.
2ª ─ Quer os Espíritos da nova geração sejam novos Espíritos melhores, ou os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o mesmo. Desde que eles tragam melhores disposições, é sempre uma renovação. Os Espíritos encarnados formam assim duas categorias, conforme suas disposições naturais: a dos Espíritos retardatários que partem e a dos Espíritos progressistas que chegam. O estado dos costumes e da Sociedade estará, pois, num povo, numa raça ou no mundo inteiro, na razão do estado da categoria que tiver a preponderância.
Para simplificar a questão, seja dado um povo, num grau qualquer de adiantamento, composto de vinte milhões de almas, por exemplo. Sendo a renovação dos Espíritos feita na mesma proporção das extinções, isoladas ou em massa, necessariamente houve um momento em que a geração dos Espíritos retardatários ultrapassava em número a dos Espíritos progressistas que eram apenas raros representantes sem influência, e cujos esforços para fazer predominar o bem e as ideias progressistas seriam neutralizadas. Ora, partindo uns e chegando outros, após um dado tempo, as duas forças se equilibram e sua influência se contrabalança. Mais tarde, os recém-chegados são maioria e sua influência torna-se preponderante, embora ainda entravada pela dos primeiros; estes, continuando a diminuir enquanto os outros se multiplicam, acabarão por desaparecer; chegará então um momento em que a influência da nova geração será exclusiva.
Nós assistimos a essa transformação, ao conflito que resulta da luta das ideias contrárias que tentam implantar-se. Umas marcham com a bandeira do passado, outras com a do futuro. Se examinarmos o estado atual do mundo, reconheceremos que, tomada em conjunto, a Humanidade terrena ainda está longe do ponto intermediário em que as forças se equilibrarão; que os povos, considerados isoladamente, estão a uma grande distância uns dos outros, nessa escada; que alguns atingiram esse ponto, mas nenhum ainda o ultrapassou. Aliás, a distância que os separa dos pontos extremos está longe de ser igual em duração, e uma vez transposto o limite, o novo caminho será percorrido com mais rapidez, porquanto uma porção de circunstâncias virão aplainá-lo.
Assim se realiza a transformação da Humanidade. Sem a emigração, isto é, sem a partida dos Espíritos retardatários que não devem voltar, ou que não devem voltar senão depois de se haverem melhorado, a Humanidade terrena nem por isto ficará indefinidamente estacionária, porque os Espíritos mais atrasados por sua vez progridem; mas teriam sido necessários séculos, talvez milhares de anos, para atingir o resultado que meio século bastará para realizar.
Uma comparação vulgar dará a compreender ainda melhor o que ocorre em tal circunstância. Suponhamos um regimento composto, em sua grande maioria, de homens turbulentos e indisciplinados. Eles provocarão incessantes desordens que a severidade da lei penal muitas vezes terá dificuldade em reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque são mais numerosos; eles se sustentam, encorajam-se e se estimulam pelo exemplo. Os poucos bons não têm influência; seus conselhos são desprezados; eles são escarnecidos e maltratados pelos outros e sofrem com esse contato. Não é esta a imagem da Sociedade atual?
Suponhamos que tais homens sejam retirados do regimento, um a um, dez a dez, cem a cem, e substituídos por número igual de bons soldados, mesmo pelos que tiverem sido expulsos mas que se tenham corrigido. Ao cabo de algum tempo teremos ainda o mesmo regimento, mas transformado; a boa ordem nele terá substituído a desordem. Assim será com a Humanidade regenerada.
As grandes partidas coletivas não têm como objetivo apenas ativar as saídas, mas também transformar mais rapidamente o espírito da massa, desembaraçando-a das más influências, e de imprimir maior ascendente às ideias novas.
É porque muitos, malgrado suas imperfeições, estão maduros para essa transformação, que muitos partem a fim de se retemperar numa fonte mais pura. Se tivessem ficado no mesmo meio e sob as mesmas influências, teriam persistido em suas opiniões e sua maneira de ver as coisas. Uma estada no mundo dos Espíritos basta para lhes abrir os olhos, porque aí veem o que não podiam ver na Terra. O incrédulo, o fanático, o absolutista poderão, assim, voltar com ideias inatas de fé, de tolerância e de liberdade. Por sua vez, encontrarão as coisas mudadas e serão submetidos ao ascendente do novo meio onde nascerem. Em vez de fazer oposição às ideias novas, serão seus auxiliares.
A regeneração da Humanidade, portanto, absolutamente não necessita de uma renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais, e essa modificação se opera na intimidade de todos aqueles que a isto estejam predispostos, quando subtraídos à influência perniciosa do mundo. Aqueles que vêm não são sempre outros Espíritos, mas muitas vezes os mesmos Espíritos, pensando e sentindo diversamente.
Quando essa transformação para melhor é isolada e individual, ela passa despercebida, e não tem influência ostensiva no mundo. O efeito é diferente quando se opera simultaneamente em grandes massas, e porque então, conforme as proporções, em uma geração, as ideias de um povo ou de uma raça poderão ser profundamente modificadas.
É o que notamos quase sempre depois dos grandes abalos que dizimam populações. Os flagelos destruidores destroem o corpo mas não atingem o Espírito. Eles ativam o movimento de vai-e-vem entre o mundo corporal e o mundo espiritual e, em consequência, o movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados.
É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve determinar o remanejamento da Humanidade. A multiplicidade das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque elas devem apressar o surgimento dos novos germes. São as folhas de outono que caem, e às quais sucederão novas folhas, cheias de vida, pois a Humanidade tem as suas estações, assim como os indivíduos têm as suas faixas etárias. As folhas mortas da Humanidade caem, levadas pela ventania, mas para renascer mais vivazes, sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.
Para o materialista, os flagelos destruidores são calamidades sem compensação, sem resultados úteis, pois que, segundo ele, elas aniquilam os seres sem retorno. Mas para aquele que sabe que a morte destrói apenas o envoltório, eles não têm as mesmas consequências e não causam o menor pavor, porque ele compreende o seu objetivo e sabe também que os homens não perdem mais morrendo em conjunto do que isoladamente, porque, de um ou de outro modo, é preciso lá chegar.
Os incrédulos rirão destas coisas e as tratarão como quimeras. Mas, digam o que disserem, não escaparão à lei comum. Eles cairão como os outros, quando chegar a sua vez, e então, o que lhes acontecerá? Nada, dizem eles, entretanto, a despeito de si mesmos, um dia eles serão forçados a abrir os olhos.
NOTA: A comunicação seguinte nos foi endereçada durante a viagem que acabamos de fazer, por um dos nossos queridos protetores invisíveis. Embora tenha um caráter pessoal, ela tem tudo a ver com a grande questão que acabamos de tratar, que ela confirma. Por esse motivo, julgamos oportuno colocá-la aqui, porquanto as pessoas perseguidas por suas crenças espíritas, nela encontrarão úteis encorajamentos.“Paris, lº de setembro de 1866.
“Já faz bastante tempo que não marco minha presença em vossas reuniões dando uma comunicação assinada com o meu nome. Não julgueis, caro mestre, que seja por indiferença ou esquecimento, mas eu não via necessidade de manifestar-me e deixava a outros mais dignos o encargo de vos dar instruções úteis. Entretanto, aí estava e seguia com o maior interesse os progressos desta cara doutrina à qual devo a felicidade e a calma dos últimos anos de minha vida. Eu aí estava, e o meu bom amigo Sr. T... vos deu mais de uma vez essa certeza durante suas horas de sono e de êxtase. Ele inveja minha felicidade e também aspira vir para o mundo que habito agora, quando o contempla brilhando no céu estrelado e remete o seu pensamento às suas rudes provas.
“Eu também as tive muito penosas. Graças ao Espiritismo eu as suportei sem me lastimar e as bendigo agora, pois lhes devo o meu adiantamento. Que ele tenha paciência; dizei-lhe que ele virá para cá um dia, mas que antes deve voltar à Terra, para vos ajudar na conclusão de vossa tarefa. Mas então, como tudo estará mudado! Julgar-vos-eis ambos num mundo novo.
“Meu amigo, enquanto puderdes, repousai o espírito e o cérebro fatigados pelo trabalho; reuni forças materiais, porque em breve muito tereis que gastar. Os acontecimentos, que de agora em diante vão suceder-se com rapidez, vos chamarão à estacada. Sede firme de corpo e de espírito, a fim de estar em condições de lutar com proveito. Então será preciso lutar sem descanso. Mas, como já vos disseram, não estareis só para carregar o fardo; auxiliares sérios mostrar-se-ão, no devido tempo. Escutai, pois, os conselhos do bom doutor Demeure e guardai-vos de toda fadiga inútil ou prematura. Aliás, aí estaremos para vos aconselhar e vos advertir.
“Desconfiai dos dois partidos extremos que agitam o Espiritismo, quer para restringi-lo ao passado, quer para precipitar seu avanço. Temperai os ardores prejudiciais e não vos deixeis arrastar pelas tergiversações dos tímidos ou, o que é mais perigoso, mas que infelizmente é muito verdadeiro, pelas sugestões dos emissários inimigos.
“Marchai com passo firme e seguro, como fizestes até aqui, sem vos inquietar com o que digam à direita ou à esquerda, seguindo a inspiração dos vossos guias e da vossa razão, e não vos arriscareis a deixar a carruagem do Espiritismo sair dos trilhos. Muitos empurram esse invejado carro para precipitar sua queda. Cegos e presunçosos! Ele passará, a despeito dos obstáculos, e não deixará no abismo senão os seus inimigos e os invejosos desconcertados por terem servido ao seu triunfo.
“Os fenômenos já surgem e vão surgir de todos os lados, sob os mais variados aspectos. Mediunidade curadora, doenças incompreensíveis, efeitos físicos inexplicáveis pela Ciência, tudo se reunirá num futuro próximo, para assegurar nossa vitória definitiva, para a qual concorrerão novos defensores.
“Mas quantas lutas ainda será necessário sustentar, e também quantas vítimas! não sangrentas, sem dúvida, mas feridas em seus interesses e em suas afeições. Mais de um desfalecerá ao peso das inimizades desencadeadas contra tudo o que carrega o nome de espírita. Ditosos, porém, aqueles que tiverem mantido sua firmeza na adversidade! Por isto eles serão bem recompensados, mesmo aqui embaixo, materialmente. As perseguições são as provações da sinceridade de sua fé, de sua coragem e de sua perseverança. A confiança que houverem posto em Deus não será vã. Todos os sofrimentos, todos os vexames, todas as humilhações que tiverem suportado pela causa serão valores dos quais nenhum será perdido. Os bons Espíritos velam por eles e os contam e saberão bem separar os devotamentos sinceros das dedicações fictícias. Se a roda da fortuna os trai momentaneamente e os lança no pó, em breve os erguerá mais alto que nunca, dando-lhes a consideração pública e destruindo os obstáculos amontoados em seu caminho. Mais tarde alegrar-se-ão por terem pago seu tributo à causa, e quanto maior for esse tributo, mais bela será a sua parte.
“Nestes tempos de provas, ser-vos-á necessário prodigalizar a todos a vossa força e a vossa firmeza. A todos serão necessários também encorajamento e conselhos. Também será necessário fechar os olhos às defecções dos mornos e dos covardes. De vossa parte, também tereis muito a perdoar...
“Mas eu paro aqui, porque se posso tecer-vos conjeturas acerta do conjunto dos acontecimentos, nada me é permitido precisar. Tudo quanto posso dizer-vos é que não sucumbiremos na luta. Podem cercar a verdade com as trevas do erro, mas é impossível abafá-la. Sua chama é imortal e brilhará mais cedo ou mais tarde.
“VIÚVA F...”
NOTA: Adiamos para o próximo número a continuação do nosso estudo sobre Maomé e o Islamismo, porque, pelo encadeamento das ideias e para a compreensão das deduções, era útil que ele fosse precedido pelo artigo acima.
[1] Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XV.
O zuavo curador do campo de Châlons
Lê-se no Écho de l’Aisne, de 1.º de agosto de 1866:
“Não se fala em nosso interior senão das maravilhas realizadas no campo de Châlons por um jovem zuavo espírita que diariamente faz novos milagres.
“Numerosos comboios de doentes se dirigem a Châlons e, coisa incrível, um bom número deles voltam curados.
“Nestes últimos dias, um paralítico que veio de carro, depois de ter sido visto pelo ‘jovem espírita’ achou-se radicalmente curado e voltou para casa galhardamente a pé.
“Quem puder explique estes fatos que tocam ao prodígio; sempre há os que são exatos e afirmados por grande número de pessoas inteligentes e dignas de fé.
“RENAUD.”
Este artigo foi reproduzido textualmente pela Presse Illustrée de 6 de agosto. O Petit Journal, de 17 de agosto, conta o fato nestes termos:
“Depois de ter podido visitar o quartel imperial, que penso já tenhais descrito aos leitores, isto é, a morada mais adequada e ao mesmo tempo a mais simples que possa ter um soberano, mesmo que apenas por alguns dias, passei a tarde a correr à procura do zuavo magnetizador.
“Esse zuavo, um simples músico, é, há três meses, o herói do campo e das imediações. É um homenzinho magro, moreno, de olhos profundamente enterrados nas órbitas; uma verdadeira fisionomia de monge muçulmano. Dele contam coisas incríveis e sou forçado a não falar senão do que contam, porque, há alguns dias, por ordem superior, ele teve que interromper as sessões públicas que fazia no ‘Hôtel de la Meuse’. As pessoas vinham de dez léguas ao redor; ele recebia vinte e cinco a trinta doentes por vez, e à sua voz, ao seu olhar, ao seu toque, pelo menos é o que dizem, subitamente os surdos ouviam, os mudos falavam, os coxos voltavam para casa sobraçando as muletas.
“Tudo isto é mesmo verdadeiro? Não sei. Conversei uma hora com ele. Chama-se Jacob; é simplesmente borgonhês; exprime-se com facilidade; deu-me a impressão de ser dos mais convictos e inteligentes. Sempre recusou qualquer espécie de remuneração e não gosta de agradecimentos. Além disto, prometeu-me um manuscrito que lhe foi ditado por um Espírito. Inútil dizer que vos falarei dele assim que o receber, se o Espírito tiver espírito.
“RENÉ DE PONT-JEST.”
Enfim, o Écho de l‘Aisne, depois de haver citado o fato, em seu número de lº de agosto, assim o comenta no número de 4:
“No número de quarta-feira última, dissestes que em nossa terra não se falava de outra coisa senão das curas realizadas no campo de Châlons, por um jovem zuavo espírita.
“Julgo conveniente pedir-vos que o reprima, porque um verdadeiro exército de doentes se dirige diariamente para o campo; os que voltam satisfeitos animam outros a imitá-los; os que nada conseguiram, ao contrário, não calam as censuras e as zombarias.
“Não se fala em nosso interior senão das maravilhas realizadas no campo de Châlons por um jovem zuavo espírita que diariamente faz novos milagres.
“Numerosos comboios de doentes se dirigem a Châlons e, coisa incrível, um bom número deles voltam curados.
“Nestes últimos dias, um paralítico que veio de carro, depois de ter sido visto pelo ‘jovem espírita’ achou-se radicalmente curado e voltou para casa galhardamente a pé.
“Quem puder explique estes fatos que tocam ao prodígio; sempre há os que são exatos e afirmados por grande número de pessoas inteligentes e dignas de fé.
“RENAUD.”
Este artigo foi reproduzido textualmente pela Presse Illustrée de 6 de agosto. O Petit Journal, de 17 de agosto, conta o fato nestes termos:
“Depois de ter podido visitar o quartel imperial, que penso já tenhais descrito aos leitores, isto é, a morada mais adequada e ao mesmo tempo a mais simples que possa ter um soberano, mesmo que apenas por alguns dias, passei a tarde a correr à procura do zuavo magnetizador.
“Esse zuavo, um simples músico, é, há três meses, o herói do campo e das imediações. É um homenzinho magro, moreno, de olhos profundamente enterrados nas órbitas; uma verdadeira fisionomia de monge muçulmano. Dele contam coisas incríveis e sou forçado a não falar senão do que contam, porque, há alguns dias, por ordem superior, ele teve que interromper as sessões públicas que fazia no ‘Hôtel de la Meuse’. As pessoas vinham de dez léguas ao redor; ele recebia vinte e cinco a trinta doentes por vez, e à sua voz, ao seu olhar, ao seu toque, pelo menos é o que dizem, subitamente os surdos ouviam, os mudos falavam, os coxos voltavam para casa sobraçando as muletas.
“Tudo isto é mesmo verdadeiro? Não sei. Conversei uma hora com ele. Chama-se Jacob; é simplesmente borgonhês; exprime-se com facilidade; deu-me a impressão de ser dos mais convictos e inteligentes. Sempre recusou qualquer espécie de remuneração e não gosta de agradecimentos. Além disto, prometeu-me um manuscrito que lhe foi ditado por um Espírito. Inútil dizer que vos falarei dele assim que o receber, se o Espírito tiver espírito.
“RENÉ DE PONT-JEST.”
Enfim, o Écho de l‘Aisne, depois de haver citado o fato, em seu número de lº de agosto, assim o comenta no número de 4:
“No número de quarta-feira última, dissestes que em nossa terra não se falava de outra coisa senão das curas realizadas no campo de Châlons, por um jovem zuavo espírita.
“Julgo conveniente pedir-vos que o reprima, porque um verdadeiro exército de doentes se dirige diariamente para o campo; os que voltam satisfeitos animam outros a imitá-los; os que nada conseguiram, ao contrário, não calam as censuras e as zombarias.
“Entre essas duas opiniões extremas, há uma prudente reserva que ‘bom número de doentes’ deve tomar como regra de conduta, como guia do que podem fazer.
“Essas ‘curas maravilhosas’, esses ‘milagres’, como dizem os comuns dos mortais, nada têm de maravilhoso, nada de miraculoso.
“De saída elas causam admiração, porque não são comuns, mas como nada do que se realiza deixa de ter uma causa, foi preciso procurar o que produz tais fatos, e a Ciência os explicou.
“As impressões morais fortes sempre tiveram a faculdade de agir sobre o ‘sistema nervoso’; as curas obtidas pelo zuavo espírita não atingem senão as moléstias desse sistema. Em todas as épocas, na Antiguidade como nos tempos modernos, têm sido assinaladas curas apenas pela força da influência da imaginação, influência constatada em grande número de casos; nada há, pois, de extraordinário que hoje as mesmas causas produzam os mesmos resultados.
“Essas ‘curas maravilhosas’, esses ‘milagres’, como dizem os comuns dos mortais, nada têm de maravilhoso, nada de miraculoso.
“De saída elas causam admiração, porque não são comuns, mas como nada do que se realiza deixa de ter uma causa, foi preciso procurar o que produz tais fatos, e a Ciência os explicou.
“As impressões morais fortes sempre tiveram a faculdade de agir sobre o ‘sistema nervoso’; as curas obtidas pelo zuavo espírita não atingem senão as moléstias desse sistema. Em todas as épocas, na Antiguidade como nos tempos modernos, têm sido assinaladas curas apenas pela força da influência da imaginação, influência constatada em grande número de casos; nada há, pois, de extraordinário que hoje as mesmas causas produzam os mesmos resultados.
“É, portanto, apenas aos doentes do ‘sistema nervoso’ que é possível ‘ir ver e esperar’.
“X.”
Antes de qualquer outro comentário, faremos uma ligeira observação sobre este último artigo. O autor constata os fatos e os explica a seu modo. Conforme ele, essas curas nada têm de maravilhoso ou de miraculoso. Sobre este ponto estamos perfeitamente de acordo, porquanto o Espiritismo diz claramente que não faz milagres; que todos os fatos, sem exceção, que se produzem por influência mediúnica, são devidos a uma força natural e se realizam em virtude de uma lei tão natural quanto a que permite transmitir um telegrama ao outro lado do Atlântico em alguns minutos. Antes da descoberta da lei da eletricidade, semelhante fato teria passado pelo milagre dos milagres. Suponhamos por um instante que Franklin, ainda mais iniciado do que ele era sobre as propriedades do fluido elétrico, tivesse estendido um fio metálico através do Atlântico e estabelecido uma correspondência instantânea entre a Europa e a América, sem indicar o processo, que teriam pensado dele? Incontestavelmente teriam gritado que era um milagre; ter-lhe-iam atribuído um poder sobrenatural; aos olhos de muita gente ele teria passado por feiticeiro e por ter o diabo às suas ordens. O conhecimento da lei da eletricidade reduziu esse pretenso prodígio às proporções dos efeitos naturais. O mesmo se dá com uma porção de outros fenômenos.
Mas, conhecemos todas as leis da Natureza e a propriedade de todos os fluidos? Não é possível que um fluido desconhecido, como por tanto tempo foi a eletricidade, seja a causa de efeitos não explicados, produza sobre a economia resultados impossíveis para a Ciência, com a ajuda dos meios limitados de que ela dispõe? Pois bem, aí está todo o segredo das curas mediúnicas, ou melhor, não há segredo nenhum, porque o Espiritismo só tem mistérios para os que não se dão no trabalho de estudá-lo. Essas curas têm muito simplesmente por princípio uma ação fluídica dirigida pelo pensamento e pela vontade, em vez de ser por um fio metálico. Tudo se resume em conhecer as propriedades desse fluido, as condições em que pode agir, e saber dirigi-lo. Além disto, é preciso um instrumento humano suficientemente provido desse fluido, e apto a lhe dar a energia suficiente.
Essa faculdade não é privilégio de um indivíduo; pelo fato de estar na Natureza, muitos a possuem, mas em graus muito diferentes, como todo mundo tem a faculdade de ver, embora a maior ou menor distância. Entre os que dela são dotados, alguns agem com conhecimento de causa, como o zuavo Jacob; outros independentemente de sua vontade e sem se dar conta do que se passa com eles; sabem que curam, e eis tudo. Perguntai-lhes como, e nada sabem. Se forem supersticiosos, atribuirão seu poder a uma causa oculta, à virtude de algum talismã ou amuleto que na realidade não serve para nada. É assim com todos os médiuns inconscientes, cujo número é grande. Inúmeras pessoas são, elas próprias, a causa primeira dos efeitos que admiram mas não entendem. Entre os negadores mais obstinados, muitos são médiuns sem o saber.
O Jornal em questão diz: “As curas obtidas pelo zuavo espírita não atingem senão as moléstias do sistema nervoso; elas são devidas à influência da imaginação, constatada por grande números de fatos; houve dessas curas na Antiguidade, como nos tempos modernos; assim, nada têm de extraordinário.”
Dizendo que o Sr. Jacob só curou afecções nervosas, o autor se adianta um tanto levianamente, porque os fatos contradizem essa afirmação. Mas admitamos que seja assim; essas espécies de afecções são inumeráveis e precisamente destas em que a Ciência é, o mais das vezes, forçada a confessar a sua impotência. Se por um meio qualquer dela se pode triunfar, não é um resultado importante? Se esse meio estiver na influência da imaginação, que importa? Por que negligenciá-lo? Não é melhor curar pela imaginação do que não curar absolutamente? Entretanto, parece-nos difícil que só a imaginação, ainda que excitada ao mais alto grau, possa fazer andar um paralítico e restaurar um membro anquilosado. Em todo o caso, considerando-se que, segundo o autor, curas de doenças nervosas em todos os tempos foram obtidas por influência da imaginação, os médicos não são menos desculpáveis por se obstinarem no emprego de meios impotentes, quando a experiência lhes mostra outros eficazes. Sem querer, o autor os acusa.
Mas, diz ele, o Sr. Jacob não cura todos. É possível, e até correto, mas o que isto prova? Que ele não tem um poder curador universal. O homem que tivesse tal poder seria igual a Deus, e o que tivesse a pretensão de possuí-lo não passaria de um tolo presunçoso. Se ele curasse apenas quatro ou cinco doentes em dez considerados incuráveis pela Ciência, isto bastaria para provar a existência da faculdade. Há muitos médicos que fazem tanto?
Há muito tempo conhecemos pessoalmente o Sr. Jacob como médium escrevente e propagador zeloso do Espiritismo. Sabíamos que ele havia feito alguns ensaios parciais de mediunidade curadora, mas parece que essa facilidade teve nele um desenvolvimento rápido e considerável durante sua estada no campo de Châlons. Um dos nossos colegas da Sociedade de Paris, o Sr. Boivinet, que mora no departamento do Aisne, teve a bondade de nos enviar um relatório muito circunstanciado dos fatos que são de seu conhecimento pessoal. Seus profundos conhecimentos do Espiritismo, aliados a um caráter isento de exaltação e de entusiasmo, lhe permitiram apreciar as coisas corretamente. Seu depoimento, portanto, tem para nós o valor do testemunho de um homem honrado, imparcial e esclarecido, e o seu relatório tem toda a autenticidade desejável. Temos, assim, os fatos atestados por ele como constatados, como se nós mesmo os tivéssemos testemunhado. A extensão desses documentos não nos permite sua publicação por inteiro nesta revista, mas nós os arquivamos para utilizá-los ulteriormente, limitando-nos por hoje a citar as passagens essenciais:
“...Com o fito de justificar a confiança que tendes em mim, informei-me, tanto por mim mesmo quanto por pessoas inteiramente honestas e dignas de fé, das curas efetivamente constatadas operadas pelo Sr. Jacob. Aliás, essas pessoas não são espíritas, o que tira às suas afirmações toda suspeita de parcialidade em favor do Espiritismo.
“Reduzo em um terço as estimativas do Sr. Jacob quanto ao número de doentes por ele recebidos, mas parece que estou aquém, talvez muito aquém da verdade, estimando tal cifra em 4.000, dos quais um quarto foi curado e os outros três quartos aliviados. A afluência era tal que a autoridade militar inquietouse e interditou as visitas para o futuro. Eu mesmo obtive informação do chefe da estação que a estrada de ferro transportava diariamente massas de doentes ao campo.
“Quanto à natureza das doenças sobre as quais ele exerceu mais particularmente a sua influência, éme impossível dizê-lo. São sobretudo os enfermos que a ele se dirigiram, e são eles, por consequência, que figuram em maior número entre os seus clientes satisfeitos. Mas muitos outros aflitos poderiam apresentar-se a ele com sucesso.
“Foi assim que em Chartères, aldeia vizinha daquela em que resido, vi e revi um homem de cerca de cinquenta anos que desde 1856 vomitava tudo o que comia. Quando ele foi ver o zuavo, partiu muito doente e vomitava pelo menos três vezes ao dia. Vendo-o, o Sr. Jacob lhe disse: “Estais curado!” e, durante a sessão, convidou-o a comer e beber. O pobre camponês, vencendo a apreensão, comeu e bebeu e não se sentiu mal. Há mais de três semanas ele não mais experimentou o menor mal-estar. A cura foi instantânea. Inútil acrescentar que o Sr. Jacob não o fez tomar qualquer medicamento e não lhe prescreveu nenhum tratamento. Somente a sua ação fluídica, como uma comoção elétrica, tinha bastado para devolver aos órgãos o seu estado normal.”
OBSERVAÇÃO: Esse homem é dessas naturezas rudimentares que se exaltam muito pouco. Se, pois, uma só palavra houvesse bastado para superexcitar sua imaginação a ponto de curar instantaneamente uma gastrite crônica, seria preciso convir que o fenômeno seria ainda mais surpreendente que a cura, e bem mereceria alguma atenção.
“A filha do dono do ‘Hôtel de la Meuse’, em Mourmelon, doente do peito, estava tão fraca a ponto de não sair do leito. O zuavo a convidou a levantar-se, o que ela fez imediatamente; com a estupefação de numerosos espectadores, desceu a escada sem auxílio e foi passear no jardim com o seu novo médico. A partir desse dia a moça passa bem. Não sou médico, mas não creio que esta seja uma doença nervosa.
“O Sr. B..., gerente de pensão, que dá pulos à ideia da intervenção dos Espíritos nos nossos assuntos, contou-me que uma senhora, há muito doente do estômago, tinha sido curada pelo zuavo e que desde então tinha engordado notavelmente cerca de vinte libras.”
OBSERVAÇÃO: Esse senhor que se exaspera à ideia da intervenção dos Espíritos ficaria muito chocado se quando morresse seu próprio Espírito pudesse vir assistir às pessoas que lhe são caras, curálas e lhes provar que ele não está perdido para elas?
“Quanto aos enfermos propriamente ditos, os resultados obtidos com eles são mais estupefacientes, porque o olho verifica imediatamente os resultados.
“Em Treloup, aldeia situada a 7 ou 8 quilômetros daqui, um velho de setenta anos estava entrevado e nada podia fazer. Deixar a sua cadeira era quase impossível. A cura foi completa e instantânea. Ainda ontem me falaram do caso. Disseram-me: Ora! Eu vi o Pai Petit; ele estava ceifando!
“Uma mulher de Mourmelon tinha a perna encolhida, imobilizada; seu joelho estava à altura do estômago. Agora anda e passa bem.
“No dia em que o zuavo foi interdito, um pedreiro percorreu exasperado o Mourmelon e dizia que queria enfrentar os que impediam o médium de trabalhar. Esse pedreiro tinha os punhos voltados para os lados internos dos braços. Hoje os seus punhos se movem como os nossos e ele ganha dois francos a mais por dia.
“Quantas pessoas chegaram carregadas e puderam voltar andando, tendo recuperado o uso de seus membros durante a sessão!
“Uma menina de cinco anos, trazida de Reims, que nunca tinha andado, andou imediatamente.
“O fato seguinte foi, por assim dizer, o ponto de partida da faculdade do médium, ou pelo menos do exercício público dessa faculdade tornada notória:
“Chegando a Ferté-sous-Jouarre e dirigindo-se para o campo, o regimento de zuavos estava reunido na praça pública. Antes de debandar, a banda executou uma peça. Entre os espectadores achava-se uma menina num carrinho empurrado por seus pais. Um de seus camaradas chamou a atenção do zuavo para a menina. Terminada a música, ele se dirigiu para ela e dirigindo-se aos pais perguntou:
─ Esta menina é doente?’
─ Ela não pode andar. Há dois anos tem na perna um aparelho ortopédico.
─ Tirai, então, o aparelho, do qual ela não mais precisa.
Isto foi feito, não sem alguma hesitação, e a menina andou. Então foram ao café e o pai, louco de alegria, queria que o vendedor de refrescos abrisse sua adega para que os zuavos bebessem.
“Agora vou contar como o médium procedia, isto é, vou descrever uma sessão que não assisti, mas que me foi minuciosamente detalhada por vários doentes.
“O zuavo mandou entrarem os doentes. As dimensões do local limitam o seu número. Foi por isto, segundo afirmam, que ele teve que transferir-se do Hotel da Europa, onde podia admitir apenas dezoito pessoas por vez, para o ‘Hôtel de la Meuse’, onde eram admitidos vinte e cinco ou trinta. Entram. Os que moram mais longe são geralmente convidados a vir primeiro. Certas pessoas querem falar. ‘Silêncio!’ diz ele, ‘os que falarem serão postos na rua!’ Ao cabo de dez ou quinze minutos de silêncio e imobilidade geral, ele se dirige a alguns doentes, raramente os interroga, mas lhes diz o que eles sentem. Depois, passeando ao longo da grande mesa, em redor da qual estão sentados os doentes, fala a todos, mas sem ordem; toca-os, mas sem gestos que lembrem os magnetizadores; depois despede todos, dizendo a uns: ‘Estais curados; ide embora’; a outros: ‘Ficareis curados sem nada fazer; apenas tendes fraqueza’; a alguns, mais raramente: ‘Nada posso fazer por vós.’ Eles querem agradecer, mas ele responde muito militarmente que não é preciso fazer agradecimentos e põe os clientes para fora. Às vezes lhes diz: ‘Vossos agradecimentos? Dirigi-os à Providência.’
“A 7 de agosto, uma ordem do marechal veio interromper o curso das sessões. Logo após a interdição, e tendo em vista a enorme afluência dos doentes a Mourmelon, tiveram que adotar em relação ao médium uma atitude sem precedentes. Como ele não havia cometido nenhuma falta e observava a disciplina muito rigorosamente, não podiam prendê-lo. Ligaram um plantão à sua pessoa, com ordem de segui-lo a toda parte e impedir que alguém dele se aproximasse.
“Disseram-me que seriam toleradas todas essas curas, contanto que a palavra Espiritismo não fosse pronunciada, e não creio que tenha sido o Sr. Jacob que a pronunciou. Teria sido a partir desse momento que agiram contra ele com rigor.
“De onde vem o pavor que causa o simples nome do Espiritismo, mesmo quando ele só faz o bem, consola os aflitos e alivia a Humanidade sofredora? De minha parte, creio que certas pessoas temem que ele faça muito bem.
“Nos primeiros dias de setembro, o Sr. Jacob quis vir passar dois dias em minha casa, cumprindo uma promessa eventual que ele tinha feito no campo de Châlons. O prazer que tive em recebê-lo foi decuplicado pelos serviços que pôde prestar a bom número de infelizes. Depois de sua partida, quase que diariamente estava ao corrente do estado dos doentes tratados, e aqui dou o resultado de minhas observações. A fim de ser exato como um levantamento estatístico, e a título de informações posteriores, se for o caso, aqui os cito nominalmente. (Segue uma lista de trinta e tantos nomes, com indicação da idade, da doença e dos resultados obtidos).
“O Sr. Jacob é sinceramente religioso. Dizia-me ele: ‘O que eu faço não me admira. Eu faria coisas muito mais extraordinárias e não ficaria mais espantado, porque sei que Deus pode fazer o que ele quiser. Só uma coisa me admira: é ter tido o imenso favor de ter sido o instrumento que ele escolheu. Hoje ficam admirados do que obtenho, mas quem sabe se num mês, num ano, não haverá dez, vinte, cinquenta médiuns como eu e ainda mais fortes que eu? O Sr. Kardec, que procura e deve procurar estudar fatos como estes que se passam aqui, deveria ter vindo. Hoje ou amanhã posso perder a minha faculdade, e para ele seria um estudo perdido. Ele deve fazer o histórico de semelhantes fatos.’”
OBSERVAÇÃO: Sem dúvida ter-nos-íamos sentido feliz em ser testemunha pessoal dos fatos relatados acima, e provavelmente teríamos ido ao campo de Châlons, se tivéssemos tido a possibilidade e se tivéssemos sido informado em tempo hábil. Só o soubemos pela via indireta dos jornais, quando estávamos em viagem, e confessamos não ter uma confiança absoluta em seus relatos. Teríamos muito o que fazer se fosse preciso ir em pessoa controlar tudo o que relatam do Espiritismo, ou mesmo tudo quanto nos é relatado em nossa correspondência. Não podíamos lá ir senão com a certeza de não ter uma decepção, e quando o relatório do Sr. Boivinet nos chegou, o campo estava interdito. Aliás, a vista desses fatos nada nos teria ensinado de novo, pois cremos compreendê-los. Ter-se-ia apenas tratado de lhe constatar a realidade, mas o testemunho de um homem como o Sr. Boivinet, ao qual tínhamos mandado uma carta para o Sr. Jacob, pedindo nos informasse do que teria visto, nos bastava completamente. Não houve, pois, perda para nós, a não ser o prazer de ter visto pessoalmente o Sr. Jacob em trabalho, o que esperamos possa dar-se alhures, fora do campo de Châlons.
Não falamos das curas do Sr. Jacob senão porque são autênticas. Se nos tivessem parecido suspeitas ou manchadas pelo charlatanismo e por uma bazófia ridícula que as tivesse tornado mais prejudiciais do que úteis à causa do Espiritismo, ter-nos-íamos abstido, a despeito do que pudessem dizer, como fizemos em várias outras circunstâncias, não querendo fazer-nos o editor responsável por alguma excentricidade, nem secundar as vistas ambiciosas e interesseiras que por vezes se ocultam sob aparências de devotamento. Eis por que somos circunspectos em nossas apreciações dos homens e das coisas e também por que nossa Revista não se transforma em incensório em proveito de ninguém.
Mas aqui se trata de uma coisa séria, fecunda em resultados, e fundamental no duplo ponto de vista do fato em si e da realização de uma das previsões dos Espíritos. Com efeito, há muito tempo eles anunciaram que a mediunidade curadora desenvolver-se-ia em proporções excepcionais, de maneira a atrair a atenção geral, e nós felicitamos o Sr. Jacob por ser um dos primeiros a fornecer o exemplo. Mas aqui, como em todos os gêneros de manifestações, para nós a pessoa se apaga diante da questão principal.
Considerando-se que o dom de curar não é resultado do trabalho nem do estudo, nem de um talento adquirido, aquele que o possui não pode considerá-lo um mérito. Louvamos um grande artista, um sábio, porque eles devem o que são a seus próprios esforços, mas o médium melhor dotado não passa de instrumento passivo de que os Espíritos se servem hoje e que podem deixar amanhã. O que seria do Sr. Jacob se ele perdesse a sua faculdade, o que ele prudentemente prevê? O que era antes: o músico dos zuavos, ao passo que, embora isto aconteça, ao sábio sempre restará a ciência e ao artista o talento. Ficamos feliz por ver o Sr. Jacob partilhar destas ideias, portanto, não é a ele que se dirigem estas reflexões. Ele compartilhará de nossa opinião, não temos dúvida, quando dissermos que o que constitui um mérito real no médium, o que se deve e pode louvar com razão, é o emprego que faz de sua faculdade; é o zelo, o devotamento, o desinteresse com os quais ele a põe a serviço daqueles a quem ela pode ser útil; é ainda a modéstia, a simplicidade, a abnegação, a benevolência que respiram em suas palavras e que todas as suas ações justificam, porque essas qualidades lhe pertencem mesmo. Assim, não é o médium que devemos pôr num pedestal, porque ele pode descer amanhã: é o homem de bem, que sabe tornar-se útil sem ostentação e sem proveito para a sua vaidade.
O desenvolvimento da mediunidade curadora forçosamente terá consequências de alta importância, que serão objeto de um exame especial e aprofundado em próximo artigo.
ALLAN KARDEC
“X.”
Antes de qualquer outro comentário, faremos uma ligeira observação sobre este último artigo. O autor constata os fatos e os explica a seu modo. Conforme ele, essas curas nada têm de maravilhoso ou de miraculoso. Sobre este ponto estamos perfeitamente de acordo, porquanto o Espiritismo diz claramente que não faz milagres; que todos os fatos, sem exceção, que se produzem por influência mediúnica, são devidos a uma força natural e se realizam em virtude de uma lei tão natural quanto a que permite transmitir um telegrama ao outro lado do Atlântico em alguns minutos. Antes da descoberta da lei da eletricidade, semelhante fato teria passado pelo milagre dos milagres. Suponhamos por um instante que Franklin, ainda mais iniciado do que ele era sobre as propriedades do fluido elétrico, tivesse estendido um fio metálico através do Atlântico e estabelecido uma correspondência instantânea entre a Europa e a América, sem indicar o processo, que teriam pensado dele? Incontestavelmente teriam gritado que era um milagre; ter-lhe-iam atribuído um poder sobrenatural; aos olhos de muita gente ele teria passado por feiticeiro e por ter o diabo às suas ordens. O conhecimento da lei da eletricidade reduziu esse pretenso prodígio às proporções dos efeitos naturais. O mesmo se dá com uma porção de outros fenômenos.
Mas, conhecemos todas as leis da Natureza e a propriedade de todos os fluidos? Não é possível que um fluido desconhecido, como por tanto tempo foi a eletricidade, seja a causa de efeitos não explicados, produza sobre a economia resultados impossíveis para a Ciência, com a ajuda dos meios limitados de que ela dispõe? Pois bem, aí está todo o segredo das curas mediúnicas, ou melhor, não há segredo nenhum, porque o Espiritismo só tem mistérios para os que não se dão no trabalho de estudá-lo. Essas curas têm muito simplesmente por princípio uma ação fluídica dirigida pelo pensamento e pela vontade, em vez de ser por um fio metálico. Tudo se resume em conhecer as propriedades desse fluido, as condições em que pode agir, e saber dirigi-lo. Além disto, é preciso um instrumento humano suficientemente provido desse fluido, e apto a lhe dar a energia suficiente.
Essa faculdade não é privilégio de um indivíduo; pelo fato de estar na Natureza, muitos a possuem, mas em graus muito diferentes, como todo mundo tem a faculdade de ver, embora a maior ou menor distância. Entre os que dela são dotados, alguns agem com conhecimento de causa, como o zuavo Jacob; outros independentemente de sua vontade e sem se dar conta do que se passa com eles; sabem que curam, e eis tudo. Perguntai-lhes como, e nada sabem. Se forem supersticiosos, atribuirão seu poder a uma causa oculta, à virtude de algum talismã ou amuleto que na realidade não serve para nada. É assim com todos os médiuns inconscientes, cujo número é grande. Inúmeras pessoas são, elas próprias, a causa primeira dos efeitos que admiram mas não entendem. Entre os negadores mais obstinados, muitos são médiuns sem o saber.
O Jornal em questão diz: “As curas obtidas pelo zuavo espírita não atingem senão as moléstias do sistema nervoso; elas são devidas à influência da imaginação, constatada por grande números de fatos; houve dessas curas na Antiguidade, como nos tempos modernos; assim, nada têm de extraordinário.”
Dizendo que o Sr. Jacob só curou afecções nervosas, o autor se adianta um tanto levianamente, porque os fatos contradizem essa afirmação. Mas admitamos que seja assim; essas espécies de afecções são inumeráveis e precisamente destas em que a Ciência é, o mais das vezes, forçada a confessar a sua impotência. Se por um meio qualquer dela se pode triunfar, não é um resultado importante? Se esse meio estiver na influência da imaginação, que importa? Por que negligenciá-lo? Não é melhor curar pela imaginação do que não curar absolutamente? Entretanto, parece-nos difícil que só a imaginação, ainda que excitada ao mais alto grau, possa fazer andar um paralítico e restaurar um membro anquilosado. Em todo o caso, considerando-se que, segundo o autor, curas de doenças nervosas em todos os tempos foram obtidas por influência da imaginação, os médicos não são menos desculpáveis por se obstinarem no emprego de meios impotentes, quando a experiência lhes mostra outros eficazes. Sem querer, o autor os acusa.
Mas, diz ele, o Sr. Jacob não cura todos. É possível, e até correto, mas o que isto prova? Que ele não tem um poder curador universal. O homem que tivesse tal poder seria igual a Deus, e o que tivesse a pretensão de possuí-lo não passaria de um tolo presunçoso. Se ele curasse apenas quatro ou cinco doentes em dez considerados incuráveis pela Ciência, isto bastaria para provar a existência da faculdade. Há muitos médicos que fazem tanto?
Há muito tempo conhecemos pessoalmente o Sr. Jacob como médium escrevente e propagador zeloso do Espiritismo. Sabíamos que ele havia feito alguns ensaios parciais de mediunidade curadora, mas parece que essa facilidade teve nele um desenvolvimento rápido e considerável durante sua estada no campo de Châlons. Um dos nossos colegas da Sociedade de Paris, o Sr. Boivinet, que mora no departamento do Aisne, teve a bondade de nos enviar um relatório muito circunstanciado dos fatos que são de seu conhecimento pessoal. Seus profundos conhecimentos do Espiritismo, aliados a um caráter isento de exaltação e de entusiasmo, lhe permitiram apreciar as coisas corretamente. Seu depoimento, portanto, tem para nós o valor do testemunho de um homem honrado, imparcial e esclarecido, e o seu relatório tem toda a autenticidade desejável. Temos, assim, os fatos atestados por ele como constatados, como se nós mesmo os tivéssemos testemunhado. A extensão desses documentos não nos permite sua publicação por inteiro nesta revista, mas nós os arquivamos para utilizá-los ulteriormente, limitando-nos por hoje a citar as passagens essenciais:
“...Com o fito de justificar a confiança que tendes em mim, informei-me, tanto por mim mesmo quanto por pessoas inteiramente honestas e dignas de fé, das curas efetivamente constatadas operadas pelo Sr. Jacob. Aliás, essas pessoas não são espíritas, o que tira às suas afirmações toda suspeita de parcialidade em favor do Espiritismo.
“Reduzo em um terço as estimativas do Sr. Jacob quanto ao número de doentes por ele recebidos, mas parece que estou aquém, talvez muito aquém da verdade, estimando tal cifra em 4.000, dos quais um quarto foi curado e os outros três quartos aliviados. A afluência era tal que a autoridade militar inquietouse e interditou as visitas para o futuro. Eu mesmo obtive informação do chefe da estação que a estrada de ferro transportava diariamente massas de doentes ao campo.
“Quanto à natureza das doenças sobre as quais ele exerceu mais particularmente a sua influência, éme impossível dizê-lo. São sobretudo os enfermos que a ele se dirigiram, e são eles, por consequência, que figuram em maior número entre os seus clientes satisfeitos. Mas muitos outros aflitos poderiam apresentar-se a ele com sucesso.
“Foi assim que em Chartères, aldeia vizinha daquela em que resido, vi e revi um homem de cerca de cinquenta anos que desde 1856 vomitava tudo o que comia. Quando ele foi ver o zuavo, partiu muito doente e vomitava pelo menos três vezes ao dia. Vendo-o, o Sr. Jacob lhe disse: “Estais curado!” e, durante a sessão, convidou-o a comer e beber. O pobre camponês, vencendo a apreensão, comeu e bebeu e não se sentiu mal. Há mais de três semanas ele não mais experimentou o menor mal-estar. A cura foi instantânea. Inútil acrescentar que o Sr. Jacob não o fez tomar qualquer medicamento e não lhe prescreveu nenhum tratamento. Somente a sua ação fluídica, como uma comoção elétrica, tinha bastado para devolver aos órgãos o seu estado normal.”
OBSERVAÇÃO: Esse homem é dessas naturezas rudimentares que se exaltam muito pouco. Se, pois, uma só palavra houvesse bastado para superexcitar sua imaginação a ponto de curar instantaneamente uma gastrite crônica, seria preciso convir que o fenômeno seria ainda mais surpreendente que a cura, e bem mereceria alguma atenção.
“A filha do dono do ‘Hôtel de la Meuse’, em Mourmelon, doente do peito, estava tão fraca a ponto de não sair do leito. O zuavo a convidou a levantar-se, o que ela fez imediatamente; com a estupefação de numerosos espectadores, desceu a escada sem auxílio e foi passear no jardim com o seu novo médico. A partir desse dia a moça passa bem. Não sou médico, mas não creio que esta seja uma doença nervosa.
“O Sr. B..., gerente de pensão, que dá pulos à ideia da intervenção dos Espíritos nos nossos assuntos, contou-me que uma senhora, há muito doente do estômago, tinha sido curada pelo zuavo e que desde então tinha engordado notavelmente cerca de vinte libras.”
OBSERVAÇÃO: Esse senhor que se exaspera à ideia da intervenção dos Espíritos ficaria muito chocado se quando morresse seu próprio Espírito pudesse vir assistir às pessoas que lhe são caras, curálas e lhes provar que ele não está perdido para elas?
“Quanto aos enfermos propriamente ditos, os resultados obtidos com eles são mais estupefacientes, porque o olho verifica imediatamente os resultados.
“Em Treloup, aldeia situada a 7 ou 8 quilômetros daqui, um velho de setenta anos estava entrevado e nada podia fazer. Deixar a sua cadeira era quase impossível. A cura foi completa e instantânea. Ainda ontem me falaram do caso. Disseram-me: Ora! Eu vi o Pai Petit; ele estava ceifando!
“Uma mulher de Mourmelon tinha a perna encolhida, imobilizada; seu joelho estava à altura do estômago. Agora anda e passa bem.
“No dia em que o zuavo foi interdito, um pedreiro percorreu exasperado o Mourmelon e dizia que queria enfrentar os que impediam o médium de trabalhar. Esse pedreiro tinha os punhos voltados para os lados internos dos braços. Hoje os seus punhos se movem como os nossos e ele ganha dois francos a mais por dia.
“Quantas pessoas chegaram carregadas e puderam voltar andando, tendo recuperado o uso de seus membros durante a sessão!
“Uma menina de cinco anos, trazida de Reims, que nunca tinha andado, andou imediatamente.
“O fato seguinte foi, por assim dizer, o ponto de partida da faculdade do médium, ou pelo menos do exercício público dessa faculdade tornada notória:
“Chegando a Ferté-sous-Jouarre e dirigindo-se para o campo, o regimento de zuavos estava reunido na praça pública. Antes de debandar, a banda executou uma peça. Entre os espectadores achava-se uma menina num carrinho empurrado por seus pais. Um de seus camaradas chamou a atenção do zuavo para a menina. Terminada a música, ele se dirigiu para ela e dirigindo-se aos pais perguntou:
─ Esta menina é doente?’
─ Ela não pode andar. Há dois anos tem na perna um aparelho ortopédico.
─ Tirai, então, o aparelho, do qual ela não mais precisa.
Isto foi feito, não sem alguma hesitação, e a menina andou. Então foram ao café e o pai, louco de alegria, queria que o vendedor de refrescos abrisse sua adega para que os zuavos bebessem.
“Agora vou contar como o médium procedia, isto é, vou descrever uma sessão que não assisti, mas que me foi minuciosamente detalhada por vários doentes.
“O zuavo mandou entrarem os doentes. As dimensões do local limitam o seu número. Foi por isto, segundo afirmam, que ele teve que transferir-se do Hotel da Europa, onde podia admitir apenas dezoito pessoas por vez, para o ‘Hôtel de la Meuse’, onde eram admitidos vinte e cinco ou trinta. Entram. Os que moram mais longe são geralmente convidados a vir primeiro. Certas pessoas querem falar. ‘Silêncio!’ diz ele, ‘os que falarem serão postos na rua!’ Ao cabo de dez ou quinze minutos de silêncio e imobilidade geral, ele se dirige a alguns doentes, raramente os interroga, mas lhes diz o que eles sentem. Depois, passeando ao longo da grande mesa, em redor da qual estão sentados os doentes, fala a todos, mas sem ordem; toca-os, mas sem gestos que lembrem os magnetizadores; depois despede todos, dizendo a uns: ‘Estais curados; ide embora’; a outros: ‘Ficareis curados sem nada fazer; apenas tendes fraqueza’; a alguns, mais raramente: ‘Nada posso fazer por vós.’ Eles querem agradecer, mas ele responde muito militarmente que não é preciso fazer agradecimentos e põe os clientes para fora. Às vezes lhes diz: ‘Vossos agradecimentos? Dirigi-os à Providência.’
“A 7 de agosto, uma ordem do marechal veio interromper o curso das sessões. Logo após a interdição, e tendo em vista a enorme afluência dos doentes a Mourmelon, tiveram que adotar em relação ao médium uma atitude sem precedentes. Como ele não havia cometido nenhuma falta e observava a disciplina muito rigorosamente, não podiam prendê-lo. Ligaram um plantão à sua pessoa, com ordem de segui-lo a toda parte e impedir que alguém dele se aproximasse.
“Disseram-me que seriam toleradas todas essas curas, contanto que a palavra Espiritismo não fosse pronunciada, e não creio que tenha sido o Sr. Jacob que a pronunciou. Teria sido a partir desse momento que agiram contra ele com rigor.
“De onde vem o pavor que causa o simples nome do Espiritismo, mesmo quando ele só faz o bem, consola os aflitos e alivia a Humanidade sofredora? De minha parte, creio que certas pessoas temem que ele faça muito bem.
“Nos primeiros dias de setembro, o Sr. Jacob quis vir passar dois dias em minha casa, cumprindo uma promessa eventual que ele tinha feito no campo de Châlons. O prazer que tive em recebê-lo foi decuplicado pelos serviços que pôde prestar a bom número de infelizes. Depois de sua partida, quase que diariamente estava ao corrente do estado dos doentes tratados, e aqui dou o resultado de minhas observações. A fim de ser exato como um levantamento estatístico, e a título de informações posteriores, se for o caso, aqui os cito nominalmente. (Segue uma lista de trinta e tantos nomes, com indicação da idade, da doença e dos resultados obtidos).
“O Sr. Jacob é sinceramente religioso. Dizia-me ele: ‘O que eu faço não me admira. Eu faria coisas muito mais extraordinárias e não ficaria mais espantado, porque sei que Deus pode fazer o que ele quiser. Só uma coisa me admira: é ter tido o imenso favor de ter sido o instrumento que ele escolheu. Hoje ficam admirados do que obtenho, mas quem sabe se num mês, num ano, não haverá dez, vinte, cinquenta médiuns como eu e ainda mais fortes que eu? O Sr. Kardec, que procura e deve procurar estudar fatos como estes que se passam aqui, deveria ter vindo. Hoje ou amanhã posso perder a minha faculdade, e para ele seria um estudo perdido. Ele deve fazer o histórico de semelhantes fatos.’”
OBSERVAÇÃO: Sem dúvida ter-nos-íamos sentido feliz em ser testemunha pessoal dos fatos relatados acima, e provavelmente teríamos ido ao campo de Châlons, se tivéssemos tido a possibilidade e se tivéssemos sido informado em tempo hábil. Só o soubemos pela via indireta dos jornais, quando estávamos em viagem, e confessamos não ter uma confiança absoluta em seus relatos. Teríamos muito o que fazer se fosse preciso ir em pessoa controlar tudo o que relatam do Espiritismo, ou mesmo tudo quanto nos é relatado em nossa correspondência. Não podíamos lá ir senão com a certeza de não ter uma decepção, e quando o relatório do Sr. Boivinet nos chegou, o campo estava interdito. Aliás, a vista desses fatos nada nos teria ensinado de novo, pois cremos compreendê-los. Ter-se-ia apenas tratado de lhe constatar a realidade, mas o testemunho de um homem como o Sr. Boivinet, ao qual tínhamos mandado uma carta para o Sr. Jacob, pedindo nos informasse do que teria visto, nos bastava completamente. Não houve, pois, perda para nós, a não ser o prazer de ter visto pessoalmente o Sr. Jacob em trabalho, o que esperamos possa dar-se alhures, fora do campo de Châlons.
Não falamos das curas do Sr. Jacob senão porque são autênticas. Se nos tivessem parecido suspeitas ou manchadas pelo charlatanismo e por uma bazófia ridícula que as tivesse tornado mais prejudiciais do que úteis à causa do Espiritismo, ter-nos-íamos abstido, a despeito do que pudessem dizer, como fizemos em várias outras circunstâncias, não querendo fazer-nos o editor responsável por alguma excentricidade, nem secundar as vistas ambiciosas e interesseiras que por vezes se ocultam sob aparências de devotamento. Eis por que somos circunspectos em nossas apreciações dos homens e das coisas e também por que nossa Revista não se transforma em incensório em proveito de ninguém.
Mas aqui se trata de uma coisa séria, fecunda em resultados, e fundamental no duplo ponto de vista do fato em si e da realização de uma das previsões dos Espíritos. Com efeito, há muito tempo eles anunciaram que a mediunidade curadora desenvolver-se-ia em proporções excepcionais, de maneira a atrair a atenção geral, e nós felicitamos o Sr. Jacob por ser um dos primeiros a fornecer o exemplo. Mas aqui, como em todos os gêneros de manifestações, para nós a pessoa se apaga diante da questão principal.
Considerando-se que o dom de curar não é resultado do trabalho nem do estudo, nem de um talento adquirido, aquele que o possui não pode considerá-lo um mérito. Louvamos um grande artista, um sábio, porque eles devem o que são a seus próprios esforços, mas o médium melhor dotado não passa de instrumento passivo de que os Espíritos se servem hoje e que podem deixar amanhã. O que seria do Sr. Jacob se ele perdesse a sua faculdade, o que ele prudentemente prevê? O que era antes: o músico dos zuavos, ao passo que, embora isto aconteça, ao sábio sempre restará a ciência e ao artista o talento. Ficamos feliz por ver o Sr. Jacob partilhar destas ideias, portanto, não é a ele que se dirigem estas reflexões. Ele compartilhará de nossa opinião, não temos dúvida, quando dissermos que o que constitui um mérito real no médium, o que se deve e pode louvar com razão, é o emprego que faz de sua faculdade; é o zelo, o devotamento, o desinteresse com os quais ele a põe a serviço daqueles a quem ela pode ser útil; é ainda a modéstia, a simplicidade, a abnegação, a benevolência que respiram em suas palavras e que todas as suas ações justificam, porque essas qualidades lhe pertencem mesmo. Assim, não é o médium que devemos pôr num pedestal, porque ele pode descer amanhã: é o homem de bem, que sabe tornar-se útil sem ostentação e sem proveito para a sua vaidade.
O desenvolvimento da mediunidade curadora forçosamente terá consequências de alta importância, que serão objeto de um exame especial e aprofundado em próximo artigo.
ALLAN KARDEC